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A cooperação social como base de uma sociedade justa e equânime: finalidades públicas com alicerce na doutrina de Rawls.

Uma ideia inicial

A cooperação social como base de uma sociedade justa e equânime: finalidades públicas com alicerce na doutrina de Rawls. Uma ideia inicial

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Analisa-se a definição de interesse público, base para a formulação e materialização das políticas públicas, adotando por principal marco teórico o pensamento de John Rawls acerca da cooperação social em uma sociedade plural, considerando seu entendimento acerca da justiça como equidade.

O presente artigo pretende analisar a definição de interesse público, base para a formulação e materialização das políticas públicas, adotando por principal marco teórico o pensamento de John Rawls acerca da cooperação social em uma sociedade plural, bem como tomando por base o seu entendimento acerca da justiça como equidade[1].

Esclareça-se, desde já, que os conceitos que se pretende utilizar e as relações que se tentará estabelecer levarão em consideração a concepção de tipo ideal, centro da doutrina epistemológica de Max Weber:

O conceito de tipo ideal se situa no ponto de convergência de várias tendências do pensamento weberiano. O tipo ideal está ligado à noção de compreensão, pois todo tipo ideal é uma organização de relações inteligíveis próprias a um conjunto histórico ou a uma seqüência de acontecimentos. Por outro lado, o tipo ideal está associado ao que é característico da sociedade e da ciência moderna, a saber o processo de racionalização. A construção de tipos ideais é uma expressão do de esforço de todas as disciplinas científicas para tornar inteligível a matéria, identificando sua racionalidade interna, e até mesmo construindo esta racionalidade a partir de uma matéria ainda meio informe. Por fim, o tipo ideal se vincula também à concepção analítica e parcial da causalidade. O tipo ideal permite, de fato, perceber indivíduos históricos ou conjuntos históricos. Mas o tipo ideal é uma percepção parcial de um conjunto global; conserva, para toda relação causal o seu caráter parcial, mesmo quando, em aparência, abrange toda uma sociedade.[2]

Com efeito, a implementação de políticas públicas – que deverá sempre vincular-se a mais estrita legalidade (art. 37, II da CF/88) – em um Estado democrático de direito, como efetivamente é o brasileiro[3], quase sempre reflete uma tarefa árdua.

Embora se possa afirmar – consciente das discussões que fatalmente surgirão dessa afirmação – que nem toda política de governo externa uma política pública de Estado, toda política pública de Estado deve estar contida numa política de governo[4]. Tal relação implica muitas vezes, por questões políticas e/ou ideológicas, naturais a uma sociedade plural, numa enorme judicialização dos atos tendentes à materialização das políticas públicas pretendidas pelos que dirigem o Estado.

Referida judicialização, por sua vez, é inerente a um Estado Democrático de Direito, onde os debates políticos são amplos e cujos dissensos muitas vezes são levados à apreciação do Poder Judiciário com escudo na norma inserta no art. 5º, XXXV da Constituição Federal: “a lei não excluirá da apreciação do Poder judiciário lesão ou ameaça a direito”.

A clássica teoria da tripartição dos Poderes, de Charles Louis de Secondat, barão da Brède e de Montesquie – na qual o poder freia o próprio poder, e que, em função disto, a engrenagem Estatal só gira em havendo uma harmonia de entendimentos na busca do interesse público – adotada pelo texto Constitucional Pátrio em seu art. 2º[5], sinaliza que muitas vezes os poderes tendem a se paralisar mutuamente. E quando tal engrenagem se vê prestes a parar, ou a mover-se de forma desarmônica, o Poder Judiciário é chamado a mediar e a “aparar as arestas” dos interesses postos em conflito.

Este ambiente social de constantes lutas[6] e conflitos de interesse, ainda que singelamente exposto, é o caminhar natural do Estado em um ambiente democrático e plúrimo. Nas palavras de Maria Cecília de Souza Minayo[7] tal característica é bem explicada pela Teoria Marxista, em contraposição à teoria funcionalista, onde a dialética dos conflitos é fonte perene de transformações/mudanças sociais.

Diante desta celeuma, onde a abertura do regime democrático pode inviabilizar o caminhar do Estado, que, registre-se por oportuno, não constitui um fim em si mesmo[8], que medidas preventivas poderiam ser tomadas para evitar os entraves impostos ao Estado por si próprio? Esta questão não se concentra ou se restringe aos limites de uma indagação estritamente acadêmica, mas, ao contrário, reflete uma batalha diuturna para a materialização de normas que traduzam o interesse público, bem como de ações que produzam políticas públicas que correspondam aos anseios da sociedade.

Com efeito, à luz do pensamento de Rawls[9] é necessário responder a um questionamento prévio ao acima formulado, e que é objeto de estudo do chamado liberalismo político: “(...) como é possível existir, ao longo do tempo, uma sociedade estável e justa de cidadãos livres e iguais profundamente divididos por doutrinas religiosas, filosóficas e morais razoáveis, embora incompatíveis. Em outras palavras: como é possível que doutrinas abrangentes profundamente opostas, embora razoáveis, possam conviver e que todas endossem a concepção política de um regime constitucional?”[10]

Na tentativa de buscar a resposta ao problema posto e desenvolver sua teoria, Rawls parte da noção de cooperação social[11] entre cidadãos livres e iguais. A base do convívio social estaria alicerçada em uma cooperação mútua entre aqueles que compõem as diversas comunidades nela (sociedade)[12] inseridas. Todavia, esta cooperação restaria prejudicada acaso não fosse escudada por uma concepção de justiça equitativa a manter o equilíbrio de interesses na busca do bem comum. Nesse sentido, declina dois princípios de justiça através dos quais se deve efetivar a distribuição equitativa (imparcial) de bens primários/básicos para toda as pessoas independentemente de seus projetos pessoais de vida ou de suas concepções do bem:

a. Todas as pessoas têm igual direito ao um projeto inteiramente satisfatório de direitos e liberdades básicas iguais para todos, projeto este compatível com todos os demais; e, nesse projeto, as liberdades políticas, e somente estas, deverão ter seu valor equitativo garantido.

b. As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer dois requisitos: primeiro, devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos, em condições de igualdade equitativa de oportunidades; e, segundo, devem representar o maior benefício possível aos membros menos privilegiados da sociedade.[13] [14] [15]

Mas para além dos dois princípios de justiça, haveria de se estabelecer os termos em que se daria a cooperação social. Como se daria esse contrato? Em que bases seria firmado? Frise-se que no acordo social proposto por Rawls não há espaço para sua imposição pelo uso da força, já que estamos a tratar de uma sociedade onde todas as pessoas têm igual direito a um projeto de mesmas garantias, mesmos direitos e liberdades básicas. Contudo, como visto, a sociedade é plural, repleta de doutrinas abrangentes (ainda que razoáveis)[16] que influenciarão os seus membros na fixação dos termos basilares da referida cooperação social. Tal situação, sob a ótica rawlsiana, não é apropriada à consecução do referido termo de cooperação social, já que distorcida pelas características particulares e idiossincrasias das doutrinas abrangentes, onde, a priori, um acordo equitativo entre pessoas consideradas livres e iguais não poderia se firmado. Nesse contexto, introduz os conceitos de posição original e véu da ignorância, os quais são bem explicados na sua obra Justiça como Equidade: Uma Reformulação[17]:

A posição original[18], com sua característica que denominei de “véu da ignorância”, inclui esse ponto de vista. Na posição original, não se permite que as partes conheçam as posições sociais ou as doutrinas abrangentes específicas das pessoas que elas representam. As partes também ignoram a raça e grupo étnico, sexo, ou outros dons naturais como a força e a inteligência das pessoas. Expressamos figurativamente esses limites de informação dizendo que as partes se encontram por trás de um véu de ignorância.

Um dos motivos pelos quais a posição original tem de abstrair as contingências – as características e circunstâncias particulares das pessoas – da estrutura básica é que as condições para um acordo equitativo entre pessoas livres e iguais sobre os princípios primeiros de justiça para aquela estrutura têm de eliminar as posições vantajosas de negociação que, com o passar do tempo, inevitavelmente surgem em qualquer sociedade como resultado de tendências sociais e históricas cumulativas.

Mas, tentando transportar a teoria rawlsiana para a realidade brasileira, conseguiremos descobrir o que vem a ser a finalidade ou interesse público ou como defini-lo? Creio que não seja este o objetivo do referido autor. Contudo, com base na sua doutrina, talvez consigamos descortinar um modo de se alcançar referido interesse público.

Desse modo, necessário buscar esteio em outros doutrinadores, a fim de lapidarmos um pouco mais nosso entendimento acerca do repetidamente mencionado interesse público, alicerce da atuação estatal materializada nas políticas públicas adotadas por um governo democraticamente posto.

No entendimento do professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o interesse público não se confunde nem com a somatória dos interesses individuais, nem com o interesse do próprio Estado, nem muito menos com o interesse dos governantes.[19] Ao contrário, para o referido autor, seria a projeção coletiva do interesse social, reflexo do viés gregário próprio do individualismo humano, que também alimentaria interesses sociais, com características solidárias e diretamente relacionadas aos diferentes grupos sociais a que pertença o homem, senão observe-se:

Resta, assim, a ser considerada, a conclusão, eticamente impecável, de que o homem tem instintivamente inata e desenvolve em sua vida de relação, além da sua individualidade, uma dimensão gregária. Em razão disso, em acréscimo aos seus interesses individuais, reflexos de sua individualidade, também alimenta, como expõe Walter Lippman, interesses sociais, como reflexo de seu gregarismo, com características solidárias e respectivamente correlacionadas aos distintos grupos da sociedade a que pertença.

Assim, é a projeção coletiva do interesse social, ainda que embrionário ou incipiente – mas que pode e deve ser desenvolvido e aperfeiçoado em cada indivíduo pelo cultivo da solidariedade e do civismo – a responsável pelo desenvolvimento dessa categoria transcendental, do interesse metaindividual, do qual, o interesse público, enquanto fenômeno sociológico, emerge diferenciado na consciência gregária e, como fenômeno jurídico, qualificado pela ordem jurídica vigente em cada sociedade organizada. [20]

Mas para ser válido, o chamado interesse público (projeção coletiva do interesse social) deve estar “qualificado pela ordem jurídica vigente em cada sociedade organizada”[21]. Neste sentido, interessante o ponto de vista do Procurador Federal Marcelo de Siqueira Freitas, em artigo intitulado “A Procuradoria-Geral Federal e a Defesa das Políticas e do Interesse Públicos a Cargo da Administração Indireta”[22], quando afirma que o interesse público, enquanto definição de políticas a serem implementadas por um determinado governante, cuja legitimidade lhe foi conferida pelo voto popular, deve ser aquele fixado em lei ou outros atos normativos válidos no sistema constitucional brasileiro.

De igual modo, o professor Leonardo José Carneiro da Cunha[23] leciona ser induvidoso que a atividade administrativa deve pautar-se de acordo com os enunciados inscritos em normas jurídicas, bem como que as finalidades que o Poder Público visa alcançar são resultado de previsões impostas em textos normativos.

Vê-se, portanto, que a finalidade ou o interesse público reflete um anseio coletivo que está normativamente regulado no ordenamento jurídico de uma determinada sociedade. E a este ordenamento, que veicula os interesses do Estado, encontra-se umbilicalmente vinculada a atuação da Administração Pública.

Mas a pergunta que se nos impõe é como se chegar (que método utilizar) ao interesse público em uma sociedade repleta de doutrinas abrangentes?

Com efeito, Rawls propõe um método composto de quatro etapas na formulação das normas jurídicas que regerão a cooperação social pretendida em que se parte da posição original, onde todos se encontram cobertos pelo véu da ignorância, o qual é progressivamente levantado a cada nova etapa do método proposto, até que no último estágio todos têm plena ciência e consciência do quadro social existente, já que seus rostos estão totalmente descobertos. No já citado “Justiça como Equidade: Uma Reformulação” há uma clara descrição do método acima mencionado, verbis:

Os princípios de justiça são adotados e aplicados numa seqüência de quatro estágios. No primeiro estágio, as partes adotam os princípios de justiça por trás de um véu de ignorância. As limitações quanto ao conhecimento disponível para as partes vão sendo progressivamente relaxadas nos três estágios seguintes: o estágio da convenção constituinte, o estágio legislativo em que as leis são promulgadas de acordo com o que a constituição o admite e conforme o exigem e o permitem os princípios de justiça, e o estágio final em que as normas são aplicadas por governantes e geralmente seguidas pelos cidadãos, e a constituição e leis são interpretadas por membros do judiciário. Neste último estágio, todos têm completo acesso a todos os fatos. O primeiro princípio aplica-se ao estágio da convenção constituinte; em face da constituição, em seus dispositivos políticos e na maneira como eles funcionam na prática fica mais ou menos evidente se os elementos constitucionais essenciais estão garantidos. Em contraposição, o segundo princípio aplica-se ao estágio legislativo e está relacionado com todo tipo de legislação social e econômica, e com os vários tipos de questões que surgem nesse ponto. Saber se os objetivos do segundo princípio foram alcançados é algo bem mais difícil de asseverar. Esses assuntos estão sempre, em alguma medida, abertos a divergências razoáveis de opinião; dependem de inferências e julgamentos para avaliar complexas informações sociais e econômicas. Ademais, pode-se esperar mais acordo sobre elementos constitucionais essenciais do que sobre questões de justiça distributiva no sentido mais estrito.[24]

Deste modo, a fixação dos princípios basilares que regerão o contrato social deve ser feita a partir da posição original, espécie de estado de natureza (ou até mesmo estado social embrionário), no qual as pessoas desconhecem a posição de cooperação que exercerão (véu da ignorância), o que as forçaria a buscar um equilíbrio social pleno. Pela leitura de nossa Constituição, e partindo do pressuposto[25] de que o constituinte originário[26] haveria se baseado na teoria rawlsiana, poderíamos lista como exemplos desse equilíbrio principiológico básico os seguintes dispositivos, dentre outros[27]:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

(...)

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

(...)

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

(...)

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

(...)

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

(...)

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

(...)

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

(...)

XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

(...)

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e nos termos da lei, mediante:

I – plebiscito;

II – referendo;

III – iniciativa popular.

Como se vê o próprio legislador (constituinte originário) determinou como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil o pluralismo político e, ainda assim (mesmo com toda essa diferença), fixou diversas outras normas constitucionais essenciais à condução de uma nação democrática. Retornando neste ponto à pergunta inicial do texto, poder-se-ia dizer que, segundo Rawls, o convívio ao longo do tempo em uma sociedade de cidadãos livres e iguais, possuidores de doutrinas abrangentes – embora razoáveis – profundamente opostas é possível em uma conformação tal que se crie o chamado consenso sobreposto apto a propiciar a estabilidade das relações sociais pautadas na justiça como equidade. Referido consenso é explicado pelo próprio Rawls[28]:

Nesse tipo de consenso, as doutrinas razoáveis endossam a concepção política, cada qual a partir de seu ponto de vista específico. A unidade social baseia-se num consenso sobre a concepção política; e a estabilidade é possível quando as doutrinas que constituem o consenso são aceitas pelos cidadãos politicamente ativos da sociedade, e as exigências da justiça não conflitam gravemente com os interesses essências dos cidadãos, tais como formados e incentivados pelos arranjos sociais dessa sociedade.[29]

Assim, pode-se dizer que a doutrina de Rawls subsume-se em um modelo procedimental de democracia constitucional apto permitir que um sistema equitativo de cooperação social possa se perpetuar através do tempo regulando reflexivamente suas instituições; e que as finalidades públicas, inerentes à atuação do Estado e materializadas muitas vezes na implementação de políticas públicas, são fruto da busca por uma justiça como equidade obtida na conformação de um consenso sobreposto em face de um pluralismo razoável, próprio e comum a uma sociedade democrática.


REFERÊNCIAS

ABREU, Luiz Eduardo de Lacerda. Qual o sentido de Rawls para nós? Brasília: Senado Federal. Revista de Informação Legislativa, v.43, n. 172 (out-dez/2006).

ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

BERCOVICI, G. Constituição econômica e desenvolvimento – uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros Editores. 2005.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da.  A Fazenda Pública em Juízo. 6. ed. São Paulo: Dialética, 2008.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, tradução Jefferson Luiz Camargo, 2010.

FREITAS, Marcelo de Siqueira. A Procuradoria-Geral Federal e a Defesa das Políticas e do Interesse Públicos a Cargo da Administração Indireta.  Revista da AGU, Ano VII – Número 17, Jul/set. 2008.

HEIDEMANN, Francisco G. Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento. In: HEIDEMANN, Francisco G. e SALM, José Francisco (Organizadores). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise.  Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009.

MINAYO, Maria Cecília; ASSIS, Simone Gonçalves de; SOUZA, Edinilsa Ramos. Avaliação por triangulação de métodos: Abordagem de Programas Sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: Parte Introdutória, Parte Geral e Parte Especial. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. 

RAWLS, John. Justiça como Equidade: Uma Reformulação. São Paulo: Martins Fontes, tradução Cláudia Berliner, 2003.

_____________. O Liberalismo Político. São Paulo: Editora Ática, tradução Dinah de Abreu Azevedo, 2000.

SIMMEL, Georg. Sociologia: Estudios sobre las formas de socialización. Edited by M. G. Pelayo. 2 ed. 2 volumes. Vol I, Politca y Sociologia. Madrid: Biblioteca de la Revista de Occidente. Original edition, Soziologie Untersuchungen über die Formen de Vergesellschauftung, 1908.


Notas

[1] De início cumpre reproduzir um trecho do livro Império do Direito em que Dworkin aborda o tema da justiça e da equidade, tentando demonstrar que às vezes esses conceitos não trilham o mesmo caminho, devendo-se, portanto, adotar-se a integridade como guia: “Os conflitos entre ideais são comuns em política. Mesmo que rejeitássemos a integridade e fundássemos nossa atividade política apenas na equidade, na justiça e no devido processo legal, veríamos que essas duas primeiras virtudes às vezes seguem caminhos opostos. Alguns filósofos negam a possibilidade de qualquer conflito fundamental entre justiça e equidade por acreditarem que, no fim das contas, uma dessas virtudes deriva da outra. Alguns afirmam que, separada da equidade, a justiça não tem sentido, e que em política, como na roleta dos jogos de azar, tudo aquilo que provenha de procedimentos baseados na equidade é justo. Esse é o extremo da ideia denominada justiça como equidade. Outros pensam que, em política, a única maneira de pôr à prova a equidade é o teste do resultado, que nenhum procedimento é justo a menos que tenda a produzir decisões políticas que sejam aprovadas num teste de justiça independente. Esse é o extremo oposto, o da equidade como justiça. A maioria dos filósofos políticos – e, creio, a maioria das pessoas – adota o ponto de vista intermediário de que a equidade e a justiça são, até certo ponto, independentes uma da outra, de tal modo que as instituições imparciais às vezes tomam decisões injustas, e as que não são imparciais às vezes tomam decisões justas.

Se assim for, então na política corrente devemos às vezes escolher entre as duas virtudes para decidir quais programas políticos apoiar. Poderíamos pensar que a ascendência da maioria é o melhor procedimento viável para tomar decisões em política, mas sabemos que às vezes, quando não freqüentemente, a maioria tomará decisões injustas sobre os direitos individuais. Deveríamos perverter a ascendência da maioria, conferindo uma força especial de voto a um grupo econômico, para além daquilo que seus números justificariam, por temermos que a ascendência contínua da maioria viesse a atribuir-lhe menos do que a parte que por direito lhe corresponde? Deveríamos aceitar restrições constitucionais ao poder democrático para impedir que a maioria restrinja a liberdade de expressão, ou outras liberdades importantes? Essas difíceis questões se colocam porque a equidade e a justiças às vezes entram em conflito. Se acreditarmos que a integridade é um terceiro e independente ideal, pelo menos quando as pessoas divergem sobre um dos dois primeiros, então podemos pensar que, às vezes, a equidade ou a justiça devem ser sacrificadas à integridade.” (DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, tradução Jefferson Luiz Camargo, 2010, p. 214-215.)

[2] ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1995.  p. 482.

[3]Constituição Federal de 1988 – Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.

[4]“Mais recentemente, surgiram referências a ‘políticas de Estado’ em lugar de políticas públicas ou governamentais. Elas teriam caráter particularmente estável e inflexível e obrigariam todos os governos de um Estado em particular a implementá-las, independentemente dos mandatos que os eleitores lhes confiassem, em momentos históricos distintos. Na prática, a noção de política de Estado difere pouco do conceito de política pública, pois se limita aos valores consagrados na Constituição. Afinal, governos democráticos não disputam princípios constitucionais, que se presumem universais; simplesmente, cumprem-nos.” (HEIDEMANN, Francisco G. Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento. In: HEIDEMANN, Francisco G. e SALM, José Francisco (Organizadores). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise.  Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009. p. 30)

[5] Constituição Federal de 1988 – Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

[6]A respeito dos conflitos (lutas) como elemento de coesão social, Georg Simmel esclarece: “Que la lucha tiene importancia sociológica, por cuanto  causa o modifica comunidades de intereses, unificaciones, organizaciones, es cosa que en principio nadie ha puesto en duda. En cambio, ha de parecer paradójico a la opinión común el tema de si la lucha, como tal, aparte sus consecuencias, es ya una forma de socialización. Al pronto parece ésta una mera cuestión de palabras. Si toda acción recíproca entre hombres es una socialización, la lucha, que constituye una de las más vivas acciones recíprovas y que es lógicamente imposible de limitar a un individuo, ha de constituir necesariamente una socialización. De hecho, los elementos propriamente disociadores son las causas de la lucha: el ódio y la envidia, la necesidad y la apetencia. Pero cuando, producida por ellas, ha estallado la lucha, ésta es un  remédio contra el dualismo disociador, una  via para llegar de algún modo a la unidad, aunque sea por el aniquilamiento de uno de los partidos. (...) La lucha es ya una distensión de las fuerzas adversárias; el hecho de que termine en la paz, no es sino una expresión que demuestra que la lucha es una  síntesis de elementos, una  contraposición, que juntamente con  la composición, está contenida bajo un concepto superior. Este concepto se caracteriza por la común contrariedad de ambas formas de relación; tanto la contraposición como la composición, niegan, en efecto, la relación de indiferencia. Rechazar o disolver la socialización son también negaciones; pero la lucha significa el elemento positivo que, con su caráter unificador, forma una unidad imposible de romper de hecho, aunque si pueda escindirse en la idea.

(...)

Así como el cosmos necesita ‘amor y odio’, fuerzas de atracción y de repulsión, para tener una forma, así la sociedad necesita una  relación cuantitativa de armonia y desarmonia, de asociación y competencia, de favor y disfavor, para llegar a una forma determinada. Y estas divisiones intestinas no son meras energias pasivas sociológicas; no son instancias negativas; no puede decirse que la sociedad real, definitiva, se produzca solo por obra de las otras fuerzas sociales, positivas, y dependa negativamente de que aquellas fuerzas disociadoras lo permitan. Esta manera de ver, corriente, es completamente superficial; la sociedad, tal como se presenta en la realidad, es el resultado de ambas categorias de acción recíproca, las cuales, por tanto tienen ambas um valor positivo.” (SIMMEL, Georg. Sociologia: Estudios sobre las formas de socialización. Edited by M. G. Pelayo. 2 ed. 2 volumes. Vol I, Politca y Sociologia. Madrid: Biblioteca de la Revista de Occidente. Original edition, Soziologie Untersuchungen über die Formen de Vergesellschauftung, 1908, p. 265-267).

[7]“Quando busca compreender a dinâmica dos processos de intervenção, freqüentemente um analista social se fundamenta em duas correntes que repercutem, também, na formulação de teorias sociais.

A primeira considera que todas as perturbações notórias na sociedade, ou em instituições como uma escola, um hospital e uma universidade se explicam primordialmente pela intervenção de causas exteriores passíveis de serem controladas. Esta visão se assenta na ilusão de que seria possível existir uma sociedade equilibrada e fechada, onde não houvesse conflitos nem contradições. O equilíbrio social constituiria o indicador de uma sociedade saudável e a influência externa, quase sempre, deve ser considerada negativa. Por dedução, quem se guia por essa mentalidade crê que é possível controlar os problemas, isolar as contradições e, assim, voltar sempre no ponto de equilíbrio. Tais pressuposições se apóiam na corrente sociológica positivista-funcionalista, tão presente ainda na academia e nas teorias aplicadas.

Ao pensamento funcionalista se opõe outra concepção. Os formuladores e seguidores deste pensamento consideram que a sociedade e as instituições vivem em permanentes conflitos internos e é a própria existência destes problemas que provoca mudanças. A capacidade de transformação, portanto, estaria dentro da sociedade em geral e das instituições em particular, uma vez que as contradições ocorrem em todos os tipos de interações humanas. Seria importante, em conseqüência, intervir nelas, explorando suas potencialidade internas de provocar mudanças. O marxismo é a corrente teórica inspiradora de tal posição que explora a dialética dos conflitos como fonte perene de transformações.

(...)

 A dinâmica global das transformações sociais acontece, simultaneamente, por via de forças externas e internas, umas atingindo e influenciando as outras.” (MINAYO, Maria Cecília; ASSIS, Simone Gonçalves de; SOUZA, Edinilsa Ramos. Avaliação por triangulação de métodos: Abordagem de Programas Sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. p. 54-56)

[8]A esse respeito leciona Bercovici: “O Estado, como toda instituição humana, tem uma função objetiva que nem sempre está de acordo com os fins subjetivos de cada um dos homens que o formam. A determinação do sentido do Estado é de crucial importância para a sua compreensão. Sem uma referência ao sentido do Estado, os conceitos da Teoria do Estado, segundo Heller, seriam vazios de significado, não sendo possível diferenciá-lo de outras organizações sociais. A atribuição de fins ao Estado significa, praticamente, sua justificação, sua legitimação material. De acordo com Jellinek, os fins do Estado não servem para determinar o que acontecerá, mas para determinar o que não deve ser feito. (...)

Na questão dos fins do Estado, o conceito-chave do Estado Social é a distribuição. O papel primordial do Estado Social é o de promover a integração da sociedade nacional, ou seja, ‘el proceso constantemente renovado de conversión de una pluralidad en una unidad sin perjuicio de la capacidad de autodeterminación de las partes.’ (...)

A fixação constitucional dos objetivos da República no art. 3º insere-se neste contexto de legitimação do Estado pela capacidade de realizar fins predeterminados, cuja realização se dá por meio de políticas públicas e programas de ação estatal. O próprio fundamento das políticas públicas, segundo Maria Paula Dallari Bucci, é a existência dos direitos sociais, que se concretizam através de prestações positivas do Estado, e o conceito de desenvolvimento nacional, que é a principal política pública, conformando e harmonizando todas as demais.” (BERCOVICI, G. Constituição econômica e desenvolvimento – uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros Editores. 2005,  p. 106-107.)

[9] RAWLS, John. O liberalismo político. São Paulo: Editora Ática, 2000, 430 p.

[10] RAWLS, John. O liberalismo político. São Paulo: Editora Ática, 2000, p. 25-26.

[11] “(...) partimos da ideia organizadora de sociedade como um sistema equitativo de cooperação entre pessoas livres e iguais. Surge de imediato a questão de como determinar os termos equitativos de cooperação. (...) Os termos equitativos d cooperação social provêm de um acordo celebrado por aqueles comprometidos com ela. Um dos motivos por que isso é assim é que, dado o pressuposto do pluralismo razoável, os cidadãos não podem concordar com nenhuma autoridade moral, como um texto sagrado ou um instituição ou tradição religiosa. Tampouco podem concordar com uma ordem de valores morais ou com os ditames do que alguns consideram como lei natural.. Portanto, não há outra alternativa melhor senão um acordo entre os próprios cidadãos, concertado em condições justas para todos.” (RAWLS, John. Justiça como Equidade: Uma Reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 20-21.)

[12] “É um erro grave não distinguir entre a ideia de uma sociedade política democrática e a ideia de comunidade. Uma sociedade democrática sem dúvida acolhe muitas comunidades dentro dela, e tenta ser um mundo social dentro do qual a diversidade possa florescer num clima de entendimento mútuo e concórdia; mas essa sociedade não é em si uma comunidade, nem pode sê-lo tendo em vista o fato do pluralismo razoável. Isso só seria possível mediante o uso opressivo do poder governamental, o que é incompatível com as liberdades democráticas básicas.” (RAWLS, John. Justiça como Equidade: Uma Reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 29.)

[13] O segundo princípio de justiça equitativa aparentemente nos (posição do articulista) remete à noção de “ações afirmativas” já que afirma de modo categórico que as desigualdades existentes devem representar o maior benefício possível aos membros menos privilegiados da sociedade.

[14] RAWLS, John. O liberalismo político. São Paulo: Editora Ática, 2000, p. 47-48.

[15] “Cada um desses princípios regula as instituições numa esfera particular, não apenas em relação aos direitos, liberdades e oportunidades básicos, mas também no que diz respeito às reivindicações de igualdade; a segunda parte do segundo princípio, por sua vez, sublinha o valor dessas garantias institucionais. Juntos, os dois princípios regulam as instituições básicas que realizam esses valores, conferindo-se ao primeiro prioridade sobre o segundo.

2. Uma longa explanação seria necessária para esclarecer o significado e a aplicação desses princípios. Como isso não constitui o tema destas conferências, faço apenas alguns comentários. Primeiro, vejo esses princípios como manifestações do conteúdo de uma concepção política liberal de justiça. O teor de uma tal concepção é definido por três características principais: a) especificação de certos direitos, liberdades e oportunidades básicos (de um tipo que conhecemos dos regimes democráticos constitucionais); b) atribuição de uma prioridade especial a esses direitos, liberdades e oportunidades, principalmente no que diz respeito às exigências do bem geral e de valores perfeccionistas; e c) medidas que assegurem a todos os cidadãos os meios polivalentes adequados para que suas liberdades e oportunidades sejam efetivamente postas em prática. Esses elementos podem ser compreendidos de diversas maneiras, uma vez que existem muitas variantes de liberalismo.

Além disso, os dois princípios expressam uma forma igualitária de liberalismo em virtude de três elementos. São eles: a) a garantia do valor equitativo das liberdades políticas, de modo que não sejam puramente formais; b) igualdade equitativa (e, é bom que se diga, não meramente formal) de oportunidades; e, finalmente, c) o chamado princípio da diferença, segundo o qual as desigualdades sociais e econômicas associadas aos cargos e posições devem ser ajustadas de tal modo, que seja qual for o nível dessas desigualdades, grande ou pequeno, devem representar o maior benefício possível para os membros menos privilegiados da sociedade.” (RAWL, John. O liberalismo político. São Paulo: Editora Ática, 2000, p. 48-49)

[16] O próprio Rawls define esse conceito: “Suponhamos, primeiro, que as pessoas razoáveis professem somente doutrinas abrangentes razoáveis. Precisamos, então, de uma definição dessas doutrinas. Elas têm traços essenciais. Um deles é que uma doutrina razoável é um exercício de razão teórica: diz respeito aos principais aspectos religiosos, filosóficos e morais da vida humana, de uma forma mais ou menos consistente e coerente. Organiza e caracteriza valores reconhecidos de modo que sejam compatíveis entre si e expressem uma visão de mundo inteligível. (...) Na medida em que seleciona os valores que são considerados especialmente significativos e a forma de equilibrá-los quando conflitam, uma doutrina abrangente e razoável também é um exercício de razão prática. (...) Finalmente,uma terceira característica é que, embora uma visão abrangente e razoável não seja necessariamente fixa e inalterável, em geral faz parte ou se baseia numa tradição de pensamento e doutrina. Embora seja estável ao longo do tempo, tende a evoluir lentamente à luz daquilo que, de seu ponto de vista, vê como boas razões, e como razões suficientes.” (RAWLS, John. O liberalismo político. São Paulo: Editora Ática, 2000, p. 103)

[17] RAWLS, John. Justiça como Equidade: Uma Reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 21-22.

[18] “A solução do problema está vinculada à ideia de posição original. Com efeito, o argumento em Uma Teoria da Justiça utiliza como o seu ‘lugar’ central – a partir do qual os outros aspectos serão solucionados – a ideia de uma situação inicial de contrato marcada pelo véu da ignorância, quer dizer, pelo desconhecimento daqueles que estão na posição inicial de todas as informações particulares sobre a sua sociedade. As pessoas na posição inicial teriam apenas informações genéricas a respeito da sociedade em geral: elas saberiam, por exemplo, que as pessoas ocupariam diferentes posições sociais e que essas posições seriam desiguais, sendo que alguns seriam mais favorecidos do que outros; elas saberiam também que os indivíduos possuiriam capacidades desiguais etc. O que elas não sabem – e isso faria toda a diferença – é qual posição cada uma delas teria dentro da sociedade real. Em outras palavras, embora elas soubessem da desigualdade inevitável, elas não saberiam se essa desigualdade as beneficiaria ou não. Isso garantiria aos participantes da posição inicial uma posição equitativa. A partir daí, o indivíduo teria de decidir os princípios da estrutura normativa da sociedade que garantissem, da melhor forma possível, os seus interesses. É importante enfatizar que essas decisões seriam tomadas numa situação hipotética, num estado em que o indivíduo tem informações insuficientes sobre quais seriam, concretamente, os seus interesses.” (ABREU, Luiz Eduardo de Lacerda. Qual o sentido de Rawls para nós? Brasília: Senado Federal. Revista de Informação Legislativa, v.43, n. 172 (out-dez/2006), p. 151.)

[19]“Realmente, se o conceito de interesse público expressasse a soma dos interesses individuais, a existência do Estado seria um mal necessário, apenas tolerado como instrumento de cooperação impositiva para realizá-los. Se fosse um interesse próprio do Estado, neste caso não se identificaria com o da sociedade e representaria a negação do princípio republicano. Finalmente, se o interesse público se identificasse com o dos governantes, neste caso o Estado não passaria de um instrumento de opressão, negando-se o princípio democrático.” (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: Parte Introdutória, Parte Geral e Parte Especial. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 276)

[20]MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: Parte Introdutória, Parte Geral e Parte Especial. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.  p. 276-277.

[21]Vide citação 22, parte final.

[22]“A legitimidade conferida pelo voto popular garante ao Presidente da República e aos congressistas, no plano federal, a prerrogativa, observadas suas competências constitucionais, em razão do Estado democrático de direito, da definição das políticas a serem implementadas pela União, conforme venham a ser fixadas em lei ou outros atos normativos válidos no sistema constitucional brasileiro. Estes, por sua vez, quando editados, informam ao administrador público o interesse público que deve ser por ele perseguido na implementação das ações sob sua atribuição.” (FREITAS, Marcelo de Siqueira. A Procuradoria-Geral Federal e a Defesa das Políticas e do Interesse Públicos a Cargo da Administração Indireta.  Revista da AGU, Ano VII – Número 17, Jul/set. 2008, p. 14.)

[23]“Estruturada para atingir o bem comum e assegurar um mínimo de direitos e garantias para o indivíduo, a Administração Pública tem a incumbência intrínseca de executar serviços que restem o matiz da necessidade e comodidade públicas, voltando seus esforços para o incremento e desenvolvimento de atividades que lhes são impostas pela sociedade.

(...)

À evidência, todo ato administrativo deve atender a finalidade imposta ex lege. A Administração Pública só se justifica como fautriz da realização do interesse coletivo se seus atos forem dirigidos para a consecução do fim público a que se destina. Daí a proibição de o administrador agir em desconformidade com a finalidade da lei, cujo cumprimento lhe incumbe preservar.

(...)

Se é induvidoso que a atividade administrativa deve pautar-se de acordo com os enunciados inscritos em normas jurídicas, não é menos indubitável que as finalidades a serem alcançadas pelo Poder Público resultam de previsões legais que impõem como obrigatório o seu atendimento.

Ora, se a atividade administrativa depende da lei e a própria ordem normativa propõe uma gama de finalidades a serem atingidas, estas mesmas finalidades se afiguram como obrigatórias. Logo, a busca de tais finalidades pela Administração tem o caráter de dever que lhe é imposto ex vi legis.

O fim legal, que é necessariamente um fim de interesse público, sempre está ‘na base de todo ato administrativo (até mesmo os aparentemente individualíssimos no seu alcance, repercutem sobre o interesse coletivo ou a ele se ligam, ainda que remotamente)’, constituindo, assim, um dos elementos essenciais à sua validade.” (CUNHA, Leonardo José Carneiro da.  A Fazenda Pública em Juízo. 6. ed. São Paulo: Dialética, 2008. p. 505-506).

[24] RAWLS, John. Justiça como Equidade: Uma Reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 67-68.

[25] Postulação do articulista com o exclusivo objetivo de promover a continuidade lógica ao argumento desenvolvido.

[26] Interessante passagem do “Justiça como Equidade” trata da fixação dos elementos constitucionais tidos por essenciais. Nesse trecho, Rawls em rápidas palavras discute a relação do governo com a sua oposição, que ele chama de “leal”. “Leal” porque de acordo com a fixação dos referidos elementos constitucionais essenciais, que como a própria denominação denota são necessários, inclusive, à existência da própria oposição. Observe-se: “Uma maneira de entender o cerne da ideia dos elementos constitucionais essenciais é vinculá-la com a ideia de oposição leal, ela mesma uma ideia essencial em um regime constitucional. O governo e sua oposição leal concordam quanto a esses elementos constitucionais essenciais. É essa concordância que torna o governo legítimo em intenção e a oposição, ela em sua oposição. Quando a lealdade de ambos é firme e seu acordo mutuamente reconhecido, um regime constitucional está assegurado. As divergências sobre os princípios mais apropriados de justiça distributiva no sentido estrito e sobre os ideais que a eles subjazem podem ser arbitrados, embora nem sempre de modo apropriado, no interior do quadro político existente.” (RAWLS, John. Justiça como Equidade: Uma Reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 69.)

[27] O preâmbulo da Constituição, guia hermenêutico dado ao leitor do texto da Lei Fundamental, encontra-se assim disposto: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (grifos nossos)

[28] RAWLS, John. O liberalismo político. São Paulo: Editora Ática, 2000, p. 179-180.

[29] Mister a transcrição de outra passagem do “Liberalismo Político” a fim de esclarecer pontos importantes acerca do consenso sobreposto: “Antes de começar, lembro os dois pontos principais da ideia de um consenso sobreposto. O primeiro é que procuramos um consenso entre doutrinas abrangentes razoáveis (em contraposição a não-razoáveis ou irracionais). O fato crucial não é o fato do pluralismo em si, mas do pluralismo razoável (...). O liberalismo político, como já disse, vê essa diversidade como o resultado de longo prazo das faculdades da razão humana situada num contexto de instituições livres duradouras. O fato do pluralismo razoável não é uma condição desafortunada da vida humana, como poderíamos dizer do pluralismo como tal, que admite doutrinas que não são apenas irracionais, mas absurdas e agressivas. Ao articular uma concepção política de tal maneira que ela possa conquistar um consenso sobreposto, não a adaptamos à irracionalidade existente, mas ao fato do pluralismo razoável, que resulta do exercício livre da razão humana em condições de liberdade.

Quanto ao segundo ponto relativo a um consenso sobreposto, lembre-se de que, (...), numa democracia constitucional, a concepção pública de justiça deve ser, tanto quanto possível, apresentada como independente das doutrinas religiosas, filosóficas e morais abrangentes. Isso significa que a justiça como equidade deve ser entendida, no primeiro estágio de sua exposição, como uma visão que se sustenta por si mesma e que expressa uma concepção política de justiça. Não oferece uma doutrina religiosa, metafísica ou epistemológica específica além daquela implícita na própria concepção política. Como observamos (...), a concepção política é um módulo, uma parte constituinte essencial que, sob formas diferentes, se encaixa em, e pode receber o apoio de, várias doutrinas abrangentes e razoáveis que perduram na sociedade regulada por ela.” (RAWLS, John. O liberalismo político. São Paulo: Editora Ática, 2000, p. 190)


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Filipo Bruno Silva. A cooperação social como base de uma sociedade justa e equânime: finalidades públicas com alicerce na doutrina de Rawls. Uma ideia inicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3398, 20 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22843. Acesso em: 25 abr. 2024.