Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/21174
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Princípio da confiança e tutela ambiental: a primazia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado sobre o direito de proteção à confiança legítima

Princípio da confiança e tutela ambiental: a primazia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado sobre o direito de proteção à confiança legítima

Publicado em . Elaborado em .

Em tema das leis ambientais, o que se percebe é que o sujeito, antes de confiar, deve agir com cautela e discernimento. As expetativas advindas de seus atos e negócios jurídicos, ou dos fatos jurídicos em que esteja envolvido, podem se mostrar severamente frustradas se não considerar a variável ambiental.

RESUMO

Propõe-se a expor os lindes normativos do princípio da confiança, trabalhando suas bases constitucionais, suas implicações com o princípio da boa-fé, os pressupostos de sua aplicação, os graus de aplicação e sua eficácia negativa e positiva. Será objeto de explanações ainda o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e alguns princípios fundamentais que informam o Direito Ambiental. Explanam-se, daí, as duas principais teorias que tratam dos conflitos ou concorrência de direitos fundamentais, isto é, a teoria interna e a teoria externa. Em seguida, descrevem-se diversas situações em que esses postulados são vistos em fricção, com destaque para o tratamento a elas dado pela doutrina e pela jurisprudência, em especial a do Superior Tribunal de Justiça. O objetivo, ao fim, é demonstrar a primazia ou prevalência do direito ao equilíbrio ambiental sobre o direito de tutela da confiança.

PALAVRAS-CHAVE

Princípio da confiança. Segurança jurídica. Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Função social da propriedade, do contrato e da empresa. Princípio da ubiquidade. Colisão de direito fundamentais. Teoria interna. Teoria externa. Coisa julgada ambiental. Direito adquirido e ato jurídico perfeito. Prescrição e decadência. Venire contra factum proprium. Surrectio. Supressio.


S U M Á R I O: 1.                         INTRODUÇÃO.  2. O ÂMBITO NORMATIVO DA CONFIANÇA LEGÍTIMA. 2.1. Noções iniciais. 2.2. Bases constitucionais. 2.3. Implicações com o princípio da boa-fé. 2.3. Pressupostos de aplicação da tutela da confiança. 2.4.  Graus da confiança legítima. 2.5.  Eficácia positiva e negativa. 3.                  O DIREITO À PROTEÇÃO AMBIENTAL E POSTULADOS FUNDAMENTAIS DECORRENTES. 3.1. O direito humano fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 3.2. Função social da propriedade, do contrato e da empresa.3.3.  O princípio da ubiquidade. 3.4. Outros princípios relevantes . 4. COLISÃO OU CONCORRÊNCIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E TEORIAS PARA SUA SOLUÇÃO . 4.1. Teoria externa e juízo de ponderação. 4.2. Teoria interna e juízo de adequabilidade. 5. SITUAÇÕES DE COLIDÊNCIA ENTRE OS DIREITOS À PROTEÇÃO DA CONFIANÇA E DO MEIO AMBIENTE . 5.1. Coisa julgada ambiental . 5.2. Direito adquirido e ato jurídico perfeito. 5.3. Prescrição e decadência. 5.4.  Venire contra factum proprium. 5.5. Surrectio e supressio. 6. CONCLUSÃO.7. BIBLIOGRAFIA


 1. INTRODUÇÃO

Parece fértil o interesse, em tempo recente, da doutrina e da jurisprudência, sobre o princípio da confiança, que vem de ocupar espaço em textos de juristas de revistas especializadas e em manuais de Direito, especialmente os de Direito Civil e Administrativo, e até nos votos dos integrantes dos tribunais superiores do país.

O enfoque e a quizila que se percebem têm o valor de trazer à discussão, em solo e letras jurídicas nacionais, o âmbito de alcance e de proteção desse princípio, que se tem como basilar para a noção do Direito e para a vida social em geral.

Calha, então, por certo, antes que um fetiche do princípio venha a alavancá-lo a uma posição superior em relação aos demais que regem a realidade social, econômica e política deste país, tecer considerações sobre os limites ou restrições que se põem à eficácia concreta desse postulado.

Mais que oportuno, então, levantarmos outro princípio jurídico, que talvez ocupe um aproximado status de novidade para os operadores do direito: o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. De conquista e assimilação recente, há quase 40 (quarenta) anos nos círculos do discurso jurídico, desde a sua inserção na Declaração de Estocolmo, das Nações Unidas, em 1972, vem também sendo lembrado com bastante frequência nos escaninhos judiciais e administrativos e, também, legislativos, devido a sua essencial ou vital importância, pois afeto à própria sobrevivência da espécie humana e da vida como um todo em nosso planeta.

O propósito, pois, é traçar os lindes normativos de ambos os princípios e dissertar sobre os limites que um e outro podem opor ao âmbito de incidência de cada qual.

No meio disso, mister será esboçar as principais teses que o conhecimento jurídico vem levantando, neste início de século, sobre a solução para os casos de colisão entre direitos fundamentais, extraídos da Constituição, quando então ladearemos as teses da ponderação entre valores, tal como preconizada por Robert Alexy,  e da teoria da integridade do direito, conforme esposada por Ronald Dworkin.

Em seguida, avançaremos nos pontos de (aparente) colidência mais sobressalentes, na doutrina e na jurisprudência, entre ambos os postulados, entre os quais o da incidência da coisa julgada que vulnera o meio ambiente, o de direitos adquiridos contra a natureza, o da incidência da decadência e da prescrição sobre situações jurídicas erguidas de modo afrontador ao meio ambiente, além de outros.

Ao fim, intenta-se concluir que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado goza de uma posição de primazia ou prevalência sobre o direito de proteção à confiança legítima, de modo que o primeiro só cederá espaço, no caso concreto, para o segundo, quando a lógica do melhor argumento - ou do maior peso - estiverem em favor do dever de tutela da confiança.


2. O ÂMBITO NORMATIVO DA CONFIANÇA LEGÍTIMA.

2.1. Noções iniciais.

O princípio da proteção da confiança legítima, também denominado simplesmente princípio da confiança[1], propugna a previsibilidade e calculabilidade de comportamento. Possibilita às pessoas a semeadura de um solo seguro para planejar e organizar sua vida, sem que possa ser vitimada por condutas abruptas e incoerentes dos atores sociais com quem relaciona. Consubstancia-se no dever de proteção à crença que se efetiva a partir do agir do outro. Ele porta uma vedação de não comportar-se de modo lesivo às expectativas geradas na contraparte, a partir da cadeia de contatos e interlocuções ou de um único entrelaçar comunicativo.

De acordo com a doutrina[2], a proteção da confiança legítima detém duas funções primordiais no ordenamento: i) atua como uma proteção das legítimas expectativas; e ii) como justificativa da vinculabilidade das partes à relação jurídica.

2.2. Bases constitucionais.

O estudo sobre o princípio da confiança não pode prescindir, com certa urgência, de um exame de suas fontes constitucionais, em ordem a adorná-lo com as cores do constitucionalismo pós-moderno, voltado para a efetivação das normas constitucionais, sejam  elas regras ou princípios.

A primeira lição que desponta é a de J.J. Gomes Canotilho, quem, já de longa data, antevia no princípio da confiança a face subjetiva do princípio da segurança jurídica, de índole constitucional, porque integrante do sobreprincípio do Estado de Direito. Quer-se dizer que a segurança jurídica não se resume à estabilidade ou imutabilidade das situações jurídicas que se constituem no mundos dos fatos, mas abarca também a proteção da confiança nos atos do Estado e dos particulares, na forma em que são exteriorizados e no modo em que surtem os efeitos previstos na norma jurídica. Eis as palavras do constitucionalista português:

“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança  como elementos constitutivos do Estado de Direito. Estes dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança – andam estreitamente associados, a ponto de alguns autores considerarem o princípio da proteção da confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada como elementos objetivos da ordem pública – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos.” ”[3]

Nesse mesma linha, Almiro do Couto e Silva ensinava em seu célebre texto sobre a regência do princípio da confiança no Direito Administrativo:

“A segurança jurídica é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva.

A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Diferentemente do que acontece em outros países cujos ordenamentos jurídicos frequentemente têm servido de inspiração ao direito brasileiro, tal proteção está há muito incorporada à nossa tradição constitucional e dela expressamente cogita a Constituição de 1988, no art. 5º., inciso  XXXVI.

A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação.”[4]

A visão corrente, noutro compasso, do princípio em apreço, permite enxergá-lo no viés mais alargado do que o da segurança jurídica, já que enseja proteção às pessoas que confiam para além das relações jurídicas que se consubstanciam em direitos formalmente reconhecidos, em atos jurídicos perfeitos ou mesmo em sentenças transitadas em julgado. A confiança, e a sua tutela, como se verá adiante, surge desde o contato social e passa pela proteção das legítimas expectativas surgidas em tratativas preliminares ou procedimentos preparatórios ou anteriores ao início da situação ou relação jurídica.

Noutro vértice, o postulado da confiança se tira também do princípio da solidariedade social. Assim é que, no inciso I do seu art. 3º, a Carta Magna de 1988 indica e prioriza, como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Convoca ela, ademais, os destinatários das normas constitucionais, Sociedade e o Estado, à fraternidade ao perseguir a erradicação da pobreza e a marginalização, e a redução de desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III).

Essa norma-vetor estatui o dever de respeito, consideração e cooperação dos atores sociais, indivíduos, pessoas públicas ou privadas, físicas ou jurídicas, em busca do bem comum e da realização do ser humano segundo os projetos de vida boa de cada um. A solidariedade impõe aos sujeitos o respeito à condição do outro, suas expectativas e interesses, que passa a ser visto como copartícipe do processo de desenvolvimento coletivo, promovendo-se a dignidade e a humanidade de todos. Não há dúvida, pois, que ela implica em condicionar a atuação dos sujeitos à proteção das legítimas expectativas de confiança dos outros com quem relaciona.

Cumpre ainda referir à noção da confiança como princípio ético-jurídico que se extrai de maneira implícita do sistema normativo. Diz-se que a tutela da confiança se deduz da tábua de valores extraídos das letras constitucionais, segundo a racionalidade que nelas se coloca, e também de normas e postulados explicitamente dispostos no texto da Constituição e da legislação infraconstitucional. Eis pois alguns institutos a partir dos quais, entre outros, se infere esse postulado, segundo inclusive a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[5]: (i) a decadência, que extingue o direito potestativo de uma parte em rever ou anular uma relação jurídica; (ii) prescrição, que atinge os direitos subjetivos, a exigirem uma prestação da contraparte; (iii) preclusão, que é a perda da faculdade de realizar um determinado ato processual, pelo decurso do tempo, por haver já praticado o ato e pela prática de um outro com o anterior incompatível;  (iv) a coisa julgada, ou seja, a intangibilidade da sentença judicial passada em julgado; (v) direito adquirido e (vi) ato jurídico perfeito.

2.3. Implicações com o princípio da boa-fé.

Eis um ponto em que se apresenta certa discussão acerca da existência de identidade ou não dos conceitos da confiança e  da boa-fé na teoria do Direito.

A começar pela origem germânica da boa-fé, na expressão Treud und Glauben, põe a doutrina tedesca esse princípio como o dever de não frustrar a confiança depositada no tráfego. Assim vão as palavras de Karl Larenz:

“El principio de la “buena fe” significa que cada uno debe guardar “fidelidade” a la palabra dada y no defraudar la confianza o abusar de ella, ya que ésta forma la base indispensable de todas as relaciones humanas; suppone el conducirse como cabia esperar de cuantos com pensamiento honrado intervienen em el tráfico como contratantes o participado en él em virtud de otros vínculos jurídicos.”[6]

Uma corrente doutrinária propugna que a boa-fé objetiva e confiança legítima são conceitos que se identificam e confluem no dever geral de lealdade no tráfego jurídico. Judith Martins Costa, a seu turno, observa a boa-fé como uma confiança adjetivada ou qualificada como boa, isto é, como justa, correta ou virtuosa[7]. Autores outros enxergam na confiança uma transcendência sobre a boa-fé, a refletir sobre todo o Direito.

Com José de Oliveira Ascensão[8], entende-se que se cuidam de conceitos próximos, mas sem relação de identidade ou decorrência. A boa-fé objetiva representa um padrão de conduta cooperativo e de respeito aos interesses legítimos de ambas as partes na relação. A confiança funda-se no dever de não frustrar legítimas expectativas depositadas nas condutas de outrem, que devem ser mantidas, pena de responsabilidade.

A base comum de ambas, de qualquer modo, está no princípio constitucional da solidariedade social, de que exalam os deveres de cooperação, respeito mútuo e proteção da fé depositada no agir.

2.4. Pressupostos de aplicação da tutela da confiança.

Para que a confiança seja tutelada, basta o contato social e o agir conforme as normas legais ou consuetudinárias e as práticas sociais geralmente aceitas. Todavia, em estágios mais avançados da confiança, em que as relações ganham maior proximidade ou concretude, necessário será o atendimento a requisitos mais específicos.

Anderson Schreiber, em seu livro A Proibição do Comportamento Contraditório, resume os componentes da situação fática que faz incidir o princípio em tela[9]: (i) a ocorrência de um fato próprio, ou seja, uma conduta inicial; (ii) a legítima confiança de outrem no sentido objetivo desta conduta; (iii) um comportamento contraditório com este sentido objetivo (e, por isto mesmo, violador da confiança); e (iv) um dano ou, no mínimo, um potencial de dano a partir da contradição.

José de Oliveira Ascensão também arrola, a partir de um certo consenso que grassa na doutrina e na jurisprudência portuguesas, os elementos para incidência da confiança[10], que são: i) a confiança deve fundar-se na conduta de outrem; ii) ela deve ser justificada; iii) o agente deve ter feito o chamado investimento de confiança; e iv) há um comportamento que frustra a confiança criada e as providências nela fundadas.

2.5. Graus da confiança legítima.

O princípio da confiança surge entre os atores sociais em graus e níveis diversos, à medida que suas relações se tornam mais próximas ou se prolonguem no tempo.

Assim é que o grau mínimo da confiança legítima tem lugar com o contato das pessoas, a partir da vida social, independentemente de uma relação ou situação jurídica que as ligue diretamente. Surge aqui a figura do homem médio, aquele que cumpre as normas legais e costumeiras de um determinado Estado e sociedade e espera – e confia - que os demais também as cumpram.

Esse grau de confiança é bastante lembrado no Direito Penal como critério de exclusão da imputação de resultados lesivos a quem atuou confiança em que outros se manteriam dentro dos limites da prática aceita e reiterada. Conforme Francisco de Assis Toledo,

“Se o dever objetivo de cuidado se dirige a todos, é justo que se espere de cada um o comportamento prudente e inteligente, exigível para uma harmoniosa e pacífica atividade no interior da vida social e comunitária. Seria absurdo que o direito impusesse aos destinatários de suas normas comportamentos de modo desconfiado em relação ao semelhante, todos desconfiando de todos. Assim, admite-se que cada um comporte-se como se os demais se conduzissem corretamente. A esse critério regulador da conduta humana se denomina princípio da confiança. Para a determinação em concreto da conduta de um, não se pode, portanto, deixar de considerar aquilo que seria lícito, nas circunstâncias, esperar-se de outrem, ou melhor, da própria vítima”[11]

O grau médio da confiança é o que mais tem atraído a atenção dos estudiosos em termos hodiernos. A confiança passa a ter consequências jurídicas numa fase anterior à da concretização de uma relação jurídica, como um contrato ou um ato administrativo, haja vista os investimentos e as expectativas depositadas por uma contraparte no ato do outro. Ela informa e conforma institutos que tem despertado interesse atual, como a responsabilidade pré-contratual[12] e o dever de nomeação de candidatos aprovados em classificação que abranja as vagas previstas em edital de concurso público[13].

O grau médio também se manifesta na teoria da confiança que surgiu como critério de interpretação dos atos e negócios jurídicos, inclusive os normativos, nos termos do art. 112 do Código Civil, donde se tira que o exato sentido dos textos negociais - e legais, acresça-se - é definido pela sua prática objetiva e efetiva pelos envolvidos e não pelo que consta do papel.

A confiança assume, por último, um grau máximo quando decorrente de uma situação jurídica que se consubstancia em um ato ou negócio jurídico, que se consolida pelo decurso do tempo, como nos caso de prescrição e decadência, ou, ainda, que vem de ser reconhecida e declarada em sentença judicial transitada em julgada.

Os contornos assumidos pela confiança, nesses diferentes graus, no âmbito do Direito Ambiental, terão sobre si um relativo aprofundamento no Capítulo 5 deste trabalho.

2.6. Eficácia negativa e positiva.

A eficácia negativa do princípio da confiança carrega a vedação a que uma parte numa relação se volte contra uma legítima expectativa de confiança por ela despertada em outrem. Ela se consubstancia na chamada teoria dos atos próprios, que, no direito francês, significa que a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com sua anterior conduta interpretada objetivamente. Está presente no postulado da irretroatividade das leis penais e tributárias, quando afetarem negativamente os réus e contribuintes, respectivamente. Também se manifesta no princípio do venire contra factum proprium, que repele o comportamento contraditório[14].

Já a eficácia positiva revela-se de extraordinário e relevante âmbito e alcance sobre a esfera de direitos dos cidadãos. Ela recomenda a particulares e até ao Poder Público que adote postura firme e segura no agir, de modo a permitir às contrapartes estabilidade em seus projetos de vida. Rechaça os comportamentos imprecisos e indecisos das partes. Preconiza a adoção de normas ou condutas de transição, quando os atores ensaiam modificar um postura anteriormente adotada, como ocorre na interpretação dada à Constituição ou à lei pela Administração Pública, pelo Poder Judiciário ou pelo próprio Legislativo[15]. Mais ainda, num projeto de Estado Constitucional e Democrático de Direito, estatui o dever de todos, Estado e sociedade, de cumprir com seu papel na consecução dos fins comuns, como o bem estar de todos e a promoção e proteção dos direitos humanos fundamentais, concretizando um ideal de cidadania e realização da pessoa humana, sem qualquer distinção.

Nessa linha de ideia, propugna Judith Martins Costa que:

“... o princípio da segurança jurídica vem relacionado a outro tipo de confiança, a outra lógica da confiança: não apenas confia-se na inação estatal, a fim de não perturbar o espaço da livre-iniciativa econômica; confia-se também na racionalização do poder do Estado e na sua ação, tendo em vista o interesse (que é social e coletivo, e não meramente individual) no livre desenvolvimento da personalidade dos indivíduos.

Com efeito, a personalidade humana, considerada em seus aspectos existenciais, protegidos, em larga medida, no catálogo dos direitos fundamentais, mas também nas leis infraconstitucionais, é o bem jurídico fundamental por excelência. Proporcionar as condições para o seu desenvolvimento livre na vida comunitária é também dever de atuação do Poder Público. A confiança do cidadão na Administração Pública vem aí relacionada a um dever que se desdobra, que se bifurca, conferindo dois sentidos diversos a um mesmo sintagma: boa-fé – a Administração deve não apenas resguardar as situações de confiança traduzidas na boa-fé (crença) dos cidadãos na legitimidade dos atos administrativos ou na regularidade de certa conduta; deve também agir segundo impõe a boa-fé, considerada como norma de ?conduta, produtora de comportamentos ativos e positivos de proteção[16]”.

Na esfera ambiental, a eficácia positiva da confiança inspira o princípio da vedação ao retrocesso ecológico, a preservar a estrutura normativa vigente contra alterações ou propostas de reformas que possam diminuir seu espectro de eficácia e tutela do meio ambiente.


3. O DIREITO À PROTEÇÃO AMBIENTAL E POSTULADOS  FUNDAMENTAIS DECORRENTES

3.1. O direito humano fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A proteção ao meio ambiente começa a estruturar-se juridicamente com a Declaração da Conferência das Nações Unidas – ONU sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972, quando foi proclamado:

 “1. O homem é criatura e criador de seu ambiente, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente (...) Os dois aspectos do ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive do próprio direito à vida.

2. A proteção e a melhoria do ambiente humano é uma questão principal que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico de todo o mundo; um desejo urgente dos povos do mundo inteiro e dever de todos os governos.”

Esse instrumento internacional, expedido no âmbito da ONU, não detém força obrigatória, já que não consubstanciado em tratado com força vinculante para os Estados membros da organização. Tampouco há consenso sobre se os princípios nele adotados configuram direito consuetudinário internacional ou norma de jus cogens, de igual força vinculante no âmbito da sociedade internacional.[17]

Certo, todavia, é que as disposições da Declaração de Estocolmo exerceu grande influência sobre o legislador constituinte brasileiro de 1988, que preconizou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado na seguinte forma:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Com essa estipulação, o meio ambiente passou a ser tido como direito fundamental, a despeito de não vir expresso nos artigos 5º a 17 da Carta Magna, que cuidam do assunto. Essa inferência de relevo é resultante da sua íntima ligação com o direito à vida, insculpido no caput do citado art. 5º, além da disposição expressa no § 2 desse mesmo dispositivo, em que fica patente que os direitos e garantias previstos na Constituição não excluem outros que sejam decorrentes do regime por ela adotado e dos tratados internacionais de que o Brasil seja parte.

Esse postulado jusfundamental é explicitado por Paulo Affonso Leme Machado na conservação das propriedades e das funções naturais do meio ambiente, de modo a permitir a existência, a evolução e o desenvolvimento dos seres vivos.[18]

Marcelo Abelha aduz que esse direito tem por objeto um bem imaterial, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, que resulta da combinação de diversos fenômenos e reações de ordem química, física e biológica, provocados por diversos fatores, bióticos (fauna, flora e diversidade biológica) e abióticos (ar, água, terra, clima, etc.), componentes presentes no planeta Terra[19].

O bem ambiental possui características que necessitam ser explicitadas para o fim de apontar, mais adiante, sua primazia em relação à maioria dos direitos, inclusive o de proteção da confiança, em vista de sua essencial relação com a vida sadia.

A proteção ambiental se volta para o macrobem, que é o próprio equilíbrio ecológico, e os microbens, que são os fatores bióticos e abióticos. Ambos são naturalmente indivisíveis: eles não se repartem sem que isso redunde em alterações de suas propriedades. O bem ambiental, além de indivisível, é ubíquo por não encontrar fronteira espacial ou territorial, limite ou paredes que o isolem. É inerente a ele ainda a instabilidade, eis que qualquer variação de algum de seus componentes bióticos ou abióticos, por menor que seja, pode lhe causar sério desequilíbrio. Os bens ambientais, suas potencialidades e características são incognoscíveis ao homem, que a cada dia realiza sobre ele novas descobertas sem que tenha atingido uma compreensão plena de sua essência e funcionalidade. Sua titularidade, ainda, é difusa, de propriedade, uso e posse de cada um e de todos ao mesmo tempo. Tem-se, ainda, a reflexibilidade do bem ambiental, pois que sua lesão pode afetar outros direitos privados [20].

3.2. Função social da propriedade, do contrato e da empresa.

Seguindo na seleção de princípios ambientais que interessam ao cotejo de direitos fundamentais que se faz, calha elucidar um pouco sobre o princípio da função social da propriedade, a que aludem os artigos 5º, inc. XXIII; 170, III, 182, § 2º, e 186 da Constituição da República Federativa do Brasil.

Quer significar que o direito de propriedade se exerce em prol de seu titular, tendo aqui um caráter individual esse direito, mas também em prol da coletividade, surgindo daí o seu conteúdo coletivo. Não se cuida, é certo, de uma limitação externa ao direito de propriedade, senão de uma disposição que é endógena e inerente à própria propriedade. A função social alcança, então, a posição de quinto atributo da propriedade, ao lado do uso, gozo, disposição e reivindicação. Diz-se, hodiernamente, de consequência, que não existe propriedade quando seu uso não está conforme sua função social.

A proteção ao meio ambiente está inserida na função social da propriedade, por tratar-se ele de um bem de uso comum e, portanto, social. Assim quis e dispôs o legislador ordinário quando tratou desse direito no Código Civil de 2002:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Vê-se, pois, que a propriedade será legítima somente se seu exercício estiver em consonância com as normas ambientais.

No mesmo compasso, tendo por base os preceitos constitucionais que apontam os fins sociais da propriedade, veio o mesmo Código Civil de 2002 estatuir a função social dos contratos, na forma da seguinte cláusula geral:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

O alcance do preceptivo retro é elucidado pelo Enunciado nº 23, das Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal-CJF, conforme a seguir posto:

Enunciado 23 - Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.

Anota a doutrina que o contrato é o aspecto dinâmico da propriedade, este um direito estático, um vez que por ele é que se tem a circulação da propriedade.

Na mesma senda, se toda sociedade empresarial nasce de uma contrato (art. 981 do Código Civil), pode-se dizer também que a empresa também deve, no seu exercício, observar os fins sociais que norteiam todos os institutos jurídicos. A função social da empresa se tira, outrossim, dos princípios constitucionais que norteiam a atividade econômica, conforme o art. 170, entre os quais estão a defesa do meio ambiente.

Nesse sentido, vem também o Enunciado 53 do CJF:

53 – Art. 966: deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa.

As responsabilidades da empresa, a partir de seu sentido social, são elucidadas por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

“Não se trata de obstaculizar o lucro ou mesmo transferir responsabilidades estatais para o particular, em caráter assistencial. Não. A função social da empresa impõe responsabilidade social aos empresários, servindo como anteparo, barreira, para impedir que o intuito lucrativo venha a violar direitos fundamentais da pessoa humana e interesses coletivos. É a vedação da prática das chamadas ‘vendas casadas’, da formação de cartéis, dos danos ao meio ambiente, ao mesmo tempo em que se exige a promoção das atividades sociais, justificando a concessão da personalidade jurídica às empresas.”[21]

Infere-se que os institutos jurídicos ligados às atividades econômicas se acham todos funcionalizados ao atendimento dos interesses sociais, entre eles o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Como os choques entre o princípio da confiança e o princípio do meio ambiente como direito humano fundamental decorrem, precipuamente, do exercício desses institutos de cunho patrimonial, fácil será perceber na função social um dos principais argumentos técnico-jurídicos a afastar o dever de tutela da confiança quando o exercício dessas posições jurídicas afrontarem o meio ambiente.

3.3. Princípio da ubiquidade.

O postulado agora em epígrafe, ao lado dos acima abordados, redundam na chamada variável ambiental, a integrar qualquer processo decisório e a subjugar o exercício de qualquer direito ou potestade, pública ou privada.

Tem esse princípio estreita decorrência da característica da ubiquidade, ou onipresença, do bem jurídico ambiental, como pré-falado logo acima, a indicar a ausência de fronteiras espaciais e territoriais, limites ou paredes que isolem os fatores ambientais.

Eis como Marcelo Abelha traduz esse princípio:

“O princípio da ubiquidade reflete muito bem o conceito semântico da palavra que lhe empresta o significado. Ubíquo é sinônimo de onipresente, que está em todo lugar. Este princípio é visto de duas formas: a) num primeiro enfoque, os componentes ambientais, por serem de índole planetária, fazem com que o meio ambiente seja visto de forma global, já que o dano que se causa aqui é sentido em qualquer lugar – não há como impedir que o rio deixe de contaminar o leito, as plantas, a fauna marinha etc., que servirão de vetores da poluição. Por isso exige-se uma cooperação global entre as nações e daí se tem desenvolvido o direito ambiental internacional; b) sob outro enfoque, tal princípio exige que os bens ambientais sejam horizontalmente analisados, isto é, todo e qualquer direito subjetivo, de índole privada, deve pedir obediência ao direito ambiental. Qualquer liberdade pública ou propriedade privada deve ceder espaço à proteção dos bens ambientais, dado o seu caráter global e horizontal.”[22]

3.4. Outros princípios relevantes.

Cumpre ainda referir-se a outros princípios de Direito Ambiental cuja extensão contribui sobremodo com as conclusões a que se chegam ao final.

Assim, o princípio da prevenção preconiza a evitação de danos ambientais já conhecidos pela ciência e até pelo homem médio. As situações de risco ao meio ambiente devem ser de logo rechaçadas. Apenas quando possível, segundo critérios técnicos demonstrados em estudos de impacto ambiental, em vista de assegurar o gozo de bens protegidos pela ordem jurídico-constitucional, é que atividades que causem prejuízos ao meio ambiente poderão ser licenciadas, desde que sujeitas a condicionantes previstas no termo da licença, que sejam hábeis a mitigar ou elidir os danos.

Essa diretriz vai afetar sobremodo o princípio da confiança, já que vai indicar cautela, em vez de confiança e entrega, a todos que se envolvam em negócios ou atividades que possam afetar, de modo direto ou indireto, o meio ambiente.

Já o princípio da precaução protege o meio ambiente de ações humanas cujos resultados sejam desconhecidos do conhecimento médio ou da ciência humana. Caracteriza-se pela antecipação de ação diante de riscos desconhecidos. A incerteza científica, aqui, milita em favor do meio ambiente e da saúde.

Enquanto a prevenção trabalha com o risco certo, a precaução vai além e se preocupa com o risco incerto. Prevenção se dá em relação ao perigo concreto, ao passo que a precaução envolve perigo abstrato ou potencial[23] .

O princípio da confiança no tráfego é fortemente atingido pelos contornos da responsabilidade civil ambiental.

Na forma do art. 3º, inciso IV, da Lei nº 6.938/1981, o poluidor é toda pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

Ainda essa lei estipula o caráter objetivo da responsabilidade em casos de danos ao ambiente, consoante o parágrafo primeiro do art. 14, ao prever que o poluidor é obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.

Nessa linha, é pacífico que a responsabilidade civil ambiental é fundada no risco integral, afastando qualquer alegação de culpa ou fato exclusivo de terceiros, força maior ou caso fortuito[24].


4.  COLISÃO OU CONCORRÊNCIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E TEORIAS PARA SUA SOLUÇÃO.

Por versamos, neste texto, sobre conflitos entre direitos que têm igual dignidade constitucional, o de proteção da confiança e da tutela do meio ambiente, é mister abordarmos, antes de adentrar nas situações mais comezinhas que aparece esse embate, as teorias e práticas jurídicas que mais destaque recebem dos estudiosos e aplicadores do direito.  Assim é que se inicia a sumarizar as teorias externas e internas dos direitos fundamentais.

4.1. Teoria externa e juízo de ponderação.

A teoria externa propugna que toda restrição a um direito fundamental se origina de fora dele. Sua aplicação considera dois raciocínios: o primeiro leva em conta o conteúdo inicial – não definitivo – do direito fundamental. Aqui, os direitos frequentemente têm um âmbito de proteção amplo. Em seguida, necessário será a harmonização desse direito com outros postulados ou bens também protegidos pela Constituição, chegando à identificação das situações que recebem tutela do direito em discussão. Assim, um direito pode ter regulação prima facie sobre o caso, mas, por razões externas a ele, em função de outro direito ou postulado fundamental, poderá ter seu alcance restringido.  

Surge aqui o princípio da proporcionalidade como critério para a delimitação do âmbito em concreto e definitivo do direito fundamental.

Esse postulado hermenêutico foi decomposto, no afã de conferir racionalidade à sua aplicação, em três subprincípios, a saber: adequação, em que se verifica se a medida de proteção ao direito fundamental escolhida é idônea ou apta a alcançar o fim almejado; a necessidade, que preconiza a verificação da ocorrência de meio menos gravoso à consecução do fim almejado, e a proporcionalidade em sentido estrito, consistindo na ponderação entre o ônus imposto ao direito fundamental atingido e o benefício trazido ao outro, em ordem a constatar a legitimidade da conduta.

De acordo com Cláudio Chequer, a teoria em testilha é mais aceita pela maioria dos constitucionalistas, como Robert Alexy e Borowski na Alemanha, e da doutrina e jurisprudência brasileira. Elucida esse autor que

“O método da ponderação nos parece realmente o mais acertado para o equacionamento de conflitos entre princípios fundamentais em razão de representar uma metodologia que impõe a ponderação de todos os valores constitucionais aplicáveis, não ignorando nenhum desses valores, para que a Constituição seja preservada na maior medida possível. Corresponde, pois, ‘ao que os juízes e intérpretes fazem de fato nestes casos difíceis‘ pesam e contrapõem interesses, valores, argumentos – e por indicar a eles um caminho mais racional e controlável para esta empreitada hermenêutica.”[25]

A opção pela proporcionalidade, todavia, tem sido objeto de severas críticas de determinados teóricos do direito, por propiciar o voluntarismo e o individualismo judicial, a substituição das escolhas do Parlamento pelas do Poder Judiciário e uma leitura axiológica do direito, tal como defendida pela jurisprudência dos valores da Corte Constitucional alemã, em prejuízo de seu caráter normativo ou deontológico[26].

4.2. Teoria interna e juízo de adequabilidade.

Para a teoria interna, o ordenamento jurídico-constitucional determina de forma prévia e definitiva o âmbito de proteção dos direitos fundamentais, preconizando seus limites. A atividade do intérprete e aplicador não será a de determinar as restrições externas aos direitos, mas de apontar o conteúdo do direito já delineado - e limitado - pela Constituição.

Conforme Gilmar Mendes, na teoria interna não existem os conceitos de direito individual e de restrição como categorias autônomas, mas sim a ideia de direito individual com determinado conteúdo. O sentido de restrição, levantada pela teoria externa, é substituída pela de limite[27]. Resulta disso a impossibilidade de conflito entre direitos fundamentais, podendo-se falar, em verdade, em aplicação adequada de apenas um dos direitos fundamentais com potencial de regência sobre determinada e apontada situação concreta.

Ronald Dworkin desenvolveu os conceitos de coerência e integridade do direito. Os conflitos entre princípios ou direitos fundamentais se solucionam por meio de uma análise cuidadosa e pormenorizada da leitura que a sociedade, e não só o intérprete, faz da sua história jurídica. Nessa reflexão, há um esforço para construção de um esquema coerente de princípios e regras que estão inscritos na prática social, de onde se tira a compreensão do que é apropriado. Os princípios são os sentidos normativos interpretáveis pelos profissionais e pelo público em geral ao longo do tempo. A atividade do intérprete se direciona a desvendar as respostas existentes no Direito, numa interpretação construtiva, que deverá refletir a melhor representação de nossas práticas jurídicas desde sempre e até hoje. Resulta que a integridade do direito é capaz de dar a única resposta correta cada caso concreto, considerado como evento único e irrepetível, sem contudo exercer atividade criadora do direito. Nele, portanto, podem-se observar os argumentos de todos os participantes e também as discussões anteriores sobre os direitos envolvidos. Para Dworkin, então, não há uma contradição ou colisão entre princípios, a ser resolvida, na teoria externa, pela preferência ou preponderância, mas concorrência entre eles para o mesmo caso, tendo primazia o que for mais adequado.[28]

Em ordem a explicitar sua teoria da integridade, Dworkin erige a metáfora do “romance em cadeia”, explanada por Bernardo Gonçalves Fernandes no excerto infra:

“Aqui, cada juiz deve assumir o papel de um romancista que está escrevendo um capítulo de uma obra coletiva. Ele tem de ler tudo o que os demais fizeram para se inteirar da narrativa e procurar construir uma história que preserve a linha de raciocínio já estabelecida pelos romancistas anteriores. Logo, não lhe é autorizado ignorar o que passou, nem transformar o livro coletivo em uma obra de contos desconexos. Ao contrário, seu capítulo tem de ter uma ligação com o passado e, ao mesmo tempo, permitir uma abertura para o futuro, de modo que a história possa evoluir e não apenas ser repetida pelos futuros participantes dessa prática.

Assim, aconteceria com o direito. Cada decisão judicial preenche um momento de nossa história institucional, tentando revelar e melhor leitura que nossa sociedade faz de suas práticas sociais. Logo, o magistrado não é uma figura criadora do direito, mas antes disso, um participante que argumenta com o restante da sociedade, tentando convencê-la que sua leitura de fato atinge o objetivo de trazer o direito ao caso à sua melhor luz. Esse convencimento, ainda, não se dá por um argumento que pode ser deduzido de uma fórmula matemática, com acontece com Alexy, mas por uma via hermenêutica afiliada à perspectiva de Gadamer e Wittgenstein. Nesse mesmo diapasão,  temos ainda que, para Alexy, a ponderação ainda que justificada de forma racional pelo critério da proporcionalidade não teria como chegar a uma única solução correta para cada caso. Nesses termos, teríamos apenas soluções dircursivamente aceitáveis, já para Dworkin, por meio de uma interpretação construtiva com base na teoria da integridade, há sim a possibilidade de uma única resposta correta a um caso concreto.’”[29]

Klaus Gunther apresenta a tese da adequabilidade, a partir das ideias de Dworkin, e cunha importante distinção entre os discursos de justificação e de aplicação das normas. O primeiro é o discurso político-legislativo, que é valorativo, axiológico, pragmático e ético, voltado para fundamentar a criação da norma. O  segundo é o discurso unicamente jurídico, que possibilita, desde as circunstâncias do caso concreto, a sua aplicação. A explicitar essa teoria, mais uma vez nos socorremos do magistério de Bernardo Gonçalves Fernandes:

“Gunther desenvolve a ideia de Dworkin, então, apresenta uma diferenciação importante de discursos jurídicos: ao passo que discursos de justificação definiriam quais as normas (princípios) uma determinada sociedade concebe como válidas para todos; os discursos de aplicação definiriam para aqueles envolvidos no caso concreto qual norma é adequada e, por isso mesmo, a que deve ser aplicada. No campo dos discursos de aplicação, os participantes da prática jurídica argumentativa devem levar em conta as situações particulares daquele caso concreto – como único e irrepetível – a fim de identificar o princípio (ou direito) aplicável. A noção de sistema aqui é fundamental, pois é o exame do caso que norteará os participantes a excluir a aplicação de um princípio por outro; e com isso, a argumentação também muda: não se está buscando o princípio maior pelo valor – quer para uma suposta sociedade virtual ou mesmo para o intérprete – mas aquele que responda às exigências do caso concreto ao mesmo tempo que compõe sem choques – harmoniosamente – o esquema de práticas sociais que chamamos de direito. Desse modo, todos os participantes da prática social, bem como toda a sociedade – como participante virtual – podem concordar com o argumento condutor da decisão”.[30]


5. SITUAÇÕES DE CONFLITO ENTRE OS DIREITOS À PROTEÇÃO DA CONFIANÇA E DO MEIO AMBIENTE  

Enceta-se agora a explanação dos casos, doutrinários e jurisprudenciais, mais corriqueiros e relevantes de concorrência ou conflito entre os postulados constitucionais em testilha.

5.1. Coisa julgada ambiental.

A coisa julgada é instituto em que a confiança se faz presente em seu grau máximo. Trata-se da qualidade de imutabilidade da sentença judicial contra a qual não cabe mais recurso[31]. A pessoa que tem reconhecida, pela decisão final transitada em julgado, o direito a um bem da vida, pode com ele planejar sua história  e também organizar suas prioridades sem que venha a ser surpreendida com atos, do Estado ou de terceiros, que possam restringir ou subtrair esse direito.

Quando o meio ambiente aparece como objeto de uma causa judicial, surge a disciplina da coisa julgada do art. 16 da Lei nº 7.347, de 1985, art. 103 da Lei nº 8.078, de 1990, e art. 18 da Lei nº 4.717, de 1965, já que se cuida, como é sabido, de bem difuso, de uso comum de todos. Desses dispositivos se extrai que a sentença que julga procedente - ou que julga improcedente – o pedido de tutela ambiental numa ação civil pública ou numa ação popular faz coisa julgada erga omnes, ou seja, contra todos. Ou seja, possível será que um legitimado para ação de cunho coletivo intente proteger o meio ambiente mas venha a obter um provimento negativo em juízo, sujeito à eficácia de coisa julgada, quando a instrução for suficiente a demonstrar os fatos e alegações sob litígio. Confira-se o teor dos preceptivos citados:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81  II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;  III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Todavia, mesmo em ações individuais, em que se pretende garantir direito individual do autor, poderá haver reflexos no meio ambiente nas sentença prolatadas.

Com a perspectiva, então, de uma sentença que prejudique o meio ambiente, em processo individual ou coletivo, que alcance a eficácia de coisa julgada, cabe indagar se existem mecanismos legais que possam afastá-la, em detrimento da confiança depositada no ato do Estado-Juiz e em benefício do direito à sadia qualidade de vida.

O primeiro instituto jurídico normativo que se aponta está na chamada coisa julgada secundum eventum probationis, prevista nos citados dispositivos das leis que regulam o processo coletivo. Como se nota deles, quando for reconhecida, em sentença, a insuficiência da prova, a qualquer tempo, poderá o autor legitimado intentar nova ação, desde que munido de prova nova.

Compreende-se que referida disposição deve ter sua abrangência alargada, em interpretação extensiva, para a alcançar hipóteses em que os meios probatórios se apresentem insuficientes, quando da instrução e da sentença, para afirmar a ocorrência ou não da degradação ou poluição ambiental, diante do caminhar da ciência e do progresso tecnológico[32]. Mesmo quando a sentença é omissa em afirmar a insuficiência dos meios probatórios, à luz dos conhecimentos científicos, possível será a propositura de nova ação para tutela do meio ambiente, e alcançar sentença de procedência, se a ciência apresentar novos meios científicos que apontem para confirmação da degradação ambiental no empreendimento antes tido como inofensivo ao ambiente.

O escólio de Marcelo Abelha indica que a situação é de ser tratada com o afastamento da eficácia preclusiva da coisa julgada, conforme colocada no art. 464 do Código de Processo Civil:

“Desde a sua existência, o ser humano vem tentando dominar o meio ambiente. Diante disso, é evidente que o ser humano desconhece quais os papéis, as virtudes, as potencialidades de todas as funções ecológicas desenvolvidas pelos componentes ambientais. Nesse passo, também esse aspecto exerce influência no regime jurídico da coisa julgada em matéria ambiental. Por exemplo, admita-se uma hipótese em que o juiz profira uma sentença considerando que determinada atividade não é impactante ou que não teria causado o impacto ambiental X. Todas as provas são trazidas aos autos, e o juiz, convencido, julga improcedente a ação civil pública. O que fazer se meses ou anos depois, com o desenvolvimento científico, descobre-se que aquela atividade, mais bem estudada, causou impacto no meio ambiente?

Veja-se que não se trata do mesmo caso comentado no tópico anterior. Aqui não houve uma modificação da situação de fato em razão da instabilidade do bem ambiental. O que teria havido é que aquela mesma situação de fato, provada nos autos, agora se apresenta diversa diante de novos dados científicos. O que fazer se houve – e de fato houve – a coisa julgada material sobre o pedido formulado? Nesse particular, é de se questionar se teria havido a eficácia preclusiva da coisa julgada sobre essas questões, que já existiam à sua época, mas que, pelo desconhecimento científico, não foram sequer alegadas. Tome-se de exemplo um determinado alimento transgênico que é liberado judicialmente, e sobre a decisão recai a autoridade da coisa julgada, mas anos depois (portanto, depois do prazo de uma ação rescisória) descobre-se, com novos e recentes estudos científicos, que o tal alimento transgênico degrada a qualidade do meio ambiente. Nesse caso, será possível rediscutir o que foi decidido, com o auxílio de nova prova, se a coisa julgada foi obtida num caso de improcedência com suficiência de prova? A questão, nos parecer, pode ser solucionada com base na correta leitura da eficácia preclusiva da coisa julgada. É que tal figura (eficácia preclusiva da coisa julgada) só imuniza o julgado das alegações (argumentos e fundamentos) que foram deduzidas ou que poderiam ser dedutíveis, tomando-se, por ficção, que todas teriam sido rejeitadas quando a sentença passasse em julgado. Entretanto, observe-se que, naquele momento, ninguém poderia supor – em razão do desconhecimento ou da incerteza científica – que tal atividade transgênica fosse poluente e por isso mesmo não poderia incidir a regra do deduzido e do dedutível contida no art. 474 do CPC. Nesse caso, permite-se que, com base na mesma causa de pedir e no mesmo pedido, porém com fundamento em nova prova, não se aplique a regra do art. 464 e assim, seja retomada a discussão da causa, valendo-se dessa prova que, por razões científicas, se desconhecia.”[33]

Outra hipótese em que pode haver o afastamento da coisa julgada se trata dos processos que versem relação jurídica continuada, à luz do art. 471, inciso I, do Código de Processo Civil. Trata-se da coisa julgada rebus sic stantibus, em que se admite a revisão da sentença, mesmo que transitada em julgado, diante da superveniência de modificações no estado de fato ou de direito da causa de pedir. De acordo com Fredie Didier, não é a coisa julgada que porta a cláusula rebus sic stantibus, mas a própria sentença que considerou os fatos e o direito quando de sua prolação, sendo certo que, em caso de sua revisão, ter-se-á nova sentença proferida sobre nova situação cujos pressupostos e elementos constitutivos já variaram com o passar do tempo[34].

Em verdade, segundo Enrico Tullio Liebman, “todas as sentenças contém em si a cláusula rebus sic stantibus, enquanto a coisa julgada não impede absolutamente que se tenham em conta os fatos que intervierem sucessivamente à emanação da sentença: por exemplo, se o devedor paga a soma devida, perde a condenação todo o valor. Outra coisa não acontece para os casos ora considerados, nos quais tratando-se de uma relação que se prolonga no tempo, e dizendo a decisão ser determinada pelas circunstâncias concretas do caso, a mudança deste justifica, sem mais uma correspondente adaptação da determinação feita precedentemente, o que será uma aplicação, e nunca uma derrogação dos princípios gerais e nenhum obstáculo encontrará na coisa julgada”[35].

Dessa forma, considerando que toda sentença guarda em si a cláusula rebus sic stantibus, é possível inferir que a coisa julgada se relativiza quando, por circunstâncias fáticas e jurídicas que surgem após sua configuração, se se constatar que do exercício do direito reconhecido em sua parte dispositiva possa acarretar dano ao meio ambiente.

A inferência a que se chega está mais próxima da teoria interna dos direitos fundamentais, a partir de um juízo de adequabilidade os direitos constitucionais em discussão e das normas legais editados pelo legislador para regular o processo.

Nada obstante, é preciso ainda mencionar a tese da coisa julgada inconstitucional, esta orientada pelo princípio da proporcionalidade e pelo critério da ponderação de valores, tal como propugnado pela teoria externa. Assim, uma corrente doutrinária vem defendendo a relativização do postulado da coisa julgada quando em confronto com outro valor constitucional de maior peso ou preponderância, tal como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ligado ao direito à vida e sobrevivência a humanidade. Assim, traz-se à colação o ensinamento de Cândido Rangel Dinamarco[36]:

“Mesmo as sentenças de mérito só ficam imunizadas pela autoridade do julgado quando forem dotadas de uma imperatividade possível: não merecem tal imunidade (a) aquelas que em seu decisório enunciem resultados materialmente impossíveis ou (b) as que, por colidirem com valores de elevada relevância ética, humana, social ou política, também amparados constitucionalmente, sejam portadoras de uma impossibilidade jurídico-constitucional.”

5.2. Direito adquirido e ato jurídico perfeito.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o Decreto-Lei nº 4.657, de 1942, assim define os institutos jurídicos em tela:

Art. 6º (….)

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)

Na história constitucional brasileira, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito se colocam, ao lado da coisa julgada, como as mais seguras manifestações do princípio da confiança e da segurança jurídica.  Eis como a Carta Política de 1988 os protege:

Art. 5º (….)

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Todavia, assim como o postulado da coisa julgada, os que ora se trata também perdem a primazia de aplicabilidade se confrontarem com o direito ao meio ambiente sadio. Desta feita, é curial buscar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre a contenda, onde deixa patente que um direito existencial e indisponível não pode ser arranhado sob pretexto da aquisição em definitivo de um direito, no caso o direito de propriedade:

“PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. AVERBAÇÃO DE RESERVA LEGAL. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A POLUIR OU DEGRADAR.

..................................................

5. Contudo, quanto ao recurso especial, nota-se que esta Corte Superior já pontuou que não existe direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. A averbação da reserva legal, no âmbito do Direito Ambiental, tem caráter meramente declaratório e a obrigação de recuperar a degradação ambiental ocorrida na faixa da reserva legal abrange aquele que é titular da propriedade do imóvel, mesmo que não seja de sua autoria a deflagração do dano, tendo em consideração sua natureza propter rem.

(EDcl nos EDcl no Ag 1323337 / SP  Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 01/12/2011)

Do texto acima se dessume que a obrigação de averbação da reserva florestal legal, prevista no art. 16 do Código Florestal Brasileiro[37], não pode deixar de ser adimplida sob o alegação de que a degradação se deu sob o domínio do proprietário anterior. Como, numa interpretação que tem em mente as escolhas feitas pelo legislador ordinário, referida obrigação acompanha a coisa, tratando-se do conhecido instituto da obrigação propter rem, não se pode falar em direito adquirido de manter a propriedade rural com o passivo ambiental, sob o pretexto de que o atual titular não foi o autor da degradação, pena de perpetuação de uma lesão ao meio ambiente, bem vital para as presentes e futuras gerações.

A invocação da proteção da confiança em detrimento do meio ambiente também se faz em casos de licença de funcionamento regularmente expedida pelo órgão ambiental competente ao empreendedor, tratando assim, segundo o conceito legal, de um ato jurídico perfeito, sem qualquer mácula de ordem formal. Ocorre que o empreendimento, após o regular procedimento de licença e o início das atividades, pode vir a causar graves riscos ao meio ambiente e à saúde, e o órgão ambiental, com fulcro no art. 19 da Resolução nº 237 de 1997, editada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA[38], no uso das prerrogativas previstas no art. 8º, inciso VII, da Lei nº 6.938, de 1981, pode vir a efetuar a cassação ou revogação da licença[39]. Nesses casos, a doutrina não vê maiores dificuldades sobre a prevalência da proteção ambiental sobre a tutela da confiança, com a cassação da licença, sendo certo que as discussões que remanescem se prendem à ocorrência ou não do dever de indenização pelo Poder Público ao empreendedor[40]. Semelhante disposição traz a Lei 9.433, de 1997, que cuida da gestão de recursos hídricos, quando prevê, em seu art. 15, a suspensão definitiva da outorga de uso de recursos hídricos em função de grave degradação ambiental constatada ulteriormente.

Versando sobre direito adquirido e ato jurídico perfeito, imprescindível que se diga de sua possível eficácia contra legislação posterior mais protetiva do meio ambiente, já que, conforme se leu do texto constitucional, o principal destinatário dessa garantia de segurança é o legislador. Mencione-se a alteração imposta ao art. 16 da Lei nº 4771, de 1965, pela Medida Provisória nº 2.166-67/2001, quando majorou a reserva florestal legal na região da Amazônia Legal de 50% para 80% da área de floresta nativa da propriedade rural. Nessa situação, os proprietários dos prédios rústicos chegaram a alegar o direito adquirido para não proceder o plantio de mais 30% de sua propriedade, uma vez que, atendendo ao patamar anterior, haviam desmatado 50% da área. In casu, a Procuradoria-Geral do Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA emitiu o Parecer 904/2002, concluindo pela inexistência de direito adquirido na manutenção da reserva em 50% para aqueles que já haviam desmatado em data anterior à da vigência da referida medida provisória. Utilizou-se, na hipótese, o princípio da ponderação de valores constitucionais, tendo maior peso o da tutela do meio ambiente.[41]

A questão do direito adquirido também se levanta na temática do zoneamento ambiental, exatamente quando o Decreto-Lei nº 1.413/75, em seus arts. 1º a 4º, e a Lei nº 6.803/80, em seu art. 1º, parágrafo 3º, não reconhecem o direito de pré-ocupação do solo na hipótese de ato ulterior do poder público estipular restrições ou interdições de certas atividades em determinadas áreas, com vistas a garantir o desenvolvimento sustentável da cidade, a proteção da dignidade humana e o direito ao sossego, incluído no direito à sadia qualidade de vida. Também nesses casos não se vê, na doutrina e na jurisprudência, posições que assegurem ao proprietário o direito de permanecer no local e desenvolver suas atividades, em face da confiança legítima depositada na licença e no ordenamento quando do início da construção ou do empreendimento. A quizila, reitere-se, restringe-se ao direito de indenização ou mesmo de desapropriação do imóvel quando da expedição das novas normas de zoneamento ambiental[42].

5.3. Prescrição e decadência.

Cuida-se de institutos que se originam da projeção de efeitos jurídicos pelo decurso do tempo, conforme aduz a doutrina, mas também da confiança despertada na situação que se protrai ao longo do tempo, desde um agir omissivo do titular do direito que perece.

Na forma do art. 189 do Código Civil, a prescrição fulmina a pretensão do titular em reparar um direito subjetivo seu, que foi violado. Caracterizam a prescrição, segundo Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves[43],  a existência de um prazo para o exercício de um direito subjetivo patrimonial e disponível (se não houver prazo específico, aplica-se a cláusula geral art. 205, CC), a possibilidade de seu reconhecimento de ofício pelo juiz (art. 219, § 5º, Código de Processo Civil), de renúncia tácita ou expressa (que só pode ocorrer após a sua consumação) e de ocorrência de causas impeditivas, suspensivas e interruptivas.

Decadência é a perda de um direito potestativo pelo seu não exercício em determinado prazo previsto em lei. Diferente do direito subjetivo, atingido pela prescrição, o direito potestativo é o que se exerce por manifestação da vontade de seu próprio titular, independendo do agir ou não agir de terceiros. Inadmitem os direitos potestativos violação e, via de consequência, não trazem consigo pretensão.

Não apresenta o ordenamento jurídico norma expressa que regule os prazos prescricionais, ou decadenciais, em caso de lesão ao meio ambiente. Inclusive, a lei que regula a ação que visa a tutela do meio ambiente e outros direitos difusos, a Lei nº 7.347/1985, não veicula em seu bojo qualquer prazo dessa natureza para sua propositura. Esse silêncio eloquente se funda na ideia de que os direitos difusos e coletivos não possuem titular, tornando impossível que toda a coletividade seja apenada pela inércia dos legitimados à ação. Isso levou a que a doutrina propugnasse que a ação civil pública não se submetesse a prazo de prescrição, sendo então imprescritível a pretensão dirigida à tutela dos interesses metaindividuais.

Sucede que a Lei de Ação Popular, a Lei nº 4.717/65, previu, em seu art. 21, um prazo de cinco anos para sua propositura. Por versar essa lei também sobre a tutela de interesses difusos, o patrimônio público, a moralidade e ainda o meio ambiente natural e cultural, parte da doutrina veio a sustentar ser este um prazo, decadencial ou prescricional, para desconstituição ou repressão de situações lesivas ao bem ambiental.

Ocorre, todavia, que referida lei foi editada  no ano de 1965 e não previa em seu bojo a tutela ambiental. Com a Constituição de 1988 é que foi alargado seu espectro de proteção, para atingir os outros bens metaindividuais. Mais que isso, a mesma Carta Magna de 1988 veio de estipular a imprescritibilidade da pretensão de proteção do bem de relevo mais notório sujeito ao regime da ação popular, o patrimônio público. Assim sendo, tendo em conta que a estipulação do art. 21 da Lei nº 4717 não foi recepcionada pela Carga Magna de 1988, força convir que também os institutos da prescrição e decadência, que protegem a confiança daqueles envolvidos num fato ou situação jurídica por certo e determinado período de tempo, cedem espaço para a proteção ao direito ao meio ambiente equilibrado.  

Eis as decisões do eg. Superior Tribunal de Justiça que sufragam a tese em comento:

“ 3. O Tribunal a quo entendeu que: "Não se pode aplicar entendimento adotado em ação de direitos patrimoniais em ação que visa à proteção do meio ambiente, cujos efeitos danosos se perpetuam no tempo, atingindo às gerações presentes e futuras." Esta Corte tem entendimento no mesmo sentido, de que, tratando-se de direito difuso - proteção ao meio ambiente -, a ação de reparação é imprescritível. Precedentes.”

AgRg no REsp 1150479 / RS DJe 14/10/2011 Ministro HUMBERTO MARTINS

“(..) 3. Reparação pelos danos materiais e morais, consubstanciados na extração ilegal de madeira da área indígena.

4. O dano ambiental além de atingir de imediato o bem jurídico que lhe está próximo, a comunidade indígena, também atinge a todos os integrantes do Estado, espraiando-se para toda a comunidade local, não indígena e para futuras gerações pela irreversibilidade do mal ocasionado.

5. Tratando-se de direito difuso, a reparação civil assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano.

6. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal.

7. Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer , considera-se imprescritível o direito à reparação.

8. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental.”

REsp 1120117 / AC Ministra ELIANA CALMON (1114)

Ressalte-se que, no aresto logo acima, o Ministro Mauro Campbell Marques proferiu voto divergente – e vencido - pela incidência do prazo de prescrição na Lei de Ação Popular alegando o seguinte:

“Não há imprescritibilidade em relação à pretensão de indenização do dano ao meio ambiente, pois, não havendo imprescritibilidade nas esferas penal e administrativa, ocorreria uma subversão sistemática das redes de proteção ao meio ambiente ao se reconhecer ser imprescritível a tutela reparatória civil, que tradicionalmente é a que protege com menor intensidade o bem jurídico. É de cinco anos o prazo de prescrição da pretensão exclusivamente ressarcitória derivada de dano ao meio ambiente, tendo em vista o artigo 21 da Lei 4.717/1965, que é especial em relação aos Códigos Civis.”

Mister ainda referir-se à questão do prazo decadencial para a administração ambiental anular atos seus dos quais acarretem benefícios ao particular e também malefícios ao meio ambiente. É certo que não tem regulação aqui o prazo de 5 (cinco) anos previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/1999 para a administração rever seus atos, em vista das características do bem ambiental já apontadas no item 3.1, da cláusula rebus sic stantibus, a integrar qualquer ato administrativo que repercuta no meio ambiente, tal como sucede com a coisa julgada, e da previsão de prazo em lei das licenças para que as atividades efetiva ou potencialmente degradantes possam se efetivar[44].

5.4. Venire contra factum proprium.

O venire contra factum proprium surge quando o agente adota uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente por ele mesmo, que desperta legítima expectativa na contraparte. Verificam-se dois comportamentos lícitos e sucessivos, porém o primeiro (fato próprio) é contrariado pelo segundo. Funda-se na necessidade de se preservar a confiança legitimamente depositada na outra parte quando da prática do primeiro ato. Insere-se, ademais, na “teoria dos atos próprios”, segundo a qual se entende que a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com sua anterior conduta interpretada objetivamente.

Anderson Schreiber coloca o venire contra factum proprium, tal como o faz a maioria da doutrina, com o instrumento de tutela da confiança. Explicita ele, no texto abaixo, como ela pode atuar no caso concreto para proteger o sujeito que confia no agir do outro:

“Para que se aplique o princípio de proibição do comportamento contraditório não basta um factum proprium. É preciso que tal factum proprium desperte em outrem uma legítima confiança na conservação do seu sentido objetivo. A confiança que se perquire aí não é um estado psicológico, subjetivo, daquele sobre quem repercute o comportamento inicial. Trata-se, antes, de uma adesão ao sentido objetivamente extraído do factum proprium. Somente na análise de cada caso será possível verificar a ocorrência ou não desta adesão ao comportamento inicial, mas sevem de indícios gerais não-cumulativos (i) a efetivação de gastos e despesas motivadas pelo factum proprium, (ii) a divulgação pública das expectativas depositadas, (iii) a adoção de medias ou a abstenção de atos com base no comportamento inicial, (v) a ausência de qualquer sugestão de uma futura mudança de comportamento, e assim por diante.

A existência do estado de confiança não exige demonstração absolutamente rigorosa. Pela própria função que o nemo potest venire contra factum proprium desempenha no sistema jurídico, qual seja, a de garantir efeitos jurídicos a situações de abusividade mantidas geralmente à margem da lei, pode o magistrado presumir a adesão ao comportamento inicial, a partir de circunstâncias fáticas presentes. A própria existência de um prejuízo sugere, normalmente, que o prejudicado aderiu, em alguma medida, ao factum proprium.

Não basta, todavia, o estado de confiança; é preciso que tal confiança seja legítima, no sentido de que deve derivar razoavelmente do comportamento inicial. Assim, a ressalva expressa de possibilidade de contradição por quem pratica o comportamento exclui, a princípio, a legitimidade da confiança. O nemo poteste venire contra factum proprium também não tutela a confiança do deslumbrado, que obtém financiamentos a juros elevados e adquire bens de alto valor, por conta dos resultados oriundos de uma futura contratação que ele tem como certa a partir de um convite para almoçar. Não há aí o estado de confiança legítima que o princípio exige, como não há naquelas situações em que a lei autoriza expressamente a contradição do próprio comportamento. Também se exclui, em regra, a legitimidade da confiança diante de comprovada má-fé por parte daquele que invoca a aplicação do princípio da proibição do comportamento contraditório.”[45]

Infere-se que a tutela da confiança não coincide com a tutela da boa-fé subjetiva, que é boa-fé psicológica do agente, mas daquela que objetivamente se extrai do comportamento inicial. A proteção da confiança, de qualquer modo, não se efetiva quando o beneficiário estiver comprovadamente de má-fé, agindo com dolo ou intuito de violar preceitos legais.

Os tribunais brasileiros vem reconhecendo o venire como instituto hábil a proteger a confiança legítima, como aparece no precedente seguir do Superior Tribunal de Justiça tratando de matéria de cunho administrativo:

 “Título de propriedade outorgado pelo poder público, através de funcionário de alto escalão. Alegação de nulidade pela própria administração objetivando prejudicar o adquirente: inadmissibilidade. Se o suposto equívoco no título de propriedade foi causado pela própria administração, através de funcionário de alto escalão, não há que se alegar o vício com o escopo de prejudicar aquele que, de boa-fé, pagou o preço estipulado para fins de aquisição. Aplicação do princípio nemo potest venire contra factum proprium” (STJ, 2ª Turma, RESP 47015/SP, Rel. Min. Ademar Maciel, DJ, 9-12-1997).

No âmbito do Direito Ambiental, invoque-se mais uma vez o citado autor Anderson Schreiber, que, embora não cite expressamente o bem ambiental como capaz de afastar o princípio da confiança, deixa patente, segundo esposado pela teoria externa dos direitos fundamentais, que direitos existenciais quase sempre obtêm maior peso que aquele em situações concretas:

“O nemo potest venire contra factum proprium consiste, pois, em princípio aplicável também a situações existenciais. Nada obstante, é de se observar que sobre tais situações frequentemente incidem outros princípios que, por serem expressões mais diretas da dignidade da pessoa humana e dos valores fundamentais da Constituição, adquirem, quase sempre, um peso maior que a proteção da confiança (como o direito à privacidade, o direito ao reconhecimento da origem biológica, etc.).“[46]

No plano jurisprudencial, o Tribunal Regional Federal 4ª Região rechaçou a invocação do venire contra factum proprium para socorrer empresário rural que teria aderido a uma política de fomento à atividade agrícola de um Estado da federação, que posteriormente veio adotar legislação mais restritiva em prol do meio ambiente:

“4. O venire contra factum proprium não pode ser aplicado a atos genéricos, mas apenas quando da existência da contradição de dois atos específicos, realizados pelo mesmo sujeito e separados no tempo. Assim, deveria ter sido comprovado, por exemplo, um ato específico de fomento, o que inexiste nos autos. Ademais, é infactível a aplicação da teoria do venire contra factum proprium às modificações legislativas realizadas por um Estado, argumentando que a mudança legislativa estatal viola a moralidade administrativa. Evidentemente, é descabida a argumentação de que não é dado ao Estado proibir a degradação ambiental de hoje, caso tivesse incentivado a exploração agrícola da região há mais de meio século atrás.“(TRF4 - APELAÇÃO CIVEL: AC 7007 PR 0000541-97.2009.404.700, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ D.E. 14/04/2010)

Um outro caso de (não) aplicação do venire contra factum proprium diz com a inércia dos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente-SISNAMA em exercer seu poder de polícia em relação a atividades lesivas ao meio ambiente, deixando a entender, a vizinhos dos empreendimentos, que não seriam ilícitos do ponto de vista ambiental. Acreditando então que podiam realizar construção em semelhantes lugares, são surpreendidos com ação fiscal, determinando a demolição das obras. Veja-se como isso foi tratado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região:

Administrativo – Constitucional – Ação Civil Pública – Interrupção de Construção – Área de Preservação Ambiental – Existência de Termo de Compromisso com o Ibama – Questionamento da Atuação Administrativa da Autarquia – Potencial de Degradação Ambiental – Dilação Probatória Incompatível com o Recurso de Agravo de Instrumento (...) O simples fato de próximo ao local da construção já existirem empreendimentos potencialmente poluidores, que eventualmente tenham deixado de observar a legislação ambiental, não exime outros interessados de se submeterem ao procedimento adequado, vez que, por óbvio, não se admitem precedentes administrativos legitimadores da extensão de ilegalidades. (TRF 2, AGV 200402010126870, Relator Desembargador Federal Sergio Schwaitzer, Sétima Turma, DJU, p. 355, 30.05.2007)

Outra situação, demais a mais, de aplicação do preceito em tela é tratada no precedente logo abaixo, dizendo do ente federativo que havia num primeiro momento concedido licença ambiental para atividades em determinada área e, tempos depois, vem de criar um unidade de conservação na mesma região, caso em que as licenças foram tidas como canceladas por haver sido comprovado que as mesmas atividades poderiam acarretar danos na unidade de proteção ecológica criada[47]. Este o entendimento do STJ:

“A recorrida alega que, afastada a possibilidade de extração das árvores mortas, caídas e secas, seu direito de propriedade estaria malferido. Contudo, tal entendimento encontra resistência no art. 1.228, § 1o, do CC/2002. A preservação da flora, da fauna, das belezas naturais e do equilíbrio ecológico, na espécie, não depende da criação de parque nacional. A proteção ao ecossistema é essencialmente pautada pela relevância da área pública ou privada a ser protegida. Se assim não fosse, a defesa do meio ambiente somente ocorreria em áreas públicas. A formalização de qualquer das modalidades de unidade de conservação de proteção integral invalida as licenças ambientais anteriormente concedidas. Ademais, no caso, a pretendida extração é danosa ao ecossistema do parque, o que impede a concessão de novas licenças. REsp 1.122.909-SC, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 24/11/2009.”

5.5. Surrectio e supressio.

Tem-se a supressio na situação do direito que deixou de ser exercitado em certas circunstâncias e não mais poderá sê-lo, por contrariar a boa-fé e a legitima confiança despertada na outra parte. Trata-se da inadmissibilidade do exercício de um direito pela omissão ou pelo seu retardamento desleal, ou seja, pela violação às normais expectativas daquele que acreditava não mais exercitável o direito. Na surrectio, ao contrário, o exercício continuado de uma situação jurídica ao arrepio do convencionado ou do ordenamento jurídico vem a implicar nova fonte de direito subjetivo, estabilizando-se a situação para o futuro.

Segundo Nelson Rosenvald, supressio e surrectio são dois lados da mesma moeda; naquela ocorre a liberação do beneficiário; nesta, a aquisição de um direito subjetivo em razão do comportamento continuado. Em ambas preside a confiança, seja pela fé no não-exercício superveniente do direito da contraparte, seja pelo credo na excelência do seu próprio direito.[48]

Anderson Schreiber aponta a proximidade desses institutos com os da prescrição e decadência, dizendo que a principal função da supressio e surrectio é de temperar o rigor dos prazos legais daqueles institutos, em geral longos porque integrantes de codificações promulgadas ou concebidas em épocas de menor dinamismo e celeridade. Chama a atenção o autor, no entanto, para a necessidade de se averiguar, nas circunstâncias de um fato concreto, se havia motivo para o beneficiário do ato confiar na omissão de outro, em ordem a aplicar supressio e surrectio, atendido ainda o princípio da proporcionalidade[49].

É de se fazer menção, nesta quadra, ao trabalho do jurista Rafael Maffini, quem defendeu, em seu livro Princípio da Proteção Substancial da Confiança no Direito Administrativo Brasileiro, a preservação dos efeitos produzidos por um ato administrativo ilegal em favor de terceiros de boa-fé ou do destinatário não causador do vício, presente a confiança legítima na conduta estatal[50].

Em tema de Direito Ambiental, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tangencia o assunto quando cuida da teoria do fato consumado, capaz de preservar os efeitos jurídicos de determinadas situações que se prolongam no tempo em face da omissão do Poder Público. Sucede que também aqui a confiança legítima é afastada solenemente pelo Tribunal em favor do meio ambiente, conforme decisões a seguir citadas:

“ 3. Consoante bem pontuado pelo Ministro Herman Benjamin, no REsp nº 650728/SC, 2ª Turma, unânime: "(...) 11. É incompatível com o Direito brasileiro a chamada desafetação ou desclassificação jurídica tácita em razão do fato consumado. 12. As obrigações ambientais derivadas do depósito ilegal de lixo ou resíduos no solo são de natureza propter rem, o que significa dizer que aderem ao título e se transferem ao futuro proprietário, prescindindo-se de debate sobre a boa ou má-fé do adquirente, pois não se está no âmbito da responsabilidade subjetiva, baseada em culpa. 13. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem.  14. Constatado o nexo causal entre a ação e a omissão das recorrentes com o dano ambiental em questão, surge, objetivamente, o dever de promover a recuperação da área afetada e indenizar eventuais danos remanescentes, na forma do art. 14, § 1°, da Lei 6.938/81.(...)". DJ 02/12/2009. (REsp 1090968 / SP, DJe 03/08/2010, Relator Ministro LUIZ FUX)

Noutro compasso, é possível colher precedentes jurisprudenciais em que a proteção do meio ambiente foi afastada em prol de outro valor ou direito constitucional. Assim é que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na AC 2006.72.04.0003887-4, veio de permitir, não se protestos, a manutenção de uma casa em área de preservação permanente fora das hipóteses de utilidade pública e interesse social, fundando o decisum no direito fundamental à moradia de uma família pobre, chefiada por uma mulher pescadora, que habitava o lugar “há largo tempo e com aquiescência do Poder Público”. Já o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no AG 20060100036692-5, entendeu legítima a demolição de residências edificadas à margem de uma das poucas fontes de água do Distrito Federal, considerada de preservação permanente.

De sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 403.190, manteve a condenação de proprietário de imóvel e do município de São Bernardo do Campo (SP) a remover famílias de local próximo ao Reservatório Billings, que fornece água a grande parte da cidade de São Paulo. A construção de loteamento irregular provocou assoreamentos, somados à destruição da Mata Atlântica. Ao manter a condenação, o ministro relator, João Otávio de Noronha, afirmou não se tratar apenas de restauração de matas em prejuízo de famílias carentes de recursos financeiros, que, provavelmente, deixaram-se enganar pelos idealizadores de loteamentos irregulares na ânsia de obterem moradias mais dignas, mas “de preservação de reservatório de abastecimento urbano, que beneficia um número muito maior de pessoas do que as residentes na área de preservação. “No conflito entre o interesse público e o particular, há de prevalecer aquele em detrimento deste quando impossível a conciliação de ambos”, concluiu o ministro.

A consolidação de ilícitos ambientais por longo período, presente a omissão estatal, é talvez mais saliente na questão das intervenções em Área de Preservação Permanente-APP em zona urbana. Sabe-se que as cidades brasileiras se desenvolveram ao longo do tempo em descompasso com a preservação ambiental, sobretudo por falta de planejamento urbano, sendo as áreas de preservação permanente as mais afetadas pelas construções ilegais ao longo das últimas décadas. A fim de regulamentar o disposto no artigo 4º do Código de Florestal, a Resolução CONAMA 396/06 estabeleceu os casos em que a intervenção e supressão nessas áreas são permitidas. No art. 2º, inciso II, “c”, autorizou-se a supressão de APP para regularização fundiária sustentável em área urbana, colocando-a como uma das hipóteses de intervenção por interesse social, tal como prevê o Código Florestal  no art. 1º, p. segundo, inciso V. O art. 9º autoriza a regularização em caso de ocupação de APP em locais de baixa renda predominantemente residencial, desde que consolidada até junho de 2001, atendidos ainda diversos outros requisitos, que chega a vinte. Nessa mesma senda, a Lei nº 11.977/09, que regulamenta o programa habitacional “Minha Casa Minha Vida”, estipulou que o município, em decisão motivada, possa admitir a regularização fundiária em áreas de preservação permanentes ocupadas até 2007 e inseridas em zona urbana consolidada, para assentamentos irregulares ocupados predominantemente por população de baixa renda, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implique a melhoria das condições ambientais em relação à sua situação de ocupação irregular anterior (artigos. 53 a 60). Essa diretriz legal tem sido alvo de críticas de ambientalistas, sendo certo, todavia, que, à parte as situações de utilidade e pública e interesse social previstas no art. 1º, incisos IV e V do Código Florestal, não será possível, ao menos do ponto de vista do legislador, a consolidação da invasão de APPs.


6. CONCLUSÃO

Niklas Luhman alertava que o sujeito que confia “abaixa suas guardas” ao não levar em consideração o que pode vir a ocorrer em caso de sua confiança ser violada[51]. Chama ele atenção para a irracionalidade do próprio confiar, já que a confiança é fundamentalmente um processo pelo qual aquele que confia aceita certas representações independentemente de quão terríveis sejam as consequências em caso de mostrarem-se falsas.

Em tema das leis ambientais, o que se percebe é que o sujeito, antes de confiar, deve agir com cautela e discernimento. As expetativas advindas de seus atos e negócios jurídicos, ou dos fatos jurídicos em que esteja envolvido, podem se mostrar severamente frustradas se não considerar a variável ambiental, de acordo com o arcabouço de princípios e normas que informam o Direito Ambiental.

Há uma preponderância ou primazia de aplicação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado sobre o dever de tutela e promoção da confiança legítima no tráfego jurídico. Essa precedência se tira do texto constitucional, das leis infraconstitucional, da doutrina e, sobretudo, da jurisprudência dos tribunais pátrios, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, encarregado de unificar a intepretação da legislação federal.

Deveras, a considerar o direito ao equilíbrio ambiental como direito humano fundamental, por dizer respeito à garantia de vida digna das presentes e futuras gerações, a função social da propriedade, do contrato e da empresa, a condicionar seu exercício aos interesses coletivos, a ubiquidade ambiental, a preconizar a onipresença do meio ambiente em qualquer ato decisório ou negócio privado, os princípios da prevenção e precaução, a determinar o evitamento ou mitigação dos riscos ao ambiente, o princípio da responsabilidade objetiva em casos de dano ao meio ambiente, capaz de imputar a responsabilidade pela simples realização da atividade, é correto e imprescindível inferir que o titular de um direito não poderá invocar, em linha de princípio, a boa-fé e a confiança em desproveito do bem ambiental.

Nos estudos doutrinários e na prática jurisprudencial se percebe que, em geral, não há uma invocação do princípio da proporcionalidade ou da técnica da ponderação de interesses, segundo propugnado pela teoria externa dos direitos fundamentais, para fundamentar o afastamento do princípio da confiança em proveito do meio ambiente. É mais frequente que o trabalho hermenêutico se volte para as opções feitas pelo Poder Legislativo no plano infraconstitucional, o que traz mais legitimidade do ponto de vista democrático para a tese da primazia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Pode-se, concluir, assim, que aqui tem maior invocação, mesmo que não seja expressa, a tese da adequabilidade das normas jurídicas e a teoria da integridade do direito de Ronaldo Dworkin, sendo certo que se verifica  uma construção de práticas sociais e institucionais, sobretudo das altas instâncias judiciárias, em favor do bem ambiental.

Cabe, então, à sociedade e aos órgãos estatais legitimados exercerem com maior assiduidade o papel de fiscais e promotores da dignidade ambiental em seu próprio benefício e das gerações futuras, estas sem voz e força para agir em favor da vida presente e (que se pretende) permanente.


7. BIBLIOGRAFIA

ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENOT E SILVA, G. E; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. 19ª edição.

ALVES, José Ricardo Teixeira. Princípio da confiança e função jurisdicional. Proteção constitucional contra divergências e mutações jurisprudenciais. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2516, 22 maio 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/14903>. Acesso em: 16 fev. 2012.

AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito Ambiental Esquematizado. 2ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2011.

ASCENSÃO, José de Oliveira. Cláusulas gerais e segurança jurídica no Código Civil de 2002. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 7, n. 28, out.dez. 2006.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2000.

CHEQUER, Cláudio. A Liberdade de Expressão como Direito Fundamental Preferencial Prima Facie. Rio de Janeiro: Editoria Lumen Juris, 2011. 

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, Volume 02, Editora Juspodium, Salvador-BA. 2007.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Volume III, Editora Malheiros: 2005.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad.: Nelson Moreira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

_________________ O Império do Direito, 1999.

FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2006.

FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil (Teoria Geral). Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2005.  

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

LARENZ, Karl. Derecho das Obligaciones. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958. T. 1.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009.

MAFFINI, Rafael. Princípio da Proteção Substancial da Confiança no Direito Administrativo Brasileiro. Editora Verbo Jurídico: 2006. Porto Alegre.

MARCHESAN, Ana Maria; STEIGLEDER, Annelise; CAPPELLI, Sílvia. Direito Ambiental. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2010.

MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil, vol. V, tomo I, in Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.) Comentários ao novo Código Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2003.

_____________ A Re-significação do Princípio da Segurança Jurídica na Relação entre o Estado e os Cidadãos. Revista CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004.

MARTINS, Raphael Manhães. O Princípio da Confiança Legítima e o Enunciado n. 362 da IV Jornada de Direito Civil. Revista CEJ, Brasília, Ano XII, n. 40, p. 12, 17 e 19, jan./mar. 2008.

MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; e BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo Civil Ambiental. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório. Tutela da Confiança e venire contra factum proprium. Renovar: Rio de Janeiro, 2007.

SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Brasileiro  e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista Eletrônica de Direito do Estado. Número 2 – abril/maio/junho de 2005 – Salvador - Bahia – Brasil.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Editoria Saraiva, 1994.


Notas

[1] Preferimos o uso simples da nomenclatura principio da confiança, em vista de que a ocorrência de legalidade e legitimidade do comportamento não se mostra imprescindível para sua atuação. Como se verá, a confiança tornará preponderante e obterá regência mesmo quando se cuida de situações que se consolidaram ao arrepio da lei, se confiança detiver maior peso ou coerência em determinada situação concreta.

[2] Vide MARTINS, Raphael Manhães. O Princípio da Confiança Legítima e o Enunciado n. 362 da IV Jornada de Direito Civil. Revista CEJ, Brasília, Ano XII, n. 40, p. 11-19, jan./mar. 2008.

[3] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2000, p. 256.

[4] SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Brasileiro  e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista Eletrônica de Direito do Estado. Número 2 – abri/maio/junho de 2005 – Salvador- Bahia – Brasil. P. 3 e 4.

[5] Os julgados que invocam a segurança jurídica foram compilados por Judith Martins Costa, in A Re-significação do Princípio da Segurança Jurídica na Relação entre o Estado e os Cidadãos. Revista CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004.

[6]  LARENZ, Karl. Derecho das Obligaciones. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958. T. 1, p. 142 e ss.

[7] Judith Martins-Costa, Comentários ao novo Código Civil, vol. V, tomo I, in Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.) Comentários ao novo Código Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2003, pp. 29-30.

[8] ASCENSÃO, José de Oliveira. Cláusulas gerais e segurança jurídica no Código Civil de 2002. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 7, n. 28, out.dez. 2006.

[9] SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório. Tutela da Confiança e venire contra factum proprium. Renovar: Rio de Janeiro, 2007

[10] Ob. cit.

[11]  TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Editoria Saraiva, 1994.  p. 302.  

[12]  Trata-se de ponto sobre qual não há discussão na doutrina civilista, tendo sido editado o enunciado nº 25 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “Art. 422: O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual”.  

[13] Assim decidiu o e. Supremo Tribunal Federal no RE 598099/MS, publicado no DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011.

[14] A título de exemplo, transcreve-se a seguinte excerto de decisão do STJ: “o direito moderno não compactua com o venire contra factum proprium, que se traduz como o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente (MENEZES CORDEIRO, Da Boa-fé no Direito Civil, 11/742). Havendo real contradição entre dois comportamentos, significando o segundo quebra injustificada da confiança gerada pela prática do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é admissível dar eficácia à conduta posterior." (Resp n. 95539-SP, Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR).

[15] Vide nosso ALVES, José Ricardo Teixeira. Princípio da confiança e função jurisdicional. Proteção constitucional contra divergências e mutações jurisprudenciais. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2516, 22 maio 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/14903>. Acesso em: 16 fev. 2012.

[16] A Re-significação do Princípio da Segurança Jurídica na Relação entre o Estado e os Cidadãos. Revista CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004.

[17] ACCIOLY, Hildebrando; Nascimento e Silva, G. E; Casella, Paulo Borba, Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. 19ª edição.

[18]  MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009. Pp. 57 e 58.

[19] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo Civil Ambiental. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. Pp. 39 a 41.

[20] Marcelo Abelha, ob. cit. pp. 45 a 49.

[21] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil (Teoria Geral). Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2007.  P. 262.

[22] Ob. cit., p.  26.

[23] Nesse sentido, as lições de Frederico Augusto Di Trindade Amado, em Direito Ambiental Esquematizado. 2ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2011.

[24] Assim entendeu o STJ no Resp 442.586, de 26.11.2002.

[25]  CHEQUER, Cláudio. A Liberdade de Expressão como Direito Fundamental Preferencial Prima Facie. Rio de Janeiro: Editoria Lumen Juris, 2011.  p. 51.  

[26] Nesse sentido discorre Bernardo Gonçalves Fernandes, invocando Habermas, in Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. p. 256-258.

[27] MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; e BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 290.

[28] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, 1999.

[29] Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. p. 195-196.  

[30] Ob. cit. p. 258-259.

[31] Eis a definição da pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4657 de 1942):  “Art. 6º  (....)  § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)”.

De sua vez, o Código de Processo Civil assim dispõe sobre a coisa julgada:  “Art. 467.  Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”  

[32] Entendimento análogo teve o STF no caso em que afastou a coisa julgada em função do exame DNA (RE 363889).

[33] Ob. cit. p. 247-248.

[34] DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, Volume 02, Editora Juspodium, Salvador-BA. 2007, p. 502.

[35] In “Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre coisa julgada”, apud DIDIER JR., FREDIE; BRAGA, PAULA; OLIVEIRA RAFAEL. Curso de Direito Processual Civil, Volume 02, Editora Juspodium, Salvador-BA. 2007, p. 503.

[36] In Instituições de Direito Processual Civil, Volume III, Editora Malheiros: 2005. p. 307.

[37] Art. 16.  As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)    I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001); II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7o deste artigo; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001); III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001); IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

[38] Art. 19 – O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer I - Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais;  II - Omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença. III - superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.

[39] Em Direito Administrativo, o termo cassação se usa para os casos de descumprimento, pelo beneficiário da licença, de normas legais ou contidas no título da licença. Já a revogação, no Direito Administrativo, diz do desfazimento do ato por motivo de conveniência e oportunidade. No caso, embora o ato normativo em tela não deixe claro, é possível concluir que se cuida de um sentido diferente dado à revogação, próprio do Direito Ambiental. Seria uma revogação causal, vinculada a fatos posteriores. As outras espécies de desfazimento da licença, previstas no incisos I e II do citado art. 19, são no primeiro caso cassação por motivo de ilegalidade posterior e no segundo anulação por vício de origem.

[40] Vide MARCHESAN, Ana Maria; STEIGLEDER, Annelise; CAPPELLI, Sílvia. Direito Ambiental. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2010. P. 97 a 102.

[41] Essas alterações advindas da MP 2.166-67/2001, todavia, são ainda objeto de duas ADIs no STF, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio, que aguardam julgamento.

[42] Vide novamente MARCHESAN, Ana Maria; STEIGLEDER, Annelise; CAPPELLI, Sílvia. Direito Ambiental. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2010. P. 120-128.

[43] Ob. cit. p. 558.

[44] Os prazos das licenças ambientais estão previstos no art. 8º da Resolução CONAMA 237/1997, e art. 19 do Decreto 99.274/1990. Nessa linha, consulte-se Frederico Augusto Di Trindade Amado, em Direito Ambiental Esquematizado. 2ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2011, p. 99.

[45] Ob. cit. p. 141-144.

[46] Ob. cit. p. 273.

[47] A Lei 9985/2000 também exclui direito das populações tradicionais de permanecerem em unidades de conservação criadas nas quais sua permanência não seja permitida, nos termos do art. 42.

[48]  Ob. cit.  pp. 139-140.

[49] Ob. cit. p. 191-193.

[50] Princípio da Proteção Subtancial da Confiança no Direito Administrativo Brasileiro. Editora Verbo Jurídico: 2006. Porto Alegre.

[51] Apud MARTINS, Raphael Manhães. O Princípio da Confiança Legítima e o Enunciado n. 362 da IV Jornada de Direito Civil. Revista CEJ, Brasília, Ano XII, n. 40, p. 12, 17 e 19, jan./mar. 2008.


Autor

  • José Ricardo Teixeira Alves

    José Ricardo Teixeira Alves

    Promotor de Justiça do Estado de Goiás, titular da 8ª Promotoria de Justiça de Luziânia-GO, com atribuições na tutela do meio ambiente e da ordem urbanística. Pós-graduado pela Universidade Cândido Mendes-RJ e pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Trabalho de conclusão do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Ambiental da Escola Superior Verbo Jurídico e do Grupo Uniasselvi.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, José Ricardo Teixeira. Princípio da confiança e tutela ambiental: a primazia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado sobre o direito de proteção à confiança legítima. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3163, 28 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21174. Acesso em: 25 abr. 2024.