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A opção legislativa pela política criminal extrapenal e a natureza jurídica das medidas protetivas da Lei Maria da Penha

A opção legislativa pela política criminal extrapenal e a natureza jurídica das medidas protetivas da Lei Maria da Penha

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O deferimento das medidas protetivas não depende do interesse da vítima na persecução penal e, uma vez deferidas as medidas, a manutenção de sua vigência, embora transitória, não depende da propositura de eventual ação cível ou penal.

Resumo: O artigo busca abordar as medidas protetivas previstas na Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) a partir de uma perspectiva interdisciplinar nos planos dogmático, criminológico e de política criminal, a fim de que alguns dos problemas decorrentes do advento das medidas protetivas sejam elucidados. A pesquisa revelou que as medidas protetivas constituem mecanismos sui generis, cuja natureza jurídica se distingue dos processos cautelares cíveis e penais. Tais medidas são fruto da opção legislativa por uma política criminal extrapenal e têm relação com o paradigma de gênero explicativo da violência contra a mulher positivado na Lei Maria da Penha. A intervenção penal, por sua vez, exerce papel sinérgico na missão de proteger a mulher-vítima.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha – medidas protetivas – política criminal extrapenal –paradigma de gênero – natureza jurídica – medidas cautelares – intervenção penal.

Sumário: 1. A Lei Maria da Penha e as medidas protetivas. 2. Os problemas decorrentes do advento das medidas protetivas. 3. As medidas protetivas e a positivação do paradigma de gênero. 4. O papel sinérgico da intervenção penal na proteção da mulher. 5. As medidas protetivas e a opção pela política criminal extrapenal. 6. A necessária distinção entre medidas protetivas e medidas cautelares. 7. Conclusão. 8. Referências bibliográficas.


1. A Lei Maria da Penha e as medidas protetivas

Em cumprimento ao § 8º do art. 226 da Constituição Federal de 1988 e aos compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar tratados de direitos humanos como os da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres (conhecida pela sigla inglesa CEDAW, promulgada no Brasil pelo Decreto 4.377/2002) e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (esta conhecida como Convenção de Belém do Pará, promulgada pelo Decreto 1.973/96), foi sancionada a Lei 11.340/06, apelidada de Lei Maria da Penha, a qual cria mecanismos de prevenção, proteção, assistência e punição com vistas a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, ou seja, a violência contra a mulher no âmbito das relações privadas ou decorrente de tais relações (SABADELL, 2005, p. 10). Todas essas normas tutelam valores consensuais da comunidade internacional e visam à modificação dos padrões socioculturais fundados em preconceitos e estereótipos que resultam na valorização dos papéis masculinos em detrimento dos femininos e buscam transformar a igualdade jurídica (igualdade formal) entre homens e mulheres em igualdade material (igualdade de fato), em autêntica forma de discriminação positiva e ações afirmativas, conferindo-se tratamento desigual, para fins de nivelamento, a quem está em situação de desigualdade (CAMPOS, 2008, p. 256-257).

Os dados da violência contra a mulher no Brasil são alarmantes: em pesquisa realizada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o SESC (2010, p. 247), constatou-se que uma mulher é espancada (deixando-se marcas, cortes ou fraturas) a cada 24 segundos no Brasil ou, noutros termos, cinco mulheres são espancadas a cada dois minutos. Tais dados, por si sós, denotam a necessidade de estudos e desenvolvimento de mecanismos de aplicação da Lei Maria da Penha que garantam sua efetividade na diminuição de tão elevados índices de violência, inclusive a diminuição da chamada cifra oculta, que não chega ao conhecimento do poder público. Aliás, o próprio § 2º do art. 3º da Lei 11.340/06 preceitua que não cabe apenas ao poder público criar as condições necessárias para a mulher ter o direito de viver sem violência, cabendo esse papel também à sociedade, o que ora se faz mediante o presente artigo.

Dentre as inovações da Lei 11.340/06, encontram-se as medidas protetivas de urgência, as quais estão disciplinadas entre os arts. 18 e 24. Embora ainda não haja estudos empíricos consistentes a respeito, tais medidas têm se apresentado como o vetor mais eficaz da Lei Maria da Penha. E isso porque o vetor tido pela própria Lei como preventivo limitou-se a enumerar políticas públicas cuja implementação ficou relegada a critério discricionário do Poder Executivo (Lei 11.340/06, arts. 8º e 35), ao passo que o vetor de assistência (art. 9º), do mesmo modo, depende do incremento dos serviços de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação por parte dos Poderes Executivo e Legislativo.

O vetor punitivo da Lei (arts. 17, 20 e 41 a 45), por sua vez, embora fundamental, também ainda se mostra pouco atuante, em especial em razão da retratação da representação oferecida pelas vítimas nas ações públicas condicionadas na grande maioria dos casos (MORATO, 2009, p. 91). As vítimas procuram a Justiça e a polícia para intervir na conflitualidade familiar, mas a pretensão da maioria delas com essa intervenção não é a condenação ou punição dos agressores, mas que tais instituições resolvam o conflito intrafamiliar travado com o homem ofensor (IZUMINO, 2004, p. 266-267). Pesquisas apontam vários motivos (que se manifestam de forma conjugada ou isoladamente) para explicar o desinteresse da vítima no processamento do ofensor: dependência emocional, vergonha, medo, receio de o ofensor recrudescer a violência e até assassiná-la, dependência econômica, depressão, passividade em razão do quadro reiterado de violência psicológica, demora da Justiça, crença na mudança de comportamento do ofensor, baixa autoestima, achar que vai ficar sozinha e não vai conseguir outro companheiro, receio de não conseguir sozinha prover às necessidades dos filhos, descrença na capacidade de a Justiça solver o conflito etc.[1] Outro fator que enfraquece o vetor punitivo da Lei Maria da Penha são as inúmeras controvérsias em torno da adequação da resposta penal (SABADELL, 2005; CAMPOS, 1999), assim como em torno da interpretação e aplicação do art. 41 da Lei, cuja constitucionalidade, de resto, só muito recentemente foi declarada pelo STF em sede de controle difuso no âmbito do HC 106.212/MS, julgado em 24.03.2011. Contudo, o Tribunal não adentrou de modo específico e pormenorizado o mérito da necessidade ou não de representação para a propositura de ação penal pelo crime de lesão corporal leve, bem como vinculou – erroneamente – a proteção da mulher instituída pela Lei 11.340/06 à proteção da família, o que faz com que argumentos baseados em estereótipos de gênero (como o de “preservação da família” e “harmonia e paz do lar”) impeçam o processamento criminal e a condenação do agressor.

Diante desse cenário, o exame das prognoses legislativas feitas ao tempo da tramitação do Projeto de Lei originário da Lei Maria da Penha (PL 4.559/2004) e a sua interpretação sistemática permitem concluir que a lógica que deve nortear a sua aplicação não é aquela típica das varas criminais comuns, em que se busca verificar a existência do crime, identificar o autor e puni-lo, quando a vítima tem o papel circunscrito ao de simples testemunha dos acontecimentos. O tratamento dado pela Lei Maria da Penha à violência contra a mulher baseada no gênero coloca como meta superior a proteção máxima e integral da mulher (CAMPOS, 2008, p. 249 e 264), isto é, a proteção mais ampla possível dos bens jurídicos de sua titularidade tais como a sua integridade física, psíquica, sexual, patrimonial e moral a partir de uma visão integrada dos campos cível e penal. Não se trata, portanto, de mera busca de um culpado e de sua consequente punição (de mera verificação da autoria, da materialidade e da tipicidade da conduta), mas também, e prioritariamente, de se resguardar a mulher-vítima da violação ininterrupta de seus direitos (enumerados exemplificativamente nos arts. 2º e 3º da Lei) e de empoderá-la no sentido de ter cada vez mais consciência desses direitos e de agir de conformidade com eles, para libertá-la de uma situação de passividade, fazendo-os valer perante as diversas instâncias do sistema de justiça especializado de violência contra a mulher e sendo capaz de romper ou de não contrair relacionamentos violentos, marcados por forte diferenciação de gênero, ou de pelo menos ter o poder de promover mudanças neles. Cuida-se, noutras palavras, de opção de política criminal extrapenal, isto é, não focada primariamente no endurecimento da intervenção penal, na criminalização de condutas e na imposição de penas mais gravosas, mas, antes de mais nada, focada no desenvolvimento da capacidade de enfrentamento da situação de violência por parte da própria mulher-vítima e na reeducação e reabilitação do ofensor.

O eixo essencialmente protetivo da Lei (e, por consequência, também preventivo), portanto, é o que sem dúvida mais outorgou mecanismos às mulheres para comparecerem à Delegacia de Polícia ou Promotoria de Justiça mais próxima e, sem a necessidade de advogado (Lei 11.340/06, art. 27, in fine), formularem pedidos de proteção dirigidos ao Judiciário para que elas tenham sua integridade física, psicológica, sexual, patrimonial e moral salvaguardada, evitando-se a reiteração da violência ou a violência iminente por parte do ofensor que, na quase totalidade dos casos, é o próprio marido ou ex-marido, o companheiro ou ex-companheiro ou o namorado ou ex-namorado, conforme se pode notar corriqueiramente nas manchetes e reportagens da mídia e foi constatado pela pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o SESC (2010, p. 248). Nesse passo, “as medidas não-penais de proteção à mulher em situação de violência, previstas nos arts. 9º, 22 e 23 da Lei Maria da Penha, mostram-se providências muito mais sensatas para fazer cessar as agressões e, ao mesmo tempo, menos estigmatizantes para o agressor” (CELMER e AZEVEDO, 2007, p. 15-17).

De outra parte, mostra-se indispensável a implementação de políticas públicas, sobretudo no âmbito educacional, para que se tenha uma solução satisfatória e duradoura (SABADELL, 2005, p. 20-21), para as presentes e futuras gerações, mas ao mesmo tempo é essencial que as mulheres disponham de mecanismos protetivos de intervenção estatal quando estão ameaçadas de atos de violência ou são vítimas de tais atos, sobretudo nos instantes imediatamente subsequentes à prática da violência, sem depender da lenta resposta penal, via de regra revitimizadora. Com a divulgação e campanhas acerca da Lei, cada vez mais as mulheres estão se valendo de pedidos de medidas protetivas (e muitas as utilizam como último recurso após terem sido vítimas de violência reiteradas vezes, por vezes pondo suas vidas a salvo), quadro que, por consequência, modificou o cotidiano do sistema de justiça especializado em violência contra mulher, na medida em que os operadores do sistema se deparam com dificuldades interpretativas em relação aos requisitos legais necessários para o deferimento de tais medidas, bem como qual seria a duração de sua vigência, o que tem implicações concretas diretas no grau de eficácia protetiva conferido à mulher.

Desse modo, o presente artigo, com aporte transdisciplinar na dogmática jurídica, em orientações de política criminal, na criminologia feminista e nos estudos de gênero, busca dar interpretação adequada ao instituto sui generis das medidas protetivas, distinguindo-as mais precisamente das tradicionais e conhecidas cautelares cíveis e penais. Até o momento, uma escassa e discrepante jurisprudência[2] e muito poucas obras comentadoras da Lei Maria da Penha abordaram o tema com esse enfoque que entendemos ser essencial aos operadores da Lei. Há, pois, uma lacuna a ser preenchida na literatura que cuida do tema. O artigo também busca oferecer aos operadores jurídicos do sistema de justiça de violência contra a mulher um instrumental dogmático mais adequado à consecução dos vetores preventivos e de proteção consagrados na Lei 11.340/06, inclusive com vistas a consolidar uma jurisprudência de cunho verdadeiramente protetivo à mulher, o que significa dizer que permitirá a aplicação do instituto das medidas protetivas de forma consentânea à proteção eficaz da vida, da integridade física, psicológica, sexual, moral e patrimonial da mulher, sem que a vigência de tais medidas fique condicionada (acessoriedade) à existência de representação da vítima (no caso dos delitos cuja ação penal é condicionada à representação) ou à existência de eventual processo principal de natureza cível ou penal.


2. Os problemas decorrentes do advento das medidas protetivas

Salienta Carla Alimena (2010, p. 137), a partir de pesquisa de campo junto a Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em Porto Alegre/RS, que as medidas protetivas constituem um aspecto problemático, pois “as vítimas, muitas vezes, não compreendem quando cabe, para que serve e como se obtêm as medidas protetivas”. Na pesquisa já aludida alhures, 40% das vítimas afirmaram não terem sido esclarecidas de nenhum procedimento no momento do registro da ocorrência na Delegacia, mesmo a instauração de processo criminal contra os ofensores (CELMER, 2010, p. 07-08).

O desconhecimento, por parte das vítimas, do funcionamento e da razão de ser das medidas protetivas previstas na Lei 11.340/06 não deixa de ser reflexo, no plano da operacionalidade jurídica, dos múltiplos problemas decorrentes do advento dessas medidas, como, por exemplo: qual o papel delas? Elas constituem mecanismos de proteção dos bens jurídicos de titularidade das vítimas ou de proteção de processos principais cíveis ou criminais? Constituem mecanismos de prevenção contra a reiteração da violência? Qual a natureza jurídica das medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/06? Quais os consectários de referida natureza jurídica no que se refere aos requisitos e duração da medida? É possível fazer a diferenciação entre medidas protetivas de caráter penal e cível ou essas medidas têm natureza jurídica singular, própria de uma teleologia protetiva integral baseada no reconhecimento da desigualdade de gênero? Qual a relação entre o paradigma de gênero explicativo da violência contra a mulher e o papel das medidas protetivas? Qual o recurso cabível da decisão que (in)defere medidas protetivas? As medidas protetivas se revelam como exemplo de adoção de política criminal extrapenal? As medidas protetivas também cumprem as funções preventivas típicas do direito penal?

Após levantamento bibliográfico preliminar a respeito dessa problemática, constatou-se que parte da literatura especializada é omissa a respeito da natureza jurídica das medidas protetivas, a exemplo de Souza (2009, p. 109-145) e Nucci (2010, p. 1275-1280), sendo que a parte majoritária compreende as medidas protetivas do art. 22, I, II e III, da Lei como cautelares processuais penais, a exemplo de Cavalcanti (2007, p. 191), Cunha e Pinto (2011, p. 124-125) e Nilo Batista (2009, p. xvii), as quais seriam “aplicáveis unicamente para assegurar os meios e fins do processo em que se busca ou se irá buscar a realização da pretensão punitiva” (KARAM, 2006, p. 06-07). Já as cautelares do art. 22, IV e V, da Lei teriam natureza cível, havendo a necessidade, por exemplo, de se ajuizar a ação principal no prazo de 30 dias, sob pena de ineficácia da medida protetiva (CPC, arts. 806 a 808).

Todavia, há também autores, a exemplo de Lavorenti (2009, p. 264) e Dias (2010, p. 108-109 e 114-115), que tendem a admitir uma espécie de caráter satisfativo (não-cautelar) às medidas protetivas, de sorte que tais medidas não demandariam ação concomitante ou posterior, seja cível ou penal, para manutenção de sua eficácia, ficando ao prudente arbítrio do juiz a fixação do período de vigência da medida e a sua revogação por posterior decisão judicial. Didier Jr. e Oliveira (2008) veem as medidas protetivas como modalidade de tutela jurisdicional diferenciada que se aproxima das medidas provisionais satisfativas constantes do art. 888 do CPC, mas que não teriam conteúdo cautelar e prescindiriam do ajuizamento de uma demanda principal. Larrauri (2008, p. 187-188) também entrevê o equívoco da legislação espanhola ao vincular a existência das medidas protetivas ao processo penal ao invés de concebê-las no âmbito cível em um procedimento autônomo e independente, como ocorre em muitos países.

Paralelamente à discussão da natureza jurídica das medidas protetivas, verifica-se que o papel do direito penal em matéria de violência de gênero contra a mulher é bastante questionado entre feministas e criminólogos. Ainda na época em que vigorava a Lei 9.099/95 para os casos correntes de violência contra a mulher, Campos (2003) apontava que uma legislação adequada sobre a violência conjugal haveria de ser “pautada segundo a perspectiva da adoção de medidas que garantam a abstenção do comportamento violento, e não necessariamente a punição do agressor” (apud CELMER e AZEVEDO, 2007, p. 15-17). Deveras, as vítimas desejam que seus ofensores deixem de ser violentos e não voltem a agredi-las. Por isso que a solução simplista e única da punição imediata do agressor não agrada as mulheres. Afirma Celmer (2010, p. 05), a partir de pesquisa empírica, que o propósito das vítimas ao registrarem a ocorrência na Delegacia seria o de reparar os danos sofridos e, em especial, fazer cessar as agressões e não propriamente o de punir o ofensor.

Celmer e Azevedo (2007), Bezerra (2007), Karam (2006) e Mello (2010a) são exemplos paradigmáticos de estudiosos veementemente refratários ao suposto rigor punitivista trazido pela Lei Maria da Penha. Semelhante leitura da Lei 11.340/06, no entanto, mostra-se parcialmente errônea, pois, como veremos adiante, parte de falsas premissas de uma alegada lógica repressora e de imposição de pena privativa de liberdade que não se coadunam com a realidade da persecução penal nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Juizados da Mulher), pois o sistema penal e processual penal que regula a Lei Maria da Penha não implicou exacerbação desmesurada das medidas punitivas, apesar do alarde punitivista reinante na mídia desde a vigência da Lei.


3. As medidas protetivas e a positivação do paradigma de gênero

A Lei Maria da Penha positivou no art. 5º o paradigma de gênero como o explicativo da violência contra a mulher e definiu no art. 7º algumas das formas de manifestação dessa violência. Vale lembrar que o Projeto de Lei que originou a Lei Maria da Penha (PL 4.559/2004) já estabelecia em seu art. 5º, caput, a violência baseada na relação de gênero, assim como definia no respectivo parágrafo único que se deveriam considerar as relações de gênero como aquelas relações desiguais e assimétricas de valor e poder atribuídas às pessoas segundo o sexo (JESUS, 2010, p. 88). A versão que veio a ser sancionada na forma da Lei 11.340/06, portanto, apenas retirou a definição de “relações de gênero” constante do parágrafo único original, a fim de evitar controvérsias em torno das problemáticas teóricas em torno do conceito de gênero e, consequentemente, evitar a não-aplicação da Lei. Mas, de qualquer modo, deve ser assinalado que não remanesce qualquer dúvida de que o modelo teórico explicativo da violência consagrado na Lei foi esse, pois o vocábulo “gênero” volta a aparecer no art. 8º, incisos II, VII, VIII e IX, os quais tratam da necessidade de elaboração de políticas públicas preventivas sempre centradas na perspectiva de gênero.

A violência de gênero é fruto da desigualdade de poder entre homens e mulheres. É praticada contra a mulher no âmbito do processo de dominação masculina e visa a submetê-la aos usos, regras e valores da cultura patriarcal, perpetuando-se assim os papéis subservientes ou menos valorizados atribuídos à mulher, sendo que a própria aceitação e tolerância sociais em relação a esse tipo de violência é sintomática dessas relações hierarquizadas (CAMPOS, 2008, p. 246-248).[3] A explicação da violência contra a mulher no espaço privado (o que engloba as unidades familiar e doméstica, além das relações íntimas de afeto) segundo o paradigma de gênero tem chamado a atenção cada vez mais, mormente a partir da vivência cotidiana nas varas de violência contra a mulher, quando se pode observar, na prática, que os estudos e pesquisas ancorados no referido paradigma (em sua boa parte, impulsionados pelo movimento feminista nas quatro últimas décadas) traduzem de forma fiel (e não apenas de forma ideológica) a ocorrência desse tipo de violência, herança de milênios de patriarcado e que, historicamente arraigada em todas as sociedades e em todas as classes sociais, faz com que as diferenças atribuídas aos papéis socioculturais masculino e feminino culminem, no ponto mais extremo de manutenção dessas diferenças nas relações de poder, no uso da violência em desfavor da parte dominada e mais vulnerável, no caso, a mulher. A leitura de gênero afasta, pois, a “psicologização” e a “psiquiatrização” explicativas da violência contra a mulher, colocando, por exemplo, o uso de álcool e drogas e a personalidade “doentia” ou “desequilibrada” do ofensor como fatores potencializadores e secundários, mas não como decisivos da prática da violência, como se se tratasse de patologias ou distúrbios psíquicos de que os homens ofensores fossem portadores (CAMPOS, 2008, p. 246).[4]

A literatura nesse tema é copiosa e tende a se avolumar cada vez mais, sendo que o verbete “gênero” – aqui referente aos “masculino” e “feminino” em termos socioculturais em oposição às diferenças em termos puramente físicos e biológicos existentes entre o homem e a mulher, entre o macho e a fêmea – tende a ser meio classificatório e de categorização cada vez mais rico e multifacetado.[5] Heleieth Saffioti (2004, p. 44-45), uma das precursoras dos estudos de gênero no Brasil, aduz que o conceito de gênero não se resume a uma categoria de análise, apesar de apresentar muita utilidade enquanto tal. “Cada feminista enfatiza determinado aspecto do gênero, havendo um campo, ainda que limitado, de consenso: o gênero é a construção social do masculino e do feminino” (SAFFIOTI, 2004, p. 45), de modo que se rompe com o determinismo biológico e naturalista de que as diferenças entre homens e mulheres são inatas e imutáveis, passando o termo gênero a designar as identidades masculina e feminina como construções sociais da realidade passíveis de mudança (SABADELL, 2010, p. 279). No presente artigo importa apenas constatar que o paradigma explicativo de gênero foi o positivado pela Lei 11.340/06 para traduzir a violência praticada contra a mulher, não sendo aqui a sede apropriada para adentrar as polêmicas e inúmeras discussões em torno do vocábulo “gênero” tão recorrentes nas ciências sociais. Como afirma Mello (2010a, p. 148):

O conceito de gênero, para as ciências sociais, não se confunde com o conceito de sexo; enquanto este estabelece as diferenças biológicas e anatômicas entre homens e mulheres, aquele se ocupa em designar as diferenças sociais e culturais que definem os papéis sexuais destinados aos homens e às mulheres em cada sociedade. Assim, na definição de gênero cabe a afirmação de Simone de Beauvoir “não se nasce mulher, torna-se”. O mesmo pode ser aplicado para o gênero masculino. O gênero, diferentemente do sexo, não é natural, mas sim resultado de uma construção social.

O tema, pois, é deveras instigante e desafiador tanto do ponto de vista teórico quanto prático, pois há a necessidade cada vez maior de desenvolvermos mecanismos eficazes de prevenção da violência contra a mulher baseada no gênero, ou seja, aquela violência que é perpetrada contra a mulher pelo simples fato dela ser mulher (CAMPOS, 2008, p. 249-250). Nessa ótica, além da necessidade de implementação de novas práticas educacionais e outras políticas públicas no sentido da equidade de gênero, em conformidade com o disposto no art. 8º da Lei 11.340/06, cumpre dar eficácia concreta às medidas protetivas de urgência tal qual elas foram concebidas, visto que são os mecanismos que permitem conferir proteção no tempo e na medida certos para a mulher que está em situação de vulnerabilidade e hipossuficiência nas relações com os homens ofensores, de conformidade com o que a própria Lei Maria da Penha já reconhece aprioristicamente ao ter positivado o paradigma de gênero. O padrão de dominação e controle masculinos estampados no uso da violência nos espaços privados se traduz no que vários estudos indicam: traumas psicológicos e enfermidades como consequência da violência, tais como terror paralisante, ansiedade constante, apreensão, automutilação, suicídio, depressão, vigilância e sentimentos de morte iminente. E, à medida que a violência se perpetua, a vítima se torna passiva, cansada e incapaz de agir, passando por vezes a ver o ofensor com poder absoluto sobre ela. Com o passar do tempo de convivência, o agressor passa a controlar todo aspecto da vida da vítima, passando a decidir o que ela é, no que ela acredita, o que ela pode fazer ou deixar de fazer (KO, 2002, p. 368-369).

A teleologia eminentemente protetiva da Lei está, bem se vê, direta e intimamente ligada com o reconhecimento de que a mulher está em desigualdade de poder com o agressor em razão de ser mulher e, que, sendo assim, impõe-se a intervenção estatal por meio de mecanismos como os das medidas protetivas, à semelhança de outros grupos vulneráveis que também têm legislações que preveem medidas de proteção, como os das crianças, adolescentes, idosos e pessoas portadoras de deficiência. Por isso que são descabidas considerações exageradas em torno de um suposto ônus demasiado (e por vezes prolongado) que é imposto ao ofensor ao ter que acatar determinadas medidas protetivas, pois tais medidas nada mais são que mais um dos instrumentos que a Lei Maria da Penha trouxe de reequilíbrio da vítima com o ofensor no plano da igualdade material, garantindo-se a proteção que a vítima demanda e dissuadindo-se o agressor de reincidir na prática da violência. A liberdade de locomoção do agressor tem limite constitucional no direito de a vítima ter sua integridade física, psicológica, sexual e moral preservada (CARVALHO, 2010, p. 489). Em síntese, o desenvolvimento de critérios hermenêuticos em torno das medidas protetivas deve ter em conta o paradigma de gênero, o que implica necessariamente ampliar ao máximo possível as possibilidades de proteção da mulher.


4. O papel sinérgico da intervenção penal na proteção da mulher

Apesar de ser muito debatida e controvertida entre feministas e penalistas (CAMPOS, 1999), a intervenção penal surge como coadjuvante valioso no cumprimento da missão protetiva da vítima, pois é a partir do ingresso e da visibilidade da violência na Delegacia de Polícia, no Ministério Público e no Juizado da Mulher, ainda que num procedimento inicialmente de investigação criminal (ocorrência policial, termo circunstanciado ou inquérito policial, conforme estabelece o art. 12, III, §§ 1º e 2º, da Lei 11.340/06), é que serão processadas e apreciadas as medidas protetivas em expediente apartado (arts. 18 e 19), dentre outros encaminhamentos de caráter extrapenal (como os trabalhos desenvolvidos pela equipe multidisciplinar ou serviço similar – arts. 9º e 29 ss., inclusive por intermédio de grupos de reeducação, recuperação e conscientização dos homens ofensores – art. 35, V).[6] Somente a partir do conhecimento público de que a violência contra a mulher é crime (é uma conduta grave e intolerável que pode redundar, em tese, em pena privativa de liberdade) é que se torna possível a própria vítima ou eventuais testemunhas denunciarem a violência perpetrada no âmbito privado (doméstico ou familiar), quando só assim será dada a visibilidade necessária para que o sistema de justiça especializado possa intervir com as inúmeras medidas não-penais previstas na Lei Maria da Penha, sobretudo as medidas protetivas, de responsabilidade dos atores jurídicos do sistema (Judiciário, Ministério Público e Assistência Judiciária). A simples judicialização dos casos de violência doméstica já tem impacto no comportamento do ofensor e na garantia concreta dos direitos da vítima, ainda que não tenha havido processo ou condenação criminal (OLIVEIRA et al., 2009, p. 30).

A possibilidade de incidência da esfera penal em matéria de violência contra a mulher mostra-se então essencial, ao menos na primeira fase de interferência dos órgãos estatais, para se propiciar a oportunidade de preservar direitos fundamentais das vítimas-mulheres carentes de proteção de modo urgente e condizente com a sua condição fragilizada e aflitiva pela violência sofrida. Com um leque muito maior de possibilidades de ser amparada a partir do pedido imediato de medidas protetivas, diminui-se a possibilidade de a vítima ter de aguardar uma providência de caráter penal tardia pelos órgãos do sistema de justiça, cujos atores jurídicos, não raras vezes reproduzindo as relações de gênero vigorantes na sociedade (regulada por um modelo androcêntrico sexista ou, noutros termos, machista), invertem os valores positivados na Lei Maria da Penha e assentam interpretação discriminatória dos elementos de prova e dos tipos penais em desfavor da mulher (por exemplo, a pretexto de “preservação da família e da vida privada”), em escancarado não-reconhecimento e anulação pelo Estado (que assim se omite) da violência sofrida pela mulher. Apesar de reconhecer as limitações e a inadequação da resposta unicamente penal no problema da violência doméstica, afirma Sabadell (2005, p. 11):

(...) O inaceitável é, como ocorre hoje, dar continuidade à discriminação das mulheres em relação à violência doméstica por tratar-se de delito cometido por homens e, ademais, no âmbito das relações privadas, que, de acordo com a ideologia do patriarcado, devem permanecer fora da intervenção estatal. Se considerarmos que o direito penal não permite tutelar os interesses da mulher maltratada, devemos adotar o abolicionismo de forma coerente, concluindo que o direito penal também não deve ser empregado para proteger os homens de agressões físicas e crimes patrimoniais. Partindo da impossibilidade (política) de imposição da política abolicionista, podemos considerar o direito penal como ferramenta que deve ser utilizada como ultima ratio, mas de forma coerente, capaz de tutelar a integridade física e psíquica de todos no espaço privado.

No mesmo sentido defende Campos (2008, p. 264) ao reputar a proposta da Lei Maria da Penha como “lei integral” regida pela máxima intervenção social e mínima intervenção punitiva. Ora, em termos de prevenção geral positiva, só mesmo a criminalização de condutas para se afirmar a todos que as mais variadas formas de violência contra a mulher são inaceitáveis e não podem ser consideradas normais e naturais como ainda pensam os homens ofensores, os quais supõem que estão numa espécie de “exercício regular de direito” no que se convencionou fixar como seu papel de homem dentro de uma sociedade hierarquizada em termos de papéis femininos e masculinos, com dominação e sobrevalorização destes sobre aqueles. Por se tratar de violência cultural (que demanda mudança de mentalidade e nos padrões de comportamento nas relações de gênero), as instâncias de controle social informal (família, escola, igreja, trabalho, vizinhança, amigos etc.) são incapazes de influenciar o comportamento de tais homens, o que já não ocorre em relação a delitos ordinários, tais como os crimes contra a vida e o patrimônio alheios. A prevenção geral positiva proporcionada pela Lei Maria da Penha, pois, legitima constitucionalmente a intervenção penal em matéria de violência de gênero e age em simbiose com os numerosos mecanismos extrapenais trazidos pela Lei.

Curiosamente, o malsinado caráter simbólico do direito penal na temática da violência contra a mulher acaba por assumir função singularmente relevante no sentido de provocar a mudança de hábitos sociais arraigados e naturalizados, bem como de apontar a todos o modelo de sociedade igualitária que se pretende, além de evidenciar de forma patente que não se pode mais tolerar a violência por parte daqueles que deveriam ser os primeiros a amar e respeitar, quais sejam, os homens namorados, companheiros, maridos e familiares das vítimas, de maneira que não se pode dar a tais casos o tratamento comum dado à criminalidade de rua e aos atos de violência similares que envolvem pessoas estranhas entre si. Nesse sentido, afirma Debora Diniz (2010):

O modelo patriarcal é uma das explicações para o fenômeno da violência contra a mulher, pois a reduz a objeto de posse e prazer dos homens. (...) Outra hipótese de compreensão do fenômeno é a persistência da impunidade à violência de gênero. A impunidade facilita o surgimento das redes de proteção aos agressores e enfraquece nossa sensibilidade à dor das vítimas. A aplicação do castigo aos agressores não é suficiente para modificar os padrões culturais de opressão, mas indica que modelo de sociedade queremos para garantir a vida das mulheres.

A função simbólica do direito penal, no caso, tem força de persuasão sobre os homens que naturalizam, desde o nascimento, a posição dominadora do masculino sobre o feminino, cujo clímax é o uso de violência para se manter a todo custo tal status quo. Para algumas feministas, aliás, o efeito simbólico do não-uso da lei penal seria muito mais nocivo do que o da própria intervenção penal, pois banalizaria e normalizaria a violência contra a mulher (ANITUA, 2008, p. 756-757). E, como já pontuado aqui, dado o uso simbólico, sabe-se que a previsão da lei penal não terá de implicar, necessariamente, num efetivo e duro castigo ao ofensor, mas servirá para se abrir a discussão pública dos valores que devem nortear o tratamento, as oportunidades e os direitos das mulheres nas relações com os homens. A simbologia da ameaça de pena (invariavelmente associada à ideia da prisão pela população), portanto, exerce o papel de reafirmação e reautorização do ordenamento para indicar não apenas a possibilidade de retribuição (imposição de castigo), mas a possibilidade de mudança cultural e, por conseguinte, de atitudes e comportamentos.[7] Sublinhe-se que, aqui, a simbologia do direito penal não se circunscreve a dar a falsa e efêmera sensação de segurança e de tranquilidade, de diminuição do medo, típica do aumento exacerbado de penas e da criminalização de novas condutas no que se refere aos delitos ordinários contra a vida e o patrimônio (em clara opção do legislador por uma política criminal exclusivamente penal), pois, em casos tais, as pessoas já sabem, desde crianças, que roubar ou matar é ilícito, bem ao contrário da violência de gênero. Outrossim, se, em crimes contra o patrimônio e contra a vida, a prevenção geral negativa (ou por intimidação ou coação psicológica) é empiricamente indemonstrável (já que não se sabe se eventual diminuição dos índices de criminalidade tem relação com o aumento de penas, por exemplo) e, logo, pode até ser reputada como mito, na hipótese de violência de gênero ela também não terá influência, pois as penas dos delitos mais comuns em matéria de violência contra a mulher são diminutas e são cumpridas em meio aberto, isto é, não implicam privação de liberdade.

A prevenção geral positiva ou de integração proposta por Jakobs (ao menos originariamente a partir da teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann[8]), que preconiza a reafirmação do ordenamento jurídico diante da violação de uma norma penal (diante da expectativa normativa frustrada dos cidadãos), tem mais que um efeito meramente simbólico, mas é indicativo de qual caminho aquela sociedade deseja trilhar, o que reautoriza a vigência e validade da norma penal perante todos, num processo de reestabilização contrafática.[9] E, realmente, quando se notam as falhas da prevenção geral negativa (ou por intimidação), da prevenção especial positiva (ressocialização, correção) e da prevenção especial negativa (inocuização, segregação) em casos de crimes cometidos por impulso, por diferenças de gênero (como no caso da violência contra a mulher), por criminosos profissionais, ou nos chamados crimes econômicos e situacionais, mas ao mesmo tempo se percebe que há violações graves e intoleráveis a bens jurídicos, há de se ter uma resposta estatal frente a tais violações, e aí a prevenção geral positiva parece justificar legitimamente a pena.[10] Nesse contexto, as medidas protetivas da Lei Maria da Penha, como mecanismos de caráter extrapenal para evitar a reiteração da violência contra a mulher (cumprindo as funções do direito penal de prevenção especial), precedem e coexistem com a intervenção penal de modo sinérgico, porém devem operar de forma independente, não podendo se condicionar o uso e a efetividade das medidas protetivas ao uso e eficácia do processo penal, o qual deve apenas instrumentalizar o direito penal.

Apesar de, mesmo nos EUA, haver muito poucos estudos empíricos que analisam com propriedade a efetividade das medidas protetivas (pois é preciso saber também sobre a influência e o peso de outros fatores, tais como os serviços de assistência jurídica e social), de forma geral tais estudos indicam a efetividade das medidas do ponto de vista subjetivo (impacto na vida das vítimas), pois a grande maioria das vítimas sente melhora no bem-estar psicológico e na qualidade de vida, com elevação na autoestima, na sensação de segurança e de maior controle sobre suas vidas ou sobre os destinos do relacionamento afetivo em curso (maior empoderamento). Para as vítimas, ainda, as medidas protetivas ajudam a reafirmar a mensagem de que a violência praticada é algo errado, dentre muitas outras impressões positivas (KO, 2002, p. 368-372). Com relação à efetividade das medidas protetivas do ponto de vista objetivo (capacidade de refrear a violência = prevenção especial), embora todos os estudos tenham indicado a redução da reincidência, eles ainda são muito controversos, pois alguns registram altos índices de reincidência, outros baixos índices, tudo a depender, dentre outras, de variáveis como perfil e tamanho do grupo de pessoas analisado, tempo de vigência e acompanhamento das medidas, prisão anterior do agressor em razão da violência, histórico de violência e nível socioeconômico das partes envolvidas, desemprego, antecedentes criminais, uso abusivo de álcool e drogas, tempo de relacionamento, existência de filhos menores (KO, 2002, p. 373-376).


5. As medidas protetivas e a opção pela política criminal extrapenal

A política criminal não se circunscreve às orientações e princípios tais como o abolicionismo, o minimalismo (direito penal mínimo) ou o punitivismo (direito penal máximo) (BIANCHINI, 2010). A política criminal também é (ou pelo menos há de ser) parte do conjunto maior de políticas públicas do Estado voltadas para a prevenção e o controle da criminalidade, já que a sua “erradicação” ou “desparecimento” (independentemente dos matizes das leituras e explicações criminológicas) é algo improvável em qualquer organização social humana, sem prejuízo do papel ordinário da política criminal penal de eleger os bens jurídicos a serem tutelados por normas penais ou, noutros termos, eleger as condutas a serem criminalizadas. Nessa acepção, somos contrários à onda do populismo penal de se limitar a política criminal a uma política meramente penal, isto é, criminalizadora de mais condutas e incrementadora das penas de condutas já criminalizadas, cujo efeito é puramente simbólico e seletivo ante a sua comprovada e notória ineficácia na redução da criminalidade, de que serve de malogrado exemplo a Lei 8.072/90 – Lei dos Crimes Hediondos.

Portanto, a política criminal há de ser também uma política de caráter extrapenal, voltada para a implementação de ações preventivas da ocorrência do delito, a exemplo das previsões constantes da Lei 11.340/06 (em especial os arts. 8º, 9º, 35 e as medidas protetivas objeto do presente artigo). Na esteira dos mais variados e cada vez mais interdisciplinares estudos, pesquisas e pensamentos criminológicos, a complexidade e a multifatoriedade da criminalidade obrigam a que as políticas públicas nas áreas de segurança pública, educação, saúde, infância e juventude, urbanismo etc. se deem de forma cada vez mais integrada. Em suma, quer-se apenas sublinhar que a política criminal é algo abrangente e que não visa apenas a influenciar o debate dogmático vinculado à aplicação do direito penal de lege lata ou de lege ferenda (ROXIN, 2002, p. 82; DIAS, 1999, p. 26-49). O problema consabido é que os governos não têm interesse no investimento sério na política criminal extrapenal, visto que tais iniciativas são de longo prazo e por vezes de custo financeiro mais elevado, ao contrário da simples e rápida elaboração legislativa penal, de custo zero e de lucro máximo em termos de dividendos eleitorais junto à população.

A Lei Maria da Penha foi fruto, em boa medida, das pressões por criminalização de condutas praticadas contra mulheres em função das diferenças de gênero e foi esse viés que repercutiu mais na mídia e na população em geral (BEZERRA, 2007; MELLO, 2010a, p. 140).[11] Mas é certo afirmar que utilizar tal Lei como exemplo de exacerbação desmesurada do direito penal se constitui em manifesto equívoco, pois, muito ao contrário de leis brasileiras que vieram para proteger crianças, adolescentes, idosos e negros, a Lei 11.340/06 não criminalizou sequer uma nova conduta, tendo apenas aumentado a pena máxima do delito de lesão corporal preexistente (e não apenas para a vítima-mulher, sendo que a pena mínima foi até diminuída de 6 para 3 meses, conforme art. 129, § 9º, do CP), tornado mais rigoroso o processamento das ações penais (art. 41 da Lei), afastado determinadas espécies de penas (art. 17 da Lei) e aberto a possibilidade da prisão em flagrante e da prisão preventiva (arts. 20 e 41). Basta notar o número diminuto de dispositivos da Lei que tratam de matéria penal e processual penal em face dos 46 artigos que a compõem na sua totalidade. Nesse sentido, registra Mello (2010a, p. 140 e 156) que a Lei Maria da Penha foi muito além das medidas de caráter penal, tendo grandes méritos nos campos preventivo e de proteção à mulher.

Como dito, a maior parte da Lei se compõe de normas-mandados voltadas para o Poder Público, em exemplo de concretização de política criminal extrapenal, isto é, as medidas de per se não constituem pena nem crimes, mas sim mecanismos alternativos à exacerbação de penas e à criminalização de condutas (CAMPOS, 2008, p. 253-255). Ao contrário da tendência punitivista puramente simbólica e seletiva reinante no parlamento brasileiro, a Lei Maria da Penha criou mecanismos efetivos (que não são penas, dentre os quais se destacam as medidas protetivas) que não oneram de forma total a liberdade do ofensor e ao mesmo tempo tutelam com eficiência bens jurídicos de titularidade da mulher. Além disso, apesar de na maioria das vezes a vítima-mulher não desejar o processamento criminal de seu ofensor, ela deseja o deferimento de medidas protetivas, as quais lhe conferem mais poder na relação com o ofensor, visto que a desobediência de tais medidas, além de constituir crime, poderá redundar na medida extrema da prisão preventiva (CPP, art. 313, III), o que funciona como fator de dissuasão (por coação psicológica ou intimidação) à reincidência.[12]

De modo que, após mais de cinco anos de vigência da Lei Maria da Penha, afigura-se falacioso afirmar que tal Lei é “extremamente punitivista”, já que, na minoria de casos em que efetivamente há início de ação penal,[13] apenas uma parcela redunda em condenação.[14] Como a maioria dos réus são primários e sem antecedentes, recebem penas que não ultrapassam de 01 a 05 meses de detenção em regime inicial aberto (tendo como referência as penas mínimas cominadas aos delitos de ameaça e lesão corporal)[15], o que vai implicar a conversão de tais penas em diminutas prestações de serviço à comunidade (o que perfará entre 30 e 150 horas, isto é, quantum certamente que está entre os menores possíveis no ordenamento penal brasileiro), conquanto haja a vedação do art. 44, I, do CP.[16] Isso se dá porque, caso o juiz não aplique a substituição pela prestação de serviços à comunidade, o condenado começará a cumprir a pena em regime aberto, o qual, na prática, em razão de não haver casa de albergado, acaba sendo cumprida em liberdade, em regime de prisão domiciliar, com menor ônus do que a própria prestação de serviços à comunidade. Em resumo, não há pena privativa de liberdade para a quase totalidade dos sentenciados em violência doméstica, sendo que o sursis penal (CP, arts. 77 a 82) também não lhes é comumente infligido pelos juízes, pois seria nitidamente mais gravoso, em função de seu prazo alongado (de 2 a 4 anos) e das condições similares às do próprio cumprimento da pena em regime aberto (condições da prisão domiciliar), a qual poderia ser cumprida em poucos meses.

De resto, são raros os casos em que é cumprido o disposto no art. 152, parágrafo único, da Lei 7.210/84, segundo o qual o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação, não só pela falta de tais programas como por causa do exíguo tempo que o sentenciado gasta para cumprir integralmente a pena. E isso quando a cumpre, pois, com penas tão baixas, a simples demora do processamento da ação penal (ou mesmo o seu protelamento mediante a interposição de seguidos recursos por parte da defesa técnica) acaba dando azo para se operar a prescrição retroativa pela pena in concreto. E também não há estudos empíricos disponíveis, no caso brasileiro, que comparem o impacto, na vida da vítima e do ofensor, das penas aplicadas após uma sentença condenatória definitiva com o impacto causado pelo instituto despenalizador da suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95, art. 89), por exemplo.

Significa dizer que, apesar da aura de lei penal duríssima e intransigente transmitida pela mídia à população, a Lei Maria da Penha cumpre bem a função de prevenção geral positiva sem ser, na prática, realmente punitiva (sem implicar a pena privativa de liberdade após a condenação), pois há muitos mecanismos outros de caráter extrapenal, sem contar a competência cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, expressa nos arts. 13, 14, 15, 25, 27 e 33 da Lei 11.340/06.[17] De maneira que, desde que a Lei entrou em vigor, há deturpação quando se associa ela unicamente ao maior rigor penal e processual penal,[18] olvidando-se todas as demais previsões de cunho protetivo, assistencial, preventivo e de competência cível dos Juizados da Mulher, competência essa que vem sendo sistematicamente negada pelos juízes, que acabam exercendo apenas competência criminal, sem dar concretude, por exemplo, às medidas protetivas relacionadas ao direito de família, aos direitos patrimoniais e trabalhistas da ofendida, tais como as dos arts. 9º, § 2º, I e II, 22, IV e V, 23, IV, e 24 da Lei Maria da Penha, além de impor a revitimização ao obrigá-la a descrever de novo a mesma situação de violência também junto à Vara Cível ou de Família.[19]

Os atores jurídicos do sistema, portanto, devem se esforçar em dar efetividade à Lei Maria da Penha nessa parte, não só postulando medidas restritivas da liberdade de ir e vir e de outros direitos do agressor, mas também amparando a vítima com relação às questões relacionadas ao seu afastamento por até 6 meses do local de trabalho (com manutenção de vínculo trabalhista), prioridade de sua remoção (caso seja servidora pública), prestação de alimentos provisórios ou provisionais, regulação provisória da guarda e do regime de visitas dos filhos menores, separação de corpos[20] e medidas garantidoras de seu patrimônio particular e da sociedade conjugal. As medidas protetivas relacionadas a tais questões vêm sendo desprezadas, sendo que todas elas, se tempestivamente aplicadas, contribuiriam e muito em termos de prevenção especial, diminuindo-se a probabilidade de que uma dessas questões conflituosas entre a vítima e o agressor pudesse servir novamente de estopim ou pretexto motivador ou potencializador de novos atos de violência. O enfoque extrapenal, ademais, está presente nas legislações estrangeiras, a exemplo da lei inglesa de 1976 Domestic Violence and Matrimonial Proceedings Act, que prevê o deferimento de medidas protetivas praticamente idênticas às da Lei 11.340/06 no âmbito da jurisdição civil, inclusive com a obrigatoriedade de comparecimento em programas de reabilitação (SABADELL, 2005, p. 10).

Nesse sentido, um dos países pioneiros na tutela extrapenal mediante medidas protetivas em violência doméstica foram os Estados Unidos. A previsão legislativa de tais medidas começou a surgir em 1976, sendo que em 1994 todas as 50 unidades federadas norte-americanas já possuíam alguma forma de legislação cível semelhante, continuando tais medidas, na atualidade, a constituírem o principal meio de proteção das vítimas. Na maioria dos Estados americanos, o descumprimento dessas medidas protetivas configura crime e implica a prisão do ofensor, além de eventual pagamento de multa cumulativamente. A terminologia utilizada pelas legislações estaduais varia muito, mas comumente são referidas como protective orders ou stay-away orders na justiça criminal e como civil restraining orders ou civil protective orders na justiça cível, e às vezes essa terminologia é intercambiável (KO, 2002, p. 362-364; BEZERRA, p. 42-44).

Na justiça criminal norte-americana, as ordens de proteção tem vigência no curso do processo apenas e estão relacionadas à manutenção da regularidade do curso processual e às estratégias da acusação, isto é, as ordens estão mais associadas à efetividade do processo e sua desobediência pode implicar aumento da pena e até prisão, a exemplo das medidas cautelares brasileiras, em especial as do art. 319 do nosso CPP. Já as civil restraining orders têm caráter civil e são independentes de uma ação criminal, sendo processadas por um juiz civil no âmbito de um procedimento civil próprio a partir da solicitação e relato da situação de violência pela vítima num formulário-padrão. Assim como na citada lei inglesa, as civil restraining orders americanas em tudo se assemelham às medidas protetivas da Lei Maria da Penha (SUXBERGER, 2007), pois têm disposições que vão desde o afastamento do ofensor da residência comum até aquelas de direito de família e direitos patrimoniais, como a guarda temporária exclusiva dos filhos por parte da vítima e a fixação de pensão alimentícia para os mesmos. Tais medidas são imediatamente deferidas sem prévia oitiva do agressor e têm vigência temporária até a realização de uma audiência judicial, que normalmente ocorre entre 10 e 20 dias depois, ocasião em que, após a oitiva dos envolvidos e análise do caso, poderá ser deferida uma medida protetiva de caráter permanente que poderá durar até três anos (como ocorre no Estado da Califórnia), sendo que a medida poderá ainda ser renovada após esse prazo mesmo sem que tenha havido reincidência na prática da violência.

As civil restraining orders são mais acessadas pelas vítimas, pois lhes oferecem alívio imediato em relação ao comportamento do ofensor, além de o nível de exigência probatório não ser o mesmo de um procedimento criminal nem demorar tanto e ter as incertezas e sofrimentos de tal procedimento, como a possibilidade de o fato não constituir crime. Além disso, as civil restraining orders ajudam a reduzir o medo da vítima de retaliação por parte do ofensor, pois servem apenas para lembrar ao ofensor que futuras agressões estão proibidas, ao passo que as protective orders ou stay-away orders típicas de um procedimento criminal tendem a lembrar mais o agressor sobre o processo criminal em curso e a punição que está por vir, fazendo nascer no ofensor sentimentos de vingança. Em suma, o principal objetivo das civil restraining orders é criar uma via alternativa ao simples e automático processamento criminal do agressor para proteger as vítimas de novos ataques, sendo que tal objetivo de fato coincide com o maior interesse das vítimas (KO, 2002, p. 365-390).


6. A necessária distinção entre medidas protetivas e medidas cautelares

A compreensão inadequada do instituto das medidas protetivas de urgência, segundo a qual elas estariam vinculadas à intervenção penal como cautelares e não à intervenção extrapenal (ainda que com funções protetivas e preventivas às quais também está direcionado o direito penal), conduz a situações de aplicação desigual da Lei Maria da Penha na práxis forense, com decisões judiciais com múltiplos e incompatíveis sentidos (BECHARA, 2010), criando-se insegurança jurídica e injustiça a um só tempo, ao deixar desprotegida parte das mulheres-vítimas que demanda o sistema de justiça ora porque a vítima se retratou da representação (nos casos de crimes de ação pública condicionada), ora porque não há indícios suficientes de autoria, materialidade e tipicidade jurídico-penal para se deflagrar ou manter o curso de uma ação penal. Além disso, há manifestações de violência contra a mulher as mais variadas possíveis, a exemplo da prática conhecida por stalking,[21] que pode não constituir de forma precisa qualquer infração penal, mas configura uma ou algumas das modalidades de violência elencadas no art. 7º da Lei Maria da Penha, dentre outras.

Na redação do Projeto de Lei originário do Poder Executivo (PL 4.559/2004), realmente constava a expressão “medidas cautelares” onde se lê hoje na Lei 11.340/06 a expressão “medidas protetivas de urgência”. Todavia, o Projeto recebeu, em agosto de 2005, substitutivo da relatoria da Deputada Jandira Feghali assim que chegou à Câmara dos Deputados, no âmbito da Comissão de Seguridade Social e Família, o qual foi aprovado à unanimidade após debates e audiências públicas (BIANCHINI, 2011, p. 227). Dentre as modificações realizadas pelo substitutivo, estava a troca da expressão “medidas cautelares” por “medidas protetivas de urgência”, justamente para haver adequação à teleologia acentuadamente protetiva da nova Lei, o que veio a implicar, diga-se de passagem, a criação do neologismo “protetiva” (que remonta à terminologia norte-americana e está ausente nas Leis 8.069/90 e 10.741/03), sendo certo que até mesmo a Lei 12.403/11 manteve tal terminologia distintiva das medidas cautelares no novel art. 313, III, do CPP, o qual preceitua que será admitida a decretação da prisão preventiva se o crime envolver violência contra a mulher para garantir a execução das medidas protetivas.

Os requisitos indispensáveis ao deferimento das medidas protetivas não se confundem com os requisitos típicos das ações cautelares (fumus boni juris e periculum in mora nas cautelares cíveis e fumus comissi delicti e periculum libertatis nas cautelares penais, nos termos dos arts. 282, I e II, e 312 do CPP). Foi a própria Lei 11.340/06 que determinou, sem fazer qualquer referência ao disposto no art. 312 do CPP, e independentemente de qualquer outro fator ou circunstância processual, que as medidas protetivas serão aplicadas isolada ou cumulativamente sempre que os direitos reconhecidos pela Lei 11.340/06 forem ameaçados ou violados, ou ainda substituídas (fungibilidade das medidas), sem mais nada exigir ou mencionar (art. 19, § 2º). Outrossim, se o juiz entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, também concederá as medidas protetivas pertinentes (art. 19, § 3º). A única ressalva que se deve fazer é que o art. 19, caput, da Lei impede a concessão ex officio pelo juiz das medidas, malgrado ele possa deferir medidas diversas das requeridas quando entender serem mais eficazes, a depender do caso. De mais a mais, o art. 22, caput, da Lei é clarividente ao prever que, constatada quaisquer daquelas formas de violência contra a mulher especificadas no art. 7º da Lei (logo, independentemente da existência de prova de crime, de juízo positivo de tipicidade jurídico-penal ou ainda do oferecimento ou não de representação nos casos de ação penal pública condicionada), o juiz poderá aplicar quaisquer das medidas protetivas previstas expressamente na Lei, sem prejuízo de outras previstas na legislação extravagante, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem (art. 22, § 1º). Conforme afirma Alice Bianchini (2011, p. 234):

(...) para embasar [a] conclusão de que as medidas protetivas diferem, em muito, das cautelares, convém lembrar que o art. 22 da Lei Maria da Penha, que prevê a aplicação, pelo juiz, das medidas protetivas de urgência, traz como exigência a simples constatação de violência doméstica e familiar contra a mulher, não fazendo alusão à necessidade da materialidade do delito e de indícios de sua autoria (como se dá com as cautelares). (...) As medidas protetivas da Lei Maria da Penha possuem natureza jurídica distinta das medidas cautelares do CPP; enquanto aquelas objetivam garantir a eficácia dos direitos oriundos da Lei Maria da Penha, estas têm por propósito a tutela do processo e da eficácia da justiça criminal.

Do cotejo dos citados dispositivos legais, infere-se que o deferimento ou indeferimento das medidas protetivas se dá em sede de cognição sumária a partir de juízo de verossimilhança das alegações da vítima e dos indícios da existência de uma situação de violência doméstica, familiar ou decorrente de vínculo de afetividade que justifica a tutela da vítima mediante provimento jurisdicional liminar mandamental transitório no âmbito de procedimento simplificado (Lei 11.340/06, art. 19, § 1º), ao menos enquanto perdurar o quadro de ameaça de violência (regra rebus sic stantibus), o que também difere das fungíveis medidas antecipatórias e cautelares tipicamente cíveis, conforme os requisitos do art. 273 do CPC, pois as medidas protetivas cuidam de tutela concedida em fase única, não havendo fase dupla de apreciação de tutela antecipada e tutela final como sucede no processo de conhecimento do CPC, assim como não há um processo propriamente executivo nos termos do CPC. O caráter extrapenal das medidas protetivas também é entrevisto pela previsão dos §§ 3º e 4º do art. 22 da Lei 11.340/06, os quais, para garantir a efetividade das medidas protetivas do art. 22, mandam aplicar o art. 461, caput e §§ 5º e 6º, do CPC, que, por sua vez, cuida do cumprimento das obrigações de fazer e não fazer mediante as tutelas preventivas inibitória (para impedir a prática do ilícito) e reintegratória (para impedir a continuação do ilícito) (DIDIER JR. e OLIVEIRA, 2008), outorgando-se ao juiz amplos poderes para conceder a tutela específica das obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa, ou ainda determinar as providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Corrêa e Campos (2009, p. 384), assim como Carvalho (2010, p. 484) também asseveram que da decisão (que defere ou indefere a medida) cabe o recurso de agravo previsto no art. 522 do CPC e não o recurso em sentido estrito do CPP, já que se trata de pretensão de ordem civil e não criminal, para então logo em seguida concluírem que:

(...) a medida protetiva tem natureza acautelatória especial, visto que não é submetida a prazo ou outras condições do Código de Processo Civil, tratando-se, efetivamente, de uma tutela de amparo sui generis. Assim, enquanto perdurar a necessidade vivenciada pela vítima, necessária é a manutenção das referidas medidas, devendo a vítima, contudo, ser encaminhada à Defensoria (inc. II do presente artigo [art. 18 da Lei 11.340/06]), para a formulação de suas pretensões definitivas (...) (CORRÊA e CAMPOS, 2009, p. 386). [itálico nosso]

As medidas protetivas de urgência não se confundem com as medidas cautelares previstas no Código de Processo Civil, uma vez que podem constituir um fim em si mesmas, independentemente de propositura de qualquer outra ação, não se definindo como medidas cautelares satisfativas, pois, conforme prevê os §§ 2º e 3º [do art. 19 da Lei 11.340/06], elas poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras, de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados, sendo que o juiz poderá, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas. Pode-se dizer, portanto, que as medidas protetivas de urgência funcionam como liminares satisfativas, usualmente concedidas inaudita altera parte, cabíveis para tutela imediata de direitos (...) (CORRÊA e CAMPOS, 2009, p. 391-392).[22]-[23][itálico nosso]

Deve-se também ser assinalado que a Lei Maria da Penha outorgou capacidade postulatória diretamente à mulher-vítima para requerer diretamente ao juiz as medidas protetivas (art. 27, in fine), o que mais uma vez reforça o posicionamento de que tais medidas não têm natureza cautelar, muito menos cautelaridade processual penal, pois, fosse assim, a capacidade postulatória teria que ser privativa do Ministério Público, que é quem detém a titularidade exclusiva da ação penal pública e das respectivas cautelares.

Como visto, não há nada na própria Lei que permita inferir a natureza puramente cautelar das medidas em relação a eventual processo penal ou mesmo cível, porquanto o escopo delas é de tutela pessoal, patrimonial e familiar da mulher-vítima (CARVALHO, 2010, p. 477) por meio de obrigações de fazer e não fazer (de natureza cível) e não o de tutela instrumental de processos, muito embora possa haver coincidência na previsão normativa de tais tutelas, a exemplo das medidas cautelares provisionais satisfativas do art. 888 do CPC e das medidas cautelares alternativas processuais penais do art. 319, II e III, do CPP, as quais em tudo se assemelham a algumas das medidas protetivas previstas na Lei 11.340/06.

Na maioria dos casos, a vítima se mostra satisfeita com o resultado produzido pelo deferimento da medida protetiva, denotando desinteresse no prosseguimento do processo criminal (CELMER, 2010, p. 07),[24] assim como é possível que a vítima não tenha interesse nas medidas protetivas, mas sim no prosseguimento da ação penal (hipótese esta mais incomum, mas que também ocorre). Não se pode, ademais, nos crimes de ação pública condicionada, obrigar ou coagir a mulher-vítima a não se retratar da representação (quando ela intenta fazê-lo) e instaurar-se ação penal contra a sua vontade apenas para que ela tenha o “benefício” de manter ao longo da persecução penal judicial a vigência das medidas protetivas outrora deferidas, as quais serão automaticamente revogadas com o arquivamento do inquérito por força da retratação (falta de condição de procedibilidade – art. 395, II, do CPP).

O mesmo raciocínio vale para o crime de injúria, bastante comum nos Juizados da Mulher e que, cuidando-se de ação penal privada, o não-ajuizamento da ação (queixa-crime) no prazo decadencial se dá na maioria dos casos, seja por desinteresse da vítima, seja pela simples falta de assistência jurídica a ela para se promover a ação, haja vista a necessidade de advogado para tal. De sorte que sujeitar o deferimento ou a manutenção das medidas protetivas (como se medidas cautelares fossem) deixaria a quase totalidade das vítimas de injúria desguarnecida, já que, sem a eventual ação pelo crime de injúria (suposto processo principal), não haveria possibilidade de medidas protetivas (suposto processo cautelar acessório), ainda que ela tenha manifestado expressamente o desejo e demonstrado a necessidade das medidas. Evidentemente que beiraria o absurdo condicionar-se o direito a medidas protetivas relativas a direito de família e patrimônio ao interesse na persecução penal, estabelecendo-se uma teratológica relação instrumental supostamente cautelar entre um “processo cível acessório” e um “processo penal principal”.

Certo é que o processamento das medidas protetivas e de eventual ação penal é independente e não interdependente, de maneira que não só o deferimento ou indeferimento das medidas protetivas não depende da existência ou deflagração de uma ação penal ou uma demanda cível principal no prazo de 30 dias, nos termos do art. 806 do CPC (DIDIER JR. e OLIVEIRA, 2008; DIAS, 2010, p. 108-109), bem como a duração de uma medida protetiva não depende da duração de uma ação penal ou cível, pois a vigência de uma medida protetiva teve ter vigência predeterminada de meses ou anos ou enquanto perdurar a situação de violência ou ameaça de ocorrência de violência contra a mulher (regra rebus sic stantibus), até posterior decisão revogatória do Juízo que a deferiu, a exemplo do que sucede na legislação norte-americana, que permite a imposição das chamadas civil restraining orders por períodos que variam de meses a anos, com acompanhamentos periódicos do agressor. O caráter singular extrapenal das medidas protetivas permite à vítima ter acesso a medidas de proteção por parte do Estado mesmo fora de uma situação de prisão em flagrante, o que atende ao desejo de muitas mulheres de não ver o seu ofensor preso e afasta receios de nova violência iminente ao saber de antemão que denunciar a violência na delegacia não vai implicar automaticamente o processamento criminal do ofensor. Por isso, ao contrário do que vem vigorando de forma predominante na doutrina e na prática forense dos Juizados de Violência contra a Mulher, a renúncia ou retratação da representação pela vítima com relação à deflagração da ação penal não tem o condão de, por si só e automaticamente, implicar a cessação dos efeitos da medida protetiva em relação a qual a vítima tem interesse na sua manutenção se a situação de ameaça de violação de seus direitos ainda persiste, conforme requisitos especificados nos arts. 19, §§ 2º e 3º, e 22, caput, da Lei 11.340/06.

Não se cuida, a rigor, de proceder a um esforço hermenêutico, pois, em verdade, não há espaço na Lei Maria da Penha para concluir de forma diferente. E nada impede que as medidas cautelares diversas da prisão preventiva, elencadas no art. 319 do CPP, também sejam aplicadas aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, pois o próprio § 1º do art. 22 da Lei 11.340/06 prevê que a aplicação das medidas protetivas não impede a aplicação de outras medidas previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem. Assim, uma vez preenchidos o fumus comissi delicti (prova da existência do crime e indício suficiente de autoria) e o periculum libertatis (garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou aplicação da lei penal), além dos requisitos da adequação e necessidade, máximas parciais do princípio da proporcionalidade, constantes do art. 282, I e II, do CPP (CRUZ, 2011, p. 91-103 e 138-142), poderá haver casos em que o juiz, no curso de eventual ação penal, imporá as medidas cautelares do art. 319 do CPP isolada ou cumulativamente entre si, inclusive concomitantemente com a imposição de medidas protetivas. Afinal, assim como há medidas cautelares alternativas que não têm previsão equivalente na Lei Maria da Penha (por exemplo, como as do art. 319, I, IV, VI e VIII, do CPP), há medidas protetivas que não têm previsão equivalente no CPP (por exemplo, as previstas no art. 22, I, II, IV e V, as quais obrigam o agressor, sem contar as previstas nos arts. 23 e 24 da Lei 11.340/06).

Tendo havido, no curso de ação penal que envolve violência doméstica, o descumprimento das medidas cautelares alternativas, poderá a prisão preventiva ser decretada, conforme hipótese autônoma do art. 20 da Lei Maria da Penha, conjugada com o parágrafo único do art. 312 do CPP (SUXBERGER, 2011). Já o descumprimento injustificado das medidas protetivas configura crime de desobediência na forma do art. 330 ou do art. 359 do CP, a depender da linha jurisprudencial, tanto que o parágrafo único do art. 10 da Lei Maria da Penha impõe que a autoridade policial tome as providências cabíveis na hipótese de desobediência. A previsão dos §§ 3º e 4º do art. 22 da Lei 11.340/06 (com remissão às regras do art. 461 do CPC) serve para fazer valer no plano concreto as medidas protetivas, a exemplo da imposição de astreintes (multa coercitiva notoriamente ineficaz no caso de ofensores sem recursos financeiros), mas o desatendimento das medidas protetivas não afasta nem poderia afastar a configuração do crime de desobediência, pois, nesse caso, incide a outra hipótese autônoma de prisão preventiva trazida pela Maria da Penha no seu art. 42 (atual previsão do art. 313, III, do CPP), isto é, no caso de haver medidas protetivas em vigor sem a existência concomitante de ação penal nem a possibilidade de futura ação penal, o fumus comissi delicti será a prova da existência do crime de desobediência praticado e o periculum libertatis deverá ser a necessidade de garantia de execução das medidas protetivas (CPP, art. 313, III) conjugada com a necessidade de resguardo da ordem pública, aplicação da lei penal ou conveniência da instrução (CPP, art. 312, caput). É dizer: a prisão preventiva será decretada no âmbito da futura ou presente ação penal pelo delito de desobediência.

Por outro lado, é bem verdade que os delitos mais corriqueiros em matéria de violência doméstica são ameaça, lesão corporal, vias de fato e injúria, cujas penas máximas não atingem mais de 4 anos, patamar que é necessário, segundo o disposto no art. 313, I, do CPP, para decretação da prisão preventiva. Porém, conforme brocardo norteador de questões de direito intertemporal, lei geral não derroga lei especial, ou seja, essa inovação limitadora trazida pela Lei 12.403/11 não tem o condão de derrogar a Lei Maria da Penha no seu art. 20 quando traz hipótese autônoma de decretação da prisão preventiva do ofensor no curso do inquérito ou da instrução criminal, independentemente da existência de medidas protetivas descumpridas. A Lei Maria da Penha é exemplo de discriminação positiva que realmente trata situações desiguais de forma desigual e a possibilidade de prisão no caso de recalcitrância do ofensor está presente nas legislações estrangeiras de violência doméstica. Por isso não cabe aqui a tradicional alegação de homogeneidade (proporcionalidade) da custódia cautelar ao fundamento de que, ao final da ação penal, o acusado receberá uma pena que varia de 1 a 6 meses, isto é, iniciará o cumprimento da mesma em regime aberto ou com penas restritivas de direitos, sob pena de se deixar a mulher desprotegida e à mercê de novas ofensas. Ora, se os fundamentos cautelares do art. 312 do CPP estiverem presentes, e se nenhuma das medidas cautelares alternativas do rol do art. 319 do CPP se revelar suficiente e adequada, caberá sim a prisão preventiva.

Afastada, assim, a natureza cautelar das medidas protetivas não só pela mens legis, como também a partir do exame da mens legislatoris, os requisitos para o seu deferimento devem ser buscados a partir dos pressupostos que ensejaram a própria edição da Lei Maria da Penha e a previsão dessas medidas singulares, a começar pela diferenciação de gênero, em que historicamente há a prevalência e maior valorização dos papéis masculinos em detrimento dos femininos, quadro que se converte em desigualdade de direitos entre homens e mulheres e cujo ápice é a violência contra a mulher nas suas mais variadas formas, praticadas por um homem integrante do ambiente doméstico ou da família ou ainda que tenha tido alguma relação afetiva com a vítima, nos termos dos arts. 4º e 5º da Lei Maria da Penha.


7. Conclusão

Em cumprimento a tratados internacionais de direitos humanos, foi editada a Lei Maria da Penha, cujo eixo protetivo tem acentuado destaque na forma de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher a partir da previsão das medidas protetivas de urgência, a maior inovação da Lei relacionada ao trabalho dos atores jurídicos do sistema de justiça. O uso crescente e corriqueiro de tais medidas por parte das mulheres-vítimas redundou no surgimento de problemas com relação à sua natureza jurídica, seus requisitos e à duração de sua vigência, dentre outros. O presente estudo permitiu concluir que as medidas protetivas traduzem a opção legislativa por uma política criminal extrapenal voltada para os fins de prevenção do direito penal (em contraponto a uma política criminal penal, ancorada unicamente no recrudescimento da intervenção penal, na criminalização de mais condutas e no aumento de penas) e em tudo se assemelham às civil restraining orders americanas.

A Lei Maria da Penha positivou o paradigma de gênero como explicativo da violência contra a mulher, devendo a compreensão adequada das medidas protetivas se dar a partir de tal modelo teórico. Quem está em situação de vulnerabilidade no âmbito da família, no lar ou nas relações de afeto, em razão das relações de gênero, deve receber proteção condizente com essa condição. Do mesmo modo, a intervenção penal continua tendo papel essencial na tarefa de se proteger as vítimas, sobretudo em termos de prevenção geral, o que permite a visibilidade da violência perante os órgãos do sistema de justiça especializado e a adoção de providências imediatas, de que servem de principal exemplo as medidas protetivas, as quais devem ter seu uso reforçado e ampliado, pois apenas uma pequena parte delas (normalmente as restritivas de liberdade e direitos do ofensor) vem sendo concretizada, ao passo que as medidas concernentes aos direitos patrimoniais, de família e trabalhistas vêm sendo relegadas, notadamente em razão da relutância dos Juizados da Mulher em não assumir a sua competência cível.

As medidas protetivas têm natureza jurídica cível sui generis no sentido de constituírem ora ordens mandamentais satisfativas, ora inibitórias e reintegratórias (preventivas), ora antecipatórias, ora executivas, todas de proteção autônomas e independentes de outro processo, as quais visam proteger os bens jurídicos tutelados pela Lei Maria da Penha e não proteger eventual futuro ou simultâneo processo cível ou penal. Assim, as medidas protetivas se distinguem das medidas cautelares previstas no CPP e no CPC e com elas não se confundem. O deferimento das medidas protetivas não depende do interesse da vítima na persecução penal e, uma vez deferidas as medidas, a manutenção de sua vigência, embora transitória, não depende da propositura de eventual ação cível ou penal. As medidas protetivas têm demonstrado que se afiguram eficazes em termos penais de prevenção especial, ao diminuir a probabilidade de reincidência do agressor destinatário da medida e contribuir para a interrupção do ciclo da violência de gênero, trazendo alívio e segurança à vítima. Ademais, a desobediência das medidas protetivas configura ilícito penal que pode ensejar a decretação da prisão preventiva.


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Notas

[1] Vale frisar que tais dados variam de pesquisa para pesquisa, muito embora seja uma constante que ao menos metade ou a maioria das vítimas se desinteressa pelo processamento criminal do ofensor. Em pesquisa de campo realizada na Comarca do Rio Grande-RS entre os dias 10 de junho e 1º de julho de 2009, por exemplo, a partir de um universo reduzido das vítimas de 35 audiências, cerca de metade delas não tinha a intenção de manter a representação criminal contra o ofensor, “haja vista acreditarem na mudança de comportamento do suposto agressor” (CELMER, 2010, p. 04). “(...) Em grande parte das agressões, as mulheres não querem a prisão do marido ou companheiro, mas apenas que a agressão não se repita” (MELLO, 2010a, p. 143).

[2] Exemplos de julgados do TJDFT manifestamente divergentes podem ser conferidos em Bechara (2010).

[3] “O problema não é a postura de certos homens, mas uma cultura que influencia toda a sociedade. Trata-se do patriarcado que consiste em uma forma de relacionamento, de comunicação entre os gêneros, caracterizada pela dominação do gênero feminino pelo masculino. O patriarcado indica o predomínio de valores masculinos, fundamentados em relações de poder. O poder se exerce através de complexos mecanismos de controle social que oprimem e marginalizam as mulheres. A dominação do gênero feminino pelo masculino costuma ser marcada (e garantida) pela violência física e/ou psíquica em uma situação na qual as mulheres (e as crianças) encontram-se na posição mais fraca, sendo desprovidas de meios de reação efetivos” (SABADELL, 2010, p. 274-275).

[4] “A violência doméstica não constitui uma patologia de certos indivíduos, grupos ou classes sociais (‘José é violento’; ‘os alcoólatras são violentos’; ‘os pobres são violentos’), tampouco se trata de um fenômeno aleatório. A violência doméstica, como indicam as pesquisas feministas, é um correlato da construção histórico-social das relações desiguais entre os gêneros. Constitui um meio sistematicamente empregado para controlar as mulheres mediante a intimidação e o castigo, mesmo se, no senso comum, prevalece a ideia de que a violência doméstica é algo isolado, que pode ser atribuído a patologias do homem ou do casal” (SABADELL, 2005, p. 07).

[5] Segundo definição da UNESCO (2002, p. 71), “gênero se refere às relações e diferenças sociais entre homens e mulheres que são aprendidas, variam amplamente nas sociedades e diferentes culturas, e mudam com o passar do tempo. O termo gênero não substitui o termo sexo, que se refere exclusivamente às diferenças biológicas entre homens e mulheres. Por exemplo, dados estatísticos são apresentados por sexo. O termo gênero é usado para analisar as funções, responsabilidades, obrigações e necessidades de homens e mulheres nas diferentes áreas e contextos sociais”.

[6] “Partindo desta constatação, o legislador federal trouxe interessante inovação no âmbito da tutela civil da proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar: a possibilidade de ela demandar as ‘medidas protetivas de urgência’ civis perante a própria autoridade policial, competente para receber a notitia criminis” (DIDIER JR. e OLIVEIRA, 2008).

[7] “Defendendo a função simbólica da pena não como uma retribuição, mas como uma reafirmação do Estado, conferir: RAMÍREZ, Juan J. Bustos; MALARÉE, Hernán Hormazábal. Nuevo sistema de derecho penal. Madrid: Trotta, 2004, p. 57-59” (MELLO, 2010a, p. 145, nota de rodapé nº 23).

[8] Ver Dias (1999, p. 129-136). Vale registrar a impressão de Luís Greco (2000, p. 331), segundo a qual Jakobs vem se libertando do ponto de vista sociológico em favor de uma filosofia do direito por ele mesmo formulada, daí que as referências a Luhmann se teriam se tornado mais escassas em alguns dos mais recentes trabalhos de Jakobs.

[9] A propósito, conquanto o tenha feito há mais de dez anos, Luís Greco pontua, em nota de rodapé, que “a teoria da prevenção geral positiva é hoje francamente majoritária, inclusive entre penalistas não adeptos do funcionalismo” (2000, p. 322).

[10] Para uma resenha completa das teorias da pena, ver Dias (1999, p. 87-136), Roxin (1998, p. 15-47) e Suxberger (2006, p. 107-120), de onde foram extraídos os apontamentos do presente artigo.

[11] Em pesquisa realizada pelo Instituto Avon (2011) junto à população sobre a Lei Maria da Penha, 94% dos entrevistados afirmou conhecer a Lei e 60% pensa que, caso o agressor seja denunciado, ele vai preso, o que não constitui uma percepção de todo equivocada da população, já que, realmente, cabe prisão em flagrante e prisão preventiva nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

[12] A assertiva é feita a partir da vivência prática diária nos Juizados contra a Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Distrito Federal, pois não se logrou identificar pesquisas que ofereçam dados empíricos acerca do índice de reincidência após o ofensor ser intimado dos mandados judiciais de medidas protetivas.

[13] “Como dito, a maior parte dos processos é arquivada ou suspensa logo de início. Analisando-se a situação dos processos no momento da pesquisa, vê-se que 80% deles se encontram nessas duas situações. É muito pequeno o número de casos que chegam a gerar um processo criminal (apenas 11% do total, entre arquivados e em curso)” (OLIVEIRA et al., 2009, p. 09).

[14] “Como há instauração de poucos processos criminais, quase não há registro de sentença condenatória. A maior parte das sentenças (60%) é pelo arquivamento por desistência de representação de parte da vítima (a “retratação” da vítima), e 15% extinguem o processo por outros motivos (em geral, prazos vencidos ou insuficiência de provas)” (OLIVEIRA et al., 2009, p. 09-10).

[15] A quase totalidade dos casos que tramitam nos Juizados de Violência contra a Mulher (na ordem de mais de 90%) diz respeito a lesão corporal, injúria, ameaça e vias de fato (OLIVEIRA et al., 2009, p. 03).

[16] Note-se que há ainda a vedação pela substituição por cestas básicas, multa e outras formas de prestação pecuniária, conforme art. 17 da Lei 11.340/06.

[17] “A previsão de um juizado com competência tão ampla reforça a ideia central da Lei de proteção integral à mulher vítima de violência, facilitando seu acesso à justiça e permitindo que o mesmo julgador tome ciência de todas as questões envolvendo o conflito, como a ação penal, a separação de corpos, a fixação de alimentos etc. Para garantir efetividade à Lei, no âmbito da solução judicial dos conflitos, é preciso afastar a tradicional visão fracionada do direito que divide e limita competências. No mesmo processo torna-se viável punir o agressor, na órbita criminal, tomando-se medidas de natureza civil” (DIAS, 2010, p. 178). Ver Corrêa e Campos (2009, p. 359-361).

[18] Sobre a preocupação com a deturpação do sentido originário do projeto que resultou na Lei Maria da Penha, em detrimento da extensa e promissora parte extrapenal da Lei, conferir Castilho (2007), Bezerra (2007), Suxberger (2007) e Mello (2010b, p. 939).

[19] Um dos fatores responsáveis por essa deturpação é a circunstância de os juizados de violência contra a mulher não terem ainda sido estruturados tal como determinou o art. 33 da Lei 11.340/06, de modo que a competência cível e criminal de tais Juizados continua sendo cumulada com a dos Juizados Especiais Criminais preexistentes, os quais, por sua vez, regem-se por princípios e objetivos com os quais a Lei Maria da Penha buscou romper.

[20] Apesar da superveniência da Emenda Constitucional 66/2010, a separação de corpos continua – ao que tudo indica – a ter relevância e se distinguir do simples afastamento do lar, seja do ofensor ou da ofendida. Nesse sentido, vale conferir a modalidade de usucapião especial urbana, por abandono do lar, instituída pelo novel art. 1.240-A do CC/2002, na redação dada pela Lei 12.424/2011.

[21] O termo stalking é considerado crime por algumas leis norte-americanas e consiste em múltiplas formas de perseguição e assédio contra a vítima, causando-lhe principalmente violência psicológica e moral, diante de comportamentos do ofensor como presença nos locais de trabalho e residência da vítima, insistência em ligações telefônicas, envio de presentes, envio reiterado de mensagens pela Internet, vigilância constante dos passos da vítima, invasão da vida privada e intimidade da vítima etc. Como os danos emocionais, psicológicos e à honra e reputação da vítima são enormes, se ela não for devidamente amparada com medidas judiciais, acaba tendo que mudar sua vida e rotina, trocando telefone, residência e trabalho, tudo para se ver livre do agressor e evitar consequências mais graves, tais como um homicídio.

[22] Apesar da adoção da linha de entendimento de que as medidas protetivas são institutos de caráter sui generis e não cautelar, mais à frente da exposição, Corrêa e Campos (2009, p. 392) aparentemente se contradizem ao falarem que as medidas protetivas devem durar enquanto perdurar a instrução e julgamento do processo criminal, ou seja, dão a entender que elas funcionariam, na prática, como medidas cautelares de eventual processo penal, conclusão que o presente artigo refuta.

[23] “Partindo da premissa de que são medidas provisionais – e, pois, cíveis – e de que o art. 13 admite a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil naquilo que não for incompatível com a lei específica, deve-se aplicar aqui o sistema recursal do CPC. Desse modo, contra a decisão interlocutória que defere ou indefere a medida protetiva, caberá o recurso de agravo de instrumento; contra a decisão final caberá apelação. Esses recursos deverão ter o seu mérito apreciado pelo órgão fracionário do tribunal com competência para a apreciação das causas cíveis. (...) Do mesmo modo, nada impede que o tribunal, através do seu regimento interno, atribua a competência recursal a uma Câmara ou Turma criminal, a despeito da natureza civil da matéria” (DIDIER JR e OLIVEIRA, 2008).

[24] Embora ainda não haja pesquisas empíricas, vale lembrar que o cumprimento gradativo dos arts. 27 e 28 da Lei Maria da Penha (que tratam da assistência judiciária da mulher) indica que haverá, com o tempo, diminuição das elevadas estatísticas atuais de desistência do processamento criminal do agressor, isto é, a mulher-vítima acompanhada e assistida por advogado passa a se sentir mais empoderada, amparada e segura, ficando mais propensa a seguir com o processo criminal.


Abstract: The article intends to focus on the civil restraining orders (civil protective orders) of the Law 11.340/06 (Maria da Penha Law) from an interdisciplinary view in the plans dogmatic, criminological and of criminal policy in order that some of the problems arising from the advent of restraining orders be elucidated. The research revealed that the restraining orders mechanisms are sui generis, whose legal nature distinguishes itself from civil and criminal precautionary actions. Such orders are the result of the legislative option by a non-punitive criminal policy and have relationship with the explanatory paradigm of gender violence against women established by the Maria da Penha Law. The penal intervention, on the other hand, also has a synergic role in the mission of protecting woman-victim.

Keywords: Maria da Penha Law – civil restraining orders (civil protective orders) – non-punitive criminal policy – paradigm of gender – legal nature – precautionary actions – penal intervention.


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Informações sobre o texto

Artigo originalmente publicado na Revista do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Brasília, v. 1, n. 5, p. 121-168, 2011

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Amom Albernaz. A opção legislativa pela política criminal extrapenal e a natureza jurídica das medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3533, 4 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23868. Acesso em: 25 abr. 2024.