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Contribuições ao PIS e COFINS sobre os créditos presumidos relativos ao ICMS.

Reflexões sobre a Solução de Divergência n° 13/11 e o papel do Superior Tribunal de Justiça no afastamento da cobrança

Contribuições ao PIS e COFINS sobre os créditos presumidos relativos ao ICMS. Reflexões sobre a Solução de Divergência n° 13/11 e o papel do Superior Tribunal de Justiça no afastamento da cobrança

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Retomou-se a discussão quanto à possibilidade de incidência da COFINS e do PIS sobre os créditos presumidos do ICMS, quando lançados de forma escritural na contabilidade das empresas que deles se beneficiam.

I - INTRODUÇÃO

Recentemente – mais especificamente a partir de maio do ano passado – retomou-se a discussão quanto à possibilidade de incidência da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”) e da Contribuição ao Programa de Integração Social (“PIS”) sobre os créditos presumidos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (“ICMS”), quando lançados de forma escritural na contabilidade das empresas que deles se beneficiam.

Isso porque a Receita Federal do Brasil (“RFB”) fez publicar a solução de divergência de n° 13, de 28 de abril de 2.011 (DOU 20.05.2011), por meio da qual se decidiu que “por absoluta falta de amparo legal para a sua exclusão, o valor apurado do crédito presumido do ICMS concedido pelos Estados e pelo Distrito Federal constitui receita tributável que deve integrar a base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep (...) e da COFINS”.

Apesar do equívoco conceitual materializado na solução exposta, que adiante se demonstrará – na medida em que o crédito presumido jamais poderá ser compreendido como tendo o caráter jurídico de uma receita propriamente dita –, ao menos a RFB excluiu tais créditos da base de cálculo das referidas contribuições nos casos das empresas sujeitas à sistemática cumulativa de sua apuração.

Deveras, se é certo que tais créditos presumidos jamais assumirão a natureza de receita, menos ainda poderão ser entendidos como decorrentes do faturamento em sentido estrito[1], de acordo com a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar inconstitucional o §1º, do art. 3º da Lei 9.718/98[2].

Por outro lado, o entendimento da Receita Federal de que o crédito presumido de ICMS deve ser incluído na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, apurados na sistemática não cumulativa “por absoluta falta de amparo legal” decorre da suposta ausência de previsão do excludente da base de cálculo do art. 24, da Instrução Normativa nº SRF 247, de 21 de novembro de 2002[3].

Passa-se, então, a se demonstrar as razões pelas quais os créditos presumidos de ICMS jamais poderão compor a base de cálculo das referidas contribuições, ainda que não previstos nas hipóteses de exclusão da base de cálculo trazidas pela Instrução Normativa e ainda que se esteja a tratar da sistemática não-cumulativa de sua apuração.


II – NATUREZA DO CRÉDITO PRESUMIDO DE ICMS E SUA IMPOSSIBILIDADE DE INSERÇÃO NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS

Como sabido, o ICMS é tributo sujeito à sistemática não-cumulativa, por meio da qual o valor a ser recolhido a título de imposto é composto pelo soma dos valores apurados nas saídas das mercadorias do estabelecimento, subtraído dos valores dos créditos assumidos quando da entrada dos insumos, conforme regra geral insculpida no art. 155, § 2º, I e II da Constituição Federal.

Cumprindo o que alude o artigo 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal, a Lei Complementar nº 24/1975 concedeu a possibilidade de Convênios celebrados entre os Estados e o Distrito Federal disporem sobre a faculdade dos contribuintes se valerem dos chamados créditos presumidos de ICMS.

A sistemática de apuração dos créditos presumidos de ICMS – sem que se adentre a questão de sua constitucionalidade nos moldes em que efetivamente concedido pelos Estados, o que refugaria ao escopo deste trabalho -, afastando-se sensivelmente da forma convencional descrita pelo art. 155, § 2º, I e II da Constituição Federal, consiste na aplicação de uma porcentagem fixa, definida em lei, sobre o montante do ICMS pago na saída de suas mercadorias e/ou serviços sujeitos à tributação estadual.

Apurado o crédito presumido, o contribuinte deverá lançá-lo no Livro Registro de Apuração na coluna “Outros Créditos”, lançando-o como se fosse uma suposta receita e anotando o respectivo fundamento legal do crédito, reduzindo-se o valor global a ser recolhido aos cofres públicos.

No entanto, a rubrica contábil em que realizado o lançamento jamais poderá transmutar a natureza da operação que a ela deu substrato, razão pela qual, muito embora seja lançado como pretensa receita, o crédito presumido é de fato apenas um “direito subjetivo de nível constitucional, oponível ao Estado pelo contribuinte do imposto estadual”, como doutrinam GERALDO ATALIBA e CLÉBER GIARDINO[4].

É dizer que, tratando-se de direito constitucionalmente assegurado ao contribuinte, qualquer norma que vise amesquinhá-lo deverá ruir, de acordo com ROQUE ANTÔNIO CARRAZA[5], que doutrina que do crédito presumido apenas poderão advir maiores vantagens ao contribuinte do que aquelas em comparação as que ele contribuinte teria no sistema ordinário de crédito e débito, característica essa que desapareceria – ou seria em grande parte mitigada - se este crédito também tivesse que ser incluído na base de cálculo das contribuições sociais.

Observa-se que a natureza jurídica do crédito presumido de ICMS é de direito (constitucional e subjetivo do contribuinte) de abater o montante de crédito presumido de ICMS na saída da mercadoria e/ou serviço e recolher ao erário, em operação futura, somente a diferença do tributo apurado, descontando-se o crédito escriturado.

Desta forma, acreditamos não ser possível concluir, como fez a solução de divergência de n° 13, de 28 de abril de 2.011, que tal direito do contribuinte se traduza em “RECEITA” para fins de inclusão do seu montante na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, a pretexto de que os art. 1°, caput e § 2º da Lei n° 10.637/02 e art. 1°, caput e § 2° da Lei 10.883/03 exprimam sua incidência sobre a receita bruta mensal.

Neste esteio, ainda que tais artigos falem em receita bruta, não há como se apontar tal sistemática de apuração sequer como geradora de “receita”, na acepção contábil-jurídica do signo, como explica GERALDO ATALIBA[6], para quem “o conceito de receita refere-se a uma espécie de entrada. Entrada é todo dinheiro que venha a integrar o patrimônio da entidade que a recebe”; conforme tal definição, não se pode entender o crédito presumido de ICMS como espécie de entrada, na medida em que, uma vez outorgado, o é para a redução dos valores a serem pagos a título deste mesmo imposto, diminuindo o custo da empresa, e não aumentando o influxo/acréscimo patrimonial.

Aprofundando-se nas conclusões de ATALIBA, aponta-se a doutrina de LUCIANA ROSANOVA GALHARDO[7] para quem a submissão ao PIS e à COFINS “exige o ingresso efetivo de recursos (novas receitas)” e que “a mera redução de despesas não constitui juridicamente receita, estando fora do alcance da incidência de tais contribuições”, entendimento que seguimos e que entendemos infirmar o alicerce jurídico em que pautadas as conclusões fazendárias.

Analisando dispositivo da legislação do Estado de São Paulo que concedia crédito presumido de ICMS para produtos de informática, o Desembargador Federal JOEL PACIONRNIK decidiu[8] que não constitui receita, seja do ponto de vista contábil, seja do ponto de vista econômico-financeiro, visto que não compõe o somatório das vendas de mercadorias ou de serviços realizados pela empresa, tampouco denota manifestação de riqueza. O benefício fiscal representa mero ressarcimento dos custos a que se sujeita a impetrante ao obter a matéria-prima necessária à consecução de sua produção”, tendo afastado a recomposição de custos como forma de ingresso de recursos na empresa e, portanto, retirando-a da base de cálculo das contribuições sociais.


III - JURISPRUDÊNCIA DO STJ SOBRE O ASSUNTO/ANÁLISE CRÍTICA

Seguindo a linha doutrinária exposta, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de analisar a matéria e, no nosso entender, concluiu de forma irreparável quanto à impossibilidade de submissão do crédito presumido do ICMS às contribuições sociais. Colhem-se precedentes da Primeira[9] e Segunda[10] Turmas daquele Tribunal rechaçando a exigência, todos pautados pelo entendimento de que o crédito presumido deve sempre ser entendido como redutor de custos, e nunca como efetivo ingresso de receitas.

Da análise da íntegra dos arestos acima destacados, nota-se que Superior Tribunal de Justiça, na exata medida em que abordado neste estudo, reconheceu que o crédito presumido de ICMS não se sujeita à incidência da contribuição ao PIS e da COFINS, já que “consubstancia-se em parcelas relativas à redução de custos, e não à obtenção de receita nova oriunda do exercício da atividade empresarial como, verbi gratia, venda de mercadorias ou de serviços”.

O entendimento alinha-se com o quanto já havia sido decidido por aquele Corte em oportunidades pretéritas de que “a contribuição para o PIS incide sobre ‘o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil’ (art. 1º da Lei 10.637/02), o mesmo ocorrendo em relação à COFINS, que ‘tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil’ (art. 1º da Lei 10.833/03)”[11].

Assim, na esteira do entendimento já firmado naquele Tribunal, se o PIS e a COFINS apenas poderão incidir sobre receitas auferidas pela pessoa jurídica, não poderiam incidir sobre registros que não representam qualquer acréscimo ou influxo de valores, em qualquer regime que se esteja a tratar, seja ele o cumulativo ou não-cumulativo, na medida em que a existência de receita é requisito em ambas as sistemáticas.

Importante distinguir o quanto se discute neste presente artigo com o quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça em relação à submissão dos créditos presumidos de ICMS ao IRPJ e à CSLL no REsp 859.322/PR, oportunidade em que se que entendeu que “a escrituração dos créditos de ICMS caracteriza a "aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de acréscimos patrimoniais", muito embora possa não significar aquisição de disponibilidade financeira quando há restrições ao uso dos créditos adquiridos, e, portanto, permite a tributação pelo IRPJ e pela CSLL”.

Naquela oportunidade, o STJ levou em conta que o crédito presumido de ICMS se traduz em uma “disponibilidade econômica”, mas não uma “disponibilidade financeira da renda ou dos proventos de qualquer natureza”, o que apenas confirma a impossibilidade de submissão de tais créditos à contribuição ao PIS e à COFINS. A bem da verdade, o STJ apenas entendeu que o crédito presumido de ICMS poderia ser tributado como “disponibilidade econômica”, haja vista que o IRPJ e a CSLL são tributos incidentes sobre o resultado apurado pela pessoa jurídica em determinada competência, conceito este [resultado] bastante diverso do conceito de receita.

No que diz respeito aos limites do presente trabalho, entendemos que falta ao Superior Tribunal de Justiça uniformizar seu entendimento, submetendo de forma definitiva a matéria à sua Primeira Seção e o julgamento ao rito dos recursos repetitivos, com base no permissivo do art. 543-C, do Código de Processo Civil, para que, desta forma, o julgamento tenha eficácia prática junto à Administração Tributária e, com isso, os contribuintes deixem de receber autuações fiscais sobre o tema, que impactam negativamente em seus resultados, principalmente em momentos como o presente em que o cenário econômico mundial aprofunda a necessidade por resultados positivos.


IV - CONCLUSÃO

Por todo o exposto, entendemos que o entendimento exarado pela Receita Federal do Brasil não respeita a melhor interpretação que deve ser conferida à natureza dos créditos presumidos de ICMS, vez que estes jamais poderão se traduzir como receita, nem mesmo na mais elástica roupagem que possa ser traduzida a tal conceito, mas mero redutor de custos, o que afasta a sua submissão às contribuições ao PIS e à COFINS.

Resta apenas ao Poder Judiciário, na sua função de pacificador de conflitos, utilizar-se dos mecanismos previstos na legislação para que a Administração da Receita Federal do Brasil deixe de desrespeitar o entendimento que, em nosso ver, de forma acertada, já prevaleceu naquela Corte Superior.


Notas

[1] Decorrente exclusivamente da venda de mercadorias, da prestação de serviços ou de ambos conjugados, conforme motivos expostos no julgamento dos recursos extraordinários 357.950, 390.840, 358.273 e 346.084.

[2] Importa destacar que também se mostra equivocado o fundamento conferido pela RFB para afastar a incidência de tais contribuições sobre os créditos presumidos às empresas submetidas à sistemática cumulativa do PIS e da COFINS, na medida em que é justificado da seguinte forma: “A partir de 28 de maio de 2009, tendo em vista a revogação do §1º do art. 3º da Lei nº 9.718, de 1998, promovida pelo inciso XII do art.79 da Lei No 11.941, de 2009, para as pessoas jurídicas enquadradas no regime de apuração cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep/Cofins, por não ser considerado faturamento (receita bruta) decorrente da atividade exercida por essas pessoas jurídicas, o valor do crédito presumido do ICMS deixou de integrar a base de cálculo da mencionada contribuição”, sendo certo que a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal teve efeitos ex tunc, portanto, a norma foi excluída do ordenamento desde a sua edição, e não apenas em 2.009 com a revogação realizada pela Lei n° 11.941/09.

[3] “Art. 24. Para efeito de cálculo do PIS/Pasep não-cumulativo, com a alíquota prevista no art. 60, podem ser excluídos da receita bruta, quando a tenham integrado, os valores:

I – das vendas canceladas;

II – dos descontos incondicionais concedidos;

III – do IPI;

IV – do ICMS, quando destacado em nota fiscal e cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário;

V – das reversões de provisões;

VI – das recuperações de créditos baixados como perdas, que não representem ingresso de novas receitas; e

VII – dos resultados positivos da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido e dos lucros e dividendos derivados de investimentos avaliados pelo custo de aquisição, que tenham sido computados como receita”.

[4] ATALIBA, Geraldo, e GIARDINO, Cléber; “ICM – Abatimento constitucional – Princípio da não-cumulatividade”. RDT 29-30/110 e ss. São Paulo: RT.

[5] CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 12ª Edição. São Paulo, Malheiros Editores, 2007.

[6] ISS – Base Imponível. Estudos e Pareceres de Direito Tributário, v. 1, São Paulo: RT, 1.978, p. 88

[7] Rateio de Despesas no Direito Tributário, São Paulo: Quartier Latin, 2.004, p. 135.

[8] AMS nº 2007.71.00.025170-6/RS, Rel. Des. Federal Joel Paciornik, 1ª Turma, DJe 18.06.08

[9] “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. QUESTÃO RELATIVA À INCLUSÃO DO CRÉDITO PRESUMIDO DE ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA PRIMEIRA SEÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que o crédito presumido do ICMS configura incentivo voltado à redução de custos, com vistas a proporcionar maior competitividade no mercado para as empresas de um determinado Estado-membro, e, portanto, não assume a natureza de receita ou faturamento, pelo que está fora da base de cálculo do PIS e da COFINS.(...)”

(AgRg no REsp 1165316/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 14/11/2011)

[10] “TRIBUTÁRIO. CRÉDITO PRESUMIDO. ICMS. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. IMPOSSIBILIDADE. BENEFÍCIO FISCAL. RESSARCIMENTO DE CUSTOS.

1. A controvérsia dos autos diz respeito à inexigibilidade do PIS e da COFINS sobre o crédito presumido do ICMS decorrente do Decreto n.2.810/01. 2. O crédito presumido do ICMS consubstancia-se em parcelas relativas à redução de custos, e não à obtenção de receita nova oriunda do exercício da atividade empresarial como, verbi gratia, venda de mercadorias ou de serviços. 3. "Não se tratando de receita, não há que se falar em incidência dos aludidos créditos-presumidos do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS." (REsp 1.025.833/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 6.11.2008, DJe 17.11.2008.) Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 1229134/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 03/05/2011)

[11] REsp 1210655/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 16/05/2011.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASQUET, Pedro Guilherme Modenese; MEZIARA, Luis Gustavo. Contribuições ao PIS e COFINS sobre os créditos presumidos relativos ao ICMS. Reflexões sobre a Solução de Divergência n° 13/11 e o papel do Superior Tribunal de Justiça no afastamento da cobrança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3182, 18 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21313. Acesso em: 18 abr. 2024.