Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/21053
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O art. 5º, III, da CF/88 em confronto com o sistema carcerário brasileiro

O art. 5º, III, da CF/88 em confronto com o sistema carcerário brasileiro

Publicado em . Elaborado em .

O cárcere está funcionando como uma vingança pelo poder público que apraz uma sociedade temerosa e insegura. A prisão não regenera, não ressocializa e não intimida. Os índices de violência continuam subindo por mais dramática e desumana que seja a condições impostas pelas prisões.

"É desta massa que somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade".

(José Saramago)


RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso trata do desrespeito dos princípios e garantias constitucionais, em especial do art. 5º, III, CF/88 que proíbe a tortura e os tratamentos desumanos e degradantes, sofridos pelos presos no Brasil. O objetivo que visamos alcançar é demonstrar que o Estado, responsável pela guarda e segurança de seus detentos, é figura ativa na prática dessas condutas quando não cumpre o estabelecido em lei. Através de pesquisa bibliográfica delineamos um breve histórico das penas e das prisões, o perfil do preso e fisiografia das prisões brasileiras, os princípios constitucionais violados, o confronto entre o art. 5º, III, CF e o atual sistema carcerário. Não buscamos aprofundar o tema ao ponto de esgotá-lo, fato este impossível diante da imensidão do assunto tratado e da problemática que o envolve, mas nos esforçamos para apresentar ideias que poderiam ser consideradas neste universo de horrores vivenciados por nossos detentos.

Palavras-chave: Sistema carcerário brasileiro, Princípios constitucionais, Violações.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO.1 – BRASIL – PENAS E PRISÕES.1.1 – PERFIL DO PRESO BRASILEIRO.1.2 – ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS NO BRASIL.1.3 – FATORES CRIMINÓGENOS.1.4 – AVALANCHE LEGISLATIVA.1.5 – O PAPEL DOS APLICADORES DO DIREITO.1.6 – A REAÇÃO DA SOCIEDADE.1.7 – A IMPRENSA COMO FORMADORA DE OPINIÃO EM MASSA. 2 – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS VIOLADOS. 3 - ART. 5º, III, CF/88 E O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO .4 – POSSÍVEIS SOLUÇÕES.4.1 – PENAS ALTERNATIVAS . 5 – CONCLUSÃO. 6 – REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

Na Bíblia Sagrada, Adão por ter cedido aos encantos de Eva e provado da maça do pecado, desobedecendo assim ordens expressas de Deus, foi punido com o banimento do Paraíso e com as agruras de um homem comum. Mesmo para os céticos um fato não pode ser negado: o uso do castigo como contraprestação de um comportamento considerado inadequado remonta desde a existência do homem.

Em uma breve análise histórica verifica-se o uso de aflições corporais como forma de punição legítima. Assim foi antes de Cristo, na Idade Média (principalmente) e em grande período da chamada Idade Moderna.

A tortura era a base para as confissões e as sentenças visavam satisfazer a "ira divina" com penas de mutilações, apedrejamentos, suplícios em fogueiras, para citar alguns exemplos.

O julgamento cabia normalmente a um juiz com poder absoluto e ilimitado e as penalidades aplicadas não observavam qualquer critério. Não há aqui qualquer sinal de observância a dignidade da pessoa humana ou do principio da proporcionalidade da pena.

Esse panorama só toma diferentes contornos a partir da Era Iluminista: "... o antigo sistema punitivo comum foi substituído gradualmente por um sistema mais humano." [01]

Até então usada como meio de aplicação da pena, guarnecendo os prisioneiros de possível fuga, a prisão passou a ter um fim em si mesmo, qual seja a condenação a restrição da liberdade.

"A prisão torna-se então a essência do sistema punitivo. A finalidade do encarceramento passa a ser isolar e recuperar o infrator." [02]

Dessa "humanização" da pena chegamos ao atual cenário do sistema carcerário brasileiro e sua afronta aos ditames constitucionais vigentes.

De quem é a responsabilidade? Quais as propostas viáveis para mudanças dessa realidade tão cruel? Como equacionar os princípios constitucionais e os direitos inerentes a pessoa humana tender para a impunidade? Como fazer valer o binômio retribuição-prevenção, finalidades da pena no direito penal brasileiro, diante das dificuldades apresentadas pelas instalações penitenciárias da qual dispomos?

Trata-se de uma pesquisa teórica, onde buscaremos condições explicativas da realidade, polêmicas e discussões pertinentes com bibliografia eminentemente doutrinária acerca do tema visando apresentar sugestões para as indagações acima.

Focados nesse contexto, analisaremos o Art. 5, III, CF/88 versus o atual sistema carcerário brasileiro, através de um breve histórico das penas e das prisões e o perfil do preso no Brasil, a situação de nossos cárceres, o posicionamento do Poder Público diante da afronta ao princípio constitucional em questão, a aplicação do Direito Penal do Inimigo nas execuções penais, as Políticas Criminais a serem adotadas para amenizar de maneira imediata a questão.


1 BRASIL – PENAS E PRISÕES

As punições corporais vigoraram nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Mudanças históricas inseridas pela promulgação do Código Criminal do Império de 1830, com a Abolição da Escravatura e Proclamação da República trouxeram um sentido humanitário para a pena. No final do século XIX já se falava em reeducação e ressocialização do preso. O Código Penal de 1930 previa a individualização das penas e direitos inerentes ao preso.

As execuções penais eram amparadas pelo Direito Penal e Processual Penal e tratadas de forma administrativa apesar de seu enfoque eminentemente jurídico. Não havia uma legislação para tratar o tema até a edição da Lei 7210 de 1984, atual Lei de Execução Penal.

O primeiro presídio do Brasil foi a Casa de Correção da Corte, construído no Rio de Janeiro em 1850 (Complexo Penitenciário Frei Caneca), implodido em março de 2010 para ceder o lugar a casas populares. Os poucos presos que ali restavam foram transferidos para outras penitenciárias.

A população carcerária hoje é alarmante levando-se em conta o número de vagas disponíveis.

De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) em dezembro de 2009 o Brasil possuía 473.626 presos. Analisando-se os dados da série histórica do Depen observa-se que nos últimos dez anos duplicou o número de presos no país; uma população que cresce a uma taxa anual de 7,3%. Cerca de 43% dos presos atualmente no sistema penal brasileiro são provisórios. [03]

A maior problemática em torno dos presídios está na superlotação enfrentada por todas as unidades do Brasil. Mas, será esse o único entrave para o cumprimento dos preceitos constitucionais inerentes ao preso ou é o maior deles? Mister análise detalhada dos fatores preponderantes no dia a dia dos encarcerados brasileiros para entender o que está ocorrendo com o nosso sistema prisional.

1.1 – PERFIL DO PRESO BRASILEIRO

Evidente que a grande maioria dos presos no Brasil é pobre, mas ao contrário do que se imagina esse contingente carcerário é alfabetizado. Apenas 10% de nossos presos são analfabetos, o que desmistificar o entendimento que a falta de educação escolar marginaliza o homem.

Comparado a população carcerária masculina, as mulheres são minoria absoluta, cerca de 10% e sua grande maioria está presa pelo crime de tráfico de drogas. Entre os homens prevalecem os crimes contra o patrimônio, seguidos do tráfico de drogas e de homicídio.

Aproximadamente 70% dos presos brasileiros estão na faixa etária entre 18 e 29 anos, significando a prevalência de jovens.

Os reincidentes figuram em torno de 80% dos encarcerados, demonstrando dois fatores: que o egresso não é devidamente aproveitado no mercado de trabalho e o período de encarceramento desenvolve um perfil apurado para o crime.

Quanto aos adolescentes que cumprem medida sócio-educativa restritiva de liberdade os dados são alarmantes, conforme artigo denominado "Infância Enjaulada":

Mais de 11 mil adolescentes brasileiros estão atrás das grades. Levantamento feito pela Secretaria Nacional dos Direitos Humanos em dezembro mostra que o número é 397% maior do que o verificado em 1996. [04]

Verifica-se que as características dos adolescentes apreendidos seguem a dos presos maiores de idade: pobres do sexo masculino e prevalência da prática de crimes contra o patrimônio (apesar do ECA só permitir a restrição da liberdade no caso de crimes praticados com violência e grave ameaça ou em casos de reiteração de atos infracionais).

1.2 – ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS NO BRASIL

Estatísticas e pesquisas realizadas pelos mais variados órgãos e instituições não informam com precisão a quantidade de vagas necessárias para abrigar a população carcerária brasileira, já que os dados são díspares. Fala-se da necessidade de mais de 50.000 (cinqüenta mil) novas vagas e que existem cerca de 2,5 presos por vaga atualmente distribuídos em presídios, cadeias públicas e estabelecimentos para menores infratores.

O que atrapalha esses levantamentos é a inobservância das peculiaridades de cada preso que deveriam ser separados por sexo, idade, gravidade do delito praticado, provisórios dos com condenação definitiva. Cadeias públicas cumprem indevidamente a função de presídios.

Mas em um dado as pesquisas convergem: o Brasil enfrenta a mais séria crise de superlotação carcerária de sua história.

Rebeliões, motins, fugas, torturas, abusos sexuais e mortes são uma constante nesses locais infectos, insalubres e degradantes.

Comumente notícias sobre mulheres encarceradas em celas lotadas de homens e adolescentes trancafiados com adultos cumprindo verdadeiras penas.

Existem no Brasil os chamados presídios de segurança máxima, no número de quatro, onde a qualidade de vida do preso é incomparável aos presídios comuns em relação às condições físicas do abrigo, alimentação, vestuário e assistência médica. Ocorre que o custo por preso nestes estabelecimentos é cerca de quatro vezes maior em relação aos presídios comuns.

Além do alto custo para construção, manutenção do local e dos presos, as penitenciárias de segurança máxima são o extremo das medidas extremas que é a prisão, só indicadas para presos de altíssima periculosidade, não sendo solução para o caos implantado em nossos presídios.

1.3 – FATOR CRIMINÓGENO

Fator criminógeno é tudo aquilo que contribui para desenvolver a personalidade criminosa, estimulá-la ou aperfeiçoá-la.

Cezar Roberto Bittencourt aponta a falência da prisão como fator criminógeno, classificando-os como fatores materiais, psicológicos e sociais:

[...] Contribuem igualmente para deteriorar a saúde dos reclusos, as más condições de higiene dos locais, originadas na falta de ar, umidade e odores nauseabundos [...]

[...] Sob o ponto de vista social, a vida que se desenvolve em uma instituição total facilita a aparição de uma consciência coletiva que, no caso da prisão, supõe a estruturação definitiva do amadurecimento criminoso. [05]

O efeito dessa fisiografia é devastador seja moral, psicológica ou fisicamente, predispondo os que nela convivem à prática de outros crimes. É um efeito natural e sistêmico. Ai está fincada as bases da reincidência.

As prisões não cumprem o papel a que foram dispostas sendo verdadeiras universidades de criminosos. Os que dela saem tendem naturalmente à prática de novos delitos, quando não os praticam dentro das próprias prisões.

As condições subumanas que são impostas aos encarcerados moldam as personalidades mais sensíveis em seres cruéis, desprovidos de qualquer sentimento moral, de qualquer princípio ou pudor que os impeçam de práticas atrozes com seus semelhantes. O Estado está criando e aperfeiçoando criminosos através do aparato público.

"Não é demais martelar: a cadeia fabrica delinquentes, cuja quantidade cresce na medida e na proporção em que for maior o número de presos ou condenados". [06]

1.4 – AVALANCHE LEGISLATIVA

Para a lei penal não se reconhece outra eficácia senão a de tranqüilizar a opinião publica, ou seja, um efeito Simbólico, ou seja, os riscos não se neutralizam, mas ao induzir as pessoas a acreditarem que eles não existem, abranda-se a ansiedade ou, mais claramente, mente-se dando lugar a um direito penal promocional, que acaba se convertendo em um mero difusor de ideologia. [07]

A cada crime bárbaro a sociedade clama por justiça e como contraprestação ocorre a edição de uma lei, não raro recrudescendo uma já existente. Fenômeno que Juary C. Silva chamou de "inflação legislativa". [08] Assim ocorreu com a Lei dos crimes hediondos, a nova Lei do Desarmamento, a nova Lei de Drogas...

O Poder Público acalma o furor da população agravando os crimes e as suas penalidades, mas não modifica a política inerente a outros setores que desencadeiam e influenciam o crime, como a educação e o desemprego.

A lei que não retroage, salvo em benefício do réu, não irá atingir aquele criminoso específico, mas dá uma falsa sensação de segurança à sociedade temerosa. Alienação de multidões. As pessoas necessitam de uma resposta imediata as barbáries praticadas e nada melhor que uma lei à base da tolerância zero para cumprir esse papel. O tempo passa e o fato cai no esquecimento.

O legislativo como um furacão vai abocanhando temas e expurgando-os em forma de leis. Editá-las é fácil, difícil é fiscalizar a aplicação.

Exemplo é a própria Lei de Execução Penal. O texto prima pelo idealismo de garantias e direitos do preso como limitação ao poder punitivo do Estado. Na prática observamos o caos instalado nas penitenciárias.

1.5 – O PAPEL DOS APLICADORES DO DIREITO

O caminho a ser percorrido pelos aplicadores do direito, em tese, é a apuração e indiciamento pela Polícia Judiciária, a denúncia pelo Ministério Público, o julgamento e sentença pelo Poder Judiciário. A este também cabe a execução da pena. Esse iter pode ser alterado dependendo do tipo delituoso praticado.

A Polícia Judiciária é compelida por lei a lavrar autos de prisão em flagrante, sob pena de prevaricação, visto que não é permitido externar juízos de valor sobre os casos. Resultado: carceragens abarrotadas de indivíduos que poderiam estar desde o início respondendo em liberdade devido a aplicação de um direito penal mínimo onde só os bens mais relevantes teriam a tutela jurídica através da imediata prisão.

Com pilhas de processos a despachar, tanto o Ministério Público quanto o Judiciário vêem-se abarrotados, sem um efetivo humano que comporte o volume de trabalho. Resultado: a morosidade da justiça em cumprir o seu papel e uma multidão de presos crescendo a cada dia.

Comumente juízes respondem por várias comarcas e varas, inclusive a de execuções penais que trata diretamente dos presos condenados e o cumprimento de suas penas.

Não raro presos que já cumpriram penas ou que fazem jus a progressão de regime permanecem detidos anos a fio por falta da atuação dos magistrados.

1.6 – A REAÇÃO DA SOCIEDADE

Existe hoje no Brasil a falsa crença de que somente se reduz a criminalidade com a definição de novos tipos penais, o agravamento das penas, a supressão de garantias do réu durante o processo e a acentuação da severidade da execução das sanções, posição mundialmente generalizada [...] [09]

Com os alarmantes índices de violência a sociedade está cada vez mais aterrorizada credita ao rigor cada vez maior da lei o suposto sucesso na luta contra criminalidade. Só ocorre justiça verdadeira quando o réu está atrás das grades.

Movidos pela crescente onda de crimes com violência contra a pessoa, a população insegura exige providências imediatas do Poder Público e este por sua vez agrava os tipos penais.

A sensação de impunidade ronda institutos como a progressão de regimes, o livramento condicional e as penas alternativas

Não são analisados os fatores criminógenos, os antecedentes, a personalidade do autor do delito. Exige-se justiça a qualquer preço, sob pena de descrédito absoluto dos agentes repressivos do Estado. Polícia, Ministério Público e Judiciário são coagidos a atuar nos limites da reprimenda penal. Não se cogita a situação do sistema carcerário e a influência negativa sobre aquele que irá preso, buscando-se assim alternativas para a reparação do dano praticado. O que interessa é a reclusão do indivíduo, seu total afastamento do meio social, só assim o perigo estará neutralizado. Não imaginam o egresso. O preso que sai da cadeia retornará as suas origens e seu destino dependerá, em absoluto, das oportunidades que surgirem, seja no mundo do crime ou não.

1.7 – A IMPRENSA COMO FORMADORA DE OPINIÃO EM MASSA

Incontestável a importância da mídia em um Estado Democrático de Direito no exercício do direito de liberdade de expressão, cabendo a ela informar, esclarecer e fazer ouvir os diversos segmentos de nossa sociedade.

Foi uma batalha de séculos até que a imprensa conseguisse de maneira estruturada levar aos quatro cantos notícias de interesse nacional sem a perseguição dos detentores do poder.

Mas esta ferramenta torna-se perigosa quando se trata da deformação de opinião pública, quando está a serviço de uma classe dominante ou quando distorce a verdade.

A imprensa é considerada um dos institutos mais confiáveis na Brasil, à frente da polícia e da Igreja Católica. Então, pode-se aferir o impacto de uma notícia sobre a população.

Quando divulgam a notícia da prática de um crime, o suposto autor do delito é antecipadamente condenado pela opinião pública. Quanto mais bárbara e atroz a figura típica proporcionalmente mais rigorosa será a reação da sociedade.

A responsabilidade pelo real esclarecimento dos fatos é de suma importância para que não se cometam injustiças, visto que as pessoas envolvidas na apuração e julgamento por mais imparciais que tentem ser estão, sim, expostas a pressão da opinião pública. Mandar um inocente para a uma vida de horror nas penitenciárias não coaduna com qualquer pensamento de justiça.

[...] ela não permite um aprofundamento do problema, faz questão de deixar num nível superficial apenas [...]. Então essa discussão de violência no Brasil não avança. A imprensa é estimuladora do medo. Ao ficar na superfície, as razões maiores do aumento da violência não são discutidas, então a gente não caminha pra frente. Nós estamos nos agarrando a um modelo que só vai gerar mais violência, um modelo de segurança pública, um modelo prisional. [10]


2 – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS VIOLADOS

AConstituição Federal de 1988 assegura, explicita e implicitamente, direitos inalienáveis da pessoa humana. Alguns desses direitos são naturais, inerentes aos seres humanos, outros são conquistas que vieram a ser reconhecidas ao longo de uma história onde a tortura custou a vida de muitos.

Ao longo do art. 5º da CF estão descritos os direitos consignados aos presos. Assim como as crianças, adolescentes, idosos, grávidas e deficientes físicos, a pessoa submetida à prisão necessita de uma proteção especial devido ao estado peculiar e débil em que se encontra.

Independente do crime praticado e da periculosidade apresentada, o preso (não podemos aqui chamar simplesmente de "condenado" porque muitos que estão encarcerados não foram sequer julgados em 1ª instância), torna-se a figura passiva na relação entre ele e o Estado. Desrespeitados os preceitos legais cabe ao Estado, opondo-se a justiça privada, apurar o ocorrido e aplicar as punições devidas. Mas a própria lei prevê os limites do jus punitionis (direito de punir) do Estado visto que conflita com outros direitos e garantias. A equação destes direitos está impossibilitada diante da atual sistemática vivida nos nossos presídios.

A CF prevê, entre inúmeros outros direitos e garantias, que o preso terá asseguradas sua integridade física e moral, um devido processo legal, ampla defesa e só será considerado culpado depois do trânsito em julgado da sentença. Mas em uma análise superficial é possível constatar que o próprio Estado desrespeita flagrantemente não só os ditames constitucionais, mas também os Tratados Internacionais de Direitos Humanos que o Brasil comprometeu-se a honrar. [11]

Art. 5º [...]

LXXVIII [...]

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Quando se submete ao poder do Estado a pessoa que praticou um crime terá direitos suprimidos para que a justiça possa ser concretizada, porém a supressão de direitos não é sinônimo de tortura, maus-tratos, vilipêndios. O Estado tem que aplicar a lei, mas também tem que segui-la.

Certo que a prisão é um mal necessário para subtrair da sociedade aqueles que não se sujeitam as exigências necessárias para a vida em comum devido ao comportamento criminoso. Mas também é certo que essas pessoas não permanecerão infinitamente reclusas já que no Brasil também é princípio constitucional a vedação a penas perpétuas. Assim sendo, aquele que for preso deverá, com o cumprimento da pena, ter a retribuição do mal praticado e condições para a sua regeneração para quando egresso adaptar-se a sociedade, não voltando a delinqüir. Deveria ser assim conforme o volume legiferante que trata do tema.

Na prática o quadro é desolador. O preso no Brasil sofre verdadeira degradação moral e física, com ofensa notória de seus mais singelos direitos.

Flagrante a inobservância não só dos mandamentos constitucionais que dão proteção específica a pessoa presa, mas também de todos os princípios asseguradores da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – [...]

II – [...]

III – a dignidade da pessoa humana [12]

Diante desse inconteste desrespeito ao princípio norteador dos direitos e garantias do ser humano, passaremos a analisar mais detalhadamente o artigo que dá embasamento a este trabalho.


3 – Art. 5º, III, CF/88 E O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

Art. 5º, III da CF/88: "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano e degradante". [13]

O verbo utilizado no artigo em análise – submeter – resume em sua essência o que ocorre com os nossos encarcerados: a situação de passividade diante da imposição das penas e as conseqüências advindas dessa condição.

Ao preso não cabe mais nada a não ser subjugar-se aos impérios da lei e com isso a crua realidade dos presídios nacionais.

As prisões exercem o poder devastador de dizimar a moral humana quando, de forma legítima, cerceiam a liberdade, mas também quando impõe a convivência obrigatória entre seus pares e as necessidades e conflitos dessa relação.

A superlotação, causa principal da crise carcerária, gera rebeliões, motins, mortes e um efeito sistêmico difícil de controlar. Essas insurgências requerem uma reação imediata dos responsáveis pelo controle e segurança dos cárceres, muitas vezes também vítimas desse sistema.

Essas reações carecem da imposição da força para restabelecimento da paz e da ordem. Ocorre que comumente essa força extrapola o necessário e do exercício de um poder legal temos verdadeiras práticas de tortura e extermínio.

Esse é o quadro que não podemos ignorar visto que é externado de maneira reiterado para a população através dos mais diversos tipos de noticiários.

Mas não só de rebeliões vivem os presos. E o que foge a nossos sentidos? O que não escapa pelos muros das prisões? E o que é vivenciado diuturnamente pelos detentos e que não temos a chance de registrarmos tão facilmente como ocorre com as hordas amotinadas?

O livro Estação Carandiru narra de maneira ímpar o panorama no interior de um presídio e as vicissitudes de seus presos. A lúgubres do ambiente, as anomalias geradas nas personalidades dos detentos, a animosidade levada ao extremo entre os encarcerados, os confrontos com a polícia. Como uma bomba relógio gigantesca acionada pela tensão insuportável, o presídio do Carandiru registrou uma das mais graves rebeliões registradas no Brasil com um desfecho trágico, porém previsível.

O Carandiru é nacionalmente conhecido por ter abrigado a Casa de Detenção de São Paulo, onde em 2 de outubro de 2002, 111 presos foram mortos durante uma rebelião. O episódio foi registrado no livro Estação Carandiru, do médico Dráuzio Varela, que depois foi transformado em filme dirigido por Hector Babenco. ?Em 2003, menos de um ano depois do massacre, o presídio foi demolido e hoje abriga o Parque da Juventude. [14]

A obra pontuada de riqueza de detalhes narra o cotidiano dos presos que é a mesma do universo das diversas penitenciárias espalhadas pelo Brasil: espaço limitado; ambiente fétido e sufocante; proliferação de doenças infecto contagiosas; promiscuidades; disputa por territórios e pertences; guerra entre facções; assassinatos por vingança; uso de drogas.

Assinalamos o que dispõe a Lei 7210 de 11 de julho de 1984 nos Capítulos II e IV, respectivamente "Da assistência" e " Dos [...] direitos" onde se descreve todo o amparo que o preso e o interno terão por ocasião do recolhimento e cumprimento da pena. [15]

A tortura, a degradação e a desumanidade são facilmente demonstradas através de uma interminável lista violações de direitos, como a que segue abaixo, ressaltando que o cenário aqui detalhado é da maioria dos cárceres do Brasil, excluindo-se raríssimas exceções como são os presídios de segurança máxima:

a) Individualização da pena: deverão ser observados critérios classificatórios para a determinação do local adequado para permanência do preso, mas devido à falta de vagas isso não é possível e mistura-se na prisão todo tipo de pessoas, favorecendo assim o aliciamento daqueles que ainda não tiveram a personalidade corrompida pelo crime, além de toda sorte de barbáries sofridas pelos mais fracos (de corpo e de espírito);

b) Instalações: o primeiro grande impacto sofrido pelo preso quando recolhido é deparar-se com o local onde permanecerá. Não é a visão externa de muros altos, portões lacrados, arames farpados, cercas elétricas e agentes montando guarda, tudo isso é previsível. A visão interna é que amedronta. O ar rarefeito, a umidade, o calor, o odor fétido, a multidão de detentos encolhidos em espaços mínimos;

c) Vestuário: não existem uniformes padronizados identificando cada preso. As roupas utilizadas são a dos próprios detentos, trazidas pela família ou adquiridas em processos de barganha. Algumas peças que deveriam ser proibidas pelo perigo de proporcionarem enforcamentos, tais como calças, blusas de manga comprida e cintos são usados livremente. Não há lavanderia apropriada para lavagem e assepsia das vestimentas que ficam imundas e impregnadas de odor insuportável;

d) Atendimento médico, psicoterápico e odontológico: as doenças infecciosas são disseminadas como uma praga. A tuberculose e a AIDS contaminam centenas. Não há assistência preventiva, tratamento ambulatorial ou clínico adequado. Presos em estado graves são encaminhados para algum hospital onde permanecem internados, algemados a cama sob custódia de policiais evidenciando sua condição e causando temor a pacientes e profissionais de saúde. Tratamento odontológico apenas esporadicamente em algumas unidades. Psiquiatras só para os casos de doentes mentais nas medidas de segurança. Psicólogos são uma utopia;

e) Medicamentos: alguns detentos necessitam de remédios não apenas para tratar de doenças eventuais, mas para tratamentos de doenças hereditárias, crônicas ou incuráveis (inclusive aquelas adquiridas no cárcere). É obrigação do Poder Público fornecer medicamentos para aqueles que estão sob sua guarda e proteção, porém este é mais um direito não observado;

f) Alimentação: o cardápio disponibilizado não supre as necessidades nutricionais e a quantidade é insuficiente para atender de maneira satisfatória a todos. As refeições são, na maioria, preparadas pelos próprios detentos que detêm os critérios para a forma de distribuição de maneira nada equitativa. Os detentos que necessitam de dieta balanceada devido a problemas de saúde não contam com acompanhamento. As famílias são obrigadas a fornecer alimentos nos estabelecimentos que não há comida;

g) Higiene pessoal: como ocorrem com a alimentação, os remédios e outros objetos de uso pessoal, as penitenciárias deveriam, por lei, oferecer os produtos necessários para higiene ou quando não possível, disponibilizar um local para a venda. Acontece que a entrada desses produtos só através de familiares, no "comércio carcerário" (entre presos através de barganha ou troca de favores) ou com o pagamento de propinas aos funcionários. O banho, nem sempre diário, é possível através de um cano na parede com a água alagando a cela ou de forma coletiva em locais abertos. Não raro são armazenadas água em garrafas de plástico devido a sua escassez, mesma água que é usada para beber. O resultado é o pestilento mau cheiro, a propagação de doenças, o ser humano vertido a condição de animal;

h) Assistência religiosa: em um ambiente tão rude, a assistência religiosa, independente do credo, funciona como um bálsamo para aqueles que exercitam sua fé como forma de não se renderem a violência, a promiscuidade e a loucura. As missas e os cultos (mais comuns nas carceragens, ao lado da assistência espírita) funcionam também como momento de entretenimento, interação e contato do preso com o mundo exterior. Trazem em si instantes de esperança. Fora a iniciativa de alguns voluntários não existe essa assistência nas penitenciárias;

i) Encontros íntimos: direitos dos presos não alcançados pelas presas, os encontros sexuais com parceiros quando possíveis e permitidos são revezados pelos casais nas próprias celas isoladas com lençóis amarrados as grades, com tempo determinado. Na maioria decorrem do pagamento de propinas ou troca de favores. A impossibilidade de encontros íntimos estimula as violências sexuais e a promiscuidade;

j) Trabalho: ao preso é dado o direito de remir sua pena na proporção de um dia para cada três dias trabalhados. Como as prisões não fornecem a possibilidade do exercício de qualquer tipo de labora, também não é possível o exercício deste direito. Fica comprometida também a formação de profissionais, cabendo ao preso quando egresso o estigma de ex-detento e o empecilho de conseguir vaga no mercado de trabalho, fator de incentivo ao retorno a criminalidade;

k) Educação: as penitenciárias devem fornecer obrigatoriamente o ensino de primeiro grau a seus presos. Poderão ocorrer convênios com entidades educacionais. Mais uma garantia desrespeitada;

l) Lazer: sinônimo de encontro com familiares e jogo de futebol no momento dos banhos de sol, mas em grande parte das prisões não horário de visitas ou saída das celas para o que quer que seja.

Traçamos aqui direitos básicos ofendidos de maneira geral, alertando que em casos quando as penas são cumpridas em cadeias públicas, algumas até mesmo interditadas, mas abrigando presos, a situação é muito mais grave. Existem locais onde os presos estão cumprindo penas em contêineres, vagões e no interior de camburões onde o ar adentra apenas por pequenas frestas. Absurdo dos absurdos.

Por si só o cotidiano de nossos presos demonstra o limite da degradação humana, algo só comparado com os campos nazistas da 2ª Grande Guerra.

Como se falar em direitos e garantias constitucionais onde as necessidades mais ínfimas não são supridas. Morre-se e mata-se por um pouco de alimento. Produto de higiene é um luxo adquirido por poucos. Dormir não é mais uma necessidade biológica, é uma oportunidade de poucas horas conforme revezamento entre os que estão deitados e os que permanecem em pé noite adentro. O espaço comprime no ângulo vertical, todos em horizontal impossível. A tortura, a desumanidade e a degradação são impactantes nesse ambiente tão hostil.

A tortura é prevista na Constituição Federal e em legislação específica: Lei 9455/97. Neste trabalho tratamos não só da tortura praticada pelos presos contra si próprios e pelos agentes de segurança, mas principalmente da tortura velada do Estado contra os encarcerados com os quais têm o dever de guarda e proteção.

Tortura, nos termos de nossa legislação penal, deve ser entendida como a imposição de qualquer sofrimento físico ou mental, mediante violência ou grave ameaça, com a finalidade [...] bem como forma de aplicação de castigo pessoal ou medida de caráter preventivo a indivíduos submetidos à guarda do Estado [...] [16](grifo nosso)

Desumano é aquilo que é cruel, impiedoso, incômodo, injusto, tormentoso, traumático. É também suplício, aflição, flagelação, infortúnio... [17]

Degradante é o que aniquila, arruína, avilta, desonra, desmoraliza, deteriora, degenera, decai, deprava, desola, desmerece, deprecia, humilha, rebaixa. [18]

O art.5º, III, CF, trata do princípio da humanidade da pena, proibindo deste modo a tortura, o tratamento desumano e degradante. Luís Flávio Gomes em seu livro de Direito Penal que fala sobre princípios fundamentais cita:

Consoante a lição de Jescheck [...] "o princípio impõe que todas as relações humanas que o Direito Penal faz surgir no mais amplo sentido se regulem sobre a base de uma vinculação recíproca, de uma responsabilidade social frente ao delinquente, de uma livre disposição à ajuda e assistência sociais e de uma decidida vontade de recuperação do condenado [...] dentro dessas fronteiras, impostas pela natureza de sua missão, todas as relações humanas reguladas pelo Direito Penal devem estar presididas pelo princípio da humanidade". [19]

A aberrante situação imposta pela condição de preso não humaniza quem dela se aflige, ao contrário, brutaliza o homem que se impõe aos seus iguais mediante violência. O mais forte subjuga o mais fraco. Preso torturando e degredando preso.

Nos meados do século XIX o escritor Fiódor Dostoiévsk narrou as barbáries que sofreu quando esteve encarcerado em uma prisão da Sibéria e constatamos que independente do tempo e do local, a prisão é um meio efetivo do homem demonstrar o quanto animalesca pode ser seus atos em relação ao outro ser humano.

Aquele que, ao menos uma vez exerceu poder ilimitado sobre o corpo, o sangue, a alma do seu semelhante, sobre o corpo do seu irmão, segundo a lei de Cristo, aquele que desfrutou a faculdade de vilipendiar enormemente outro ser feito à imagem de Deus, esse torna-se incapaz de dominar as suas sensações. A tirania é um hábito dotado de extensão, pode desenvolver-se, tornar-se com o tempo uma doença. Afirmo que o melhor dos homens é suscetível de se insensibilizar até ser uma fera. (...) O homem e o cidadão eclipsam-se sempre no tirano. (...) Acrescentemos que o poder ilimitado da fruição seduz perniciosamente, e isso atua por contágio sobre a sociedade inteira. A sociedade que contempla tais atividades com indiferença está já contaminada até ao íntimo. Em suma, o direito de punir corporalmente, que um homem exerce sobre outro, é uma das pragas da sociedade: um processo seguro de sufocar em si mesma qualquer germe de civismo, de provocar a sua decomposição. [20]


4 – POSSÍVEIS SOLUÇÕES

A prisão é necessária por mais abominável que pareça porque é medida extrema para criminosos que o comportamento não se ajusta ao convívio em sociedade e cuja periculosidade não poderia ser combatida de outra forma. Aí deveria estar o limite da imposição do encarceramento.

As infrações que não exigissem a prisão como solução deveriam ser remediadas com institutos que buscassem a finalidade da pena, a reparação do dano e que dessem uma resposta à sociedade do mal praticado. Penalidades que permitissem ao condenado continuar convivendo em seu meio social, mantendo a si e a família através de trabalho honesto.

As Políticas Públicas devem rever seus projetos e aplicar medidas em curta, média e longo prazo. Apropriada a passagem do artigo abaixo:

Medidas de curto prazo: efetivação de uma polícia aparelhada e de uma política penal e penitenciária eficiente com direcionamento social; desburocratização dos julgamentos e adoção de formas eficazes de execução da condenação; enfrentar não só a criminalidade violenta, como também a não violenta (não convencional); e envolver os meios de comunicação para transmitir à sociedade atitudes positivas e humanas através de campanhas educativas e não sensacionalistas. [21]

Necessário um "choque de ordem" de vários segmentos (comunidade, ONGs, polícias, MP, Judiciário e os próprios funcionários do sistema carcerário) nas cadeias (que não deveriam abrigar presos condenados) e demais estabelecimentos carcerários visando fazer um levantamento concreto da situação de cada encarcerado e as possibilidades legais aplicáveis a cada caso concreto. Seria um "mutirão" de Poderes, Secretarias, Instituições, Órgãos, etc., com a finalidade específica de definir a situação de cada presídio e o futuro de cada preso de forma regionalizada. Liberdade para os que já haviam cumprido a pena, exames psiquiátricos e psicológicos contundentes para os que fizessem jus a progressão de regime (evitando-se assim permissão de liberdade a psicopatas tendentes a delinquir), concessões de sursis observando-se os mesmos parâmetros da progressão de regime, formação de cadastro de dados que demonstrassem a verdadeira situação de cada estabelecimento e suas necessidades mais urgentes.

Com essas providências além de desafogar um pouco mais e de maneira responsável esses ambientes tenebrosos, seria possível através dos dados disponíveis, maquinarem a política a ser seguida visando alcançar resultados em médio prazo.

Em médio prazo estaria a construção de novas instalações prisionais para abarcar parte do contingente que vive espremido em inúmeros cárceres e desativar as penitenciárias condenadas. Essas novas unidades deveriam dar condições do exercício da legislação de Execuções Penais. Os locais deveriam ser construídos visando à possibilidade de o preso trabalhar (e remir sua pena), estudar (concluindo, no mínimo, o ensino fundamental), ter momentos de lazer e interação com a comunidade e familiares (não perdendo assim sua identidade, transmutando-se em uma personalidade unicamente criminosa). Necessário também a construção de colônias agrícolas e casas de albergado, além de um cadastro constantemente atualizado de entidades passíveis de receber presos para cumprimento de penas alternativas e aquelas interessadas em fazer convênios para disponibilizar profissionais de saúde, educação, etc., dispostos a colaborar no atendimento, formação e suporte dos detentos.

Como são feitas campanhas nacionais, tais como as incentivo ao registro de nascimento, ao aleitamento materno, ao combate ao câncer de mama, a acessibilidade, também lançar-se-ia campanha nacional visando a melhoria das condições de vida dos presos do Brasil, disseminando a prática da humanização e da fraternidade também neste setor. Demonstrar-se-ia que a principal beneficiada seria a sociedade por ocasião do retorno desses indivíduos a seu convívio.

Em longo prazo caberia aos Poderes Públicos estabelecer pautas para um plano nacional para uma modificação extrema no cenário carcerário brasileiro. Plano este que comporia a edição de leis, projetos sociais, convênios, incentivos fiscais a empresas participativas, aportes da iniciativa privada, apoio a Ong’s.

Políticos, juristas, educadores, profissionais de saúde, órgãos de defesa dos Direitos Humanos, a sociedade, todos devem e têm como participar. Deverá ser uma batalha conjunta visando superar uma crise secular.

Com a condenação ocorre a chamada "morte civil" da pessoa que não poderá exercer seus direitos políticos o que transforma o preso em um fantasma já que não gera votos e assim sendo não chama a atenção dos detentores do poder. Mais um entrave a ser superado. Morte civil não é morte física, o ser humano e suas necessidades continuam a existir.

4.1 – PENAS ALTERNATIVAS

Dentre tantas ideias e sugestões diuturnamente apresentadas para sanar a crise enfrentada pelos presos no Brasil, uma tem grande relevância e é defendida por excelentes juristas nacionais: a aplicação de penas alternativas à pena de prisão.

Esse tipo de penalidade encontra grande resistência pela impressão de impunidade que deixa transparecer. Mas, aplicada de maneira devida e de forma proporcional ao dano praticado, as penas alternativas têm sim se mostrado eficientes. Pesquisas demonstram que a aplicação de penas alternativas não estimulam a reincidência, ao contrário:

Condenados pela Justiça a cumprirem penas alternativas voltam a praticar crimes com uma freqüência muito menor que aqueles sentenciados a permanecerem nas prisões. É o que revela pesquisa realizada pelo Grupo Candango de Criminologia, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.

O estudo constata uma reincidência de 24,2% entre os condenados a penas alternativas, menos que o dobro do índice verificado entre réus que cumprem penas em regime penitenciário, 53,1%. Foram analisados os casos de 407 condenados por furto e roubo, durante os anos de 1997 a 1999. "A pesquisa reforça a noção popular da prisão como escola do crime"[...] [22]

A pena tem que ter em si a capacidade de retribuir o dano praticado e deixar impressa na memória do condenado sua aversão a nova prática delituosa, o que não está sendo alcançado com as penas de prisão, como já visto.

Aos crimes de médio e baixo potencial ofensivo, que não exigissem a condenação à prisão como única forma de penalidade e que fossem compatíveis com os fins que as penas encerram, deveriam ser aplicadas penas alternativas que tivessem direta vinculação com a proporção do dano. As variedades de penas alternativas oferecem possibilidades de atingir essas finalidades e nada impede que outras sejam incluídas no rol das já existentes, visto que os tipos penais também evoluem.


5 – CONCLUSÃO

O Marquês de Beccaria, no século XVIII, tal qual um visionário já descreveria com profundo conhecimento as finalidades da pena, intuito esse ainda não atingido na era atual.

Da simples consideração das verdades, até aqui expostas, fica evidente que o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer o delito já cometido. É concebível que um corpo político que, bem longe de agir por paixões, é o tranqüilo moderador das paixões particulares, possa albergar isso inútil crueldade, instrumento do furor e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam talvez os gritos de um infeliz trazer de volta, do tempo, que não retorna, as ações já consumadas? O fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo.

É, pois, necessário selecionar quais penas e quais os modos de aplicá-las, de tal modo que, conservadas as proporções, causem impressão mais eficaz e mais duradoura no espírito dos homens, e a menos tormentosa no corpo do réu. [23]

Essa finalidade não é deveras alcançada, pois estão tratando das consequências do delito, mesmo que de forma ilegal quando inobservados os princípios, garantias e direitos constitucionais dos presos. A omissão é inconteste.

O cárcere está funcionando como uma vingança pelo poder público que apraz uma sociedade temerosa e insegura. A prisão não regenera, não ressocializa e não intimida. Os índices de violência continuam subindo por mais dramática e desumana que seja a condições impostas pelas prisões.

Atenção maior merece a aplicação de penas alternativas que alcançasse o que determina a lei, não deixando sensação de impunidade.

As políticas públicas necessitam rever seus projetos quanto à educação, distribuição de renda e empregos, fatores agravantes da criminalidade no Brasil.

O curioso é que estas questões são tratadas apenas quanto aos seus efeitos e conseqüências. Pouco ou quase nada se faz para erradicar suas causas [...]

[...] Como resultado, as prisões viraram porões superlotados, fétidos, promíscuos, geradores de feras humanas que, depois de adestradas para a prática da crueldade, são devolvidas à sociedade, pretensamente ressocializadas. [24]

Só quem oprime pode acabar com a opressão, então só o Estado através do Poder Público poderá mudar a situação enfrentada pelos presídios brasileiros.

Mas o particular como cidadão deverá também exercer seu poder não se calando diante de tanta barbaridade, omitindo-se, fingindo que nada acontece, pois, é inerente ao homem a prática de crimes, por mais absurdo que pareça, essa realidade poderá ser a de cada um de nós amanhã.


6 – REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Francisco Ferreira dos Santos. Dicionário Analógico da Língua Portuguesa. Idéias afins/thesaurus. 2ª edição. Atualizada e revista. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.

BATISTA, Nilo et al. Direito penal brasileiro. Vol. I. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003.

BATISTA, Vera Malaguti. Imprensa e Criminalidade. Disponível em http://titaferreira.multiply.com/reviews/item/521.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 3ª edição revista da tradução. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2006.

BELING, Ernst Von. A ação punível e a pena. São Paulo: Editora Rideel, 2007.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: Causas e alternativas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

CÓDIGOS 3 em 1. Penal, Processo Penal e Constituição Federal + Legislação Complementar. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

CONJUR – Consultor Jurídico. Notícias. Infância Enjaulada. Publicado em 18 de fevereiro de 2009. Disponível em http://www.conjur.com.br/2009-fev-18/numero-adolescentes-presos-pais-subiu-397-12-anos.

DA SILVA, José Carlos. Associaçom Galego da Língua. Espaço Brasil. Antigo presídio do Carandiru transforma-se em Biblioteca. Disponível em http://www.pglingua.org/index.php?option=com_content&view=article&id=1929:antigo-presidio-do-carandiru-transforma-se-em-biblioteca&catid=24:espaco-brasil&Itemid=77

DOSTOIÉVSKI,Fiódor. Recordações da Casa dos Mortos. São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2006.

FERREIRA, Gilberto apud Evandro Lins e Silva. Aplicação da pena. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

FILHO, Luís Francisco Carvalho. A prisão. São Paulo: Publifolha, 2002.

GOMES, Luiz Flávio apud Jescheck. Direito Penal. V. 1: Introdução e princípios fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

JESUS, Damásio E. de apud Hemesser. Penas Alternativas. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.

LACERDA, Marcus. Universidade de Brasília. Divulgação Científica. Pesquisas. Penas alternativas reduzem reincidência. Disponível em http://www.unb.br/noticias/bcopauta/index2.php?i=603

MAIA NETO, Cândido Furtado. Pena de morte e criminalidade violenta. Disponível em http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/316499/?noticia

PINHO, Rodrigo César Rebello. Sinopses Jurídicas. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 9ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

SANTANA, Edilson. Crime e castigo: Como cortar as raízes da criminalidade e reduzir a violência. São Paulo: DPL Editora/Golden Books, 2008.

SATELLANO, Jony. Brasilwiki. Monitoramento eletrônico reduz número de presos. Publicado em 01/09/2010. São Paulo. Disponível em http://brasilwiki.com.br/noticia.php?id_noticia=31788. SILVA, Juary C. A macrocriminalidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1980.


Notas

  1. BELING, Ernst Von. A ação punível e a pena. São Paulo: Editora Rideel, 2007.
  2. FILHO, Luís Francisco Carvalho. A prisão. São Paulo: Publifolha. 2002.
  3. Disponível em http://brasilwiki.com.br/noticia.php?id_noticia=31788
  4. Disponível em http://www.conjur.com.br/2009-fev-18/numero-adolescentes-presos-pais-subiu-397-12-anos
  5. BITTENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: Causas e alternativas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993.
  6. FERREIRA, Gilberto apud Evandro Lins e Silva. Aplicação da pena. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997.
  7. BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro, Vol. I. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003.
  8. SILVA, Juary C. A macrocriminalidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1980.
  9. JESUS, Damásio E. de apud Hemesser. Penas Alternativas. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.
  10. Disponível em http://titaferreira.multiply.com/reviews/item/521
  11. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm
  12. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
  13. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
  14. Disponível http://www.pglingua.org/index.php?Option=com_content&view=article&id=1929:antigo-presidio-do-carandiru-transforma-se-em-biblioteca&catid=24:espaco-brasil&Itemid=77
  15. Códigos 3 em 1. Penal, Processo Penal e Constituição Federal + Legislação Complementar. São Paulo: Editora Saraiva. 2009
  16. PINHO, Rodrigo César Rebello. Sinopses Jurídicas. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 9ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
  17. AZEVEDO, Francisco Ferreira dos Santos. Dicionário Analógico da Língua Portuguesa. Idéias afins/thesaurus. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.
  18. AZEVEDO, Francisco Ferreira dos Santos. Dicionário Analógico da Língua Portuguesa. Idéias afins/thesaurus. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.
  19. GOMES, Luiz Flávio apud Jescheck. Direito Penal. V. 1: Introdução e princípios fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
  20. DOSTOIÉVSKI,Fiódor.Recordações da Casa dos Mortos. São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2006.
  21. Disponível em http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/316499/?noticia
  22. Disponível em http://www.unb.br/noticias/bcopauta/index2.php?i=603
  23. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de J. Cretella Jr. E Agnes Cretella. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2006.
  24. SANTANA, Edilson. Crime e castigo. Como cortar as raízes da criminalidade e reduzir a violência. São Paulo: DPL Editora/Golden Books, 2008.

 

ABSTRACT

This work of conclusion to the postgraduate course deals with the disrespect of the principles and constitutional guarantees, especially the art. 5, III, CF/88 which prohibits torture and inhuman and degrading treatment, suffered by prisoners in Brazil. The goal that we are aiming to achieve is to demonstrate that the State, responsible for the custody and safety of its inmates, is active figure in practice of this kind of conduct when does not execute the established law. Through bibliography research we delineate a brief description of punishment and prisons, the profile of the prisoner and the physiography of Brazilian prisons, the constitutional principles violated, the conflict between Art. 5, III, CF and the current prison system. We do not seek to deepen the theme to the point of exhausting it, and this was impossible in the face of the immensity of the subject matter and the issues surrounding it, but we strive to present ideas that could be considered in this universe of horrors experienced by our inmates.

Key words:

Brazilian prison system, constitutional principles, violations.

 


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Darlúcia Palafoz. O art. 5º, III, da CF/88 em confronto com o sistema carcerário brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3145, 10 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21053. Acesso em: 15 maio 2024.