Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/20510
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A fiscalização e o lançamento do ISSQN devido pelos serviços notariais e de registros públicos

A fiscalização e o lançamento do ISSQN devido pelos serviços notariais e de registros públicos

Publicado em . Elaborado em .

É lícito às Administrações Tributárias municipais efetuarem cadastramento de ofício das serventias, utilizando os dados do CNPJ, além daqueles que levantarem. O recolhimento do ISSQN deve ser efetuado em nome do titular da serventia, com a identificação da inscrição junto ao cadastro municipal, se houver, e do CNPJ.

Resumo: Este artigo aborda aspectos relevantes do procedimento de fiscalização do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza com vistas à constituição do crédito tributário relativo à prestação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais, apresentando questões práticas de interesse do Fisco Municipal para a efetivação das medidas em conformidade com a legislação vigente e com a interpretação do Supremo Tribunal Federal. O estudo trata dos principais aspectos do fato gerador: material, pessoal e quantitativo, assim como da modalidade de lançamento aplicada, indicando os documentos passíveis de verificação com a finalidade de efetuarem-se os necessários levantamentos fiscais que viabilizarão o lançamento e a cobrança do ISSQN devido pela atividade.

Palavras-chave: ISSQN. Fiscalização. Lançamento. Serviços Cartorários e Notariais.


1. INTRODUÇÃO

Desde a edição da Lei complementar nº. 116, em 2003, muito se têm falado e discutido acerca da sujeição dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN.

A grande motivação da polêmica é a inovação trazida pela lei que listou expressamente a atividade na Lista de Serviços, o que não se verificava na lista anexa à Lei Complementar Federal nº. 56, de 1987, revogada pela nova legislação.

Vigente desde 01 de agosto de 2003, e com a aplicação do item 21 da Lista de Serviços sobrestada para 1º de janeiro de 2004 em respeito ao Princípio da Anterioridade (Art. 150, III, b, da CF), a Lei teve a constitucionalidade questionada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR que, ainda em 2003, propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da famosa ADI nº. 3.089, decidiu pela constitucionalidade da incidência do ISSQN sobre os serviços.

Definida a tributação da atividade pela decisão transitada em julgado em 08 de agosto de 2008, resta aos Municípios lançar o tributo que eventualmente não tenha sido recolhido espontaneamente no prazo legal.

A proposta deste artigo é abordar aspectos relevantes do procedimento de fiscalização com vistas à constituição do crédito tributário relativo aos serviços de registros públicos, cartorários e notariais, apresentando questões práticas de interesse ao Fisco Municipal para a efetivação das medidas em conformidade com a legislação vigente e com a interpretação do Supremo Tribunal Federal.

O trabalho foi elaborado em forma de perguntas e respostas, visando com isso tornar sua leitura mais interessante, clara e objetiva.


2. OS SERVIÇOS – ASPECTO MATERIAL DO FATO GERADOR DO ISSQN

2.1 O que abrange os serviços de registros públicos, cartorários e notariais?

Do art. 236 da Constituição Federal extraímos que “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”. O mesmo dispositivo constitucional determina a regulamentação da atividade.

Cumprindo a determinação, a Lei 8.935, de 1994, conhecida como a Lei dos Cartórios, conceitua os serviços notariais e de registro como “de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (Art. 1°).

Podemos então fechar a definição dos serviços em comento como aqueles de organização técnica e administrativa que se destinam a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

Resta-nos identificar, em cada cartório, quais são os serviços delegados ao seu titular.

2.2 Quais são os serviços delegados aos titulares dos serviços notariais e de registro?

São diversas as modalidades de serventias extrajudiciais, e todas têm competências distintas, ou seja, a cada modalidade são delegados ao titular da mesma, serviços específicos cuja realização é privativa.

O quadro a seguir, elaborado a partir da Lei 8.935, de 1994 e da obra “O ISS nos Serviços Notariais e de Registros Públicos: teoria e prática” de autoria de Cleide Regina Furlani Pompermaier [1], procura identificar os serviços próprios de cada modalidade de serventia extrajudicial, apresentando os atos privativos de cada cartório extrajudicial, exemplos e esclarecimentos. e:

Titular/Cartórios (Art. 5° Lei 8.935)

Atos privativos de acordo com a Lei 8.935/1994

Exemplos de Atos e explicações Serviço

Tabeliães de notas

I - lavrar escrituras e procurações, públicas; II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados; III - lavrar atas notariais; IV - reconhecer firmas; V - autenticar cópias.

Escrituras de compra e venda; doação; cessão de direitos hereditários; compra e venda com pacto adjeto de hipoteca; promessa de compra e venda; emancipação; revogação de procuração; mútuo bancário; declaratórias; pacto antenupcial; permuta; reconhecimento de paternidade; confissão de dívida, etc.

Tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos

I - lavrar os atos, contratos e instrumentos relativos a transações de embarcações a que as partes devam ou queiram dar forma legal de escritura pública; II - registrar os documentos da mesma natureza; III - reconhecer firmas em documentos destinados a fins de direito marítimo; IV - expedir traslados e certidões.

Formalizar e registrar os atos de direito marítimo; formalizar e registrar documentos referentes aos atos de comércio realizados nos portos, por exemplo.

Tabeliães protesto de títulos

I - protocolar de imediato os documentos de dívida, para prova do descumprimento da obrigação; II - intimar os devedores dos títulos para aceitá-los, devolvê-los ou pagá-los, sob pena de protesto; III - receber o pagamento dos títulos protocolizados, dando quitação; IV - lavrar o protesto, registrando o ato em livro próprio, em microfilme ou sob outra forma de documentação; V - acatar o pedido de desistência do protesto formulado pelo apresentante; VI - averbar: a) o cancelamento do protesto; b) as alterações necessárias para atualização dos registros efetuados; VII - expedir certidões de atos e documentos que constem de seus registros e papéis.

Protesto é o ato formal pelo qual se prova a inadimplência e descumprimento da obrigação originada em títulos ou qualquer outro documento de dívida.

Oficiais de registro de Imóveis

Prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos registros públicos

Registro de todos os títulos translativos de direitos reais, bem como as devidas averbações que podem modificar a situação do imóvel ou a dos que se apresentam como detentores de seus direitos. Providencia, ainda, a inscrição de todos os atos relacionados ao parcelamento do solo e regularização de condomínios especiais.

Oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas

Prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos registros públicos

Atos relativos ao registro das sociedades simples e fundações e registros dos jornais, periódicos, empresas de radiodifusão e agências de notícia. Neste Cartório serão inscritos, por exemplo: os contratos, os atos constitutivos, o estatuto ou compromissos das sociedades simples, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, bem como o registro das fundações e das associações de utilidade pública; as sociedades simples, etc.

Oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas

Prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos registros públicos

Atos relacionados da vida civil de cada um. Neste Cartório Extrajudicial são concedidas, por exemplo: as certidões de nascimento, as certidões de casamento, as certidões de óbito, as emancipações, as interdições, as sentenças declaratórias de ausência, as opções de nacionalidade, os registros e averbações relacionadas a eventual modificação do estado civil das pessoas e as sentenças que deferirem a legitimação adotiva.

Oficiais de registro de distribuição

I - quando previamente exigida, proceder à distribuição eqüitativa pelos serviços da mesma natureza, registrando os atos praticados; em caso contrário, registrar as comunicações recebidas dos órgãos e serviços competentes; II - efetuar as averbações e os cancelamentos de sua competência; III - expedir certidões de atos e documentos que constem de seus registros e papéis.

Em locais em que há mais de um Tabelionato de Protesto, os títulos são obrigatoriamente distribuídos.


2.3 Como enquadrar os serviços notariais e de registro na Lista de Serviços?

Qualquer que seja a modalidade da serventia, todos os serviços próprios, ou seja, aqueles exercidos por delegação do Poder Público serão enquadrados no item 21.01 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar Federal 116, de 2003, que tem a seguinte redação: “21.01 - Serviços de registros públicos, cartorários e notariais”.

2.4 Os serviços realizados no âmbito das serventias restringem-se aos serviços delegados?

É possível e comum a realização de outros serviços, que não aqueles delegados pelo Estado aos respectivos titulares. É o caso, por exemplo, da feitura de cópias, normalmente relativas a documentos a serem autenticados ou que devem integrar ou acompanhar escrituras ou registros em elaboração. Também serviços de apoio administrativo, intermediações, consultoria e assessoria podem figurar dentre os serviços prestados.

Lembramos também que os prestadores de serviços notariais e de registro figuram entre os autorizados a exercerem atividade de atendimento de clientes e usuários de instituições financeiras (correspondente), conforme a Resolução BACEN nº. 3954, de 2011.

2.5 Qual o tratamento tributário dos serviços não próprios?

Identificados serviços não próprios ou diferentes dos delegados, devem estes ser enquadrados no item específico da Lista de Serviços e tributados com a alíquota própria prevista na legislação municipal. Nenhuma diferenciação mostra-se plausível pelo fato de o serviço ter sido executado por prestador que em princípio presta apenas serviços específicos a ele delegados. E não cabe aqui alegação de constituir-se em atividade meio, necessário à execução do ato próprio. Se o serviço é diferenciado e tiver preço cobrado em separado, deverá ser submetido ao tributo municipal pelo item específico que o prevê e alíquota diferenciada, pouco importando se maior ou menor que a alíquota prevista para o item 21. A não sujeição dos serviços ao item e alíquota próprios implica em concorrência desleal com o mercado de serviços.


3. A BASE DE CÁLCULO – ASPECTO QUANTITATIVO DO FATO GERADOR DO ISSQN

3.1 O ISSQN incide sobre o preço do serviço ou pode ser calculado por valor fixo?

Não resta dúvida de que a incidência do ISSQN dar-se-á sobre o preço do serviço, ficando afastada a possibilidade de tributação por valor fixo, que não leva em consideração o valor dos serviços prestados.

Primeiro porque a tributação diferenciada pressupõe a existência de legislação autorizadora, o que não se verifica para o item 21 da Lista de Serviços. Embora os serviços notariais e de registros públicos sejam exercidos exclusivamente por bacharéis em direito, conforme prevê a Lei dos Cartórios, não se confundem com os serviços advocatícios previstos nos itens “17.14 – Advocacia”, que substitui o item “88. Advogados” da lista anterior à LC 116/2003, lembrando também que para exercer serviços de advocacia é preciso, além de ser bacharel em direito, ter registro junto à Ordem dos Advogados do Brasil, requisito este não exigido dos notários e registradores. Segundo, porque é pressuposto da aplicação do benefício do famoso art. 9º, § 1º do DL 406/68 o caráter pessoal e não empresarial do prestador. No entanto, as atividades notariais e registrais têm caráter empresarial. Os delegatários, além de poderem contratar diversos funcionários para a prestação dos serviços, exercem suas funções com intuito de lucro e este, por sua vez, não é pertinente à idéia do trabalho pessoal e autônomo, conforme demonstram as decisões das mais altas cortes deste país, inclusive do Supremo Tribunal Federal na decisão da ADI 3089, cuja ementa segue transcrita:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA - ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE.

Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão-somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente.

ADI 3089, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 13/02/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-02 PP-00265 RTJ VOL-00209-01 PP-00069 LEXSTF v. 30, n. 357, 2008, p. 25-58.

Nossa Corte Maior, portanto, além de declarar constitucional a cobrança do imposto municipal, afirmou expressamente o caráter empresarial da atividade, quando afirmou ser esta exercida com intuito de obter lucratividade.

O entendimento também é pacificado no Superior Tribunal de Justiça, registre-se, nas duas Turmas do Direito Público que vem se pronunciando de forma inequívoca pela inexistência do caráter pessoal da prestação do serviço. Vejamos:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO PÚBLICO. REGIME DE TRIBUTAÇÃO FIXA. ARTIGO 9º, § 1º, DO DECRETO-LEI N. 406/68. AUSÊNCIA DE PESSOALIDADE NA ATIVIDADE. INAPLICABILIDADE.

1. A controvérsia do recurso especial cinge-se ao enquadramento dos cartórios no regime de tributação fixa, conforme disposição do artigo 9º, § 1º, do Decreto-Lei 406/68, cuja vigência é reconhecida pela jurisprudência deste Tribunal Superior. Precedentes: REsp 1.016.688/RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJe de 5.6.2008; REsp 897.471/ES, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 30.3.2007.

2. Os serviços notariais e de registro público, de acordo com o artigo 236 da Constituição Federal, são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público.

3. Ainda que essa delegação seja feita em caráter pessoal, intransferível e haja responsabilidade pessoal dos titulares de serviços notariais e de registro, tais fatores, por si só, não permitem concluir as atividades cartoriais sejam prestadas pessoalmente pelo titular do cartório.

4. O artigo 20 da Lei n. 8.935/94 autoriza os notários e os oficiais de registro a contratarem, para o desempenho de suas funções, escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados. Essa faculdade legal revela que a consecução dos serviços cartoriais não importa em necessária intervenção pessoal do tabelião, visto que possibilita empreender capital e pessoas para a realização da atividade, não se enquadrando, por conseguinte, em prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, nos moldes do § 1º do artigo 9º do Decreto-Lei n. 406/68.

5. Recurso especial não provido.

(REsp 1185119/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/08/2010, DJe 20/08/2010). [2]

3.2 Qual a modalidade de lançamento a que se submetem os serviços de registros públicos, cartorários e notariais?

Consequência direta do fato do imposto ser calculado sobre o preço do serviço, não se submetendo ao regime de tributação fixa, o lançamento do ISSQN dos serviços notariais e de registros públicos dar-se-á na modalidade “por homologação”, previsto no art. 150 do Código Tributário Nacional. Assim, cabe ao titular da serventia apurar e recolher o tributo devido, independente de qualquer ação prévia da autoridade administrativa. Esta modalidade de lançamento vai atingir tanto os serviços próprios (delegados) como os não próprios eventualmente prestados.

O Fisco tem a prerrogativa de, no prazo de cinco anos, verificar se os valores apurados e recolhidos no prazo legal estão de acordo com a realidade dos fatos. Encontrando omissão ou inexatidão, efetuará lançamento de ofício relativo às diferenças identificadas.

3.3 O que compõe o preço do serviço?

O preço do serviço, base de cálculo do ISSQN, corresponde ao valor dos emolumentos percebidos pela serventia, conforme se depreende inclusive da Lei 10.169/2000 – Lei dos emolumentos. Vejamos a redação do Art. 1°, Parágrafo único: “O valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados” .

Não integrará a base de cálculo o valor repassado ao Poder Judiciário relativo às taxas judiciárias, inclusive aquela cobrada através de selo.

Importante observar que pelos serviços gratuitos (ao público), as serventias serão ressarcidas pelo respectivo Estado. A receita auferida pela serventia e proveniente deste ressarcimento constitui igualmente remuneração por serviços prestados (preço do serviço), base de cálculo do ISSQN, portanto. Note-se que o ressarcimento ocorrerá apenas em relação aos serviços cuja gratuidade é prevista em lei – eventuais cortesias não são ressarcidas pelo Estado.


4. A SUJEIÇÃO PASSIVA - ASPECTO SUBJETIVO DO FATO GERADOR DO ISSQN

4.1 Quem é o contribuinte do ISSQN incidente sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais?

O contribuinte do ISSQN é o prestador do serviço. No caso dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais, o prestador é o titular da serventia, a quem os serviços foram delegados.

Os titulares de serviços notariais e de registro são os tabeliães e oficiais listados pelo artigo 5° da Lei n° 8.935 (Lei dos Cartórios), a saber: tabeliães de notas; tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos; tabeliães de protesto de títulos; oficiais de registro de imóveis; oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas; oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas; oficiais de registro de distribuição.

4.2 O lançamento tributário deve ser efetuado em nome da pessoa física ou jurídica?

Pompermaier [3] ensina que “o lançamento deve ser feito em nome do titular do cartório, mas não como pessoa física e sim como empresário, nos termos conceituados pelo art. 966, do Código Civil”.

Questão que se apresenta relevante, por ter fundamentado discussões e servido como argumento de defesa, é a identificação do sujeito passivo pelo CPF ou pelo CNPJ.

A Instrução Normativa RFB nº 1.005 de 8 de fevereiro de 2010, que dispõe sobre o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, em seu artigo 11, inciso X, impõe aos “serviços notariais e registrais (cartórios), de que trata a Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994” a obrigação de inscrever-se no CNPJ.

Importante observar, ainda de acordo com a citada Instrução Normativa, que “O CNPJ compreende as informações cadastrais das entidades de interesse das administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (Art. 2º), representando, assim, uma importante ferramenta da qual pode lançar mão as Administrações Tributárias Municipais na cobrança do ISSQN.

De outra ponta, cabe ao poder público municipal o planejamento e organização da cidade. No exercício do chamado poder de polícia especial, os municípios controlam o exercício das atividades econômicas em seu território, permitindo e organizando, através de alvarás de licença, a instalação, localização e funcionamento da indústria, comércio e serviços, segundo a legislação disciplinadora das posturas municipais.

Tanto as empresas comerciais, industriais ou prestadoras de serviços, assim como as pessoas físicas que desenvolvem atividades econômicas estão sujeitas ao poder de polícia especial do município onde estiverem estabelecidas ou domiciliadas e devem igualmente solicitar Alvará de Funcionamento e manter seus dados cadastrais atualizados, tudo conforme dispuser a legislação municipal.

A grande maioria dos Cartórios Extrajudiciais, no entanto, sempre se comportou como se não devessem satisfação alguma à Administração Municipal e, além de não solicitar permissão para se estabelecer, também não mantêm cadastro tributário junto ao Município.

É lícito às Administrações Tributárias municipais, nestes casos, efetuarem cadastramento de ofício das serventias, utilizando os dados do CNPJ, além daqueles que levantarem.

O recolhimento do ISSQN deve ser efetuado, portanto, em nome do titular da serventia, com a identificação da inscrição junto ao cadastro municipal, se houver, e do CNPJ.

Da mesma forma, estes dados servem para o lançamento de ofício de valores não recolhidos mensalmente, por omissão ou inexatidão, cujo débito seja identificado em procedimento de fiscalização.


5. O PROCEDIMENTO DE FISCALIZAÇÃO – ASPECTOS PRÁTICOS

Para introduzir o tema, colaciono da obra da Dra. Cleide Regina Furlani Pompermaier [4], duas questões de extremo interesse para a fiscalização dos cartórios extrajudiciais:

  • Deve haver autorização do Judiciário para início do procedimento fiscalizatório, considerando ser este Poder o responsável pelo controle das Serventias Extrajudiciais?

  • O Poder Judiciário deve ser comunicado acerca da fiscalização tributária?

A autora responde negativamente às questões, afirmando que só a Administração Tributária tem competência para a realização do lançamento tributário, ressaltando que os Auditores Fiscais Municipais atualmente fazem parte das atividades essenciais ao funcionamento do estado (art. 37, XXII, da Constituição Federal). Lembra igualmente, para fundamentar seu posicionamento, do art. 195 do CTN, segundo o qual, para os efeitos da legislação tributária não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.

5.1 Qual o prazo a fiscalizar e lançar?

Os fatos ocorridos a partir de 2004 podem ser fiscalizados, observado o prazo de decadência. Para os casos em que não havia pagamento antecipado, a interpretação é de que a decadência se opera a partir do primeiro dia do exercício seguinte à ocorrência do fato (Art. 173, I, do CTN). Havendo pagamento antecipado deverá ser observado o prazo de 05 (cinco) anos a partir da ocorrência do fato gerador (Art. 150, § 4º do CTN).

Os titulares dos serviços vêm arguindo o princípio da anterioridade para sustentar a impossibilidade de cobrança do imposto devido pelos fatos geradores ocorridos antes do trânsito em julgado da ADI 3089, que ocorreu em 08 de agosto de 2008.

Porém, o princípio da anterioridade não tem aplicação no caso. A decisão da ADI 3089 não criou nenhum imposto, apenas declarou a constitucionalidade da lei que criou a nova hipótese de incidência. Não há como reconhecer o fator surpresa a proteger o contribuinte de um tributo novo ou majorado. Este prazo foi cumprido pelo período entre a publicação da Lei Complementar 116, que ocorreu em 1° de agosto de 2003 e o dia 1º de janeiro de 2004, data a partir da qual o tributo passou a ser exigível pelos municípios.

Demais, a declaração de constitucionalidade na ADI 3089 ratificou a validade da lei impugnada desde a sua origem, produzindo o chamado efeito ex tunc, regra geral das decisões da espécie.

5.2 Quais os documentos a serem auditados?

O objetivo do procedimento de fiscalização do ISSQN é a verificação do cumprimento da obrigação principal e acessória pelo sujeito passivo e, sendo o caso, a constituição do crédito tributário através do lançamento.

Na fiscalização dos contribuintes sujeitos ao lançamento por homologação, como é o caso, deve haver a identificação de todos os fatos tributáveis, da base de cálculo e do imposto correspondente, confrontando os dados levantados com a apuração e recolhimento efetuados pelo sujeito passivo no prazo legal.

Portanto, interessam ao Fisco todos os documentos dos quais possam ser extraídos fatos tributáveis e o preço dos serviços, base de cálculo do ISSQN.

E quais documentos são estes?

A resposta a esta questão exige primeiramente a análise da legislação tributária municipal para verificação de quais as obrigações acessórias instituídas: exigimos a emissão de notas fiscais por parte dos titulares dos serviços? Exigimos escrita fiscal? Declarações periódicas de serviços?

Podemos solicitar todos os documentos decorrentes das obrigações acessórias instituídas aos contribuintes em geral e as específicas, se houver.

De extremo interesse para a fiscalização dos serviços notariais e de registro, é saber que, de acordo com a Lei 8.935/1994, os titulares das serventias são obrigados a emitir recibos relativos aos emolumentos percebidos (Art. 30, IX) e afixar as tabelas de emolumentos (Art. 30, VII). A obrigação de emitir recibos também está prevista na Lei 10.169/2000 – Lei dos Emolumentos - que vai além e determina a “indicação definitiva e obrigatória dos respectivos valores à margem do documento entregue ao interessado, em conformidade com a tabela vigente ao tempo da prática do ato”.

Portanto, os recibos e as Tabelas de Emolumentos podem se configurar em importantes instrumentos de mensuração dos fatos geradores do ISSQN e podem ser solicitados pelos auditores fiscais no início ou no curso de procedimento regular.

Em relação à contabilidade, os titulares das serventias são obrigados a manter Livro Caixa.

No Estado de Santa Catarina, o Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina [5], na Terceira Parte, dedica-se às Serventias Extrajudiciais, estabelecendo normas que disciplinam a atividade e devem ser observadas pelos notários e registradores, instituindo inclusive os livros obrigatórios para cada modalidade de serventia.

Dentre suas disposições, as seguintes se apresentam de especial relevância para o procedimento fiscal:

Fornecimento de recibos:

Art. 540. O oficial fornecerá ao interessado, independentemente de solicitação, recibo extraído do sistema de automação, que deverá conter:

I – identificação completa da serventia;

II – numeração sequencial;

III – discriminação do ato praticado e do valor do pagamento recebido;

IV – número do selo de fiscalização empregado ao ato, se for o caso;

V – data de emissão;

§ 1o O recibo referente a antecipação de emolumentos será titulado como “RECIBO DE ANTECIPAÇÃO DE EMOLUMENTOS” e fica dispensado o registro do número de selo de fiscalização empregado ao ato, enquanto que o recibo final, titulado como “RECIBO COMPLEMENTAR”, deverá constar o número do selo aplicado.

§ 2o Praticado o ato, constará do “RECIBO COMPLEMENTAR” a complementação dos valores ainda que não recolhidos pelo interessado, com o consequente lançamento no livro caixa.

§ 3o O recibo será emitido em duas vias, arquivando-se a segunda na serventia.

Obrigatoriedade de Livro-Caixa:

Art. 546-A. A serventia adotará livro-caixa, elaborado a partir das informações do sistema de automação, que conterá:

I – espaço destinado a menção das receitas diárias contendo:

a – data do lançamento;

b – código do ato;

c – descrição do ato;

d – tipo de selo;

e – número do selo;

f – número de protocolo;

g – número e descrição dos recibos emitidos (“RECIBO”, “RECIBO DE ANTECIPAÇÃO DE EMOLUMENTOS” ou “RECIBO COMPLEMENTAR”);

h - número e folha do livro;

i – base legal para o valor;

j – isenção do ato;

k – valor discriminado;

l – ressarcimento de atos gratuitos;

m – ajuda de custo.

II – espaço destinado ao registro de todas as despesas diárias contendo:

a – data do lançamento;

b – descrição detalhada da despesa;

c – espécie e número do documento que comprova a despesa;

d – valor;

III – espaço destinado a totalização das despesas e receitas e transporte dos valores diários ao próximo dia.

Parágrafo único. O sistema deverá possibilitar a realização de consultas e emissão de relatórios diários, mensais e anuais de receitas e despesas.

Adoção de sistema eletrônico de automação e gerenciamento:

Art. 1.051. As serventias extrajudiciais do Estado de Santa Catarina adotarão sistema eletrônico de automação e gerenciamento de cartórios que: (...)

III – vincule ao ato praticado o código do selo de fiscalização, quando obrigatória sua aplicação, e o(s) número(s) do(s) recibo(s) emitido(s) ao requerente; (...)

IX – controle a utilização dos selos de fiscalização, (...)

XII – emita recibo e armazene a respectiva via;

XIII – permita consulta e emissão de relatórios, com base em qualquer das informações do recibo;

XIV – disponha de livro caixa eletrônico elaborado a partir de todos os recibos emitidos; (...).

Além disso, podem ser inspecionados os livros instituídos para fiscalização do Poder Judiciário. Mas, que livros são estes? Os serviços prestados pelos Tabeliães, Notários e Registradores estão sujeitos à fiscalização do Poder Judiciário do Estado delegatário, por isso, as serventias estão sujeitas ao cumprimento de formalidades, sendo uma delas o registro dos atos em livros próprios, que poderão ser examinados pelo Fisco sem, contudo, serem retirados do local, considerando que se tratam de livros que devem permanecer no interior dos serviços à disposição do órgão que determinou a sua emissão.

Resumindo, interessam à fiscalização e podem ser auditados:

  • Todos os documentos obrigatórios nos termos da legislação tributária municipal, desde notas fiscais de serviços, livro registro de serviços, declarações eletrônicas, etc.;

  • Os livros-caixa relativos ao período fiscalizado;

  • Os recibos dos emolumentos percebidos no mesmo período.

Num segundo momento, sendo necessário, também podem ser auditados:

  • Os livros instituídos pelos respectivos Estados delegatários dos serviços;

  • Declaração de Renda do titular da serventia, com a ressalva de que esta se configura em obrigação acessória instituída pela União;

  • Quaisquer outros documentos, equipamentos, sistemas informatizados, etc., que possam conter informações pertinentes aos fatos geradores da obrigação tributária e à apuração do crédito.

Finalmente, não deve passar ao largo a questão de ser o titular cartório extrajudicial um potencial tomador de serviços, e assim sendo, este pode ser obrigado pela legislação municipal a prestar informações, em forma de declaração eletrônica, livro fiscal ou outra modalidade, relativas aos serviços tomados.

Lei municipal também poderá responsabilizar o titular dos serviços pela retenção e recolhimento do ISSQN em relação a serviços tomados, lembrando que a instituição de tal responsabilidade não poderá resultar na invasão da competência tributária de outros municípios. Em outras palavras, a atribuição de responsabilidade deverá observar as normas relativas ao local de recolhimento do imposto, estatuídas pelo artigo 3° da Lei Complementar n°116, de 2003.

Serviços de segurança, limpeza de prédios, construção e reforma de edifícios, entre outros, são exemplos de serviços cuja verificação no procedimento de fiscalização pode resultar em receita para os municípios, havendo previsão de responsabilidade tributária regulada pela legislação municipal.

No mais, o procedimento de fiscalização do ISSQN dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais deverá observar as formalidades previstas na legislação, lembrando que os atos praticados durante o procedimento pertencem todos à categoria de ato administrativo e, como tal, devem obediência a requisitos próprios: agente capaz, objeto lícito, forma prescrita, finalidade, motivo.

Assim, todos os atos praticados devem ser formalizados de acordo com a legislação municipal, assinados por agente com poderes para o ato e responsável pelo procedimento e devem ser adequadamente fundamentados, indicando os dispositivos legais que lhe servem de pressuposto.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fiscalização e o lançamento do ISSQN incidente sobre os serviços notariais e de registros públicos são imperativos. Mas é importante que se dê atenção especial não apenas ao passado, mas também que se prepare o futuro. As Administrações Tributárias municipais têm que pensar em como mensurar os fatos geradores que estão acontecendo hoje. A solução pode estar na efetivação da exigência do cumprimento das obrigações acessórias pelos titularesdos serviços, inclusive e principalmente, a emissão de documento fiscal para acobertar cada operação realizada, nele evidenciando o preço do serviço prestado, base de cálculo do ISSQN.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.

BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/LCP/Lcp116.htm .

BRASIL. SANTA CATARINA. Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina. Provimento 34/2010, Diário da Justiça Eletrônico nº 1063. Disponível em <http://www.tj.sc.gov.br/institucional/normas/normas.htm>.

POMPERMAIER, Cleide Regina Furlani. O ISS nos Serviços Notariais e de Registros Públicos: teoria e prática. Blumenau, Nova Letra, 2010. 216 p.


Notas

  1. POMPERMAIER, Cleide Regina Furlani. O ISS nos Serviços Notariais e de Registros Públicos: teoria e prática. Blumenau, Nova Letra, 2010. p. 70 a 78.

  2. No mesmo sentido: REsp 1187464/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado 01/06/2010, DJe 01/07/2010; REsp 1185119/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado 10/08/2010, DJe 20/08/2010; AgRg no REsp 1206873/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado 21/10/2010, DJe 09/11/2010; AgRg no REsp 1191153/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado 21/10/2010, DJe 03/02/2011 e AgRg no REsp 1221491/SC, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, julgado 08/02/2011, DJe 18/02/2011.

  3. Ibid., p. 70 a 78

  4. Ibid., p. 131 a 136.

  5. Versão atualizada em 07/12/2010, com a publicação do Provimento 34/2010, no Diário da Justiça Eletrônico nº 1063 . Disponível em: <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/upl/diarioeletronico.do> Acesso em janeiro/2011.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LONGEN, Márcia Zilá. A fiscalização e o lançamento do ISSQN devido pelos serviços notariais e de registros públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3068, 25 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20510. Acesso em: 25 abr. 2024.