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A contribuição para o PIS e a COFINS nas receitas de vendas de mercadorias dentro da Zona Franca de Manaus e a imunidade do art. 149, §2º, I, da Constituição

A contribuição para o PIS e a COFINS nas receitas de vendas de mercadorias dentro da Zona Franca de Manaus e a imunidade do art. 149, §2º, I, da Constituição

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A ZFM foi pensada como uma zona de exclusão de tributos extrafiscais, notadamente II e IPI, mas não de contribuições sociais de Seguridade Social, que não se prestam, a princípio, à intervenção do Estado na economia, a não ser que justificadamente e com amparo em disposição legal expressa e inequívoca.

Muito se tem questionado a tributação das receitas de empresas sediadas em Manaus decorrentes de vendas de mercadorias dentro do espaço geográfico de exceção fiscal intitulado Zona Franca de Manaus (ZFM) a título de contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e de contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), ambos tributos que têm o “faturamento” como base de cálculo.

Demandas de massa têm sido ajuizadas perante a Justiça Federal do Amazonas, em manejo de elaborado arrazoado jurídico, fundamentado na lei de instituição da ZFM, Decreto-Lei nº 288/67, e na própria Constituição Federal.

O ponto de partida da tese é a equiparação à exportação venda feita à ZFM, realizada pelo art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67, o que levou ao reconhecimento de que as remessas de mercadorias de empresas nacionais de fora da ZFM com destino à ZFM recebessem tratamento tributário típico de exportação, com desoneração decorrente, principalmente, da imunidade do art. 149, §2º, I, da Constituição, sem embargo de isenções e “alíquotas zero” previstas em leis esparsas e na própria Lei da ZFM, o Decreto-Lei nº 288/67.

A construção, sob a perspectiva constitucional, considera que a lei equiparou à exportação qualquer venda à ZFM, não diferenciado se feito por empresas de fora da ZFM com destino à ZFM ou internamente, pelas empresas locais, a justificar também a desoneração das receitas destas últimas decorrentes de vendas em Manaus, a rigor dos incentivos de exportação.

Entendem, assim, os contribuintes, acompanhados por significativa parcela do Judiciário, que não há como diferenciar os fatos geradores realizados por empresas de fora da ZFM, ao venderem produtos com destino à ZFM, dos realizados pelas empresas de Manaus, ao venderem suas mercadorias internamente, dentro, pois, da zona de exceção fiscal. Sendo idênticos os fatos geradores, ambos equiparados à exportação nos termos do art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67, também as receitas das empresas de Manaus, oriundas das vendas realizadas localmente, estariam imunizadas pelo previsto no art. 149, §2º, I, da Constituição da República.

Não há dúvida de que essa é uma bem formulada articulação jurídica, razão pela qual já alcança sucesso não somente no Judiciário local, bastante sensível às demandas envolvendo os incentivos da ZFM e as empresas beneficiadas, mas também no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e no Superior Tribunal de Justiça, sobretudo em razão do julgamento, pela Segunda Turma de Direito Público, do REsp 1.276.540/AM.

Contudo, em que pese a lucidez jurídica que demonstra ter a tese, é cabível uma análise mais profunda acerca dos limites jurídicos dessa equiparação legal à exportação, o que pode levar à fragilização de seus pilares.

Nestas linhas, é isso que se buscará fazer, sendo certo, outrossim, que a questão também envolve matéria infraconstitucional, que será objeto de outro trabalho.


1. Da Zona Fanca de Manaus, da Imunidade do Art. 149, §2º, I, da Constituição e Da Equiparação Prevista no Art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67

A Zona Franca de Manaus (ZFM) é uma zona de exceção tributária, consistindo em uma área de livre comércio de importação e exportação criada com o fim de promover o desenvolvimento da região amazônica, isolada dos grandes centros do país e, por isso mesmo, necessitada de incentivos que lhe oportunizem acompanhar o ritmo de crescimento e desenvolvimento nacional. Obedece, assim, o objetivo da República Federativa do Brasil expresso no art. 3º, inciso III, e a previsão constante da parte final do inciso I do art. 151, todos da CF/88, que assim preveem:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

...

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

Art. 151. É vedado à União:

I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;

...”

É o que se extrai, também, do art. 1º do Decreto-Lei nº 288/67, sua lei instituidora, o qual anuncia:

“Art 1º A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatôres locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos.”

Com efeito, a ZFM foi instituída ainda nos anos sessenta do século passado, tendo sido recepcionada pelo sistema constitucional atual não somente pela via implícita, em decorrência dos dispositivos citados, mas também de forma expressa, por conduto do art. 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que assegura sua permanência “com suas características de área de livre comércio de exportação e importação, e de incentivos fiscais” até 2013, prazo postergado em mais dez anos pelo incluso art. 92 do mesmo ADCT.

A Constituição, ao manter a ZFM, não estabeleceu os benefícios fiscais que lhe configurariam, remetendo-os à disciplina de lei, lei essa que, é prescindível dizer, reclama interpretação literal, a teor do disposto no art. 111, I e II, do CTN[i].

Ao criar a ZFM, o Decreto-Lei nº 288/67 instituiu um sistema de isenções de “impostos” aduaneiros e de produção, em especial o imposto de importação e o IPI. Eis o que consta de seu art. 3º:

“Art 3º A entrada de mercadorias estrangeiras na Zona Franca, destinadas a seu consumo interno, industrialização em qualquer grau, inclusive beneficiamento, agropecuária, pesca, instalação e operação de indústrias e serviços de qualquer natureza e a estocagem para reexportação, será isenta dos impostos de importação, e sôbre produtos industrializados.”

Destarte, a Zona Franca de Manaus foi projetada e pensada como uma zona de exclusão fiscal de II e IPI e só, até porque o modelo ZFM foi criada em 1967, com o advento do Decreto-Lei nº 288/67, portanto antes da instituição da contribuição para o PIS e da COFINS, de 1970 e 1991, respectivamente, surgidas, em princípio, pelas Leis Complementares nº 07/70 e 70/91. Além disso, é dispensável dizer, as isenções, mormente por serem interpretadas restritivamente, obedecem o postulado da contemporaneidade, não se estendendo a tributos outros criados posteriormente à edição da lei isentiva, conforme disposição do art. 177, II, do CTN[ii].

Contudo, a despeito de a contribuição para o PIS e a COFINS sucederem a instituição do modelo ZFM e não estarem previstas nos benefícios trazidos pelo Decreto-Lei nº 288/67, não ficaram inertes aos incentivos da região manauara, sofrendo desonerações decorrentes de leis esparsas e de imunidades constitucionais.

Segundo a doutrina de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, “As imunidades são verdadeiras limitações à competência tributária das pessoas políticas, obstando a própria atividade legislativa, impositiva sobre determinados bens, pessoas, operações e serviços. Pode-se afirmar, simplificadamente, que caracteriza a imunidade o fato de a Constituição, direitamente, excluir parcela da competência das pessoas políticas que, não fosse a regra imunizante, estariam aptas a instituir tributo sobre aquele ato ou fato.”[iii]

Nesse diapasão, não há dúvida de que o §2º, I, da regra matriz das contribuições (art. 149 da Constituição) traz hipótese de imunidade tributária, ao afastar a possibilidade de incidência das contribuições especiais, principalmente as CIDEs e as contribuições sociais, das receitas derivadas de exportação. Eis a previsão:

“Art. 149. ...

...

§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

...”

Por sua vez, o art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67, como dito, equipara à exportação a venda de produtos originários de qualquer estado brasileiro destinadas à ZFM. Vale transcrever:

“Art 4º A exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro.”

Evidentemente, portanto, que as receitas decorrentes de vendas de produtos nacionais para a ZFM, em razão da equiparação legal, são imunizados pela regra abstratamente prevista no inciso I do §2º do art. 149 da Constituição, passando a receber tratamento tributário de uma exportação típica.

Todavia, a projeção desse raciocínio às empresas de Manaus ao venderem produtos internamente exige parcimônia.

Ora, a exportação, enquanto atividade imunizada, presume a remessa de um bem nacional para o exterior. Hugo de Brito Machado, ao comentar o imposto de exportação, esclarece que “O fato gerador desse imposto é a saída do território nacional”[iv]. Leandro Paulsen e José Eduardo Soares de Melo, ao comentarem o mesmo tributo e, mais especificamente, o termo “para o exterior”, previsto no art. 23 do CTN, destacam:

“A expressão ‘para o exterior’ deixa claro que só é admissível a tributação da saída de produtos do país para outro, jamais de um Estado-Membro para outro Estado-Membro, como se dava sob a égide da Constituição de 1891, ou mesmo de um município para outro.”[v]

Ocorre que, consoante ponderam os mesmo mestres, essa regra sofre exceção quando se trata da saída de produtos de estados-membros para a Zona Franca de Manaus (ZFM), já que o art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67 equipara à exportação a remessa de produtos de qualquer região do país para a ZFM. Continuam a lição:

“... A legislação, contudo, ainda se vale do termo “exportação” no âmbito interno. É interessante atentar para os termos em que o Decreto-Lei 288/67, que regula a Zona Franca de Manaus, faz referência à exportação para a Zona Franca de Manaus, equiparando-a a uma exportação brasileira para o estrangeiro: (...)”[vi]

Porém, a caracterização da exportação, mesmo com a citada equiparação legal, não deixou de exigir o trânsito de uma mercadoria de um lugar para outro. Permanece imprescindível, para que haja exportação, típica ou por equiparação, a ocorrência de uma operação de saída de um produto, seja do território nacional para outro país seja de qualquer estado-membro brasileiro para a Zona Franca de Manaus, visando sua incorporação na economia do lugar de destino. Ensinam Leandro Paulsen e José Eduardo Soares de Melo que:

“Exportar, conforme o Aurélio, é ‘Mandar, transportar para fora de um país, estado ou município’ (artigos nele produzidos). ‘Exportação’ é o ato de exportar. Mas, assim como na importação não basta a transposição da fronteira, o simples ingresso físico, na exportação, para sua configuração, não basta a saída física do produto do território nacional, exigindo-se sua saída para fins de incorporação à economia interna de outro país. ...

... saída de produtos do país para outro, ...”[vii]

Em resumo, o que insta considerar é que a exportação se configura com uma operação de "saída" de mercadorias de um local para outro (sentido de dentro para fora). Ou seja, é quando ocorre uma "externação" de produtos.

Por sua vez, se a operação é de entrada de mercadorias (sentido de fora para dentro), não há exportação, mas sim importação. Na hipótese, a operação é de "entrada"; ocorre uma "internação".

Tendo-se por base a atividade de um fabricante de produtos em São Paulo, por exemplo, ao vender da origem para a ZFM, é clara a configuração de uma atividade equiparada a exportação, nos termos do art. 4º do Dec. Lei 288/67, já que está destinando mercadoria fabricada em seu estado para consumo ou processamento na ZFM. O fabricante paulista realiza operação de “saída” ou “externação”, “movimento de dentro para fora”.

Já o destinatário dessa mercadoria na ZFM, longe de ser um exportador, é o importador da operação, que promove uma “entrada” de mercadoria (sentido de fora para dentro).

Equiparar-se-ia a atividade deste a uma exportação se a empresa re-exportasse os mesmos produtos que importa, já que, no próprio art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67, há a previsão de “reexportação para o estrangeiro”, o chamado drawback. Se não promove nova saída do produto para outras regiões ou países, não realizando drawback, não há atividade de exportação.

No entanto, decisões judiciais estão sendo exaradas abstraindo-se a origem da mercadoria, se de fora ou de dentro da ZFM, e concentrando-se no ato seguinte da atividade econômica: a venda desses produtos pela empresa de Manaus para o consumo dentro da ZFM. Aduz-se que as receitas decorrentes dessa atividade são fatos geradores idênticos aos realizados pelas empresas de fora que vendem para a ZFM.

Não se questiona que é sim uma receita decorrente de "venda para a ZFM". Porém, é uma "venda da ZFM para a ZFM".

Questiona-se: nessa hipótese, há "externação" de mercadoria? Há "saída" de mercadoria de um local para internação em outro?

Evidentemente que essa nuança diferencia o fato gerador realizado pela empresa de fora da ZFM que vende para dentro da ZFM do realizado pela empresa de dentro da ZFM que vende para dentro mesmo da ZFM.

Com efeito, não são iguais os fatos geradores.

Não é possível se entender como exportação a venda de uma mercadoria de um local para este mesmo local. A lei equiparou à exportação a venda de fora da ZFM para dentro da ZFM, mas não equiparou à exportação a venda de dentro da ZFM para dentro mesmo da ZFM.

Se, para que haja exportação, exige-se um movimento de mercadoria de dentro para fora, não há como entender haver exportação em um movimento de fora para dentro e, menos ainda, em um movimento de dentro para dentro, ou um não movimento de mercadoria.

Neste último caso, não há nem importação nem exportação, há uma operação local.

A lei não equiparou tal operação local à exportação e nem poderia fazê-lo. Acaso o fizesse, desnaturaria o próprio conceito, a definição e o alcance do instituto comercial da exportação, em ofensa direta à proibição do art. 110 do CTN, que assim estabelece:

"Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."

Destarte, a tributação da contribuição para o  PIS e da COFINS sobre receitas de empresas da ZFM decorrentes de vendas realizadas localmente não ofende a imunidade do art. 149, §2º, I, da CF/88.


2. Da Análise Sistêmico-Constitucional da Imunidade do Art. 149, §2º, I, da Constituição

Vale acrescentar que Imunidades não se presumem, mas apenas existem quando previstas, explicitamente, pela Constituição.

Por isso mesmo, a interpretação das imunidades, assim como a das isenções, conforme alhures ponderado, jamais pode ser irresponsavelmente extensiva, mas sim literal, mormente por implicar, em última análise, redução de arrecadação pública e, portanto, diminuição de recursos públicos.

Nesse sentido, também ponderou o Min. Ricardo Lewandowski, ao relatar o RE 566.259/RS, que apreciou exatamente a imunidade do art. 149, §2º, I, da CF e cujo início de julgamento foi noticiado no Informativo nº 532 do STF.

Na oportunidade, o Min. Lewandowski assinalou que a interpretação das imunidades há de ser não apenas restritiva, mas também teleológica e ressaltou que o interesse do constituinte ao outorgar a imunidade do art. 149, §2º, I, foi incentivar a exportação, concedendo, pois, o benefício ao exportador, e somente a ele, do que se conclui não ser possível sua extensão a quem assim não se caracterize inequivocamente.

Destacou, também, o nobre ministro, que, considerando que a imunidade afasta a tributação (já que limita a própria competência tributária ou seu exercício[viii]), à aplicação de imunidade de contribuições sociais de Seguridade Social há de preceder um sopesamento de valores.

É que as imunidades, em geral, têm uma finalidade econômica (como no caso da imunidade da exportação, que objetiva incentivar as exportação do país, ou o setor produtivo exportador). Já as contribuições sociais são exemplos dos chamados “tributos finalísticos”, instituídos com a finalidade específica de prover de recursos ações estatais também específicas. Daí também serem chamados de “tributos de arrecadação vinculada”, pois o produto de sua arrecadação é necessariamente destinado a um programa de Estado voltado à implementação de políticas públicas específicas, concretizando, assim, direitos sociais (direitos fundamentais de segunda geração, de cunho prestacional e que se voltam à satisfação do imperativo da igualdade material)[ix]. Satisfazem o Postulado da Dignidade da Pessoa Humana. São pautadas, portanto, pelo Princípio da Solidariedade, segundo o qual toda a sociedade, principalmente as camadas mais abastadas, abastecem de recursos os programas de políticas públicas destinados, principalmente, aos setores mais desfavorecidos.

Ora, o princípio da solidariedade há de prevalecer frente a qualquer outro de cunho econômico, haja vista satisfazer o postulado da Dignidade da Pessoa Humana.

A contribuição para o PIS e a COFINS são contribuições sociais, de Seguridade Social, a primeira voltada a prover de recursos o programa do seguro-desemprego e o abono anual de que trata o §3º do art. 239 da Constituição, nos termos do previsto no caput, e a segunda a fazer o mesmo quanto às demais ações públicas relativas à saúde, previdência e assistência social (CF, arts. 194 e 195, I, b).

A outra conclusão não se pode chegar senão a de que a imunidade do art. 149, §2º, I, da CF/88 não pode ser estendida de modo a subverter essa ordem de prioridades.

No ensejo, é cabível transcrever o artigo publicado no Informativo nº 532 do STF, cuja inteligência é de peculiar aplicação ao presente caso:

“Art. 149, § 2º, I da CF e CPMF

O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute se a imunidade prevista no art. 149, § 2º, I, da CF, na redação dada pela EC 33/2001, alcança a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - CPMF. O Min. Ricardo Lewandowski, relator, negou provimento ao recurso. Salientou, inicialmente, que, em se tratando de imunidade tributária, a interpretação do texto há de ser não apenas restritiva, mas, sobretudo, teleológica, devendo o exegeta atentar para os fins que o legislador buscou lograr com a benesse fiscal. Ressaltou que o inciso I do § 2º do art. 149 da CF teve como objetivo incentivar as exportações brasileiras, contribuindo para o bom desempenho do balanço de pagamentos do País, e, por conseguinte, para o desenvolvimento econômico nacional, mediante a desoneração das receitas oriundas dessas atividades, mas tão-somente quanto às contribuições expressamente referidas no caput do art. 149 da CF, dentre as quais não se inclui a CPMF, que tem como destinação o custeio da Seguridade Social. Asseverou que as movimentações financeiras são fatos que decorrem das receitas, mas que com elas não se confundem, por consubstanciarem hipóteses de incidência tributária diversas. Esclareceu que a hipótese de incidência da CPMF é a movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, a teor do art. 74 do ADCT, inserido pela EC 12/96, cujo regulamento é dado pela Lei 9.311/96, alterada pela Lei 9.539/97, nada tendo a ver, a não ser indiretamente, com as receitas resultantes de exportações. Aduziu, ainda, que, o financiamento da Seguridade Social está fundado no princípio da solidariedade e que, quando se trata de reconhecer a imunidade relativamente a contribuições sociais, é necessário sempre sopesar valores, sendo prescindível afirmar que o valor da solidariedade prepondera sobre qualquer outro de cunho econômico, haja vista estar ele diretamente referenciado ao princípio da dignidade humana. Por fim, registrou que o art. 85 do ADCT, inserido pela EC 37/2002, previu, de forma minuciosa, várias hipóteses de não-incidência da CPMF, não tendo, entretanto, feito qualquer menção às receitas decorrentes de exportação, silêncio eloqüente que tem de ser levado em consideração para a correta exegese do preceito analisado. Após, pediu vista dos autos a Min. Ellen Gracie.RE 566259/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11.12.2008. (RE-566259)”

O RE comentado foi julgado em 12/08/2010, DJe 24/09/2010, pelo Plenário do STF e nos termos do voto do Min. Relator, cuja ratio é peculiarmente chamada ao caso da extensão da imunidade do art. 149, §2º, I, da CF às receitas da empresas de Manaus decorrente de venda de produtos internamente, no âmbito geográfico da ZFM.

Aliás, é no ensejo que se faz salutar chamar a atenção para o risco da consolidação judicial da tese usada pelas empresas da ZFM, a qual possibilitará que nenhuma empresa sediada em Manaus, responsável pelo sexto maior PIB municipal do país, recolha contribuições para o PIS e da COFINS. Como visto, os benefícios fiscais de incentivo à ZFM não se voltam a isso. Seria um grande calote institucionalizado, pois realizado sob o manto judicial, e de cunho não somente tributário, mas social, mormente porque desfalcando a Seguridade Social. Decerto, o impacto causado superaria o de escândalos de fraudes históricos, como o caso da Procuradora Georgina de Freitas, descoberto pela "Operação Farizeu" no início dos anos 90,  só para citar exemplo pertinente à Seguridade. Dado o volume da arrecadação tributária decorrente da contribuição para o PIS e da COFINS em Manaus, não há dúvida que a extensão judicial dessa imunidade às vendas locais manauaras faria de escândalos como o do “Mensalão” e o dos “Anões do Orçamento” fraudes de prejuízos financeiros diminutos.

Soma-se a tudo isso o caráter fiscal dos tributos envolvidos.

É sabido, "O tributo possui finalidade fiscal quando visa precipuamente arrecadar, carrear recursos para os cofres públicos", como ensina Ricardo Alexandre[x]. É o caso da contribuição para o PIS e da COFINS, as quais, reitera-se, não somente se voltam à arrecadação de dinheiro, mas à arrecadação de dinheiro destinado à satisfação do compromisso estatal com a Seguridade Social, ao que está vinculada o produto desta arrecadação.

Não é corriqueiro que esse tipo de tributo seja utilizado como forma de intervenção do Estado na Economia, como é o caso da utilização de isenções e imunidades como forma de desenvolvimento regional ou de um determinado setor produtivo (e.g, o exportador).

Primeiro porque abrir mão da arrecadação destes tributos em prol de um desenvolvimento econômico setorial seria um terrível contrassenso, uma absoluta inversão de valores, consubstanciada no desprezo de compromissos sociais em prol de avanços econômicos. Sobre isso se manifestou o Min. Ricardo Lewandowski quando do julgamento do RE 566.259/RS, acima citado.

Ademais, se uma região precisa de incentivos para o crescimento econômico é porque, decerto, é mais pobre do que outras. E se tem mais tendência à pauperização, é com mais razão que não pode abdicar de tributos finalísticos sociais. Sua população, por ser mais carente, tem bem mais dependência, e.g, do serviço público de saúde e de benefícios assistenciais, componentes do sistema de Seguridade Social, nos termos do art. 194 da CF.

Ora, não é contraditório que, em uma região que precisa mais da Seguridade Social, se permita a desoneração tributária exatamente na parte voltada ao seu financiamento?

Em segundo lugar, existem tributos especialmente criados para utilização pelo Estado na condução da economia nacional e regional, os chamados "tributos de finalidade extrafiscal".

Ao contrário do que muitos pensam, a intervenção do Estado no Domínio Econômico, mesmo em um Estado cujo meio de produção seja o capitalista, em se falando de uma Constituição Dirigente como a brasileira, é permanente e forte, sendo excepcional tão-somente a intervenção direta, por absorção ou participação do mercado, nos termos do art. 173 da CF/88. A intervenção indireta do Estado na Economia é um imperativo que decorre de todo o Capítulo I do Título VII da Constituição, que trata da Ordem Econômica e Financeira.

A esse respeito, são pertinentes as lições de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino extraídas da obra Direito Constitucional Descomplicado, transcreve-se:

“A intervenção do Estado no setor econômico, dessarte, é hoje vista como um fato inelutável. As forças econômicas, quando não direcionadas de algum modo, além de solaparem a livre concorrência e acarretarem a concentração de quase toda a riqueza produzida pela nação nas mãos de uma diminuta plutocracia (em termos numéricos), podem mostrar-se extremamente prejudiciais à própria economia global do Estado, de que é exemplo mais emblemático a grande depressão da década de 30. Em nenhum Estado, atualmente, é praticado, ou mesmo propugnado, o Liberalismo puro nos moldes dos séculos XVIII e XIX.

A Constituição de 1988 tem como núcleo a dignidade da pessoa humana. ... todos os preceitos constitucionais devem ser interpretados adotando-se como marco referencial a dignidade humana.

Assim, o fato de o constituinte originário haver agrupado normas constitucionais em um título (Título VII), que nominou ‘Da Ordem Econômica e Financeira’, só pode significar a pretensão de, juridicamente, conformar a realidade econômica sob a perspectiva da dignidade humana, por outras palavras, o ordenamento jurídico somente considerará legítima a atividade econômica que tenha como fundamento e objetivo assegurar a todos condições materiais assecuratórias de uma existência digna (mínimo vital).

A Constituição vigente, promulgada em 5 de outubro de 1988, é classificada como uma Constituição tipicamente dirigente. Significa isso que ela não apenas cuidou da estruturação do Estado e do exercício do poder, mas também estabeleceu expressamente os fins que devem ser perseguidos pelo Estado em toda sua atuação.

...

Nossa Constituição de 1988 claramente originou um Estado capitalista. É fundamento da República o valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV). São fundamentos da ordem econômica, dentre outros, a livre iniciativa, a propriedade privada, a livre concorrência (art. 170, caput, e incisos II e IV). Ora, conforme exposto acima, no capitalismo, as forças econômicas, deixadas a seu alvedrio, resultam em concentração de riqueza, anulação da livre concorrência e, sobretudo, em condições materiais de vida miseráveis para a quase totalidade da população. Dessarte, é evidente que o Estado brasileiro tem como uma de suas funções indeclináveis intervir no setor econômico, de sorte a assegurar que a riqueza produzida seja efetivamente um meio de prover a todos uma existência digna.

Em síntese, a Constituição de 1988, conquanto não tenha instituído um Estado Socialista, tampouco fundou um Estado abstencionista nos moldes do liberalismo clássico (na realidade, não existem Estados assim no mundo atual). Nossa ordem jurídico-política prevê e autoriza a intervenção do Estado no domínio econômico de variadas formas, sempre tendo como escopo possibilitar que a dignidade da pessoa humana seja um fundamento efetivo de nossa República, e não simples retórica.”[xi]

Uma dessas formas indiretas de intervenção do Estado no domínio econômico é a chamada “intervenção por indução”, através da qual “o Poder Público direciona a atuação dos agentes econômicos privados, incentivando determinadas atividades e desestimulando outras. A indução, portanto, pode ser positiva (fomento), operando-se por meio de benefícios fiscais, subsídios, construção de infra-estrututra, financiamento de projetos etc., ou pode ser negativa, consubstanciando-se, por exemplo, na imposição ... de tributos ...” (Op. Cit., p. 930). Luís Eduardo Schoueri destaca, em artigo publicado em revista especializada, que, “No art. 170 deste diploma, nós encontramos objetivos de atuação positiva do Estado, como, por exemplo, erradicar desigualdades regionais, diminuir desigualdades sociais, promover a microempresa, garantir a soberania nacional, assegurar o exercício da função social da propriedade. ... Em ambos os casos, surgida a necessidade de intervenção do Estado sobre o domínio econômico, aparece a possibilidade de cobrança de uma CIDE”[xii], por exemplo.

Portanto, a intervenção do Estado no domínio econômico pode ser feita através do manejo tributário, e é recomendável que se dê dessa forma, seja aumentando ou diminuindo tributos para uma dada região ou seguimento econômico seja isentando-os ou mesmo imunizando-os.

Isso é feito, porem, a rigor, através do manejo dos chamados "tributos extrafiscais", exatamente aqueles cuja razão de existir principal não é a arrecadação de recursos para o Estado, mas sim a interferência oficial no domínio econômico, como é o caso das CIDE's (contribuições de intervenção no domínio econômico - cuja designação já evidencia sua finalidade) e também do imposto de importação (II), do imposto de exportação (IE), do imposto sobre produtos industrializados (IPI), do imposto sobre operações financeiras e de câmbio (IOF) etc.

Ensina Ricardo Alexandre que:

"O tributo possui finalidade extrafiscal quando objetiva fundamentalmente intervir numa situação econômica. São os casos, entre outros, dos impostos de importação e exportação, que, antes de arrecadar, objetivam o controle do comércio internacional brasileiro, podendo, às vezes, servir de barreira protetiva da economia nacional e outras de estímulo à importação ou exportação de determinadas espécies de bens.”[xiii]

No mesmo sentido, em brilhante apontamento, o professor Hugo de Brito Machado, verbis:

"Embora se trata de matéria própria das Finanças, não se pode deixar de fazer referência à função dos tributos. O objetivo dos tributos sempre foi o de carrear recursos financeiros para o Estado. No mundo moderno, todavia, o tributo é largamente utilizado com o objetivo de interferir na economia privada, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais diversos na economia. Aliás, registros existem da utilização do tributo, desde a Antiguidade, com a finalidade de interferir nas atividades econômicas; mas os autores em geral apontam o uso do tributo com essa finalidade como um produto do moderno intervencionismo estatal. Essa função intervencionista do tributo dá-se o nome de função extrafiscal.

...

Assim, quanto a seu objetivo, o tributo é:

a) Fiscal, quando seu principal objetivo é a arrecadação de recursos financeiros para o Estado.

b) Extrafiscal, quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros.

c) Parafiscal, ...”[xiv]

Evidentemente que a criação da ZFM foi um nítido exemplo de intervenção estatal no domínio econômico, por indução, com a utilização de incentivos fiscais voltados ao desenvolvimento regional amazônico.

Em sendo assim, é elementar a conclusão de que, ao fazê-lo, o manejo tributário da intervenção econômica deve restringir-se aos tributos extrafiscais, sendo excepcional a utilização, para tanto, de tributos fiscais e desaconselhada a utilização de tributos finalísticos sociais, para evitar o descrédito de compromissos sociais em favor de econômicos.

Mister afirmar, pois, que a ZFM foi pensada e realizada como uma zona de exclusão de tributos extrafiscais, notadamente II e IPI, mas não como zona de exclusão de contribuições sociais de Seguridade Social, que não se prestam, a princípio, à intervenção do Estado na economia, a não ser que justificadamente e com amparo em disposição legal expressa e inequívoca.


3. Da Não Aplicabilidade ao Caso da ADI-MC 2.348 e Dos Precedentes nos Tribunais Superiores – Da Análise do Panorama Jurisprudencial da Questão

Alheio a tudo isso, o Judiciário local amazonense tem chancelado a pretensão de os contribuintes eximirem-se da contribuição para o PIS e da COFINS, embarcando em uma análise superficial por estes provocada acerca da articulação do art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67 com o art. 149, §2º, I, da Constituição. Diz-se amparado em um falso precedente: a Medida Cautelar deferida pelo Supremo Tribunal Federal no bojo da ADI 2.348, de relatoria do Min. Marco Aurélio.

A citada MC em ADI, contudo, é absolutamente indiferente à hipótese.

A MC foi deferida para suspender a validade do termo "Zona Franca de Manaus" contido no inciso I do §2º do art. 14 da MP 2.037-24/2000, o qual, diga-se de passagem, já não foi mais previsto nas reedições posteriores da medida nem na lei de conversão (Lei nº 11.508/2007).

Dispunha o citado dispositivo:

"Art. 14. Em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 1999, são isentas da COFINS as receitas:

I - dos recursos recebidos a título de repasse, oriundos do Orçamento Geral da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, pelas empresas públicas e sociedades de economia mista;

II - a exportação de mercadorias para o exterior;

III - dos serviços prestados a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, cujo pagamento represente ingresso de divisas;

IV - do fornecimento de mercadorias ou serviços para uso ou consumo de bordo em embarcações e aeronaves em tráfego internacional, quando o pagamento for efetuado em moeda conversível;

V - do transporte internacional de cargas ou passageiros;

VI - auferidas pelos estaleiros navais brasileiros nas atividades de construção, conservação modernização, conversão e reparo de embarcações pré-registradas ou registradas no Registro Especial Brasileiro - REB, instituído pela Lei nº 9.432, de 8 de janeiro de 1997;

VII - de frete de mercadorias transportadas entre o País e o exterior pelas embarcações registradas no REB, de que trata o art. 11 da Lei nº 9.432, de 1997;

VIII - de vendas realizadas pelo produtor-vendedor às empresas comerciais exportadoras nos termos do Decreto-Lei nº 1.248, de 29 de novembro de 1972, e alterações posteriores, desde que destinadas ao fim específico de exportação para o exterior;

IX - de vendas, com fim específico de exportação para o exterior, a empresas exportadoras registradas na Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;

X - relativas às atividades próprias das entidades a que se refere o art. 13.

§ 1º São isentas da contribuição para o PIS/PASEP as receitas referidas nos incisos I a IX do caput.

§ 2º As isenções previstas no caput e no parágrafo anterior não alcançam as receitas de vendas efetuadas:

I - a empresa estabelecida na Zona Franca de Manaus, na Amazônia Ocidental ou em área de livre comércio;

II - a empresa estabelecida em zona de processamento de exportação;

III - a estabelecimento industrial, para industrialização de produtos destinados à exportação, ao amparo do art. 3º da Lei nº 8.402, de 8 de janeiro de 1992."

Nota-se, portanto, que o inciso I do §2º do art. 14 da MP 2.037-24/2000 dirigia-se, exclusivamente, a empresas de fora da ZFM que vendem para empresas de dentro da ZFM. Essas eram as empresas que não eram isentas e passaram a ser após a MC na ADI 2.348/AM.

Do contrário, se a ADI-MC 2.348 aproveitasse as empresas sediadas na ZFM que vendem para dentro da ZFM, não precisariam estas ajuizarem tantas demandas judiciais em primeiro grau de jurisdição, já que o controle concentrado de constitucionalidade, realizado pelo STF, é também abstrato, incidindo sobre a norma impugnada, e não sobre o caso concreto. As decisões tomadas, portanto, têm eficácia erga omnes e vinculante a todos os órgãos da Administração Pública, sobretudo a teor do que consta dos termos dos arts. 11, §1º, e 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/99.

Na hipótese de descumprimento por parte do Poder Público, o interesse processual dos contribuintes, mormente por ser mais eficaz, seria na apresentação de Reclamação Constitucional perante o Supremo Tribunal Federal, na forma do art. 102, I, alínea 'l', da Constituição, e não em ações anulatórias, declaratórias ou mandados de segurança perante órgãos judiciais de primeiro grau de jurisdição.

Destarte, a extensão dos efeitos da ADI-MC 2.348 às empresas da ZFM que vendem para a ZFM é indevida.

A verdade é que, nos tribunais superiores, a discussão está longe de ser pacificada em favor dos contribuintes.

O único precedente sobre o qual o STF se manifestou foi exatamente envolvendo empresas de fora da ZFM que vendem para dentro da ZFM, diverso, portanto, do particular (de empresas de dentro da ZFM que vendem para dentro mesmo da ZFM). Trata-se, do recentíssimo RE  568.417 AgR / RS, Rel. Min. Dias Toffoli, de 07/02/2012, DJe 15/03/2012, oportunidade em que a ADI-MC 2.348/AM foi utilizada como precedente. Os outros casos que chegaram à Suprema Corte não tiveram o mérito apreciado, entre eles um do Amazonas: RE 640653 AgR / SC, RE 612537 AgR / RS, RE 512632 AgR-segundo / SC, RE 539590 AgR / PR e RE 625530 AgR / AM.

No STJ, a imensa maioria dos precedentes envolvendo isenção e/ou imunidade das contribuições para o PIS e da COFINS em vendas para ZFM são relativos a empresas de fora da ZFM que vendem para dentro da ZFM, cujas ratio decidendi não se projetam à hipótese. Um único julgado há relativo a empresa de dentro da ZFM, o REsp 1.276.540 / AM, assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ART. 535, II, DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. SÚMULA 284/STF. ARTS. 110, 111, 176 E 177, DO CTN. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DESONERAÇÃO DO PIS E DA COFINS. PRODUTOS DESTINADOS À ZONA FRANCA DE MANAUS. ART. 4º DO DL 288/67. INTERPRETAÇÃO. EMPRESAS SEDIADAS NA PRÓPRIA ZONA FRANCA. CABIMENTO.

....

5. As operações com mercadorias destinadas à Zona Franca de Manaus são equiparadas à exportação para efeitos fiscais, conforme disposto no art. 4º do Decreto-Lei 288/67, de modo que sobre elas não incidem as contribuições ao PIS e à Cofins. Precedentes do STJ.

6. O benefício fiscal também alcança as empresas sediadas na própria Zona Franca de Manaus que vendem seus produtos para outras na mesma localidade. Interpretação calcada nas finalidades que presidiram a criação da Zona Franca, estampadas no próprio DL 288/67, e na observância irrestrita dos princípios constitucionais que impõem o combate às desigualdades sócio-regionais.

7. Recurso especial conhecido em parte e não provido.

(REsp 1276540 / AM, Rel. Min. CASTRO MEIRA (1125), T2, 16/02/2012, DJe 05/03/2012)

Trata-se, porém, de precedente extremamente recente (julgamento em 16/02/2012), julgado por uma das turmas de Direito Público (segunda), e não pela Seção, e sem reconhecimento de recurso repetitivo representativo de controvérsia (portanto não foi dado rito do art. 543-C do CPC). Trata-se de demanda ainda sob discussão no próprio tribunal e pendente de apreciação também pelo STF.

É "exemplo" não somente não-consolidado, mas extremamente frágil. E isso não só porque ainda objeto de discussão e sem reconhecimento de recurso repetitivo, mas por consistir em uma apreciação constitucional realizada pelo STJ.

Como dito, a questão envolve a imunidade do art. 149, §2º, I, da Constituição, o que dá contornos constitucionais à discussão. A própria ementa deixa claro que interpreta o benefício à luz de “princípios constitucionais”. E, sendo assim, a palavra última a ser dada deve ser a do Supremo Tribunal Federal, e não a do Superior Tribunal de Justiça.

Dessarte, é exemplo, e não de precedente.

A Constituição deu aos Tribunais Superiores o importante papel  de interpretação e até complementação do Ordenamento, dentro, por óbvio, de suas áreas de competência, decorrência do Princípio da Conformidade Funcional ou da Justeza, já que são os responsáveis pela uniformização da jurisprudência. Apesar da inocorrência, no Direito pátrio, do princípio da stare decisis típico do constitucionalismo americano (que impõe sejam seguidas as decisões da Suprema Corte), suas decisões devem sim ser seguidas pelos demais juízos e tribunais. Isso porque, sendo uno o Judiciário, divergência com as Cortes Superiores, se de forma descontrolada, podem provocar extrema insegurança jurídica. Ademais, se, segundo os preceitos da própria Constituição Federal, o STF é o guardião da Constituição (art. 102) e o STJ o da legislação infraconstitucional, suas decisões são sim relevantes o suficiente para serem seguidas pelas instâncias inferiores, embora isso não provoque impedimento à atuação no sentido de modificação da jurisprudência.

Todavia, como dito, o STF é o guardião da Constituição e o STJ das normas infraconstitucionais.

Pelo Princípio Constitucional da Conformidade Funcional ou Justeza, fruto das elucubrações do mestre luso J.J. Gomes Canotilho, os órgãos encarregados da interpretação e aplicação da Constituição não podem subverter a ordem por ela estabelecida, de maneira que cada um deve atuar limitado pela função que lhe foi atribuída pela Lei Maior.[xv]

Isso não impede que o STF enfrente questões legais nem que o STJ julgue compatibilidade, formal ou material, de normas à luz da constituição. Todavia, quando isso ocorrer, não formarão precedentes, mas meros exemplos. As decisões dessas Cortes, assim tomadas, apenas apresentarão a opinião daqueles órgãos jurisdicionais acerca daquele tema, sem qualquer efeito vinculante necessário.

O processualista Leonardo José Carneiro da Cunha ensina que:

“A propósito, impõe-se advertir que os tribunais superiores, ao apreciarem recursos especiais e extraordinários, cumprem a função constitucional de uniformizar a interpretação de normas. Ao STF cumpre interpretar as normas constitucionais, cabendo ao STJ a interpretação da legislação infraconstitucional. Suas súmulas, nesse sentido, desempenham um importante papel de complementação do ordenamento jurídico. Então, em matéria constitucional, devem ser seguidas por juízes e tribunais as súmulas do STF, o mesmo ocorrendo no tocante às súmulas do STJ, quando se tratar de questão infraconstitucinal.

As súmulas do STF que versam sobre matérias infraconstitucionais não estão a desempenhar a função de complementação do sistema normativo, eis que a Corte Suprema não detém a atribuição de interpretar normas legais, que não tenham assento constitucional. Nesse caso, a súmula não está fundada em precedente, mas sim em exemplo, ou seja, num mero indicativo de como o tribunal, naquela matéria, entende internamente, não devendo os demais juízes e tribunais adotar, necessariamente, a mesma orientação. Realmente, 'enquanto precedente deve ser seguido ou é desejável que seja seguido ou usado como critério ou ponto de referência para decisões futuras, a função do exemplo não é prescritiva, mas meramente ilustrativa, que os julgamentos subseqüentes podem ou não seguir, por um critério absolutamente discricionário'.”[xvi]

Com efeito, em sendo mero exemplo o REsp 1.276.540/AM, detendo-se de matéria pendente de apreciação superior definitiva, tendo-se por certo não haver consolidação da questão nos tribunais superiores.


4. Conclusão

Em conclusão, é defensável, por se mostrar mais acertada, a tese de que a associação da imunidade prevista no art. 149, §2º, I, da Constituição com a equiparação à exportação disciplinada no art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67 não tem o condão de afastar a tributação, a título de contribuição para o PIS e da COFINS, das receitas das empresas manauaras decorrentes de vendas de mercadorias dentro do espaço geográfico da Zena Franca de Manaus.

A questão, outrossim, bate as portas do Poder Judiciário reclamando uma apreciação definitiva, até agora faltante e aguardada com a expectativa de que seja marcada pela tecnicidade e profundidade que reclama o caso jurídico e o interesse público nele envolvido.


Referências:

-  ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado, 4ª Ed., Editora Método, São Paulo, 2010;

- CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo, 5ª Ed., Dialética, São Paulo, 2007;

-  MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ª Ed., Malheiros, 3.2008;

-  PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito Tributário. 4ª Ed., Impetus, Niterói-RJ, 2007;

-   PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Tributário na Constituição e no STF, 12ª Ed., Impetus, Niterói-RJ, 2007;

-   PAULO, Vicente e ALEXADNRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado, Impetus, Niterói-RJ, 2007;

-   PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário, 2ª Ed., Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2008;

-   PAULSEN, Leandro e MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais, Estaduais e Municipais. 3ª Ed., Livraria do Advogado, Porto Alegre/RS, 2007;

-  SCHOUERI, Luiz Eduardo.  Exigência da CIDE sobre Royalties e Assistência Técnica ao Exterior. RET 37/144, jun/04.


Notas

[i]“Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II - outorga de isenção;

...”

[ii]“Art. 177. Salvo disposição de lei em contrário, a isenção não é extensiva:

...

II - aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão.”

[iii]PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Tributário na Constituição e no STF, 12ª Ed., Impetus, Niterói-RJ, 2007, p. 119.

[iv]MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ª Ed., Malheiros, 3.2008, p. 309.

[v]PAULSEN, Leandro e MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais, Estaduais e Municipais. 3ª Ed., Livraria do Advogado, Porto Alegre/RS, 2007, p. 37

[vi]PAULSEN, Leandro e MELO, José Eduardo Soares de. Op. e p. cit.

[vii]Op. e p. Cit.

[viii]Sobre competência tributária, para uma melhor compreensão conceitual, eis definição doutrinária:

“Conforme antes definido, competência tributária é o poder atribuído pela Constituição às Pessoas Políticas para editar leis que instituam tributos. É uma competência legislativa.” (Manual de Direito Tributário, cit., p. 148)

[ix]Eis pertinentes transcrições doutrinárias:

“Tem-se designado simplesmente por ‘contribuições’ ou por ‘contribuições especiais’ (para diferenciar das contribuições de melhoria) tal espécie tributária de que cuida o art. 149 da Constituição. Já as subespécies são definidas em atenção às finalidades que autorizam sua instituição: sociais (CS), de intervenção no domínio econômico (CIDE), do interesse das categorias profissionais e econômicas (CICPE) e de iluminação pública (CIP).

... as contribuições ditas sociais, constituem subespécies das contribuições do art. 149, configurando-se quando se trate de contribuição voltada especificamente à atuação da União na área social. As contribuições de intervenção no domínio econômico, por exemplo, não são contribuições sociais. Assim, tem-se como gênero a designação ‘contribuições especiais’ e, como espécie, ao lado das contribuições de intervenção no domínio econômico, do interesse das categorias profissionais ou econômicas e de iluminação pública, as contribuições sócias.

...

A outorga de competência à União para a instituição de contribuições sociais como instrumento da sua atuação na respectiva área, ou seja, na área social, deve ser analisada a vista dos objetivos estabelecidos no Título ‘Da Ordem Social’, pois estes delimitaram as atividades passíveis de serem custeadas pelas contribuições sociais.

... A validade da contribuição dependerá da finalidade buscada que, necessariamente, terá de encontrar previsão no Título atinente à Ordem Social.

Vê-se, por exemplo, dos dispositivos constitucionais atinentes à Ordem social que envolvem ações do Estado voltadas não apenas à saúde (art. 196), à previdência (art. 201), à assistência social (art. 203), áreas que caracterizam a seguridade social, mas também à educação (art. 205), à cultura (art. 215), ao desporto (art. 217), ao meio ambiente (art. 225) etc.

As contribuições votadas à seguridade social são chamadas de contribuições sociais de seguridade social. Já as voltadas a outras finalidades sociais que não a seguridade, são denominadas de contribuições sociais gerais. Assim é que a CPMF, que era destinada à ação da União na área da saúde, constituía uma contribuição de seguridade social, enquanto a contribuição ‘salário-educação’, votada à educação fundamental do trabalhador, constitui uma contribuição social geral. Aliás, é mesmo fundamental observar que as contribuições sociais não se esgotam nas de seguridade social, tendo um aspecto bem mais largo, pois podem ser instituídas para quaisquer finalidades que foram na direção dos objetivos da ordem social.” (PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 2ª Ed., Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2008, p. 47, 50 e 51.)

“O art. 149 veicula a regra-matriz de competência, ou seja, a autorização genérica para instituição das seguintes contribuições:

(1) contribuições sociais;

(2) contribuições de intervenção no domínio econômico; e

(3) contribuições de interesse das categorias profissionais e econômicas (contribuições coorporativas).

As contribuições sociais, enumeradas no item 1, dividem-se, ainda, em:

(1.a) contribuições de seguridade social.

São contribuições destinadas à manutenção ou à expansão da seguridade social, ou seja, o produto de sua arrecadação deve ser destinado ao custeio dos serviços relacionados à previdência social, à assistência social e à saúde.

Essa contribuições, além da competência genericamente plasmada no art. 149 da Constituição, encontram-se previstas no art. 195 da Carta. ...

...

(1.b) outras contribuições sociais.

Utilizando a competência prevista no art.; 149 da CF/88, a União pode, ainda, instituir outras contribuições sociais (também chamadas de ‘contribuições sociais gerais’), não destinadas à seguridade, mas a algum outro serviço relacionado com o Título VIII da Constituição, que trata ‘Da Ordem Social’.

Exemplo pacífico de contribuição social não destinada à seguridade social é a contribuição do salário-educação, prevista no art. 212, §5º, da Carta. Essa contribuição é fonte adicional de financiamento da educação básica pública e, incontroversamente, educação não integra o conceito de seguridade social ... Também costumam ser apontadas como contribuições sociais não relacionadas à seguridade as contribuições para os serviços sociais autônomos (SESC, SESI, SENAI). ...

Seja qual for a classificação adotada, o certo é que as contribuições sociais não destinadas à seguridade social não estão sujeitas ao regime jurídico específico do art. 195 da Constituição, mas ao regime jurídico tributário em geral, especialmente no que respeita ao princípio da anterioridade. ...” ( PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Tributário na Constituição e no STF, cit., p.56/61)

[x]ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado, 4ª Ed., Editora Método, São Paulo, 2010, p. 99.

[xi]ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado, Impetus, Niterói-RJ, 2007, 928/930.

[xii]SCHOUERI, Luiz Eduardo.  Exigência da CIDE sobre Royalties e Assistência Técnica ao Exterior. RET 37/144, jun/04.

[xiii]ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado, cit. p. 99.

[xiv]MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Cit., p. 66/67.

[xv]A esse respeito, vale citar:

“O princípio da justeza (ou da conformidade funcional) estabelece que o órgão encarregado de interpretar a Constituição não pode chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional estabelecido pelo legislador constituinte.

Assim, a aplicação de normas constitucionais proposta pelo interprete não pode implicar alteração na estrutura de repartição de poderes e exercício das competências constitucionais estabelecidas pelo poder constituinte originário.” (PAULO, Vicente e ALEXADNRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado, Impetus, Niterói-RJ, 2007, p. 75)

[xvi]CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo, 5ª Ed., Dialética, São Paulo, 2007, p. 426/427.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELOS, Paulo Mariano Alves de. A contribuição para o PIS e a COFINS nas receitas de vendas de mercadorias dentro da Zona Franca de Manaus e a imunidade do art. 149, §2º, I, da Constituição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3454, 15 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23209. Acesso em: 16 abr. 2024.