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Das medidas de despenalização no Direito Processual Penal brasileiro

Das medidas de despenalização no Direito Processual Penal brasileiro

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Coloca-se um panorama da intervenção penal nas infrações de pequeno potencial ofensivo, em consonância com a Carta Magna de 1988, sob a égide do princípio da proporcionalidade.

RESUMO

O presente trabalho versa sobre as medidas de despenalização previstas no sistema processual penal pátrio. Iniciando com uma análise da inserção das medidas despenalizadoras no ordenamento jurídico, aponta-seapontam-se alguns posicionamentos doutrinários acerca da inovação, ora positivos, ora negativos. A primeira medida estudada é a transação penal, abordando-se suas características, seus requisitos e seu procedimento, bem como se apontando a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da solução para seu descumprimento. Ato contínuo, discorre-se sobre a suspensão condicional do processo, tratando de sua conceituação, seus requisitos, seu procedimento e a antiga discussão sobre a natureza jurídica do sursis processual. Por fim, aborda-se o instituto criado no art. 283 do projeto do no Código de Processo Penal, apontando-se as suas peculiaridades, quando comparado às demais medidas despenalizadoras já existentes.

PALAVRAS-CHAVE: Medidas despenalizadoras – transação penal – suspensão condicional do processo – projeto do novo Código de Processo Penal


1. INTRODUÇÃO

No Direito comparado, pode-se afirmar que a primeira tentativa de despenalizar delitos de menor potencial ofensivo ocorreu na Itália, no ano de 1981, com a edição da Lei 689, que possibilitava ao juiz a aplicação imediata da sanção, desde que a pedido do acusado e com a anuência do Ministério Público. Além disso, a única conseqüência de acordo seria impedir que novo benefício lhe fosse concedido, mas não haveria nenhum registro em sua certidão de antecedentes.

Destaca-se, também, o Código de Processo Penal português de 1987 que, em seu art. 392 e seguintes, dispunha que a proposta de pena alternativa ou multa formulada pelo Ministério Público e aceita pelo acusado equivaleria à condenação.

Além disso, inúmeros outros países possuem em seus ordenamentos jurídicos mecanismos de despenalização, onde o acordo entre as partes é primado em detrimento da ação penal. A Alemanha introduziu em 1975 o modelo de justiça consensual. Os Estados Unidos possuem não só o plea bargaining, no qual o acusado negocia a pena, mas também o charge bargaining, onde é possível acordar com o órgão de acusado a tipificação legal da conduta perpetrada.

No Brasil, o marco é a edição da Lei nº. 9.099/95.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 98, inc. I, ao introduzir em nosso ordenamento jurídico o Juizado Especial Criminal, criou também a idéia de consenso no processo penal.

Dispõe o referido artigo, in verbis:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

A opção do constituinte, como aponta parte da doutrina, enquadra-se na tendência mundial de despenalização, valorizando-se as vias extrapenais como forma de solução de conflitos.

Entretanto, não se pode olvidar que há evidente contradição entre as correntes da cultura penal, sendo que ora legisla-se em um sentido, ora em outro. Isso porque, de um lado, a cultura punitivista do Law and Order buscar solucionar os problemas sociais com a tipificação das condutas, aplicando-se penas aos infratores, com o objetivo de reduzir a criminalidade. De outro lado, tem-se a cultura do Direito Penal Mínimo, que busca a diminuição do tempo de aprisionamento e estimula a solução de conflitos pelas vias extrapenais.

A Lei dos Juizados Especiais Criminais não foi bem recebida por unanimidade. Jacinto Nelson de Miranda COUTINHO, ao tratar da inovação constitucional e do cuidado que o legislador infraconstitucional deveria ter tido, assevera que

O certo, em ultima ratio, é que se não andou bem. Passados mais de sete anos da vigência, ainda não se tem paz em boa parte dos conceitos, lançados contra a melhor técnica, em verdadeira balbúrdia, que muito mais confunde do que ajuda. Os resultados, como não poderia deixar de ser, causam desânimo; e repulsa. Os indicativos – basta rodar uma pouco pelo país pois, ainda que alguns teimem em esquecer, ele não é feito só dos grandes centros, por evidente, são ruins, muito ruins[1].

Ao tratar da Lei nº. 9.099/95, Mariana Guedes Duarte da FONSÊCA e Miguel Soares Braz MENDES afirmam que a “tentativa legislativa põe como objetivos para a atuação desses novos Órgãos Judiciários a reparação do dano sofrido pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade, além de objetivas a garantia de efetividade da norma penal, com um processo penal mais desburocratizado e ágil para responder à enorme demanda de ajuizamento de ações”[2]. Assim, nessa linha de raciocínio, os autores apontam cinco princípios dos Juizados Especiais, na busca da agilização dos procedimentos: celeridade, oralidade, simplicidade e economia processual.

E, para cumprir esse objetivo, a lei ordinária criou três medidas despenalizadoras, as quais visam a extinção da punibilidade do autor do fato, desde que cumpridas as condições a ele impostas. São elas: composição civil dos danos[3], transação penal e suspensão condicional do processo.


2. TRANSAÇÃO PENAL

2.1. Conceito e características

A Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, em seu art. 76, dispõe que, nos casos de crime de ação penal pública incondicionada, ressalvada a hipótese de arquivamento, o Ministério Público pode propor a aplicação imediata de pena restritiva de direito ou de multa, a ser especificada na proposta, cabendo ao juiz, no caso de aceitação do autor do delito, a aplicação da pena.

Dispõe o mencionado artigo:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.

§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.

§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.

Certo é, portanto, que a transação penal é uma das medidas despenalizadoras do nosso ordenamento jurídico, já que se possibilita, em casos de delitos de menor potencial ofensivo, a aplicação de pena restritiva de direito ou multa, ao invés da reprimenda corporal.

Damásio E. de JESUS leciona que “a transação, pela aceitação da proposta de aplicação de pena menos gravosa, constitui forma de despenalização. Esta atua não só quando a pena deixa de ser aplicada, como no perdão judicial, ocorrência também quando sua imposição é atenuada quanto à qualidade ou quantidade da sanção criminal”[4].

Fernando da Costa TOURINHO FILHO ensina que:

Argumenta-se que se a transação implica acordo de vontades, por óbvio esse acordo há de ser entre o titular da ação penal e o autor do fato, não podendo o Juiz desempenhar um papel próprio do Ministério Público, sob pena de usurpar-lhe função exclusiva. A transação que a Constituição permite possa ser feita, dizem, nada mais é que um sucedâneo da ação penal. É como se a lei dissesse: a hipótese enseja a propositura de ação penal, mas, tratando-se de infração de menor potencial ofensivo, a denúncia pode ser substituída por uma proposta de aplicação de multa ou medida restritiva de direito, sem a necessidade de se instaurar processo a respeito[5].

É certo que em nosso ordenamento jurídico a vigência dos princípios da indisponibilidade e obrigatoriedade da ação penal pública é a regra, sendo esta a razão pela qual podemos ver a transação penal como uma exceção à regra, fundamentada no princípio da discricionariedade regulada.

Ao discorrer acerca do instituto e os princípios constitucionais do estado de inocência, do contraditório, da busca da verdade real e da ampla defesa, Damásio E. de JESUS aduz que:

O instituto da transação inclui-se no “espaço do consenso”, em que o Estado, respeitando a autonomia da vontade entre as partes, limita voluntariamente o acolhimento e o uso de determinados direitos. De modo que esses princípios não devem ser considerados absolutos e sim relativos, abrindo espaço para a adoção de medidas que, em determinado momento, são de capital importância para o legislador na solução de problemas, como da criminalidade, economia processual, custo do delito, superpopulação carcerária etc. A aceitação, pelo autuado, de uma pena menos severa, encerrando-se o episódio, encontra fundamento como expressão de autonomia de sua vontade e como livre manifestação de defesa. Ele, voluntariamente, abre mão de suas garantias constitucionais[6].

Importante, ainda, destacar que o instituto da transação penal não se confunde com o plea bargaining do direito norte americano, pois enquanto neste vigora integralmente o princípio da oportunidade da ação penal pública, em nosso ordenamento jurídico o Ministério Público não pode exercê-lo de forma livre, já que a proposta da transação penal está adstrita ao preenchimento de determinados requisitos, como adiante exposto.

Além disso, no plea bargaining é permitido que as partes acordem sobre os fatos, a adequação típica e a pena, de forma extrajudicial, de modo que na transação penal, que deve ocorrer necessariamente em audiência, apenas se propõe uma pena mais leve, não sendo permitido ao Ministério Público acordar o enquadramento típico da conduta praticada, excluindo, por exemplo, a qualificadora de determinado crime.

Não se confunde, ainda, a transação penal com o guilty plea, já que neste o réu está concordando com a acusação, tratando-se, portanto, de julgamento sem processo.

Oportuno, ainda, destacar que a transação penal não significa reconhecimento de culpabilidade penal. Ou seja, ainda que o autor do fato aceite a proposta formulada pela acusação, isso não quer dizer que ele esteja confessando a prática do ato, nem assumindo a culpabilidade.

Ada Pellegrini GRINOVER e al. lecionam que “quanto à inexistência do reconhecimento da culpabilidade, deve-se notar que: (a) a sanção é aplicada antes mesmo do oferecimento da denúncia, na audiência prévia de conciliação; (b) a aplicação da sanção não importa em reincidência; (c) a imposição da sanção não constará de registros criminais, salvo para impedir o efeito de nova transação penal no prazo de cinco anos, nem de certidão de antecedentes”[7].

A Lei dos Juizados Especiais, no art. 76, § 4º, dispõe que a sentença homologatória da transação penal não implica em reincidência, mas tão somente na causa impeditiva de novo acordo transacional pelo prazo de cinco anos, in verbis:

Art. 76. (...)

§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

Por fim, a lei ainda dispõe que a imposição da pena restritiva de direitos ou multa não constará na certidão de antecedentes criminais, nem gerará efeitos na esfera cível, como se no § 6º do art. 76, in verbis:

Art. 76. (...)

§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.

Fernando da Costa TOURINHO FILHO ensina que “a última parte do § 6º deixa bem claro que a decisão que homologa a transação não é homologatória. Se fosse, teria ela eficácia executória para os fins civis, nos termos dos arts. 91, I, do CP e 63 do CPP. Não a tendo, cumprirá ao ofendido promover a ação reparatória no Juízo competente”[8].

Assim, o interessado não poderá utilizar a sentença homologatória como título executivo a ser liquidado no juízo cível, para fins reparatórios, devendo propor a ação cabível perante o juiz competente.

2.2. Requisitos

Para que seja possível a formulação de proposta de transação penal é necessário o preenchimento de determinados requisitos. A bem da verdade, não se trata propriamente de requisitos, mas sim de situações que o legislador elegeu como impeditivas da aplicação do instituto em análise. Dispõe o art. 76, § 2º, da Lei dos Juizados Especiais, in verbis:

Art. 76. (...)

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

Deve-se destacar que a previsão legal das causas impeditivas dirige-se ao órgão acusador e ao juiz da causa. Isso porque, em primeiro lugar, dirige-se ao Ministério Público, pois não poderá formular a proposta e deverá, caso exista algum dos impedimentos, motivar seu posicionamento, indicando qual dos incisos do § 2º do referido artigo impedem a transação penal.

E dirige-se também ao juiz da causa, que, ao analisar a proposta de transação penal formulada pelo Ministério Público e aceita pelo autuado, tem o dever de verificar a existência de alguma das causas impeditivas e, havendo, não homologar o respectivo acordo.

Ada Pellegrini GRINOVER e al. ensinam que “as balizas impostas pelo legislador no tocante às causas impeditivas da transação penal se enquadram no aspecto da regulamentação legislativa própria do instituto da discricionariedade regrada”[9].

Oportuno, ainda, frisar que a existência de qualquer um desses impedimentos à concessão da benesse deve ser comprovada pelo Ministério Público.

Como bem pontuam Ada Pellegrini GRINOVER e al.:

Trata-se de regra que atribui, no processo administrativo, o ônus da prova dos fatos (positivos) ao Ministério Público, seja porque a prova dos fatos negativos seria bem mais difícil, mas sobretudo porque é o Ministério Público, como agente estatal, que tem maiores possibilidades de comprovar a existência das causas impeditivas da proposta e da sua homologação. Isso não exclui, é claro, a possibilidade de o autor do fato trazer a prova da inexistência das causas impeditivas: afinal é ele o maior interessado[10].

Tratemos, agora, das três causas impeditivas.

O inc. I prevê que não se admitirá a proposta de transação penal caso o autor da infração tenha sido condenado pela prática de crime, com pena privativa de liberdade, em sentença transitada em julgado.

Da simples leitura do inciso, verifica-se que para a configuração desta causa impeditiva é necessário que se trate de sentença definitiva, ou seja, decisão condenatória transitada em julgado, impassível de recurso. Isso porque, qualquer interpretação contrária feriria o princípio constitucional da inocência, previsto no art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal, que dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Ao tratar do momento do trânsito em julgado, Ada Pellegrini GRINOVER e at. afirmam que “deve-se ter em mente que impedem a coisa julgada não apenas os recursos ordinários, mas também os extraordinários, ainda tenham efeito meramente devolutivo”[11].

Além disso, é necessário que a condenação anterior tenha sido pela prática de um crime (e não de contravenção penal) e que a pena imposta tenha sido a privativa de liberdade.

Fernando da Costa TOURINHO FILHO leciona que:

Não basta tenha sido o autor do fato condenado por sentença transitada em julgado, ou, na linguagem do legislador, “por sentença definitiva”. É preciso, também, que o decreto condenatório seja resultante da prática de crime e a pena imposta, privativa de liberdade. Resulta claro que se o autor do fato houver sido condenado pela prática de contravenção, não haverá nenhum obstáculo para que se faça a proposta na fase preliminar. Se a lei falasse em “infração penal”, seria diferente, vez que essa expressão abrange os crimes e as contravenções. Pouco importa, também, para a feitura da proposta, que na condenação anterior “por sentença definitiva”, não obstante se refira a crime, a pena imposta não tenha sido privativa de liberdade. Se o autor do fato já foi condenado, definitivamente, pela prática de furto de pequeno valor somente a uma pena de multa (art. 155, § 2º, CP), tal circunstância não constitui estorvo à transação[12].

Portanto, caso o autor da infração tenha contra si sentença condenatória transitada em julgada, pela prática de crime e com pena privativa de liberdade, não poderá o Ministério Público formular a proposta de transação penal.

A propósito:

TRANSAÇÃO PENAL - ANTERIOR CONDENAÇÃO À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. ÓBICE LEGAL. ART. 76, §2º, INCISO I DA LEI 9099/95. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA REFORMADA. Não se admite proposta de transação penal quando ficar demonstrado ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva. Recurso conhecido e provido. DECISÃO: Em face do exposto, ACORDAM os Juízes da Turma Recursal Única dos Juizados Especial Criminal do Estado do Paraná em, por unanimidade de votos, conhecer e dar provimento ao recurso[13].

O inc. II dispõe que não será possível o acordo transacional se o agente foi beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo. Ou seja, caso o autor da infração já tenha sido beneficiado com a transação penal, no período anterior de cinco anos, não poderá transacionar novamente.

Isso porque a Lei dos Juizados Especiais tem por objetivo beneficiar o autor das infrações de menor potencial ofensivo, mas não incentivar a sua prática, garantindo-lhe sempre a impunidade[14].

Oportuno ressaltar que o prazo estipulado (05 anos) encontra respaldo no prazo de extinção da reincidência, previsto no art. 64, inc. I, do Código Penal.

Como bem aponta Fernando da Costa TOURINHO FILHO, “certamente partindo do princípio de que após cinco anos do cumprimento ou extinção da pena ou autor do fato retorna ao cotidiano, com conduta penalmente incensurável. Esse mesmo princípio deve ser invocado quando se tratar da condição prevista no item anterior, mesmo porque o Código Penal é subsidiário da Lei n. 9.099/95, quando não houver incompatibilidade”[15].

Por fim, o inc. III prevê que não será admitida a proposta de transação penal quando os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias não indicarem ser necessária e suficiente a adoção da medida.

Ada Pellegrini GRINOVER e al., ao comentarem esse inciso, afirmam que “a necessidade e a suficiência da medida nada mais indicam do que sai adequação ao caso concreto, por ser ela necessária – na medida em que não estimula a impunidade – e suficiente – no sentido de bastante. O que nada mais significa do que dizer que os dados tomados em consideração autorizam a concessão do benefício, por sua adequação ao caso concreto”[16].

Assim, verifica-se que a regra contida no inciso III tem caráter subjetivo, sendo necessária a atenta análise do caso concreto, tanto por parte do Ministério Público, quanto pelo juiz. E é nesta subjetividade que estão os problemas recorrentes na prática judiciária, vez que, com base pura e simplesmente em um termo circunstanciado, a análise e valoração das circunstâncias descritas no referido artigo é uma tarefa árdua e, quiçá, impossível de ser realizada com a mais absoluta precisão.

Coerente, assim, a colocação de Fernando da Costa TOURINHO FILHO, para quem:

Esse item III sob análise deve ser encarado com muito equilíbrio e bom senso tanto pelo proponente (Ministério Público e ofendido) como pelo Juiz, em face de seu cunho genérico e por demais vago. Não é fácil, num exame superficial que o Termo Circunstanciado sugere, proceder a uma análise desses elementos subjetivos. Daí que, na dúvida, não deve ser negada a proposta, até porque a infração sujeita ao Juizado de há muito foi minimizada. Ademais, não é tão simples, mesmo para um psicólogo, ante a prática de uma infração de menor potencial ofensivo, poder afirmar se o autor do fato voltará a delinquir[17].

Portanto, caso entenda que a proposta de transação penal não pode ser formulada com fulcro no art. 76, § 2º, inc. III, da Lei nº. 9.099/95, deverá o Ministério Público, e o juiz, em caso de recusa na homologação, fundamentar seu posicionamento, explicitando quais das circunstâncias indicam que o acordo não é suficiente e necessário para o caso concreto.

2.3. Procedimento

Frustrada a tentativa de composição dos danos civis, prevista no art. 74 da Lei dos Juizados Especiais, em caso de ação penal pública incondicionada ou ação penal pública condicionada em que houver representação do ofendido, tem o Ministério Público a oportunidade de formular a proposta de acordo transacional.

Oportuno frisar que, para a proposta de transação penal, é necessário um estudo prévio de que a conduta praticada é típica e de que é possível a persecução penal no caso concreto.

Isso porque, caso seja possível o arquivamento do termo circunstanciado ele deverá ser efetuado. Nessa linha, Ada Pellegrini GRINOVER e al. ensinam que “o Ministério Público só formulará sua proposta de imediata aplicação da pena não privativa de liberdade quando, num juízo prévio ao oferecimento da denúncia, estiver convencido da necessidade de instauração do processo penal”[18].

Assim, caso o Ministério Público entenda que há possibilidade de persecução penal, formulará a proposta de transação penal, que será submetida à aceitação do autor da infração e de seu defensor, que necessariamente deverá estar presente na audiência.

Certo é que a proposta poderá versar tão somente sobre a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, pois o legislador não admitiu que a proposta versasse sobre a aplicação de pena privativa de liberdade, mesmo que reduzida e ainda que seja a única prevista, em abstrato, para aquele crime. Isso porque, ainda que perante autoridade judiciária, trata-se de fase administrativa em que não há sequer acusação, o processo jurisdicional não se iniciou, não se sabe se o acusado seria, em eventual ação penal, absolvido ou condenado[19].

Além disso, a proposta formulada pela acusação deve ser clara e precisa, a fim de dar ciência ao autor do fato e seu defensor quais serão das conseqüências práticas, caso a aceite. Deverá, portanto, especificar o valor da multa, em caso de pena pecuniária, ou a espécie da pena restritiva de direito, bem como sua duração.

Ada Pellegrini GRINOVER e al. lecionam que “referir-se-á ao fato narrado no termo de ocorrência, mas sem qualquer tipificação legal. Isso porque a aplicação da sanção não indica reconhecimento da culpabilidade”[20].

Após a formulação, o órgão acusador submeterá a proposta à aceitação expressa do autor do fato e de seu defensor. Nesse caso, a manifestação da vontade do autor é personalíssima, voluntária, absoluta, formal, vinculante e tecnicamente assistida.

É evidente que o autor da infração pode recusar a proposta de transação penal. Caso tenha segurança de sua inocência e estiver orientado pela defesa técnica, poderá preferir responder ao processo, a fim de alcançar uma sentença absolutória. Ou, ainda, poderá não concordar com os termos propostos e, ao analisar os prós e contras, optar pela via jurisdicional.

É que possível que haja divergência entre a vontade do autor do fato e a vontade de seu defensor. Nesse caso, considerando que é o autor que receberá a pena imediata ou submeter-se-á ao processo, cabe a ele a única palavra, ressaltando-se que deverá estar devidamente esclarecido acerca das conseqüências da aceitação ou recusa da proposta da transação penal.

Ao tratar do tema, Fernando da Costa TOURINHO FILHO afirma que, em caso de dissenso entre o autor do fato e seu defensor, “deve prevalecer a vontade daquele, tanto mais quanto a transação não lhe ocasiona nenhum prejuízo”[21].

Aliás, nesse sentido foi a décima quinta conclusão da Comissão constituída pela Escola Superior da Magistratura para a análise da Lei nº. 9.099/95, concluindo que “quando entre o interessado e seu defensor ocorrer divergência quanto à aceitação da proposta de transação penal ou suspensão condicional do processo, prevalecerá a vontade do primeiro”.

Ultrapassada essa fase, formulada a proposta de transação penal pelo órgão da acusação e aceita expressamente pelo autor do fato e por seu defensor, ela será submetida à apreciação do juiz, nos termos do § 3º do art. 76, in verbis:

Art. 76. (...)

§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.

É nesse momento, portanto, que a transação penal será homologada pelo juiz da causa.

Ada Pellegrini GRINOVER e al. lecionam que:

A proposta, devidamente aceita, é então submetida ao controle jurisdicional. Fecha-se, assim, o círculo da discricionariedade regrada adotada pela nova lei, balizada como é pela regulamentação legal e sujeita à fiscalização do Poder Judiciário. Cabe ao juiz, em última análise, a verificação da legalidade da adoção da medida proposta e a análise de sua conveniência. Mas esta deverá sempre levar em conta a vontade dos partícipes – que o juiz poderá aferir mais uma vez – e a filosofia da transação penal, que não é sujeita a critérios de legalidade estrita e visa principalmente à pacificação social.

Certo é que o Juiz não está obrigado a homologar o acordo transacional, pois, como afirma Fernando da Costa TOURINHO FILHO, o juiz não é um convidado de pedra[22]. Pode o juiz, com base no art. 76, § 2º, inc. III, da Lei nº. 9.099/95, entender que o autor do fato não é merecedor do benefício, ou que a medida não é suficiente para o caso concreto, ou então que a pena restritiva de direito não é adequada às circunstâncias do fato e às condições do autor.

Caso o juiz não homologue a transação penal, poderá o autor do fato recorrer da respectiva decisão, entretanto o legislador não previu qual o recurso cabível.

Por esse motivo, Ada Pellegrini GRINOVER e al. afirmam que a decisão é irrecorrível, aduzindo que “da decisão de indeferimento da homologação da transação penal não cabe apelação, não só porque a lei não prevê expressamente, mas também por não enquadrar-se o caso nas ‘sentenças definitivas, ou com força de definitivas’ contempladas no art. 593, II, CPP. A decisão, no caso em exame, é claramente interlocutória”[23].

Por outro lado, Fernando da Costa TOURINHO FILHO, embora enfatize a ausência de previsão legislativa, entende que “o recurso oponível será a correição parcial, nos Estados em que esta atue como recurso, como em São Paulo. Naqueles em que a correição não tenha esse caráter, dependendo do caso concreto poderá ser interposto pedido de habeas corpus, tanto pelo autor do fato como pela parte ex adversa, em favor daquele”[24].

Por fim, contra sentença homologatória da transação penal é cabível o recurso de apelação, consoante dispõe o § 5º do art. 76, in verbis:

§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.

2.4. Descumprimento da transação penal e a possibilidade de oferecimento da denúncia

Discutiu-se, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, acerca da possibilidade de oferecimento de denúncia nos casos em que, pactuada a transação penal, as condições por ela impostas fossem descumpridas.

Imagine-se a seguinte situação: um homem é acusado pelo crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei nº. 10.826/03), cuja pena abstrata é de 1 a 3 anos de detenção, tratando-se, portanto, de crime de menor potencial ofensivo. No rito do procedimento sumaríssimo, o Ministério Público oferece proposta de transação penal, consistente no pagamento de 30 dias-multa. A referida proposta é aceita pelo acusado e homologada pelo Juiz da causa.

Entretanto, o acusado não efetua o pagamento da pena pecuniária imposta. Qual seria a medida adotada no caso hipotético? Poderia o Ministério Público oferecer denúncia?

Fernando da Costa TOURINHO FILHO afirma que “poder-se-ia pensar na possibilidade de, em face do inadimplemento por parte do autor do fato, serem os autos devolvidos ao Ministério Público para oferta de denúncia. Não nos parece certo. (...) A transação penal é devidamente homologada por uma sentença, nos termos dos §§ 4º e 5º do art. 76 da Lei sob comentário. E, uma vez preclusa a via impugnativa, surge a eficácia da coisa julgada formal e material. Por isso, não cumprida a medida restritiva imposta, não haverá solução”[25].

Na mesma linha de pensamento, Nereu José GIACOMOLLI leciona que:

O Ministério Público não poderá denunciar, pois houve uma transação homologada, e/ou aceitação da pena proporcional, impeditiva da dedução de uma pretensão acusatória. Houve esgotamento do processo cognitivo. O problema ultrapassa a trivial alegação de exigibilidade; há que ser evitado o sentimento de descrença na Justiça Consensual. Para isso, urge uma solução legislativa, autorizadora da retomada da persecução criminal nas hipóteses de descumprimento. São inadmissíveis as decisões que convertem a medida restritiva de direitos à privação de liberdade. Resta, unicamente, pela sistemática atual, sua execução no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. A sentença homologatória, como toda sentença criminal, produz a eficácia de coisa julgada. Portanto, não se pode mais discutir, em via criminal, a incidência do ius puniendi, pelos mesmos fatos[26].

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a sentença homologatória da transação penal possui natureza condenatória e gera eficácia de coisa julgada material e formal. Logo, impede o oferecimento de denúncia contra o agente, se descumprido o acordo homologado.

A Ministra Maria Thereza de Assis Moura, em seu voto no HC nº. 97.642/ES, asseverou que, com a homologação da transação penal, opera-se o trânsito em julgado, não sendo possível deflagrar persecutio penal em caso de descumprimento, resolvendo-se o pagamento da eventual multa pela inscrição em dívida ativa da União, nos termos do art. 85 da Lei nº 9.099/95 combinado com o art. 51 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.286/96

Nesse sentido:

PENAL E PROCESSUAL. CRIME DE MENOR POTENCIAL LESIVO. LEI 9.099/95. TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGADA. DESCUMPRIMENTO. DENÚNCIA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE.

1. O descumprimento da transação penal, em razão dos efeitos da coisa julgada material e formal do acordo, não permite o oferecimento de denúncia por parte do ministério público e, muito menos, rende ensejo ao crime de desobediência.

2. Não sendo possível deflagrar persecutio penal em caso de descumprimento, resolve-se pela inscrição da pena (pecuniária) não paga em dívida ativa da União, nos termos do art. 85 da Lei nº 9.099/95 combinado com o art. 51 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.286/96.

3. Ordem concedida para, tornando sem efeito a condenação pelo crime de desobediência, trancar a ação penal.

(HC 97.642/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 23/08/2010)

CRIMINAL. HC. NULIDADE. LEI 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO FIRMADO E HOMOLOGADO EM TRANSAÇÃO PENAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. COISA JULGADA MATERIAL E FORMAL. EXECUÇÃO DA MULTA PELAS VIAS PRÓPRIAS. RECURSO PROVIDO.

I - A sentença homologatória da transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95, tem natureza condenatória e gera eficácia de coisa julgada material e formal, obstando a instauração de ação penal contra o autor do fato, se descumprido o acordo homologado.

II - No caso de descumprimento da pena de multa, conjuga-se o art. 85 da Lei nº 9.099/95 e o 51 do CP, com a nova redação dada pela Lei nº 9.286/96, com a inscrição da pena não paga em dívida ativa da União para ser executada.

III - Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal.

(STJ, HC 33487/SP, Quinta Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 01/07/2004).

Cumpre-se destacar que outra seria a solução jurídica se, no caso concreto, não houvesse a homologação da transação penal. Ou seja, ainda que haja acordo entre o Parquet e o acusado, se este não for homologado pelo Juiz de Direito, não há coisa julgada material e formal, pois não há sentença.

Dessa forma, caso inexista sentença homologatória, pode o Ministério Público Estadual oferecer a denúncia contra o agente.

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça é pacífico ao entender que há possibilidade de oferecimento de exordial acusatória na hipótese em que não exista homologação da transação penal pelo magistrado.

A propósito:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. LESÃO CORPORAL E PORTE ILEGAL DE ARMA. TRANSAÇÃO PENAL. ACORDO NÃO HOMOLOGADO. DESCUMPRIMENTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INEXISTÊNCIA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. CABIMENTO. ORDEM DENEGADA.

1. Admite-se o oferecimento de denúncia contra o autor do fato, pelo descumprimento da transação penal, quando não existir, como na hipótese, sentença homologatória.

2. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.

3. Ordem denegada.

(STJ, HC 115.556/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 31/05/2010)

HABEAS CORPUS. LEI 9.099/95. COMPOSIÇÃO CIVIL. OMISSÃO NA AUDIÊNCIA PRELIMINAR. TRANSAÇÃO PENAL. NÃO CUMPRIMENTO DO ACORDO FIRMADO ENTRE AS PARTES. INEXISTÊNCIA DE SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DA TRANSAÇÃO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. POSSIBILIDADE.

1. Comprovado nos autos que o réu estava acompanhado de advogado durante a audiência preliminar, mantendo-se, ambos, inertes quanto à possível composição civil, não pode ser alegada, a posteriori, possível violação ao artigo 72 da Lei 9.099/95.

2. Não tendo havido a homologação da transação penal, é perfeitamente cabível o oferecimento da denúncia em desfavor do autor do fato.

3. Ordem denegada.

(STJ, HC 41032/SP, Sexta Turma, Rel. Min. HELIO QUAGLIA BARBOSA, DJ de 06/03/2006).

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 147, DO CÓDIGO PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. LEI Nº 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO NÃO HOMOLOGADO. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. Não tendo havido a homologação da transação penal, é cabível o oferecimento da denúncia em desfavor do autor do fato. (Precedentes). Ordem denegada (STJ, HC 37066/SP, Quinta Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 16/11/2004).

Entretanto, não se pode olvidar que o Supremo Tribunal Federal já se posicionou em sentido contrário, entendendo que, ainda que haja a homologação da transação penal, o seu descumprimento faz com que o processo retorne ao seu status quo ante, possibilitando-se ao Ministério Público o oferecimento de denúncia.

Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE CONTRA IDOSO. TRANSAÇÃO PENAL. NÃO-CUMPRIMENTO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. NÃO-COMETIMENTO DE CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o descumprimento da transação penal a que alude o art. 76 da Lei nº 9.099/95 gera a submissão do processo ao seu estado anterior, oportunizando-se ao Ministério Público a propositura da ação penal e ao Juízo o recebimento da peça acusatória. Não há que se cogitar, portanto, da propositura de nova ação criminal, desta feita por ofensa ao art. 330 do CP. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal pelo crime de desobediência (STF, HC 84976, Primeira Turma, Rel. Min. CARLOS BRITTO, DJ de 23/03/2007).

HABEAS CORPUS. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS. TRANSAÇÃO PENAL. DESCUMPRIMENTO: DENÚNCIA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. REVOGAÇÃO. AUTORIZAÇÃO LEGAL.

1. Descumprida a transação penal, há de se retornar ao status quo ante a fim de possibilitar ao Ministério Público a persecução penal (Precedentes).

2. A revogação da suspensão condicional decorre de autorização legal, sendo ela passível até mesmo após o prazo final para o cumprimento das condições fixadas, desde que os motivos estejam compreendidos no intervalo temporal delimitado pelo juiz para a suspensão do processo (Precedentes). Ordem denegada.

(STF, HC 88785, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 13/06/2006).

Diante dessa divergência entre os Tribunais Superiores, a jurisprudência dos Tribunais estaduais é variada, vez que alguns adotam o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, enquanto outros seguem o posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

Este é o caso do Egrégio Tribunal do Estado do Paraná, já que predomina que a sentença homologatória da transação penal não impede a propositura da ação penal em caso de descumprimento do acordo, pois se trata de uma decisão meramente terminativa, com natureza homologatória que produz, apenas, coisa julgada formal.

A propósito:

REVISÃO CRIMINAL. DELITO DO ARTIGO 180, §3º, DO CÓDIGO PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. DESCUMPRIMENTO. RETORNO AO ESTADO ANTERIOR. POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA VÁLIDA. PEDIDO INDEFERIDO. "A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o descumprimento da transação penal a que alude o art. 76 da Lei nº 9.099/95 gera a submissão do processo ao seu estado anterior, oportunizando-se ao Ministério Público a propositura da ação penal e ao Juízo o recebimento da peça acusatória" (STF HC n.º 84976 1ª Turma Rel. Ministro Carlos Britto DJ de 23.03.2007) (TJPR - 3ª C.Criminal em Com. Int. - RCS 0592903-1 - Toledo - Rel.: Des. Rogério Kanayama - Unânime - J. 26.11.2009).

RECURSO CRIME EM SENTIDO ESTRITO. AGENTE ACUSADO DE DESACATO. ART. 331 DO CP. TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGADA NO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL, SEM EXTINÇÃO DO FEITO. DESCUMPRIMENTO. SUBSEQUENTE OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. REJEIÇÃO PELO JUÍZO SINGULAR. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. POSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. "Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia". (STF, HC 79572/GO, 2ª Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio, julg. 29.02.2000) (TJPR - 2ª C.Criminal - RSE 0559226-5 - Foz do Iguaçu - Rel.: Juíza Subst. 2º G. Lilian Romero - Unânime - J. 30.07.2009).

Logo, verifica-se que a questão da possibilidade de oferecimento da denúncia em caso de descumprimento da transação penal é controvertida e o caso concreto será solucionado pelo juiz da causa, conforme o entendimento escolhido.

A nosso ver, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal mostra-se mais correto, vez que, como dito alhures, a Lei dos Juizados Especiais visou beneficiar os autores de infrações de menor potencial ofensivo, jamais incentivar a impunidade. Assim, se o beneficiado não cumprir as condições que lhe foram impostas, deverá se submeter ao processo jurisdicional, arcando com as consequências penais da conduta praticada.


3. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

3.1. Conceito

A Lei nº. 9099/95 introduziu em nosso ordenamento o instituto da suspensão condicional do processo, também conhecido como sursis processual, o qual, ainda que previsto em uma lei especial, trata-se de um instituto geral, aplicável a todos os crimes previstos no Código Penal, desde que preenchidos seus pressupostos.

O art. 89 da Lei nº. 9.099/95 dispõe, in verbis:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II - proibição de freqüentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

O sursis processual é a possibilidade de o réu ter seu processo criminal suspenso por determinado tempo, que varia de 02 a 04 anos, no qual permanecerá sujeito ao cumprimento de certas condições, sendo que ao fim do lapso temporal terá sua punibilidade extinta.

Assim, verifica-se que o Ministério Público, na função de acusador, tem o poder-dever de propor a suspensão condicional do processo, desde que preenchidos os requisitos, cabendo ao acusado aceitá-la ou não.

Ao discorrer acerca do tema, Leonir BATISTI afirma que “é, portanto, uma medida despenalizadora de caráter misto, qual seja: é processual mas tem contornos penais. Constitui uma evolução da suspensão condicional da pena, eis que evita a instrução e julgamento do processo”[27].

A doutrina não é pacífica quanto à fonte primária da suspensão condicional do processo, comparando-o com diversos institutos de outros ordenamentos jurídicos, porém não logrando êxito em identificar o seu correspondente, de forma consensual.

Ada Pelegrini GRINOVER afirma que a probation anglo-saxônica foi a fonte inspiradora do sursis processual[28]. Entretanto, verifica-se que não se trata de instituto idêntico, já que na probation há a suspensão da sentença condenatória, determinando-se inúmeras condições a serem cumpridas no período de seis meses, para que haja a extinção da punibilidade. Assim, é evidente que, ao contrário do sursis processual, na probation é necessária toda a instrução criminal, culminada na sentença, para que então se aplique

Esse é o motivo pelo qual, a nosso ver, a probation anglo-saxônica assemelha-se muito mais à suspensão condicional da pena, prevista no Capítulo IV do Código Penal (arts. 77 a 82)[29].

Cezar Roberto BITENCOURT, por sua vez, afirma que a suspención del fallo, presente nos ordenamentos jurídicos da Polônia e Espanha, embora similares ao instituto brasileiro, assim como o system probation, apenas suspendem a sentença condenatória, enquanto o sursis processual, como o próprio nome indica, suspende o próprio processo, sendo desnecessária todo o andamento processual, encerrado com a decisão de mérito do juiz[30].

A suspensão condicional do processo também não se confunde com o plea bargaining norte-americano, pois, embora haja uma transação que se assemelha àquele instituto ianque quanto à conformidade processual, no modelo brasileiro ela ocorre perante o Juízo, limitada ao prosseguimento ou não do processo, proibindo-se acordos, inclusive extrajudiciais, sobre os fatos, a tipificação e a consequente pena.

Não se identifica, ainda, com o guilty plea, no qual há discussão acerca da culpabilidade do agente, já que este admite a prática do crime, em Juízo, como defesa. Isso porque, no sursis processual brasileiro não se discute o mérito da ação penal, de modo que a aceitação da proposta não implica em confissão da prática delituosa.

3.2. Requisitos

Como alhures dito, a concessão da suspensão condicional do processo depende do preenchimento, por parte do acusado, de determinados requisitos, que são de duas ordens: objetivos e subjetivos.

Quanto aos requisitos objetivos, cabe o sursis processual a quaisquer crimes ou contravenções penais cuja pena mínima seja igual ou inferior a 01 ano, destacando-se que a natureza do crime ou da pena não interferem na concessão.

Aqui, as únicas restrições existentes dizem respeito aos crimes de competência da Justiça Militar e aos crimes de violência doméstica ou familiar contra mulher, haja vista que as Leis nº. 9.839/99 e nº. 11.340/2006 vedam sua aplicação, respectivamente.

Além disso, convém destacar que, no caso de concurso de crimes, a soma das penas, ou a pena mais grave acrescida do aumento mínimo, tratando-se de concurso formal ou continuidade delitiva, deverá ser igual ou inferior a 01 ano.

Os requisitos subjetivos, por sua vez, dizem respeito ao acusado, de modo que se pode afirmar que são (a) inexistência de processo em curso; (b) inexistência de condenação por crime anterior; e (c) presença dos requisitos do art. 77 do Código Penal, ou seja, que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício.

Ada Pellegrini GRINOVER et al., ao discorrem acerca da impossibilidade de o denunciado ter um processo em curso, afirmam que “com a devida vênia, nessa parte, o art. 89 conflita flagrantemente com o princípio constitucional da presunção da inocência. Estando o processo em curso o acusado é reputado inocente. Logo, não pode o legislador tratá-lo como se condenado fosse. A regra do tratamento derivada da presunção da inocência impede que o ‘acusado’ seja tratado como ‘condenado’”[31].

No mesmo sentido, Fernando da Costa TOURINHO FILHO:

A nosso juízo, o fato de existir processo-crime em andamento não pode ser obstáculo à concessão do benefício de que trata o art. 89 da Lei em exame. Se a Magna Carta proclama que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, parece-nos que o fato de estar em curso processo-crime não pode constituir empecilho à suspensão condicional do processo, sob pena de haver possibilidade de dano irreparável ao direito do réu. Suponha-se que o processo em curso culmine com um decreto absolutório ou extintivo de punibilidade. Como ficaria a situação do réu se por acaso já houvesse sido condenado naquele feito cuja suspensão foi perdida?[32]

Além disso, no que diz respeito à condenação anterior por outro crime, deve-se destacar que, se o denunciado possuir condenação por contravenção penal, não há, em princípio, nenhum óbice à suspensão condicional do processo.

Não será causa impeditiva, também, a condenação anterior à pena de multa, em razão do disposto no art. 77, § 1º, do Código Penal, que prevê que “a condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício”, o qual deve ser aplicado analogicamente à suspensão condicional do processo, com fulcro no art. 92 da Lei nº. 9.099/95[33].

Quando se tratar de crime cometido em concurso de agentes, a análise da possibilidade de concessão do benefício dar-se-á de modo individual, sendo possível o desmembramento do feito, caso nem todos os agentes façam jus ao sursis processual.

3.3. Procedimento

Da simples leitura do artigo supra citado, verifica-se que o titular exclusivo da iniciativa de propositura da proposta de suspensão condicional do processo é o Ministério Público[34].

Em razão da redação literal do artigo, discute-se se a suspensão condicional do processo é possível nas ações privadas, nas quais o ofendido é o titular, e não o Parquet.

Parte da doutrina entende que, como não há previsão legal, não é possível o sursis processual nessas ações, mas somente nas ações penais públicas incondicionadas e condicionadas à representação[35].

De outro vértice, inúmeros doutrinadores defendem a incidência do instituto, sob pena de violação ao princípio constitucional da isonomia. E, nesse sentido, durante o VI Encontro nacional de Coordenadoria de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, formulou-se o enunciado 26, que dispõe que “cabe transação e suspensão condicional do processo também na ação penal privada”.

Em regra o momento adequado para a sua formulação é o do oferecimento da denúncia, considerando-se, é claro, as exordiais acusatórias oferecidas após 26 de novembro de 2005. No caso dos processos anteriores à lei, há aplicação retroativa do instituto, já que benéfico ao réu, motivo pelo qual deve o Juiz da causa, assim que possível, provocar a manifestação do Ministério Público.

Logo, importante ponto a ser destacado é que a proposta de suspensão condicional do processo não pode ser formulada antes do oferecimento da denúncia, momento que cabe somente a proposta de transação penal, desde que respeitados seus ditames legais.

Formulada a proposta do sursis processual, o Juiz analisará se o recebimento da denúncia é viável. Em sendo, verificará se estão presentes os requisitos legais necessários à concessão do benefício. Passado isso, submeterá a proposta à aceitação do denunciado, sendo está insubstituível, de modo que a manifestação de vontade do acusado deve reunir outros atributos para que tenha validade jurídica. Deve, assim, ser: personalíssima, voluntária, absoluta, formal, vinculante e tecnicamente assistida.

Ada Pellegrini GRINOVER e al. ensinam:

A suspensão condicional do processo jamais se concretizará sem a concordância clara e inequívoca do acusado. Dentro do sistema clássico conflitivo, sabemos que este não pode escolher a “pena” a ter incidência. Quem se encarrega da individualização é o juiz. No que diz respeito à via alternativa (despenalizadora, é bem verdade) da suspensão, no entanto, a manifestação do acusado é soberana, insubstituível. E ele pode dizer sim ou dizer não: ambas as formas configuram estratégias de defesa. Nenhuma imposição de qualquer tipo pode encontrar espaço, sob pena de se desnaturalizar o instituto da suspensão, fundado no senso de responsabilidade. A suspensão do processo, como se vê, é sempre bilateral, isto é, sem a impostergável aceitação do acusado nada se concretiza[36].

Caso o acusado aceite a proposta formulada pelo Parquet, o Juiz determinará a suspensão condicional do processo, pelo período de prova de dois à quatro anos, submetido a determinadas condições.

Oportuno destacar que, aqui, a decisão não é meramente homologatória, pois, quando a lei disse que a aceitação do acusado deve dar-se em sua presença, deixou muito claro que do juiz se espera muito mais que uma mera homologação. Sua função não é a de mero tramitador de papel. O juiz deve esclarecer bem as consequências da suspensão para o acusado e, acima de tudo, deve estar atento para que sua manifestação de vontade seja consciente e livre[37].

Como dito, quando suspende o processo, o Juiz o faz de forma condicional, impondo-lhe as seguintes condições, previstas no art. 89, § 1º, da Lei dos Juizados Especiais: (a) reparação do dano, se for o caso, salvo impossibilidade de fazê-lo; (b) proibição de frequentar determinados lugares; (c) proibição de ausentar-se da Comarca onde reside sem autorização do Juiz; e (d) comparecimento pessoal e obrigatório a Juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

Evidentemente, a lei dá ao Juiz os traços gerais das condições, que deverão ser adaptadas ao caso concreto e, principalmente, à realidade do acusado, especialmente suas atividades laborais, as quais podem fazer como que viole essas regras gerais. Nesse sentido, Fernando da Costa TOURINHO FILHO ilustra a seguinte situação: “e se ele for vendedor e, por dever de ofício, precisar, constantemente, percorrer cidades e mais cidades e até mesmo outros Estados? Por óbvio não teria sentido tal proibição”[38].

O denominado “período de prova”, que consiste no lapso temporal em que o acusado submeter-se-á às condições impostas pelo Juiz, pode variar de dois a quatro anos e será fixado para cada caso concreto, analisadas suas peculiaridades.

Como consequências do sursis processual, temos que (a) o processo ficará paralisado; (b) o prazo prescricional estará suspenso, nos termos do § 6º do art. 89; e (c) inicia-se o período de prova sem qualquer efeito penal condenatório (p. ex., rol de culpados, suspensão de direitos políticos, etc.).

Imperioso destacar, ainda, que a legislação prevê as causas que ensejam a revogação do sursis processual, nos §§ 3º e 4º do art. 89, in verbis:

§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

O º 3º prevê duas causas obrigatórias de revogação da suspensão condicional do processo. A primeira é se o beneficiário vier a ser processado por outro crime no curso do período de prova. Todavia, muito se discute acerca da constitucionalidade desse artigo, por violar o princípio constitucional da presunção da inocência.

Fernando da Costa TOURINHO FILHO leciona que

Há entendimento razoável no sentido de não se permitir a revogação se o réu vier a ser processado no curso do prazo, em face do princípio da presunção da inocência. Ademais, se o Código Penal. No art. 81, admite a revogação da suspensão condicional da pena quando o rei é condenado em sentença irrecorrível, em crime doloso, não teria sentido devesse o Juiz revogar o benefício, ante a prática de outro crime, se não houvesse sentença condenatória transita em julgado. Do contrário poderia resultar manifesto prejuízo para o acusado. É que, revogado o benefício, o processo teria seu andamento normal (ou até mesmo acelerado), e finalmente, arredada a hipótese de absolvição ou extinção da punibilidade, seria o réu condenado. Enquanto isso, o outro processo, por qualquer motivo, arrastou por algum tempo e, a final, foi o réu absolvido. Quid juris?

A outra causa de revogação obrigatória é não efetuar, sem justo motivo, a reparação do dano à vítima. Importante frisar que somente a não satisfação injustificada gera a revogação, pois, se o beneficiário não tiver condições financeiras para tal ato, nada poderá lhe acontecer.

O § 4º, por sua vez, prevê duas causas facultativas de revogação do benefício. A primeira é se o beneficiário vier a ser processado por contravenção penal. Aqui, cabem todos os comentários e críticas feitas ao parágrafo anterior, no que tange ao surgimento de um novo processo, pois, novamente, até o trânsito em julgado da sentença condenatória, o processado é considerado inocente, consoante disposto na Constituição Federal de 1988.

A segunda causa facultativa é o descumprimento de qualquer outra condição imposta, ressalvado, é claro, a reparação de dano que, como alhures dito, é causa obrigatória de revogação da suspensão condicional do processo.

Nas duas situações, conforme lecionam Ada Pellegrini GRINOVER e al., “o juiz conta com uma alternativa diante das causas facultativas. Pode revogar ou não revogar a suspensão. Terá de analisar cada caso, a gravidade da falta, a postura do acusado etc.”[39].

Por fim, nos termos do § 5º do art. 86, “expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade”. Ou seja, se durante o lapso temporal fixado o acusado cumprir as condições impostas pelo Juiz, terá sua punibilidade extinta, não havendo que se falar em reincidência ou maus antecedentes, pois esse episódio sequer constará em sua certidão de antecedentes criminais.

3.4. Natureza jurídica do sursis processual

Nos últimos anos, a natureza jurídica do sursis processual foi alvo de inúmeras discussões no intuito de delimitar se estamos diante de um instituto penal, instituto processual penal ou instituto de natureza mista.

Ao tratar do tema, Vinicius de Toledo Piza PELUSO afirma:

(...) há verdadeira dificuldade em se determinar e identificar, do ponto-de-vista prático-jurídico, a natureza jurídica de determinadas normas e institutos jurídicos em cada um dos respectivos ramos, estabelecendo-se limites lógico-conceituais, porque muitas destas normas e institutos possuem uma dupla natureza, ou seja, parte material e parte processual, que configuram a expressão paradigmática da relação de mútua complementaridade funcional entre tais ramos. Entretanto, apesar das dificuldades existentes, a classificação jurídica é relevantíssima para muitos efeitos práticos e não tão-somente por mero interesse acadêmico, não devendo ser escamoteada, pois, dependendo do local onde tais normas e instituições sejam ubicadas, distinto será o tratamento que lhes serão destinados[40].

Logo, a definição de sua natureza jurídica influenciará diretamente no apontamento de seu titular, respondendo ao seguinte questionamento: a suspensão condicional do processo é um direito subjetivo do réu ou uma discricionariedade do Ministério Público?

Parte da doutrina defende que se trata de um instituto de conteúdo jurídico-material predominante, configurando-se, assim, um direito subjetivo do acusado. Diante desta preponderância, afirmam que o art. 89 da Lei nº. 9.099/95 não tem por objetivo conferir ao Ministério Público uma discricionariedade, mas sim conferir ao réu um direito público, sendo, portanto, uma norma jurídica que visa à garantia, proteção e efetivação da liberdade individual por meio de uma limitação o ius puniendi do Estado[41].

Nesta esteira, Ada Pellegrini GRINOVER, Antonio Magalhães GOMES FILHO, Antonio Scarance FERNANDES e Luiz Flávio GOMES sustentam:

(...) o fundamento da proposta de suspensão do processo, como sabemos, está no princípio da discricionariedade regulada, que confere ao órgão acusador o poder de optar pela via alternativa despenalizadora em tela, em detrimento da forma clássica. No instante do oferecimento da denúncia, destarte, abrem-se-lhe, dentro do novo modelo de Justiça criminal, dois caminhos: perseguir a resposta estatal clássica (pena de prisão, em geral) ou, de outro lado, abrir mão dessa penosa atividade persecutória (que tem o escopo de quebrar a presunção de inocência), enveredando para a via conciliatória da suspensão. De qualquer modo, o certo é que o Ministério Público não optará por um caminho ou por outro arbitrariamente, consoante seu modo de ver o mundo, suas idiossincrasias. Cada uma das duas vias reativas possui seus pressupostos, taxativamente delineados. Ele tem uma alternativa, é verdade. Mas não é dono isolado e soberano da escolha. Terá de pautar sua atuação, se deseja adequá-la ao Estado Constitucional e Democrático de Direito, de acordo com as regras legais fixadas[42].

No mesmo sentido, Doorgal Gustado Borges de ANDRADA defende que:

a suspensão do processo é um direito público subjetivo do réu, pois não fica facultado ao Juiz deferi-la ao seu entendimento discricionário nem à espera da iniciativa do Ministério Público. Presente os requisitos, é um direito que não pode ser negado, embora implique disponibilidade da ação penal. A lei deu ‘oportunidade regrada’ de o Ministério Público dispor da persecutio criminis. Não se trata de aumento das atribuições ao Parquet, mas decorre de conquista de finalidades públicas supremas (desburocratização, despenalização, reparação, ressocialização, etc.)[43].

Assim, entende-se que não cabe ao Ministério Público escolher entre o prosseguimento da ação e o oferecimento da proposta quando estiverem preenchidos todos os requisitos previstos em lei. No caso de negativa, caberá ao Juízo, ex officio, formular a proposta, sendo que o acusado aceitará ou negará, de acordo com a sua conveniência.

Defendendo este posicionamento, Vinicius de Toledo Piza PELUSO aponta a jurisprudência do Tribunal do Rio de Janeiro, julgados nos quais os Desembargadores confirmando que a suspensão condicional do processo trata-se de um verdadeiro direito público subjetivo do réu (RJTAMCRIM 31/194, 31/173, 31/316, 32/218, 32/232, 34/409, 33/168, 33/179, 34/240, 34/246, 34/246, 34/254, 35/338, 35/341, 36/265, 37/234)[44].

No mesmo sentido:

Penal. Processual. Lei 9.099/95. Suspensão condicional do processo. Direito subjetivo do réu. Habeas corpus. Recurso. 1. Sendo a suspensão condicional do processo um direito subjetivo do acusado, o juiz não deve estar vinculado a recusa do Ministério Público, devendo manifestar-se a respeito. 2. Recurso conhecido e provido[45].

PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. LEI Nº 9.099/95. ART. 89. ART. 28-CPP. 1. Cabe ao Ministério Público, em face do direito público subjetivo do acusado, fazer a proposta de suspensão condicional do processo. 2. Em havendo recusa, por entender ausentes os requisitos legais, pode o acusado requerer a suspensão, devendo o juiz emitir provimento jurisdicional. 3. Inaplicabilidade do art. 28 do Código de Processo Penal, eis que a ação já foi iniciada. 4. Recurso não conhecido[46].

LEI N. 9.099/95. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE OFERECIMENTO DA PROPOSTA PELO PROMOTOR. REMESSA DO INQUÉRITO AO PROCURADORGERAL DE JUSTIÇA. INOCORRÊNCIA. ESTABELECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ. NECESSIDADE. Em se tratando de delito disciplinado pela Lei n. 9.099/95, o não oferecimento pelo promotor de proposta de suspensão do processo não obriga o juiz a remeter o inquérito policial ao Procurador-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP, vez que, tratando-se de dispositivo de caráter despenalizador e de direito subjetivo do acusado, deve ser estabelecido de ofício[47].

LEI N. 9.099/95. SUSPENSÃO DO PROCESSO. PROPOSIÇÃO PELO JUIZ AINDA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO DEIXE DE FAZÊ-LO. NECESSIDADE. A suspensão do processo, prevista no art. 89 da Lei n. 9.099/95, é um direito subjetivo do réu, ainda que o Ministério Público deixe de propor a aludida transação penal, tem o juiz o dever de fazê-lo de ofício, pois ao Parquet não é conferido o poder discricionário de escolher os casos em que deve efetuar a proposta, posto que um direito público não pode ficar sem amparo judicial[48].

Ante a omissão do órgão do Ministério Público, é perfeitamente possível ao juiz que preside o feito propor a suspensão do processo ao infrator, se presentes as condições objetivas para se conceder o benefício, donde não haver ilegalidade ou afronta a direito líquido e certo do 'dominus litis'[49].

LEI N. 9.099/95. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. DIREITO SUBJETIVO DO RÉU. PRESENTES OS REQUISITOS LEGAIS. CARACTERIZAÇÃO. RECUSA DA PROPOSITURA PELO MP. IRRELEVÂNCIA. É insuficiente a que se possa aferir o cabimento da suspensão condicional do processo a recusa do representante do Ministério Público em propô-la, pois o mencionado instituto traduz direito público subjetivo do réu: estando presentes os requisitos legais, e havendo requerimento do acusado no sentido de sua concessão, caberá ao juízo competente aferir sua admissibilidade[50].

Suspensão condicional do processo - Art. 89 da Lei 9.099/95. Deferimento contra a manifesta vontade do Promotor de Justiça - Possibilidade. Não falta amparo doutrinário e jurisprudencial a linha seguida pela decisão que, contrariando a manifesta oposição ministerial, deferiu ao réu o benefício da suspensão condicional do processo previsto no art. 89 da Lei 9.099/95. Tratando-se de um direito público subjetivo do réu não se pode cingir ao arbítrio ministerial a abertura de oportunidade para que ele opte pela suspensão ou pelo processo. Tendo a promotoria de justiça deixado de manifestar-se a respeito, compete ao juiz, na recusa ministerial, decidir quanto ao direito do denunciado de optar pelo sursis processual. Recurso improvido[51].

SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89, LEI N. 9099/95) - RECUSA DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PROPO-LA, EQUIVOCADAMENTE MOTIVADA - DEFERIMENTO DE OFICIO PELO JUIZ, UMA VEZ PRESENTES OS REQUISITOS LEGAIS - IMPROVIMENTO DO RECURSO MINISTERIAL. Se o Ministério Público, expressamente fundado no entendimento de estarem ausentes os pressupostos legais, deixa de propor a suspensão do processo (arts. 89, da Lei 9099/95 e 77, do Código Penal), pode o Juiz, a constatação de que aqueles requisitos na verdade estao satisfeitos, deferir a suspensão de oficio, com a concordância do réu, eis que a expectativa da oferta processual do benéfico tratamento, que lhe assegura efeitos materiais vantajosos, corresponde a um direito subjetivo deste, e, por isso mesmo, está sujeito ao poder jurisdicional[52].

SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - ART. 89 DA LEI 9.099/95 - DEFERIMENTO CONTRA A MANIFESTA VONTADE DO PROMOTOR DE JUSTIÇA - POSSIBILIDADE. Não falta amparo doutrinário e jurisprudencial à linha seguida pela decisão que, contrariando a manifesta oposição ministerial, deferiu ao réu o benefício da Suspensão Condicional do Processo previsto no art. 89 da Lei 9.099/95. Tratando-se de um direito público subjetivo do réu, não se pode cingir ao arbítrio ministerial a abertura de oportunidade para que ele opte pela suspensão ou pelo processo. Tendo a Promotoria de Justiça se recusado a ofertar o acordo, compete ao Juiz, na recusa ministerial, decidir quanto ao direito do denunciado de optar pelo "Sursis Processual". Recurso desprovido[53].

De outro lado, há quem defenda que o sursis processual configura-se uma discricionariedade do Ministério Público, vedando-se, assim, sua formulação de ofício.

O primeiro fundamento a sustentar tal entendimento encontra-se na literalidade do art. 89, que dispõe, expressamente, que “o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo”, caracterizando, assim, sua faculdade discricionária, o que permite ao órgão acusador propor ou não o benefício.

Irahy Baptista de ABREU, refutando a corrente que afirma que a interpretação do artigo da lei não deve ser literal, aduz que:

seria insultar a inteligência dos que a redigiram entender que erraram na utilização do verbo, mesmo após a conhecida discussão sobre a utilização dele no lugar do ‘deverá’. Se na elaboração do estatuto processual penal vigente, essa divergência podia ter lugar, impossível aceitar que, hodiernamente, alguém ainda se utilize do ‘poderá’ com o sentido de ‘deverá’, mesmo sabendo da pendência doutrinária e jurisprudencial que grassou nessa matéria[54].

Defendendo a mesma opinião, Fábio André GUARAGNI assevera que:

(...) que consenso haveria na suspensão condicional do processo se somente fosse conferida “facultas agendi” a uma das partes (o acusado), restando ao Ministério Público a obrigação de dispor da ação penal, contrariando o princípio da legalidade (obrigatoriedade), cuja essência observa como regra? Consenso é acordo, e acordo pressupõe livre adesão de vontades. Onde há obrigatoriedade, não há consenso.

Portanto, entende-se que o juízo é quem suspende o processo, mas somente poderá fazê-lo com uma proposta formulada pelo Ministério Público, titular do oferecimento.

Vladimir ARAS conclui que

A suspensão condicional do processo e a transação não constituem direitos subjetivos do acusado, mas sim faculdades postas à disposição do Ministério Público para fins de política criminal, no exercício da ação penal, agora informada pelo princípio da oportunidade. O acusado somente tem direito subjetivo à manifestação, negativa ou positiva, do Estado-Administração quanto aos institutos dos arts. 76 e 89 da Lei n. 9099/95. A suspensão e a transação, que devem resultar do acordo de vontades das partes e da conformidade, constituem meras expectativas de direitos[55].

Em caso de pronunciamento motivadamente negativo, não sendo esse o entendimento do Juiz, não poderia formulá-la de ofício, devendo adotar, analogicamente, o rito disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, encaminhando os autos para a Procuradoria-Geral de Justiça, a quem caberá a decisão da possibilidade, ou não, de oferecimento de suspensão condicional do processo.

Nesse sentido entendiam alguns Tribunais:

HABEAS CORPUS. LEI Nº 9.099/95. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. SENTENÇA REFORMADA EM GRAU DE APELAÇÃO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO, SEM PROPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO: INAPLICABILIDADE DO ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95. 1. A suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95, não é aplicável às hipóteses em que ocorre a desclassificação para delito em tese passível de aplicação do benefício. 2. Tem esta Corte já decidido que o direito à suspensão do processo não se traduz em prerrogativa subjetiva do réu, mas sim faculdade processual ínsita ao Ministério Público (HC nº 75.343-4). 3. Impossível a suspensão do processo ex officio, sem que tenha sido detonada pelo Ministério Público. Ao Juiz não cabe substituir o órgão ministerial para a agilização do mecanismo de suspensão do processo, competindo-lhe o controle da legalidade da respectiva suspensão que tenha sido promovida por quem de direito. 4. Habeas corpus indeferido[56].

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. INAPLICABILIDADE DA SÚM. 203-STJ. PROCESSUAL PENAL. LEI 9.099/95, ART. 89. SUSPENSÃO DO PROCESSO EX OFFICIO. IMPOSSIBILIDADE. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 28 DO CPP. ACUSADO QUE OSTENTA CONDENAÇÃO ANTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. Acórdão de Tribunal de Alçada que determina a aplicação, de ofício, da suspensão condicional do processo de que trata a Lei 9.099/95, não pode ser considerado decisão proferida por órgão de segundo grau dos juizados especiais, não se podendo falar em incidência da Súmula 203 do STJ. Não cabe ao Juiz, que não é titular da ação penal, substituir-se ao Parquet para formular proposta de suspensão condicional do processo. A eventual divergência sobre o não oferecimento da proposta resolve-se à luz do mecanismo estabelecido no art. 28 c/c o art. 3º do CPP. A teor do art. 89 da Lei 9.099/95, a suspensão condicional do processo somente é possível se não há condenação contra o acusado e se ele não responde a outro processo. Requisito legal que não ofende o princípio constitucional da "presunção de não culpabilidade". Precedentes do STF e desta Corte. Embargos de divergência recebidos[57].

PENAL E PROCESSUAL PENAL. ERESP. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95). INICIATIVA DA PROPOSTA. DIVERGÊNCIA ENTRE AGENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO E JUIZ DE DIREITO. I - O juiz não é parte e, portanto, inadmissível, em princípio, ex vi art. 89 da Lei nº 9.099/95 c/c os arts. 129, inciso I da Carta Magna e 25, inciso III da LONMP, que venha a oferecer o sursis processual ex officio ou a requerimento da defesa. II - A eventual divergência entre o órgão de acusação e o órgão julgador acerca da concessão do sursis processual se resolve, na hipótese de recusa de proposta, pela aplicação do mecanismo previsto no art. 28 do C.P.P. (precedentes do Pretório Excelso e do STJ). Embargos acolhidos[58].

Caso o Parquet não entenda preenchidos os requisitos retromencionados, não há como impingir-lhe a proposta, eis que, como já dito anteriormente, cuidando-se de ato consensual, indispensável a manifestação de vontade de ambas as partes, não podendo o Estado-juiz substituir-se ao Estado-Administração, para o fim de propor a suspensão condicional da ação[59].

(...) Não vejo como permitir ao Juiz que decida ex officio. O espírito da Lei 9099/95, no caso, é o da transação. Acordo entre acusador (que faz a proposta) e o acusado (que a aceita)[60].

LEI N. 9.099/95. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE OFERECIMENTO DA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. APLICAÇÃO "EX OFFICIO" PELO JUIZ. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 28 DO CPP. NECESSIDADE. Em sede da Lei n. 9.099/95, no caso de não oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público, não pode o juiz aplicá-la ex officio devendo remeter os autos ao Procurador-Geral da Justiça, por analogia ao art. 28 do CPP, vez que, assim, preserva a autonomia de vontade das partes e vai ao encontro do objeto da Lei ao instituir a transação penal[61].

Habeas Corpus. Suspensão condicional do processo. Art. 89 da Lei 9099/95. Exclusividade do Ministério Público em ofertar a proposta, sendo o momento adequado o do oferecimento da denuncia. E' vedado ao Juiz da causa substituir-se aquele órgão. Recebida a denúncia deve a ação penal seguir seu curso normal, sendo defeso ao Juiz suspende-la sob argumento de eventual direito subjetivo ou de que as majorantes do concurso de crimes não impedem a suspensão. Importa, pelo que se vê do entendimento majoritário, e' que em um ou outro caso, a suspensão depende da iniciativa do Ministério Publico, como titular da Ação Penal. Denega-se a ordem[62].

A segunda corrente, defensora da discricionariedade do Parquet, justificou seu entendimento na exposição de motivos da Lei n. 9.099, redigida pelo então deputado federal Michel Temer, na qual aduz:

O Projeto introduz o instituto da suspensão condicional do processo, mesmo para os crimes por ele não abrangidas, em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano. Ou seja, na hipótese de réu primário e de pena mínima que comportaria afinal a concessão de sursis, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor ao Juiz competente a suspensão condicional do processo, submetendo-se o acusado, ao concordar com a medida, às condições fixadas pelo Juiz nos termos dos dispositivos vetores da suspensão condicional da pena. O sistema da probation, tradicional nos ordenamentos de common law ganha espaço nas modernas legislações processuais dos países de civil law, como se vê do Código de Processo Penal português (art. 281), do Projeto argentino de 1988 de Código de Processo Penal federal (art. 231), do Projeto de Código de Processo Penal Modelo para a América latina, também de 1988 (art. 231). E vem sendo reiteradamente defendido entre nós, com excelentes razões, desde 1981. Ademais, o Instituto insere-se perfeitamente na filosofia que informa o Projeto, consistente na desburocratização e aceleração da Justiça penal, e do filão da discricionariedade regulada, no mesmo consagrada, tudo em decorrência do texto constitucional.

Em 24 de setembro de 2003, o Supremo Tribunal Federal buscou pacificar a questão, ao editar a Súmula nº. 696, in verbis:

Reunidos os Pressupostos Legais Permissivos da Suspensão Condicional do Processo - Propositura Recusada pelo Promotor - Juiz Dissentido - Remessa ao Procurador-Geral - Analogia

Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal.

Portanto, o Supremo Tribunal Federal sumulou o entendimento de que o titular do oferecimento da suspensão condicional do processo é o órgão acusador, qual seja, o Ministério Público. Desse modo, não é permitido ao Juiz da ação fazê-lo de ofício, sendo que, caso entenda que o sursis processual é cabível, deverá remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, a fim de que este analise o processo e decida se o acusado preenche ou não os requisitos necessários a concessão da benesse.

A referida súmula representou um entrave àqueles que entendiam que a suspensão condicional do processo era um direito subjetivo do réu, ao passo que, para os que defendiam que o instituto tinha natureza jurídica de discricionariedade do Ministério Público, tornou-se forte ferramenta para embasar estudos aprofundados e decisões jurisprudenciais.

Logo, a partir de 2003, com a edição da Súmula n. 696/STF, ainda que não pacífica e unânime[63], a jurisprudência nesse sentido posicionou-se:

HABEAS CORPUS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO QUANTO À NECESSIDADE OU NÃO DE CONTRADITÓRIO. A suspensão condicional do processo é um poder-dever do Ministério Público, e não um direito subjetivo do acusado, de modo que é desnecessário o contraditório nessa fase do processo. Embargos de declaração rejeitados[64].

HABEAS CORPUS. CRIME DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIICADO, DESCLASSIFICADO PARA LESÃO CORPORAL GRAVE. PRETENDIDO DIREITO SUBJETIVO À SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95) OU À SUSPENSÃO DA PENA (ART. 77 DO CP). ORDEM DENEGADA. O benefício da suspensão condicional do processo não traduz direito subjetivo do acusado. Presentes os pressupostos objetivos da Lei nº 9.099/95 (art. 89) poderá o Ministério Público oferecer a proposta, que ainda passará pelo crivo do magistrado processante. Em havendo discordância do juízo quanto à negativa do Parquet, deve-se aplicar, por analogia, a norma do art. 28 do CPP, remetendo-se os autos à Procuradoria-Geral de Justiça (Súmula 696/STF). Não há que se falar em obrigatoriedade do Ministério Público quanto ao oferecimento do benefício da suspensão condicional do processo. Do contrário, o titular da ação penal seria compelido a sacar de um instrumento de índole tipicamente transacional, como é o sursis processual. O que desnaturaria o próprio instituto da suspensão, eis que não se pode falar propriamente em transação quando a uma das partes (o órgão de acusação, no caso) não é dado o poder de optar ou não por ela. Também não se concede o benefício da suspensão condicional da execução da pena como direito subjetivo do condenado, podendo ela ser indeferida quando o juiz processante demonstrar, concretamente, a ausência dos requisitos do art. 77 do CP. Ordem denegada[65].

RECURSO ESPECIAL. ART. 171, § 2º, INCISO V, C/C ART. 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CONCESSÃO EX OFFICIO. INADMISSIBILIDADE. PRERROGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

I - O Juiz não é parte e, portanto, inadmissível, em princípio, ex vi art. 89 da Lei nº 9.099/95, que venha a oferecer o sursis processual ex officio ou a requerimento da defesa.

II - "Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal." (Enunciado nº. 696 da Súmula do Pretório Excelso). Recurso provido[66].

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 218 DO CP. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. RECUSA DO PARQUET EM OFERECÊ-LA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. ART. 28 DO CPP.

I - O Ministério Público ao não ofertar a suspensão condicional do processo, deve fundamentar adequadamente a sua recusa.

II - Na hipótese dos autos, a negativa do benefício da suspensão condicional do processo está embasada em considerações genéricas e abstratas, destituídas de fundamentação concreta. Dessa forma, a recusa imotivada acarreta, por si só, ilegalidade sob o aspecto formal. Ordem concedida[67].

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 334 DO CP. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95). RECUSA DO PARQUET EM OFERECÊ-LA. DIREITO SUBJETIVO DO RÉU. CONCESSÃO EX-OFFICIO. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS SUBJETIVOS.

I – O juiz não é parte e, portanto, inadmissível, em princípio, ex vi art. 89 da Lei nº 9.099/95 c/c os arts. 129, inciso I da Carta Magna e 25, inciso III da LONMP, que venha a oferecer o sursis processual ex officio ou a requerimento da defesa.

II - O Ministério Público ao não ofertar a suspensão condicional do processo, deve fundamentar adequadamente a sua recusa. A recusa concretamente motivada não acarreta, por si, ilegalidade sob o aspecto formal. Ordem denegada[68].

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. LEI N.º 9.099/95. ARTIGO 89. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 28 DO CPP.

1. Cabe ao Ministério Público a titularidade para a proposição da suspensão condicional do processo, não podendo o juiz substituí-lo nessa função.

2. Por conter requisitos de natureza axiológica a suspensão condicional do processo não é direito subjetivo do réu.

3. Divergindo juiz e promotor acerca da suspensão condicional do processo, devem ser os autos encaminhados ao Procurador-Geral, por aplicação analógica ao disposto no artigo 28 do CPP (Súmula 696 do STF).

 4. Recurso provido em parte[69].

RECLAMAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE, DE OFÍCIO, DEFERIU A PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO À PARTE DENUNCIADA, PELO PRAZO DE DOIS ANOS, NÃO OBSTANTE EXISTIR MANIFESTAÇÃO CONTRÁRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO, EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A PROPOSITURA DA MEDIDA. Imputação ao acusado da prática de crimes previstos no art. 184, § 2º, do Código Penal. De nenhuma inconstitucionalidade padece a norma que modifica a sanção imposta a um determinado delito, ainda que, em relação a crime semelhante, tenha o legislador cominado penas menores. Descabimento. Não pode o juiz, com base nos princípios da isonomia e da proporcionalidade, se transmudar em legislador positivo e usurpar função constitucionalmente reservada ao poder legislativo. Aplicação do art. 28, do CPP, por analogia. Remetido os autos ao procurador geral, o mesmo pronunciou-se contrário à referida suspensão. Inexistindo qualquer inconstitucionalidade a ser declarada em relação à aludida norma e sendo superior a um ano a pena mínima aplicada aos referidos tipos penais, incabível a adoção do sursis processual previsto no art. 89, da Lei 9.099/95. A suspensão condicional do processo tem natureza de transação processual, não existindo direito público subjetivo à sua concessão bem como, de acordo com a Súmula 696, do STF, compete privativamente ao Ministério Público fazer ou não a proposta da mesma, sempre de forma motivada, não sendo possível ao juízo de primeiro grau substituir o Parquet na análise dos seus pressupostos. Provimento da reclamação para cassar a decisão de primeiro grau[70].

Correição parcial - Proposta de sursis processual ofertada ex officio pelo Julgador. Impossibilidade. Prerrogativa do Órgão Ministerial. Decisão anulada. Correição deferida[71].

Correição parcial. Concessão da suspensão condicional do processo por dois anos, nos termos do artigo 89, parágrafo 1º, da Lei 9.099/95. A suspensão do processo da Lei 9.099/95 é um benefício para não se instaurar a ação penal, não sendo mera repetição do sursis, posto inexistir pena imposta. Cabendo ao Ministério Público exclusiva promoção da ação penal pública, nos termos do artigo 129, I, da Constituição Federal, e mencionando o artigo 89 da Lei nº 9.099/95 que “o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo”, é certo que a interpretação mais consentânea é de que se trata de faculdade do órgão da justiça pública, não podendo o juiz agir de ofício. Correição parcial a que se dá provimento para anular o despacho que concedeu ex officio a suspensão condicional[72].

Cumpre-nos destacar que este posicionamento adequa-se ao sistema adotado pela Constituição Federal de 1988, qual seja, o acusatório, cuja configuração é de um processo triangularizado, de partes que impulsionam seu andamento com a produção probatória, enquanto o juiz é mero “espectador”.


3. ARTIGO 283 DO PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

3.1. O projeto do novo Código de Processo Penal

O projeto do novo Código de Processo Penal, aprovado em na Sessão Extraordinária do Senado em 07/12/2010, traz inúmeras mudanças ao sistema processual penal pátrio.

Inicialmente, o referido projeto define a adoção sistema processual penal acusatório (art. 4º [73]), no qual há perfeita definição dos sujeitos do processo, sendo vedada a atuação de ofício do Juiz, impedindo, portanto, que ele substitua o Ministério Público na função de acusar e de produzir provas que corroborem os fatos narrados na exordial acusatória, salvo a realização de diligências para esclarecimento de dúvidas. Desse modo, busca a efetivação da imparcialidade do julgador.

Além disso, no novo Código de Processo Penal, tem-se a figura de um novo juiz: o juiz das garantias, responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado (art.14[74]). No modelo atual, o mesmo juiz participa da fase de inquérito é o prolator da sentença. Com as alterações propostas, tratar-se-ão de dois juízes diferentes: caberá ao juiz das garantias atuar na fase da investigação e ao juiz do processo julgar o caso.

Quanto ao inquérito policial, no intuito de reforçar a estrutura acusatória adotada, assim que iniciado o inquérito policial comunicar-se-á imediatamente ao Ministério Público. Demais disso, o projeto define que o exercício da atividade de polícia judiciária pelos delegados não exclui a competência de outras autoridades administrativas.

De igual forma, o projeto também traz modificações significativas quanto à ação penal. Extingue com a ação penal privativa do ofendido (art. 45[75]), de modo que, nos casos em que a titularidade da ação era do ofendido, o processo iniciar-se-á por ação pública condicionada à representação da vítima, podendo ser extinto com a retratação do ofendido, se for feita até o oferecimento da denúncia.

Há, ainda, inúmeras mudanças relativas ao rito do Júri, às medidas cautelares, especialmente as prisões, às interceptações telefônicas, ao interrogatório, aos recursos de ofício e ao habeas corpus, entretanto, por não terem ligada intrínseca com o tema deste trabalho, não serão aqui apontadas.

Assim, destacamos a modificação introduzida pelo art. 283 do projeto: a aplicação da pena antes da sentença condenatória. Com o objetivo de tornar mais rápida e menos onerosa a ação penal, o projeto prevê a possibilidade de aplicação da pena mediante requerimento das partes, para crimes cuja sanção máxima cominada não ultrapasse oito anos. Com acordo e havendo confissão, a pena será aplicada no mínimo legal e, se possível, optar-se-á pela pena restritiva de direitos ao invés da privativa de liberdade.

Passar-se-á, então, a análise do referido artigo.

3.2. O art. 283

O art. 283 do projeto do novo Código de Processo Penal prevê uma nova medida, que ora pode ser despenalizadora, ora pode ser uma aplicação antecipada de pena, in verbis:

Art. 283. Até o início da instrução e da audiência a que se refere o art. 276, cumpridas as disposições do rito ordinário, o Ministério Público e o acusado, por seu defensor, poderão requerer a aplicação imediata de pena nos crimes cuja sanção máxima cominada não ultrapasse 8 (oito) anos.

§ 1º São requisitos do acordo de que trata o caput deste artigo:

I – a confissão, total ou parcial, em relação aos fatos imputados na peça acusatória;

II – o requerimento de que a pena privativa de liberdade seja aplicada no mínimo previsto na cominação legal, independentemente da eventual incidência de circunstâncias agravantes ou causas de aumento da pena, e sem prejuízo do disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo;

III – a expressa manifestação das partes no sentido de dispensar a produção das provas por elas indicadas.

§ 2º Aplicar-se-á, quando couber, a substituição da pena privativa de liberdade, nos termos do disposto no art. 44 do Código Penal, bem como a suspensão condicional prevista no art. 77 do mesmo Código.

§ 3º Mediante requerimento das partes, a pena aplicada conforme o procedimento sumário poderá ser, ainda, diminuída em até 1/3 (um terço) do mínimo previsto na cominação legal, se as condições pessoais do agente e a menor gravidade das consequências do crime o indicarem.

§ 4º Não se aplica o disposto no § 3º deste artigo se incidir no caso concreto, ressalvada a hipótese de crime tentado, outra causa de diminuição da pena, que será expressamente indicada no acordo.

§ 5º Se houver cominação cumulativa de pena de multa, esta também será aplicada no mínimo legal, devendo o valor constar do acordo.

§ 6º O acusado ficará isento das despesas e custas processuais.

§ 7º Na homologação do acordo e para fins de aplicação da pena na forma do procedimento sumário, o juiz observará o cumprimento formal dos requisitos previstos neste artigo.

§ 8º Para todos os efeitos, a homologação do acordo é considerada sentença condenatória.

§ 9º Se, por qualquer motivo, o acordo não for homologado, será ele desentranhado dos autos, ficando as partes proibidas de fazer quaisquer referências aos termos e condições então pactuados, tampouco o juiz em qualquer ato decisório.

Com a simples leitura do artigo supra transcrito, verifica-se que, de acordo com o projeto do novo Código de Processo Penal, será possível que o Ministério Público e o acusado, por meio de seu defensor, requeiram a aplicação imediata de pena, até o início da instrução e da audiência prevista no art. 276[76], desde que a pena máxima do tipo imputado ao réu não ultrapasse 08 anos.

Para que seja possível o acordo, além do quantum da pena, é necessária a observância de outros requisitos: (a) é necessário a confissão, total ou parcial, em relação aos fatos imputados na denúncia; (b) é preciso o requerimento de que a pena privativa de liberdade seja aplicada no mínimo previsto na cominação legal, independentemente da eventual incidência de circunstâncias agravantes ou causas de aumento da pena; e, por fim, (c) é necessária a expressa manifestação das partes no sentido de dispensar a produção das provas por elas indicadas.

O § 2º, por sua vez, dispõe que se aplicam os institutos da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito e a suspensão condicional da pena, sempre que possível.

O projeto do novo Código de Processo Penal prevê, ainda, uma causa de diminuição de pena, quando aplicada nos termos do art. 283, vez que o § 3º dispõe que a pena poderá ser diminuída em até um terço do mínimo, desde que as condições pessoais do autor do fato e as conseqüências da conduta típica sejam de menor gravidade.

Todavia, consoante previsto no § 4º, não se aplicará essa causa de diminuição se caso concreto aplicar-se outra minorante, salvo se se tratar da tentativa.

Além disso, se houver aplicação de pena de multa cumulativa, ela também será aplicada no mínimo legal e seu valor deverá estar especificado no acordo (art. 283, § 5º).

Quando feito esse requerimento de aplicação antecipada de pena, o § 6º dispõe que o acusado ficará isento das custas e despesas processuais.

Este artigo é uma novidade ao sistema processual penal, pois não há hoje em vigor nenhum instituto que sequer se assemelhe a ele.

3.3. Peculiaridades do artigo

Como dito, a previsão legal contida no art. 283 é inédita ao ordenamento jurídico pátrio. Embora não haja menção específica a esse artigo, as razões de sua criação podem ser extraídas da exposição de motivos do anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal, coordenado pelo Ministro Hamilton Carvalhido e relatado pelo Dr. Eugênio Pacelli de Oliveira[77].

A referida exposição de motivo assim dispõe:

Há inegável tendência na diminuição ou contenção responsável da pena privativa da liberdade, em razão dos malefícios evidentes de sua aplicação e execução, sobretudo em sistemas penitenciários incapazes de respeitar condições mínimas de existência humanamente digna. Em consequência, passou-se a adotar, aqui e mundo afora, medidas alternativas ao cárcere, quando nada por razões utilitaristas: a redução na reprodução da violência, incontida nos estabelecimentos prisionais.

Mas, nesse quadro, não só a pena ou sanção pública se apresenta como alternativa. A recomposição dos danos e a conciliação dos envolvidos pode se revelar ainda mais proveitosa e eficiente, ao menos da perspectiva da pacificação dos espíritos e da consciência coletiva da eficácia normativa. O anteprojeto busca cumprir essa missão, instituindo a possibilidade de composição civil dos danos, com efeitos de extinção da punibilidade no curso do processo, em relação a crimes patrimoniais, praticados sem violência ou grave ameaça e àqueles de menor repercussão social, no âmbito das infrações de menor potencial ofensivo. Prevê, mais que isso, uma alternativa ao próprio processo, condicionando a ação penal nos aludidos crimes contra o patrimônio, desde que ausente a grave ameaça ou a violência real. desse modo, substitui-se com vantagem a ação privada e sua incontrolável disponibilidade, por outro modelo mais eficiente: respeita-se a disponibilidade, em relação ao interesse da vítima quanto ao ingresso no sistema de persecução penal – ação pública condicionada – mantendo-se, ainda, na ação de natureza pública, a possibilidade de aproximação e conciliação dos envolvidos.

Some-se a isso um ganho sistematicamente reclamado para o sistema: o esvaziamento de demandas de menor repercussão ou de menores danos, por meio de procedimentos de natureza restaurativa, permitirá uma maior eficiência na repressão da criminalidade de maior envergadura, cujos padrões de organização e de lesividade estão a exigir maiores esforços na persecução penal.

Assim, um dos objetivos do legislador, assim como o foi quando da criação dos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, foi auxiliar na solução de um sério problema de nossa realidade: o elevado número de processos, lotando os cartórios das varas criminais, fazendo com que a instrução arraste-se por muito tempo e, em razão da baixa pena, grande parte deles culmine-se pela prescrição da pretensão punitiva.

Assim, antecipa-se a aplicação da pena, que poderá ser restritiva de direitos ou privativa de liberdade, desde que preenchidos determinados requisitos. Mas, antes da análise de qualquer um dos requisitos, não se pode esquecer que ser trata de um acordo, ou seja, as partes – Ministério Público e acusado – devem aquiescer os termos pactuados.

Ultrapassado isso, ou seja, Parquet e réu objetivarem o acordo, o primeiro requisito diz respeito ao crime, cuja pena máxima não poderá ser superior a oito anos. Além disso, e aí a grande novidade em relação aos demais institutos analisados nesse trabalho, é que aqui o autor assume a responsabilidade penal do fato, pois é imprescindível a confissão, ainda que parcial.

Por esta razão, consoante o disposto no § 8º do art. 283, a decisão de a homologação do acordo é considerada sentença condenatória, para todos os efeitos. Ou seja, o acusado terá seu nome incluído no rol dos culpados, implicará em reincidência, caso venha a ser condenado novamente, terá seus direitos políticos suspensos, etc.

Vê-se, portanto, que o artigo regulamenta uma hipótese de aplicação de pena sem o processo, vez que as partes, em comum acordo, dispensam a instrução criminal.


4. CONCLUSÃO

Com o presente trabalho objetivou-se um breve estudo sobre as medidas despenalizadoras existente em nosso sistema processual penal. Como visto, a Constituição Federal de 1988, ao prever a criação dos Juizados Especiais Criminais, buscou efetivar o Estado Social e Democrático de Direito.

Isso porque, a lei ordinária que regulamentou os referidos Juizados, instituiu medidas despenalizadoras, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processo, medidas estas que estão em consonância com o princípio da proporcionalidade, basilar do modelo de Estado objetivado pela Carta Magna.

Logo, sob a égide do princípio da proporcionalidade, criou-se em nosso ordenamento um conceito, até então, inédito: a gradatividade da intervenção penal. Assim, considerando a lesividade da conduta perpetrada, dispensa-se o tratamento penal, aplicando-se uma pena diversa da reprimenda corporal, por ser mais proporcional ao caso concreto.

A primeira medida despenalizadora abordada foi a transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº. 9.099/95, segundo a qual, antes do oferecimento da denúncia, é possível aplicar ao autor da infração uma pena restritiva de direito ou multa, desde que não esteja configurada nenhuma das causas impeditivas, a partir de uma proposta formulada pelo Ministério Público e aceita, expressamente, pelo acusado e seu defensor.

Feitos os apontamentos conceituais e procedimentos, o trabalho apontou a divergência nas soluções escolhidas pela doutrina e pela jurisprudência no caso de a transação penal não ser cumprida.

O Superior Tribunal de Justiça, seguindo a corrente defendida por Fernando da Costa TOURINHO FILHO, pacificou o entendimento de que a homologação da transação penal pelo juiz da causa faz coisa julgada formal e material, impedindo, assim, o oferecimento de denúncia, ainda que os termos acordados sejam descumpridos pelo autor da infração.

Entretanto, não se pode olvidar que o Supremo Tribunal Federal já decidiu em sentido contrário, o que torna comum a variedade de decisões nos Tribunais pátrios, ora em um sentido, pra em outro.

No Tribunal de Justiça do Estado do Paraná predomina que a sentença homologatória da transação penal não impede a propositura da ação penal em caso de descumprimento do acordo, pois se trata de uma decisão meramente terminativa, com natureza homologatória que produz, apenas, coisa julgada formal.

A segunda medida despenalizadora estudada foi a suspensão condicional do processo, sobre a qual se teceu comentários acerca da discussão existente na doutrina e na jurisprudência sobre a natureza jurídica do instituto.

Partindo de sua conceituação, verificou-se que o sursis processual possibilitou que processos de infrações de pequeno potencial ofensivo, desde que preenchidos os requisitos subjetivos do acusado, sejam suspensos por determinado tempo, com a extinção da punibilidade do agente ao final do decurso temporal, desde que respeitadas as condições impostas.

Como visto, assim que criado, iniciaram-se longas discussões sobre a natureza jurídica da suspensão condicional do processo, a fim de delimitar se sua aplicação seria uma discricionariedade do membro de Ministério Público ou um direito público subjetivo do acusado, de modo que pudesse ser concedido de ofício pelo Magistrado.

O entendimento predominante é no sentido de que se trata de uma discricionariedade do Parquet, não apenas por conta da redação dada pelo legislador, mas também pelo sistema processual penal adotado pela Carta Magna de 1988, qual seja, o acusatório.

Por fim, o trabalho abordou, de forma sucinta, um instituto criado pelo projeto do novo Código de Processo Penal, em seu art. 283, que prevê a possibilidade da aplicação antecipada da pena, que pode ser tanto privativa de liberdade, quanto restritiva de direitos, desde que o requerimento seja feito, de comum acordo, pelo Ministério Público e pelo acusado.

A peculiaridade deste artigo está no fato de que, para sua aplicação, além de outros requisitos, exige-se a confissão, ainda que parcial, do acusado, pois, ao contrário dos institutos abordados neste trabalho, aqui a decisão homologatória tem natureza condenatória, gerando todos os efeitos a ela inerentes. Trata-se, portanto, de grande inovação, já que não há no ordenamento jurídico pátrio nenhuma previsão legal semelhante.

Portanto, com esses breves apontamentos, objetivou o presente trabalho traçar um panorama geral da intervenção penal nas infrações de pequeno potencial ofensivo, em consonância com a Carta Magna de 1988, sob a égide do princípio da proporcionalidade.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

[1] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Manifesto contra os juizados especiais criminais. In: CARVALHO, Salo de; WUNDERLICH, Alexandre (coords.). Novos diálogos sobre os juizados especiais criminais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 3-14.

[2] FONSÊCA, Mariana Guedes Duarte da; MENDES, Miguel Soares Braz. Medidas despenalizadoras e cultura punitivista: um estudo sobre as práticas dos juizados especiais criminais em Pernambuco. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/33471/public/33471-43148-1-PB.pdf>. Acesso em: 10/jun./2011.

[3] Por se tratar de acordo pactuado entre a vítima e o autor do fato, o presente trabalho não discorreu acerca do tema, limitando-se, apenas, a apontar a sua existência.

[4] JESUS, Damásio E de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 62.

[5] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos juizados especiais criminais. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 92.

[6] JESUS, Damásio E de. Op. cit., p. 63.

[7] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. São Paulo: RT, 1996, p. 132.

[8] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 110.

[9] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Op. cit., p. 128.

[10] Ibidem, p. 129.

[11] Idem.

[12] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 104-105.

[13] TJPR – Turma Recursal Única – Ap. nº. 2006.5171-4 – Rel. Jederson Suzin – j. em 22/set./2006.

[14] Nesse sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Op. cit., p. 130.

[15] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 105.

[16] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Op. cit., p. 130-131.

[17] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 106-107.

[18] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Op. cit., p. 123.

[19] Nesse sentido: Ibidem, p. 127.

[20] Idem.

[21] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 107.

[22] Ibidem, p. 108.

[23] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Op. cit., p. 135.

[24] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 108.

[25] Ibidem, p. 102.

[26] GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados especiais criminais: lei n. 9.099/95. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 145.

[27] BATISTI, Leonir. Curso de direito processual penal. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2009, v. 3, p. 32.

[28] GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 408.

[29] Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:

I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;

II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;

III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.

§ 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício.

§ 2º A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão.

Art. 78 - Durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz.

§ 1º - No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade (art. 46) ou submeter-se à limitação de fim de semana (art. 48).

§ 2° Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do art. 59 deste Código lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes condições, aplicadas cumulativamente:

a) proibição de freqüentar determinados lugares;

b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz;

c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

Art. 79 - A sentença poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado.

Art. 80 - A suspensão não se estende às penas restritivas de direitos nem à multa.

Art. 81 - A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário:

I - é condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso;

II - frustra, embora solvente, a execução de pena de multa ou não efetua, sem motivo justificado, a reparação do dano;

III - descumpre a condição do § 1º do art. 78 deste Código.

§ 1º - A suspensão poderá ser revogada se o condenado descumpre qualquer outra condição imposta ou é irrecorrivelmente condenado, por crime culposo ou por contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos.

§ 2º - Se o beneficiário está sendo processado por outro crime ou contravenção, considera-se prorrogado o prazo da suspensão até o julgamento definitivo.

§ 3º - Quando facultativa a revogação, o juiz pode, ao invés de decretá-la, prorrogar o período de prova até o máximo, se este não foi o fixado.

Art. 82 - Expirado o prazo sem que tenha havido revogação, considera-se extinta a pena privativa de liberdade.

[30] BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados especiais criminais e alternativas à pena de prisão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 118.

[31] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados..., p. 214.

[32] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 163.

[33] Art. 92. Aplicam-se subsidiariamente as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei.

[34] Esse tema, relacionado à natureza jurídica do instituto, foi alvo de muita discussão e opiniões diversas, consoante análise do tópico subseqüente.

[35] Nesse sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados..., p. 210.

[36] Ibidem, p. 216.

[37] Ibidem, p. 223.

[38] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 172.

[39] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados..., p. 233.

[40] PELUSO, Vinicius de Toledo Piza. Suspensão condicional do processo: críticas à Súmula 696 do STF. In: MOREIRA, Rômulo (org.). Leituras complementares de processo penal. Salvador: Jus Podivm, 2008, p. 147.

[41] Nesse sentido: PELUSO, Vinicius de Toledo Piza. Op. cit., p. 150.

[42] BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: RT, 1996, p. 210.

[43] ANDRADA, Doorgal Gustavo Borges de. A suspensão condicional do processo penal. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

[44] PELUSO, Vinicius de Toledo Piza. Op. cit., p. 151.

[45] STJ – 5ª Turma – RHC n. 7.312/RS – Rel. Min. Edson Vidigal – j. em 07/maio/1998.

[46] STJ – 6ª Turma – REsp n. 184.697/SP – Rel. Min. Fernando Gonçalves – j. em 22/jun./1999.

[47] TACrimSP, Ap. n. 991735, Rel. Juiz Breno Guimarães, Rolo/Flash 1039/481.

[48] TACrimSP, Ap. n. 985841, Rel. Juiz Penteado Navarro, Rolo/Flash n. 1041/432.

[49] TAMG, M S n. 213.581-9, Rel. Juiz Duarte de Paula.

[50] TACrimSP, Ap. n. 990135, Rel. Juiz Aroldo Viotti, Rolo/Flash n. 1037/283.

[51] TJPR – 2ª C. Cr. – Ap. Cr. nº. 117841-4 – Rel. Des. Eli R. de Souza – j. 07/maio/1998.

[52] TAPR – 1ª C. Cr. – AC n. 0101024-6 – Rel. Des. Luiz Cezar de Oliveira – j. em 25/set./1997.

[53] TAPR – 2ª C. Cr. – AI n. 0161850-4 – Rel. Des. Eli R. de Souza – j. em 30/nov./2000.

[54] ABREU, Irahy Baptista de. Justiça penal. 4 ed. São Paulo: RT, 1994, p. 206.

[55] ARAS, Vladimir. Suspensão condicional do processo: direito subjetivo do acusado? Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/1083>. Acesso em: 15/03/2011.

[56] STF – 2ª Turma – HC n. 75441 – Rel. Min. Maurício Corrêa – j. em 17/fev./1998.

[57] STJ – 3ª Seção – EREsp n. 185.187/SP – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – j. em 13/out./1999.

[58] STJ – 3ª Seção – EREsp n. 154.516/SP – Rel. Min. Felix Fischer – j. em 13/dez./2000.

[59] TJSP – 4ª C. Cr. – HC nº. 204.579-3/0 – Rel. Des. Sinésio de Souza – j. em 19/mar./1996.

[60] TACrimSP – 12ª C. Cr, – Correição Parcial nº. 1.012.835-9 – j. em 17/jun./1996.

[61] TACrimSP, Ap. n. 1017745, Rel. Juiz Walter Guilherme, Rolo/Flash n. 1048/563.

[62] TJRJ – 6ª C. Cr. – HC n. 0022605-67.2002.8.19.0000 – Rel. Des. Mario Guimarães Neto – j. em 18/jul./2002.

[63] Resquício da não uniformização da jurisprudência acerca do tema é o artigo publicado pelo Juiz de Direito da Comarca de Belford Roxo/RJ, Dr. Alfredo José Marinho Neto, no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no qual assevera que “está com a razão a segunda corrente, que defende a possibilidade de o Juiz oferecer a proposta de suspensão condicional do processo de ofício ao réu que satisfaz os requisitos legais para tanto e tem o gozo do benefício frustrado por uma atuação ilegal, ilegítima, do órgão de acusação. De fato, não se pode admitir o Juiz (rectius, o Poder Judiciário) como mero espectador da atuação do Ministério Público, pois por imposição dos princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal deve apreciar toda e qualquer questão que se apresentar em um processo judicial criminal, intercedendo em favor do réu quando houver abuso do poder de acusar. Realmente, a concessão da suspensão condicional do processo ao réu de ofício nesses casos de recusa ilegítima por parte do Parquet consubstancia-se em ato naturalmente decorrente do Poder Jurisdicional, ato este que constitui garantia fundamental dos cidadãos, cláusula pétrea da Constituição da República prevista nos incisos XXXV e LIV de seu art. 5º. Ora, sendo a jurisdição inafastável, não existe, nem pode existir questão que não possa ser apreciada pelo Poder Judiciário, principalmente em matéria criminal. Entender pela aplicação analógica do art. 28 do CPP nessas hipóteses importa em afastar do cidadão a jurisdição, o que é inadmissível e constitucionalmente vedado” (MARINHO NETO, Alfredo José. Suspensão condicional do processo – pode o juiz oferecê-la de ofício? Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br/institucional/dir_gerais/dgcon/pdf/artigos/direi_pro_penal/suspensao_condicional_processo.pdf> Acesso em 19/03/2011.

[64] STF – 2ª Turma – HC n. 84935 – Rel. Min. Joaquim Barbosa – j. em 31/maio/2005.

[65] STF – 1ª Turma – HC n. 84342 – Rel., Min. Carlos Britto – j.em 12/abr./2005.

[66] STJ – REsp nº. 1008191/SP – Rel. Min. Felix Fischer – j. em 24/abr./2008.

[67] STJ – 5ª Turma – HC n. 85.038/RJ – Rel. Min. Felix Fischer – j. em 13/dez./2007.

[68] STJ – 5ª Turma – HC n. 48.079/SP – Rel. Min. Felix Fischer – j. em 23/maio/2006.

[69] STJ – 6ª Turma – REsp n. 251.033/SP – Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa – j. em 02/jun./2005.

[70] TJRJ – 2ª C. Cr. – CP n. 0018863-07.2008.8.19.0038 – Rel. Des. Adilson Vieira Macabu – j. em 07/out./2008.

[71] TJSP – 16ª C. Cr. – Correição Parcial n. 0488752-34.2010.8.26.0000 – Rel. Des. Pedro Menin – j. em 15/fev./2011.

[72] TJSP – 5ª C. Cr. – Correição Parcial n. 0003030-60.2008.8.26.0326 – Rel. Des. José Damião Pinheiro Machado Cogan – j. em 17/mar./2011.

[73] Art. 4º O processo penal terá estrutura acusatória, nos limites definidos neste Código, vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

[74] Art. 14. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:

I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil;

II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 555;

III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença;

IV – ser informado sobre a abertura de qualquer investigação criminal;

V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar;

VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las;

VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa;

VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pelo delegado de polícia e observado o disposto no parágrafo único deste artigo;

IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;

X – requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;

XI – decidir sobre os pedidos de:

a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;

b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico;

c) busca e apreensão domiciliar;

d) acesso a informações sigilosas;

e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.

XII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;

XIII – determinar a realização de exame médico de sanidade mental, nos termos do art. 452, § 1º;

XIV – arquivar o inquérito policial;

XV – assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito de que tratam os arts. 11 e 37;

XVI – deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;

XVII – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.

[75] Art. 45. A ação penal é pública, de iniciativa do Ministério Público, podendo a lei, porém, condicioná-la à representação da vítima ou de quem tiver qualidade para representá-la, segundo dispuser a legislação civil, no prazo decadencial de seis meses, contados do dia em que se identificar a autoria do crime.

Parágrafo único. Nas ações penais condicionadas à representação, no caso de morte da vítima, a ação penal poderá ser intentada a juízo discricionário do Ministério Público.

[76] Art. 276. Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações da vítima, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

[77] Os demais integrantes da comissão são: Antonio Correa, Antonio Magalhães Gomes Filho, Fabiano Augusto Martins Silveira, Felix Valois Coelho Junior, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral.


Autor

  • Renata Regina de Oliveira

    Renata Regina de Oliveira

    Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná Especialista em Direito: Ministério Público – Estado Democrático de Direito pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná Assessora jurídica na 5ª Procuradoria de Justiça Criminal do Ministério Público do Estado do Paraná.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Renata Regina de. Das medidas de despenalização no Direito Processual Penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3159, 24 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21155. Acesso em: 20 abr. 2024.