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Furto famélico: excludente de ilicitude por justificação (estado de necessidade) ou excludente da culpabilidade por inexigência de conduta diversa supralegal?

Furto famélico: excludente de ilicitude por justificação (estado de necessidade) ou excludente da culpabilidade por inexigência de conduta diversa supralegal?

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A exclusão da ilicitude e da culpabilidade foram adotadas pelo sistema penal brasileiro, no entanto, provoca uma angustiante a situação: se por um lado é pro misero, por outro pode ser causa geradora de insegurança jurídica.

Resumo: Nos crimes de “furto famélico” a maioria da jurisprudência se posiciona no sentido de aplicar o estado de necessidade, como excludente da ilicitude, devendo, no entanto, estar configurados os requisitos do artigo 24 do código penal brasileiro. Seguindo esse direcionamento, apenas quando o agente estiver sem condições de conseguir realizar qualquer ação, por debilidade física, ensejada pela carência alimentar, é que o estado de necessidade poderia ser configurado atendendo todos os requisitos do artigo supracitado. Não obstante, existe o posicionamento diverso, em que estando o indivíduo que subtraiu alimentos, em estado de grande penúria, devido sua condição de miserabilidade caótica e tendo seu âmbito de escolha reduzido por tal situação, deveria ser aplicado ao caso, a excludente de culpabilidade: inexigência de conduta diversa supralegal, que encampada pela teoria da co-culpabilidade propõe modificações na lei penal. Tais modificações se fazem necessárias, vez que o sistema penal tem-se mostrado incoerente com a realidade do país e com a própria Constituição Federal de 1988, se mostrando desprovido de legitimidade. Com o estudo da realidade sócio-econômica, dos direitos fundamentais, da legitimidade do sistema penal vislumbrados pela teoria da co-culpabilidade, tem-se um parâmetro diferente para analisar o que seria necessário para minorar a triste realidade punitiva do direito penal que invariavelmente se evidencia como produto ideológico da classe dominante.

Palavras-chave: realidade sócio-econômica: furto famélico: estado de necessidade: inexigência de conduta diversa supralegal.

Sumário: Introdução. 1. A fatídica realidade. 2. O fim e a legitimidade atual do sistema penal. 2.1 Finalidade do direito penal. 2.2 A legitimidade jurídico-penal. 2.3 Dos princípios fundamentais. 3. Conceituação e constituição caracterísca do crime, sua excludente e exculpante no “furto famélico”. 3.1 Conceito e constituição do crime. 3.2 Estado de necessidade. 3.3 Excludente de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa supralegal). 3.3.1 A teoria da co-culpabilidade. 3.3.2 Terminologia. 3.3.3 Aplicação às avessas da co-culpabilidade. 3.3.4 O princípio da co-culpabilidade e a constituição de 1988. 4. Estado de necessidade justificante ou inexigibilidade de conduta diversa supralegal? 4.1 Algumas decisões. 4.2 Possibilidade de mudança na legislação penal. Conclusão. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO

O respeito à dignidade humana implica de maneira compulsória a satisfação das necessidades básicas do homem, tais como alimentação, saúde, educação e lazer, atributos que vêm constituir, desde o movimento contratualista, o elenco dos chamados Direitos Naturais. Tais direitos motivaram os principais movimentos revolucionários do mundo e constituíam os princípios fundamentais garantidos nas cartas constitucionais, desde seu aparecimento no século XVII, até os dias de hoje.

A Constituição da República Federativa do Brasil, denominada também por constituição cidadã, promulgada em 1988, nos garante um Estado Democrático de Direito, com fundamento na cidadania, na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho, dentre outros, objetivando construir uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e da marginalização, para reduzir as desigualdades sociais e regionais, na promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, assegura, também, aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, estabelecendo que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim garantir a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, tais como a função social da propriedade, a busca do pleno emprego e a redução das desigualdades regionais e sociais (CF, arts. 1°, II a IV; 3°, 1, III e IV; 5°, caput ; 170, caput e incisos III, VII e VIII). (BRASIL, Constituição ,1988)

Entretanto, tais direitos, apesar de expressos nas constituições formais ou costumeiras, dos Estados democráticos que se dizem também de Direito, nem sempre são respeitados. O descaso das autoridades públicas, representativas do Estado, mantêm um número significativo de pessoas que vivendo à margem dos direitos humanos, não possuem o mínimo necessário, de modo a se poder afirmar que não estão sendo respeitadas em sua dignidade humana ou que não estão tendo seus direitos garantidos pelo Estado.

O impacto dessa miséria extrema - que expropria o ser humano de qualquer responsabilidade moral - justifica o cometimento do furto famélico escusado pelo estado de necessidade ou afasta a culpabilidade do agente pela aplicação da inexigibilidade de conduta diversa supralegal?

A exclusão da ilicitude e da culpabilidade foram adotadas pelo sistema penal brasileiro, no entanto, provoca uma angustiante a situação: se por um lado é pro misero, por outro pode ser causa geradora de insegurança jurídica.

A omissão do Estado quanto à sua responsabilidade como provedor dos direitos inalienáveis do homem e garantidores de sua dignidade, tem causado, sem sombra de dúvida, uma situação incongruente: de um lado aqueles que tentam sobreviver, tendo seu direito à vida, usurpado pela omissão Estatal que não cria condições mínimas para tanto; de outro a sociedade que se vê em um suposto aumento de impunidade geradora do caos e da ordem. O Estado, nascido para garantir o respeito à dignidade humana, enquanto se mantêm omisso é o primeiro a desrespeitá-la.


A lei é feita para todos,mas só ao pobre obriga.

A lei é teia de aranha,

Em minha ignorância tentarei explicar,

Não a temam os ricos,

Nem jamais os que mandam,

Pois o bicho grande a destrói

E só aos pequeninos aprisiona.

A lei é como a chuva, nunca pode ser igual para todos.

Quem a suporta se queixa,

Mas a explicação é simples;

A lei é como a faca que não fere quem a impunha.

(FIERRO, Martin, apud ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal, p. 42.)


1. A fatídica realidade

O modelo liberal, adotado pelo Estado Democrático de Direito, promovendo a concentração do capital e com isso aumentando as desigualdades sociais, disseminou pelo mundo uma grande massa de desempregados e consequentemente de famintos. Contrariando o prelecionado na declaração universal dos direitos humanos em seu art. 1º em que “todos seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” (Declaração universal dos direitos humanos disponível em: <https://www.unhchr.ch/udhr/lang/por.htm>).

Em razão inversamente proporcional, encontram-se, os índices de criminalidade e a assistência dada pelo Estado aos seus cidadãos. Quanto menos assistência o homem recebe das Instituições Públicas, maior é o índice de criminalidade. O “mundo hobbesiano” materializa-se na selva de concreto, onde só o homem mais feroz, impiedoso e inescrupuloso é apto à sobrevivência. A opção pela vida é o objetivo primeiro. Sendo o homem “o lobo do outro homem”, o que vale é a sua própria vida em detrimento das demais.

O maior direito ou bem que qualquer pessoa possui é a vida. “Isto está na lei, nos costumes, nas religiões e no pensamento de todos os povos do mundo, sem distinção de época ou lugar”. (SALES, 1998).

Na luta pela sobrevivência, o furto famélico acaba justificando ou exculpando, a conduta do agente, pela preservação de um valor maior: a vida! A falta de emprego e de perspectivas gera um crescente número de miseráveis, o que, consequentemente, leva a um aumento dos saques famélicos. Apesar de escusados pelo estado de necessidade ou inexigibilidade de conduta diversa supralegal - o que o exclui do rol dos ilícitos ou dos culpáveis - o furto famélico não se vê resolvido em suas causas. A sociedade continua arcando com o prejuízo.

Sendo assim, o Estado, enquanto permanece omisso em sua missão de prover das necessidades básicas de seus cidadãos, torna-se co-responsável pelo “crime” em pauta.

A legislação penal da América Latina, fortemente repressiva, reflete a crise generalizada com que hoje se defronta o direito penal e a inadequação às realidades nacionais. O fenômeno da criminalidade, nesta parte do mundo, está intimamente relacionado com as condições de uma estrutura social opressiva, profundamente injusta e desigual. O legislador ingenuamente pretende resolver com o instrumental punitivo problemas sociais [..] (FRAGOSO, apud MOURA, 2006, p 69).


2 O fim e a legitimidade atual do sistema penal

2.1 Finalidade do direito penal

Para a própria sobrevivência da sociedade, o direito penal tem como finalidade a proteção dos bens jurídicos mais importantes. Neste sentido, “o pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos – essenciais ao indivíduo e à comunidade.” (PRADO apud GRECO, 2003, p. 3-4).

Não podendo ser suficientemente protegidos por outros ramos do direito, devido a serem valiosos do ponto de vista político, os bens tutelados pelo direito penal deverão estar apontados precisamente no tipo penal. A lei penal ainda deve delimitar qual bem jurídico que por seu intermédio será protegido.

A fonte dos bens essenciais e mais importantes é a constituição. Nos dizeres de Greco (2003), servindo a Lei Maior como norteadora do legislador, para que selecione os bens tidos como mais importantes, faz-se indispensável - que devido a grandeza dos valores tais como a liberdade, a segurança, o bem estar social, a igualdade e a justiça - que o Direito Penal não lhes vire as costas.

E continuando afirma que a constituição exerce um duplo papel, pois, elegendo valores indispensáveis à sociedade, orienta o legislador e pela concepção garantista do direito penal, visa impedir ao próprio legislador que com intenções supostamente protetivas dos bens, venha a determinar comportamentos que violem os direitos fundamentais consagrados pela constituição.

Como o direito visa regular as condutas humanas em sociedade, deve possuir aspirações éticas, pois, ao regular a vida em sociedade comina aos homens que se adaptem a tais regulações. “O fim de prover à segurança tutelando bens jurídicos é o que marca um limite racional à aspiração ética do direito penal [...]”. (ZAFFARONI E PIERAGELI, 2003, p. 98).

2.2 A legitimidade jurídico-penal

Ao se confrontar a realidade social com a normatividade imposta pelo sistema penal, percebe-se que a norma baseada em uma realidade inexistente, não é capaz de levar a termo o que programa.

O sistema penal demonstra – ou ao menos tenta – a aparência de segurança que é devida à solução dos fatos que lhe são confrontados:

É bastante claro que, o discurso jurídico-penal racionaliza cada vez menos – por esgotamento de seu arsenal de ficções gastas -, os órgãos do sistema penal exercem seu poder para controlar o marco social cujo o signo é a morte em massa.

Cálculos provenientes de fontes confiáveis estabeleceram que, em nossa região [América Latina] morrem anualmente, cerca de duzentas mil crianças durante o primeiro ano de vida, em conseqüência das carências alimentares ou sanitárias básicas. Um número igual ou maior sobreviverá, mas jamais alcançará seu completo desenvolvimento biopsíquico devido às seqüelas provocadas por essas carências. (Zaffaroni, 2001, p.13).

Demonstra-se que a “faculdade do discurso jurídico-penal alcança tal magnitude de evidência que desaba, desconcertando o penalismo [...]”. (Zaffaroni, 2001, p.16).

O sistema penal deve agir em conformidade com sua própria sistemática, pois, apenas será legítimo na medida em que for coerente. Terá valor de verdade quando atuar em consonância com a realidade social, tendo fundamentação antropológica, que deverá ter em conta o homem, como pessoa, sendo pessoa entendido como “a qualidade que provem da capacidade de autodeterminar-se em conformidade com um sentido [...]”. (Zaffaroni, 2001, p.17).

O aludido autor em seqüência afirma que a projeção social efetiva do que fora planejado explicitamente no discurso jurídico-penal, deve ser realizada em alguma medida e que tal discurso é elaborado sobre um texto de lei que explicita dogmaticamente a justificativa e o alcance de um planejamento “na forma do 'dever ser', ou seja, como um ser que 'ainda não é'.” (2001, p. 18).

Continuando, leciona que o discurso penal, para ser socialmente verdadeiro, deverá atender os níveis de verdade abstrata e concreta. No nível de verdade abstrata, a legislação criminalizante poderá ser considerada como um meio adequado para a obtenção dos fins propostos. No entanto, seria inverídico um discurso penal que colocasse a tipificação da fabricação de caramelos entre os delitos contra a vida. Já no nível concreto, deverá ser exigido dos operadores do direito, integrantes do sistema penal que interpretem e apliquem o direito na realidade, de acordo com as leis. Analisa ainda que também não é socialmente verdadeiro o discurso jurídico-penal, quando os órgãos policiais, ministério público e os meios massivos de comunicação social contemplam passivamente o homicídio de milhares de pessoas. Dessa forma, o nível de verdade abstrata para ser socialmente verdadeiro, deverá adequar o meio aos fins propostos pela lei, ao passo que no nível de verdade concreta, deverá existir uma adequação mínima, conforme o ordenamento penal. Dito de outro modo, o discurso jurídico penal é falso quando não satisfizer estes dois níveis, pois, se “desvirtua como planificação (dever ser) de um ser que ainda não é, para converte-se em um ser que nunca será, ou seja, que engana, ilude e alucina.” (2001, p. 19).

O discurso jurídico-penal se demonstra incoerente principalmente com sua fonte originária – a constituição federal. A eficácia dos direitos e da liberdade emanados por este diploma, que os indivíduos fruem, é dada por meio da organização estatal ou ordem jurídica. Por se tratar de direitos e não de privilégios, de liberdade no interesse de todos e de cada um, acaba sendo também uma determinação desses direitos, sem o que se cairia em uma das condições: estado de natureza, despotismo, caos arbitrário ou "liberdade" sem lei (determinação), ou ainda na supressão das liberdades para conferi-las como privilégio à alguns.

A igualdade tão defendida pelo sistema jurídico nos dizeres de Salgado (1996), “é ape­nas um patamar abaixo do qual seria o homem reduzido à condição infra-humana (o que o Estado deve impedir) e acima do qual o homem deve progredir, o que o mesmo Estado deve incentivar.”

A dissociação entre o discurso e a prática dos direitos fundamentais, pode ser simbolizado entre milhares por um exemplo prático: falar, (reconhecer, fazer previsões legais) da necessidade de um prato de comida para viver, é tratar de um tema que expressa, de maneira fulcral, o conteúdo de um direito fundamental contido no pressuposto básico da dignidade humana (não há o que viole a dignidade humana mais do que a fome, pois por ela e no seu rastro, assomam-se todas as demais indignidades), principio fundante do momento Estado Democrático de Direito. Pois bem, dar comida a todos talvez seja a maior causa global. (MORAIS apud BEZERRA, 1998, p. 13-14).

Nesse sentido a Adin nº 1458-7 STF:

“A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial da constituição da República [...] A omissão do Estado [...] qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que mediante inércia, o poder público também desrespeita a constituição, ofende” direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da lei fundamental. (VEIGA e GHELHERE, 2006).

Quintão (2001) diz que o sistema econômico revelado pela experiência constitucional brasileira é perverso e excludente, legitimado por uma democracia formal, que contrapõe os interesses conflitantes da classe dominante, que concentra riquezas e obstaculiza reformas sociais, com os interesses dos segmentos da sociedade - que organizados por meio de movimentos sociais - se engajam na luta pela inclusão social.

Percebe-se claramente que erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais - que é um dos objetivos da República Federativa do Brasil – como demonstra a triste realidade, está longe de ser um objetivo perseguido pelo ordenamento jurídico.

O retribucionismo quando leciona que ao violador do direito deve ser retribuído o mal que causou, poderia ser aceito como argumentação relegitimante do direito penal retibutivo se a sociedade fosse justa. Fica evidenciado que tal construção supõe suprimidas as causas de miséria e outras, em que o delito irá derivar apenas da livre decisão do autor.

O sistema penal em razão de sua seletividade letal e a conseqüente impunidade das pessoas que não lhe são vulneráveis, deve admitir que seu exercício de poder dirige-se não a repressão do delito, mas à contenção de grupos determinados.

O judiciário por sua vez reage ao discurso que deslegitima o direito penal fundamentando que o problema não é de sua incumbência, reduzindo unicamente à solução dos casos concretos às determinações legais que regem o fato particular a se resolver. Desta maneira, o discurso jurídico-penal faz-se desprovido de ética, o que nos dizeres de Zaffaroni seria

a mesma atitude assumida pelo “bom” torturador, que se limita a cumprir sua tarefa como um “profissional” correto, passando a responsabilidade ao órgão judicial e ao exercício do poder dos juristas: “não importa se o que eu faço é ético ou não. Não sou eu quem decide isso e, sim a instância que sanciona a lei. Eu me limito a cumprir o que ela ordena”. Esta Foi um resposta freqüente em Nuremberg. [alusão aos julgamentos ocorridos nesta cidade referentes aos crimes de guerra] (2001, p.83-84).

A ideologia sistêmica que retrata a sociedade como sendo um organismo, ou melhor, um sistema, mesmo reconhecendo a falsidade intrínseca do discurso penal atual, frente aos dados reais do exercício do poder penal, demonstra seu posicionamento manifestando-se no sentido da necessária permanência deste discurso para que assim seja conservada a manutenção do sistema social.

Os meios de comunicação sempre criam estereótipos. Já o sistema penal seletivamente, sempre em harmonia com as aludidas criações dos meios de comunicação, faz sua seleção catalogando como criminosos os que correspondam a imagem da descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinqüentes como os “de colarinho branco”, de trânsito, etc.

Deve ser retirado o exercício arbitrário do poder pelas esferas legislativas, através da determinação de um saber penal, sustentado em dados corretos.

Encampa-se o pensamento em que se deseja “um discurso jurídico-penal condizente com uma tática presidida por uma estratégia cujos os objetivos sejam eticamente impostos, sendo o principal salvar vidas humanas.” (Zaffaroni, 2001, p. 218).

2.3 Dos princípios fundamentais

Por princípio entende-se: base, fundamento, sustentação etc. No Direito, os princípios são os fundamentos, as bases, o sustentáculo do ordenamento jurídico, objetivando dar-lhe coerência e harmonia.

Os princípios jurídicos são enunciados normativos de valor genérico, que “condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas” (Reale, 2001, p. 306).

O fato de não estarem no texto da lei, não os afasta de sua eficácia. “enquanto são princípios, eles são eficazes independentemente de texto legal. Este, quando os consagra, dá-lhes força cogente, mas não lhes altera a substância, constituindo um jus prévio e exterior à lex.” (ESSER, apud REALE, 2001. p. 307).

Por meio dos princípios, é dado ao jurista uma formação humana necessária para interpretar, aplicar, criar etc. Isto é, fazer o Direito, deixando de ser mero burocrata das leis.

Portando, o princípio estaria localizado

entre o valor e a norma (se esta existir), ou seja, o princípio é a concretização do valor e a norma seria a concretização do princípio. Assim, a norma deve seguir os ditames dos princípios, já que ela (norma) tem a função de exteriorizar os princípios. Daqui tem-se Força Normativa dos princípios, que abarca a elaboração e a aplicação da norma jurídica. Ressalte-se que a força normativa dos princípios independe da sua concretização em uma norma, pois, ás vezes, o princípio existe, porém ainda não foi concretizado pela norma jurídica. (Moura, 2006, p. 10).

A constituição é ponto de partida para normas infraconstitucionais. Princípios constitucionais estão sendo desrespeitados constantemente, demonstrando realisticamente que o sistema jurídico-penal encontra-se em desarmonia, necessitando de uma crucial mudança do paradigma vigente.

Necessária se faz a adoção de um novo paradigma que responda de melhor maneira - e apresentando melhores resultados - os problemas propostos. Este novo paradigma de um Direito penal mínimo, não excludente, não marginalizador e menos seletivo, que levando em conta a inadimplência estatal, objetive principalmente o social, cumprindo as suas obrigações perante o cidadão. Como início dessa mudança tem-se como o novo paradigma o princípio da co-culpabilidade, que anuncia um novo enfoque ao Direito penal.


3 Conceituação e constituição característica do crime, sua excludente e EXculpante no “furto famélico”

3.1 Conceito e constituição do crime

Maria Helena Diniz (1998), define crime como sendo a violação dolosa ou culposa da norma penal, por meio de ato (comissivo ou omissivo) imputável ao agente ou qualquer ação ou omissão que venha a causar dano, lesar ou expor à perigo um bem juridicamente protegido pela norma penal.

O legislador penal não conceituou crime, restando apenas o conceito jurídico. Muitos doutrinadores tentaram formular o conceito de crime. Formalmente o crime é toda conduta que venha a atacar frontalmente a lei penal editada pelo Estado. Já materialmente é a conduta que viole os bens jurídicos mais importantes.

Como estes conceitos não informam o preciso significado de crime, surgiu uma linha analítica em que o crime foi conceituado analisando-se as características que o compõem, obtendo a significação: fato típico, ilícito e culpável. Sendo estes três elementos, que presentes, converterão uma ação em crime ou infração penal.

Fato típico é aquele fato em que o comportamento (ação ou omissão) humano amolda-se perfeitamente aos elementos previstos na lei penal. Aquele que subtrair mercadorias em um supermercado, comete furto conforme descrito no código penal em seu art. 155. Se empregar violência física ou grave ameaça, responderá por roubo, art. 157 do código penal.

Percebe-se que os dois fatos correspondem a conduta descrita na lei penal, sendo definidos como fatos típicos. Não é suficiente que o fato seja típico para ser reprovado pelo ordenamento jurídico, deve também ser contrário ao Direito, sendo ilícito ou antijurídico e culpável.

Os elementos constitutivos do crime estão relacionados logicamente, de forma que cada elemento posterior pressupõe um anterior. Maneira pela qual, pode se depreender que não há crime, caso um dos citados elementos esteja ausente no fato que venha ocorrer.

Portanto, para que o fato típico não seja considerado crime, obrigatoriamente não poderá ser contrário ao direito (ilicitude) e ou o seu agente realizador, afastado de qualquer reprovação por sua conduta (inculpabilidade). Dito de outra forma, deverá ser atípico ou uma causa justificante ou excludente da ilicitude, e ou uma excludente de culpabilidade.

No caso em questão “furto famélico”, pelo estudo realizado percebeu-se que a doutrina e jurisprudência divergem em três posicionamentos, a saber:

  1. havendo caracterização, deixa de ser crime pela aplicação da justificante que afasta a ilicitude – estado de necessidade;

  2. deixa de ser crime quando o agente tem seu âmbito de determinação reduzido pela suas condições socioeconômicas. Aplica-se a inexigibilidade de conduta diversa supralegal.

  3. advoga com maior ênfase a restrição de sua caracterização. Pois, com a descriminalização dos ditos “crimes famélicos”, haveria uma insegurança grandiosa e até um aceite incentivador, por parte do Estado. Há muita gente em condições miseráveis, o que causaria uma grande desordem social.

3.2 Estado de Necessidade

O estado de necessidade é consagrado no Código Penal vigente, que optando pela teoria unitária, o classifica como excludente de ilicitude,

A menos que exista uma causa justificante ou excludente de ilicitude, todo fato típico também é antijurídico. A excludente de ilicitude afasta ou justifica determinada conduta humana - tipificada em lei penal e contrária ao direito – em função da ocorrência de alguma das excludentes descritas no art. 23 do código penal: estado de necessidade; legítima defesa; estrito cumprimento do dever legal ou ainda o exercício regular de direito diante de um fato penal, como por exemplo, “a morte dolosa de um homem realizada por outro, diz-se que há um fato típico. Surge a antijuridicidade se não agiu acobertado por uma excludente de ilicitude (ex.: legítima defesa).” (JESUS, 1998, p. 9).

Havendo a “presença de tais causas, o fato surge lícito (e não apenas justificado in concreto: pode ser justificado o que é injusto, e não o que é congenitamente justo)”. (Hungria, 1978, p. 267).

Continuand,o o renomado jurista afirma que “no estado de necessidade, não há crime, o que vale dizer: o fato necessitado é objetivamente lícito.” (Hungria, 1978, pág. 270).

O art. 24 do código penal brasileiro descreve:

Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

[...]

§ 2.º Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.(SARAIVA, Vade Mecum, 2006, p. 541).

A doutrina prescreve que o perigo deve ser atual não podendo ser voluntariamente causado pelo agente do fato necessitado. Havendo de se ressaltar o caso fortuito e força maior. A inevitabilidade da lesão ao bem de outrem é outro requisito para o estado de necessidade. Quando a salvação de um bem apenas possa ser feita mediante o sacrifício de um outro, a lei autoriza o sacrifício de um deles. Estes bens em conflito, devem estar protegidos pela ordem jurídica, necessitando ainda realizar o que se denomina de “ponderação dos bens”, em que o bem sacrificado é de menor ou igual valor do bem defendido.

Seguindo este entendimento, “o perigo, isto é, a probabilidade que desencadeia a ação violentadora do bem jurídico alheio. Este perigo, que é assim, o requisito inicial da situação, deve ser atual, isto é, deve estar presente no momento da ação ou na iminência de produzir-se”. (Bruno, apud Greco, 2003, p. 360).

O bem maior prefere ao de menor valor e o “fato necessário deve ser praticado com o intuito de salvar o bem em perigo. Isto basta para satisfazer exigência do elemento subjetivo”. (Toledo, 2002, p.188).

Como norteador do estado de necessidade surge “o princípio da ponderação dos bens. Vários bens em confronto são colocados nessa balança, a exemplo da vida e do patrimônio.” (Greco, 2003, p. 356-357).

Figurativamente Zaffaroni e Pierangeli, exemplificam que seria como se o ordenamento jurídico colocasse os bens em conflito, cada qual em um dos pratos de uma balança. Mesmo ambos estando protegidos pelo ordenamento penal, um deles preferirá ao outro. O estado de necessidade não pode ser alegado por quem o provoque, já que a conduta tipificada que provoca a necessidade não pode fazer com que se torne atípica pela necessidade que ela mesma cria.

A teoria unitária engloba tanto o estado de necessidade justificante, como o eximente da culpabilidade:

o estado de necessidade é justificante quando o mal que se causa é menor do que aquele que se evita. Nos demais casos, em que o estado de necessidade também elimina a responsabilidade penal, de acordo com a fórmula do art. 24 CP, a razão eximente será a inculpabilidade (estado de necessidade exculpante). (Zaffaroni e Pierangeli, 1999, p. 591).

Ainda por essa teoria “todo estado de necessidade é justificante, isto é, afasta a ilicitude da conduta típica levada a efeito pelo agente.” (Greco, 2003, p. 463).

O parágrafo único do art. 23 do Código penal brasileiro sentencia que o agente responderá pelo excesso doloso.

No estado de necessidade, analisando um caso concreto, teremos de aferir a razoabilidade da manutenção de um dos bens em confronto, aquele que se protege, em prejuízo daquele outro bem que se ofende.

Um exemplo interessante que Rogério Greco (2003) expõe, é que supondo que alguém, desempregado, depois de enfadonhamente procurar por emprego ou trabalho honesto, chegando em casa perceba que na dispensa não existem mais alimentos, e suplicando auxilio não o consiga, ao ver sua prole e sua consorte implorando por algo que possam comer, se desespera e indo à um mercado nas redondezas de sua casa, subtraia um saco de feijão. No caso em evidência, tem-se dois bens em conflito: de um lado a sobrevivência, e de outro o patrimônio alheio. No exemplo dado, poderia o agente argüir a causa de justificação.

Entendimento contrário ao raciocínio acima foi manifestado pelo extinto TACrim. – SP, que já decidiu, tendo como relator o juiz Hélio de Freitas: “A miserabilidade do agente do furto não constitui causa excludente da criminalidade, caso contrário, ter-se-ia uma legião de miseráveis praticando furto impunimente, com grave repercussão na ordem pública. (Greco, 2003, p. 374).

Em continuidade Greco assevera que os tribunais não estão totalmente convencidos da miserabilidade e fome que a população mais carente passa, e ignorando o infortúnio fático da realidade e desejando manter a ordem às custas da população mais fraca e amplamente desprezada pelos políticos e juristas que exaram sentenças conflitantes:

Estado de necessidade. Balanceados os interesses contrastantes entre a ordem social e as dificuldades financeiras do agente, reconhece-se o seu estado jurídico de necessidade, se pratica a contravenção do jogo de bicho para sobreviver (ACM 312.953 – Rel. Edmeu Carmesini).

Jogo de bicho – Alegado estado de necessidade. A alegação consistente em ter o agente agido em estado de necessidade não encontra amparo no Direito, posto não ser essa justificativa compatível com as infrações de caráter permanente (TACrim. SP, Ac. – Rel. Jacobina Rabello). (2003, p. 375).

Miguel Sales (1998) relatando sobre o lado sensível da jurisprudência, afirma que há muito se entende que não ocorre crime no caso de furto ou roubo, em qualquer de suas hipóteses, se um ou outro der-se em situação famélica, ou seja, evitando-se a praga da fome própria ou de terceiro. Manifesta ainda, que o art. 135 do código penal tipifica como crime a omissão de socorro, não havendo desamparo maior que a morte por desnutrição, principalmente quando advinda de alguma irresponsabilidade do poder público.

No caso de necessidade oriunda de ação culposa do próprio agente que a sofre, a doutrina dá tratamento diverso, possibilitando a argüição da excludente de ilicitude em questão.

3.3 Excludente de culpabilidade (Inexigibilidade de conduta diversa supralegal)

A culpabilidade é a responsabilidade pessoal por um fato típico e antijurídico atribuída ao agente, ou seja, a responsabilidade pelo injusto imputada a seu autor, sendo a imputabilidade a capacidade de autodeterminar-se com o entendimento ético-jurídico, referido ao homem médio.

Nesse sentido a “Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente.” (Greco, 2003, p. 422).

Nos dizeres de Nelson Hungria (1978), pode acontecer que mesmo sendo o agente, o causador do resultado tido como crime, pode ocorrer que sua culpabilidade seja excluída por uma das excludentes de culpabilidade a saber: erro escusável de fato (eliminativo da consciência de antijuridicidade ou mesmo a possibilidade de tal consciência), obediência hierárquica e a coação irresistível em que haveria ausência de vontade livre.

Para que uma conduta seja reprovável a seu autor é essencial que tenha existido a possibilidade exigível de compreender a antijuridicidade de sua conduta e ter atuado em um âmbito de autodeterminação mais ou menos amplo.

Como sustentado por alguns doutrinadores como Zaffaroni e Pierangeli, a culpabilidade é um conceito eminentemente graduável, admitindo níveis diferentes de reprovabilidade.

Quando os limites da autodeterminação se encontram tão reduzidos que só resta a possibilidade física, mas o nível de auto determinação é tão baixo que não permite a sua revelação para os efeitos da exigibilidade desta possibilidade, estaremos diante de uma hipótese de inculpabilidade. A inexigibilidade não é - como pretendeu a teoria complexa da culpabilidade – uma causa de inculpabilidade, e sim a essência de todas as causas de inculpabilidade. Sempre que não há culpabilidade, é porque não há exigibilidade, seja qual for a causa que a exclua. (Zaffaroni e Pierangeli, 1999, pág. 606).

Zaffaroni e Pierangeli, em continuidade, prelecionam que a culpabilidade somente pode ser edificada sobre a base antropológica da autodeterminação como capacidade do homem. Quando se suprime esta base, desaparece a culpabilidade[...]” (1999, p. 607)

Fontes (2004) manifesta que “o não cumprimento da norma jurídica em circunstâncias anormais, quando não é possível realizar um comportamento diferente, por via de conseqüência faz desaparecer a culpabilidade.”

Um caso a ser analisado:

Suponhamos que temos dois indivíduos, aos quais chamaremos de A e B. A é um indivíduo socialmente incluído e possui todas as condições favoráveis para ser um "bom" cidadão. B, ao contrario, vive em péssimas condições sociais, ou melhor, numa total miséria. Ambos têm dois caminhos a seguir: o da licitude ou o da ilicitude. Ocorre que no caso de A, os dois caminhos possuem a mesma distância, ou seja, estão totalmente equilibrados. Já no caso de B, o caminho da ilicitude é mais curto, já que a todo o momento ele e empurrado para o crime: logo. o poder de escolha é mais restrito, ou seja, para B é muito mais difícil seguir o caminho da licitude, pois há uma força" que o empurra para o outro lado - o caminho do crime. (TOLEDO, 2002, p244).

O código de 1940, ainda vigente, assumiu e ainda se mantém no posicionamento de que a culpabilidade é o juízo de reprovação do injusto ao seu autor, ou seja, reprova-se a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. Conforme Greco, citando Welzel, a “culpabilidade é a reprovabilidade da configuração da vontade. Toda culpabilidade é, segundo isso “culpabilidade de vontade”. Somente aquilo a respeito do qual o homem pode algo voluntariamente, lhe pode ser reprovado como culpabilidade”. (2003, p. 422).

Tratando do determinismo, Moniz Sodré citado por Aragão, diz que segundo a corrente determinista, admitir-se a existência de uma vontade livre, é contrapor-se à influência que educação, o meio social e físico exercem nas pessoas. Não tendo como fugir do dilema: ou a herança genética, o meio social e físico, juntamente com a educação influem grandiosamente no comportamento dos indivíduos, formando-lhes o temperamento, de forma a poder afirmar que a vontade não é livre, mas determinada por motivos de ordem biológica, física e social; ou a vontade é livre, sendo exercida fora das influencias dos fatores mencionados, podendo-se concluir, que é mera ilusão dos cientistas afirmar a influência de tais fatores. (Greco, 2003, p. 424).

Acerca do tema “culpabilidade, todos os fatos, internos e externos devem ser considerados a fim de apurar se o agente, nas condições em que se encontrava, podia agir de outro modo.” (Greco, 2003, pág. 425)

Greco afirma ainda, que o conceito de exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade que tinha o agente de no momento da ação ou omissão, agir em conformidade com o direito, tendo em conta sua condição de pessoa humana. E que tal possibilidade ou impossibilidade de agir em consonância com o direito, sofre graduação de pessoa para pessoa, sendo impossível a concepção de um padrão para a culpabilidade. Como as pessoas são diferentes uma das outras, por vários modos, como por exemplo, inteligência e miserabilidade, esses fatores deverão ser analisados para verificação de exigibilidade de outra conduta como critério para exclusão da culpabilidade, isto é, sobre o juízo de censura, de reprovabilidade da conduta típica e ilícita do agente.

A legislação penal brasileira, ao contrário da legislação alemã, não proíbe a utilização do argumento da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade.

Neste ínterim:

a possibilidade de alegação de uma causa supralegal, em algumas situações, como deixou entender Johannes Wessels, pode evitar que ocorram injustiças gritantes”.

O ex-Ministro do STJ, Assis Toledo, abraçando a tese sobre a possibilidade de alegação da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade na qualidade de relator do Resp. n. 2.492, julgado em 23.05.90, publicado no DJU em 06.08.90, assim decidiu: “inexigibilidade de outra conduta. Causa legal e supralegal de exclusão de culpabilidade cuja admissibilidade no direito brasileiro já não pode ser negada”. (Greco, 2003, pág. 467).

Hoje ainda “não se deve duvidar que a culpabilidade é o capítulo em que a doutrina contemporânea demonstra maior desequilíbrio, acredita fazer grandes descobertas e, emfim (sic), resolve antigos argumentos em meio a intensa desorientação ética e antropológica”. (Zaffaroni, 2001, p.262)

O sistema de culpabilidade vigente em nosso direito (da exigibilidade de conduta diversa) é ilegítimo, trazendo em sua ideologia, a defesa de uma postura moral e a exigência de condutas homogêneas para grupos sociais extremamente heterogêneos, com o claro objetivo de impor valores éticos e morais de um grupo dominante sobre as demais camadas sociais, através de um arcaico Direito Penal do autor do fato e não do fato praticado pelo autor.

Nos dizeres de Moura:

o princípio da culpabilidade exerce seis funções no nosso Direito Penal, a saber:

a) elemento do conceito analítico de crime – crime é fato típico, antijurídico e culpável;

b) fundamento da pena - não basta que o fato seja típico e antijurídico, é preciso que haja culpabilidade – juízo de valor que reprova socialmente o injusto;

c) limite e medida da pena – ou seja, o agente só pode ser punido na medida de sua culpabilidade. Vê-se aqui a sua ligação com o princípio da suficiência e da necessidade antes exposto – ver arts.29 e 59 do Código Penal;

d) atua na aplicação da pena, ou seja, a culpabilidade também é utilizada como circunstância judicial na fixação da pena-base pelo magistrado, na forma do art.59 do Código Penal;

e) veda a responsabilidade objetiva do cidadão – com a transposição do dolo e da culpa para o tipo penal, não há o cometimento de fato típico sem culpa em sentido amplo;

f) veda a culpabilidade de autor e consagra a culpabilidade de fato – o agente responderá pelo fato que efetivamente cometeu e não pela pessoa que ele é (conduta de vida, aspectos morais etc.). Daí a não intervenção penal em casos como os antigos crimes de bruxaria, heresia, prostituição, punidos outrora.

(MOURA, 2006, p. 29).

Ao se tratar da culpabilidade percebe-se a existência direta de associação desta, com o âmbito de autodeterminação do indivíduo. Neste entendimento, surgiu uma teoria que conforme Serrano (2006), denominada de teoria ou princípio da “co-culpabilidade” que aponta a co-responsabilidade da sociedade pelo papel omisso que o estado realiza diuturnamente no cumprimento dos direitos estatuídos em seu diploma maior.

3.3.1 A teoria da co-culpabilidade

Toda ação humana é realizada sobre certas circunstâncias e com um âmbito de autodeterminação variável em consonância com as condições em que se encontra a pessoa. Outro ponto também importante é a personalidade do próprio indivíduo que trás sua contribuição para esse âmbito de autodeterminação.

A sociedade não favorece a todos com as mesmas condições e possibilidades, tendo como conseqüência, pessoas que têm diminuído seu âmbito de autodeterminação em função das causas sociais que condicionam, na maior parte das vezes, suas condutas. Seria possível atribuir tais causas sociais ao sujeito sobrepujando-o no momento da reprovação de sua culpabilidade?

Visando promover menor reprovabilidade do agente de “crime”, em função de se encontrar como hipossufiente, abandonado pelo Estado, a co-culpabilidade surge como a “meia culpa” da sociedade, fundando-se implicitamente nos princípios constitucionais.

Zaffaroni e Pierangeli (1999) informam, que se tem defendido o conceito de co-culpabilidade como sendo originário de uma idéia introduzida pelo direito penal socialista. Afirmando crerem que a co-culpabilidade seja herdeira do pensamento de Marat, faria parte da ordem jurídica de todo Estado social de direito, que reconhece direitos econômicos e sociais, tendo cabimento no código penal mediante a disposição genérica no art. 66.

Aqueles autores descrevem mais sobre Marat e sua teoria:

Jean Paul Marat (1743-1793), o revolucionário francês, era médico e não jurista, mas em 1799, na suíça, apresentou em um concurso um “plano de legislação criminal”, no qual é desenvolvida uma crítica socialista e revolucionária ao pensamento talional kantiano. Por essa razão, não agradou aos jurados, que deram o prêmio a outro candidato. Marat começa afirmando que a pena mais justa é a talional, mas observa que isto só assim seria na medida em que a sociedade fosse justa.

Com efeito: admite a tese contratualista, como não podia ser de outro modo em seu tempo, afirmando que os homens se reuniram em sociedade para garantirem seus direitos. Mas a primitiva igualdade foi rompida através da violência que exerceram uns sobre os outros, submetendo uns aos outros, despojando-os da parte que lhes correspondia. Através das gerações, a falta de qualquer freio ao aumento das fortunas foi o que fez com que uns enriquecessem à custa dos outros e que um pequeno número de famílias acumulasse a riqueza, enquanto uma enorme massa foi caindo na indigência, vivendo numa terra ocupada pelos outros e sem ter acesso a um quinhão. Perguntava-se, se em tal situação, os indivíduos que não obtêm da sociedade mais do que desvantagens estão obrigados a respeitas as leis, e responde categoricamente que não. “Não, sem dúvida. Se a sociedade os abandona, retornam ao estado de natureza e recobram pela força os direitos que somente alienaram para obter vantagens maiores, toda autoridade que se lhes oponha será tirânica e o juiz que os condene à morte não será mais que um simples assassino”.

Desenvolvendo seus princípios, Marat afirmava que o único título de propriedade justo era o do agricultor e negava todos os outros sobre o fundamento de que nada supérfluo pode pertencer legitimamente a alguém enquanto a outro falte o necessário.

Embora a obra de Marat não seja jurídica nem muito filosófica, o certo é que constitui a denúncia da falácia do retribucionismo talional. É a resposta revolucionária ao pensamento ilustrado da pena talional, sem abandonar-se o esquema contratualista.

Ademais, as teses de Marat eram parecidas às dos teóricos da época (penas fixas etc.), só que seu sistema denunciava a falácia das construções iluministas, quanto à pretensão de que a pena justa fosse a retributiva, em uma sociedade sem justiça distributiva”. (Zaffaroni e Pierangeli, 1999, p.268-269).

No mesmo sentido, Moura afirma se confundir a história da co-culpabilidade com o surgimento do Estado liberal fundado nas idéias iluministas. O advento do Estado liberal e seu contratualismo viu surgir a co-responsabilidade Estatal em algumas ações delituosas, pela quebra do contrato social por tais delitos. No entanto, o Estado por deixar de propiciar aos seus cidadãos o mínimo necessário à sobrevivência, segurança e condição de desenvolvimento humano, também quebra o contrato social. Concluindo ainda, que “a co-culpabilidade, é o reconhecimento jurídico, social e político da quebra do contrato social por parte do Estado, devendo, desta feita, assumir essa “inadimplência” reconhecendo a co-culpabilidade.” (MOURA, 2006, p. 43-44).

Merton, em uma readaptação da teoria da anomia, denominou-a como a tensão surgida do acesso aos fins propostos pela sociedade. Dito de outra forma, seria a relação entre os objetivos culturais e os meios institucionalizados que a mesma disponibiliza, para que seus cidadãos atinjam esses fins. E ao contrário do que o discurso oficial prega, as normas institucionais não permitem que todos atinjam os fins objetivados, ficando as classes sociais mais baixas em exposição maior a tensão anômica.

[...] sabemos por muitas fontes que as estatísticas oficiais a respeito dos crimes mostram uniformemente proporções maiores nos estratos inferiores, e que elas não são dignas de confiança, resulta da nossa análise que as maiores pressões para o comportamento transviado são exercidas sobre as camadas inferiores. Casos que podemos apontar nos permitem descobrir os mecanismos sociológicos responsáveis por essas pressões. Diversas pesquisas têm mostrado que áreas especializadas de vícios e crimes constituem uma reação 'normal' contra uma situação em que a ênfase cultural sobre o sucesso pecuniário tem sido assimilada, mas onde há pouco acesso aos meios convencionais e legítimos para que uma pessoa seja bem-sucedida. [...] É a falta de entrosamento entre os alvos propostos pelo ambiente cultural e as possibilidades oferecidas pela cultura social que produz intensa pressão para o desvio de comportamento. O recurso a canais legítimos para 'entrar no dinheiro' é limitado por uma estrutura de classe a qual não é inteiramente acessível em todos os níveis a homens de boa capacidade. Apesar de nossa persistente ideologia de 'oportunidades iguais para todos', o caminho para o êxito é relativamente fechado e notavelmente difícil para os que têm pouca instrução formal e parcos recursos. A pressão dominante conduz à atenuação de utilização das vias legais, mas ineficientes, e ao crescente uso dos expedientes ilegítimos, porém mais ou menos eficientes. (MERTON, apud MOURA, p. 52).

A pobreza não é elemento isolado que gera a anomia, devendo ter-se em conta outros elementos como a desigualdade cultural, a desigualdade de informação, a exclusão ao consumo etc. que também são importantíssimos, devendo ser considerados na verificação da co-culpabilidade na aplicação da pena.

Moura alega que no sentido proposto por Merton, a co-culpabilidade seria um tentativa de reconhecer e amenizar a pressão maior que surge sobre as classes sociais mais desfavorecidas. A exclusão social gera a conseqüente exclusão do conhecimento do direito. E se o Estado não propicia aos cidadãos o mínimo de conhecimento, bem como os direitos fundamentais, o que seria o básico, como a alimentação, o saneamento básico, a habitação, a educação, a saúde, dentre outros, com maior razão não levará o conhecimento das normas jurídicas. Expondo-se aqui norma jurídicas, por serem inseridas por Merton como meios institucionais, sendo que o Estado não leva ao conhecimento dos cidadão excluídos os meios institucionais objetivando a manutenção dos padrões preestabelecidos pela classe dominante. (2006, p. 54).

Constituindo-se em Estado Democrático de Direito, o Brasil consagra em sua Constituição Federal a igualdade de todos perante a lei. A doutrina, porém denominou tal igualdade, como formal, apontando para insuficiência de se considerar este postulado, vez que para se falar em igualdade pressupõe-se a constatação das diferenças. Dar tratamento igual ao que efetivamente é diverso, é na verdade, tratar de forma diferente.

Deve-se buscar a igualdade material, para haver coerência e justiça no discurso que se refere à isonomia. Uma sociedade que não proporciona as mesmas oportunidades sociais aos seus cidadãos - para não dizer os direitos mínimos de vida digna - é de saber que por mais que seja ignorado o contexto em que a maioria da população vive, esse contingente se conduzirá influenciado por sua realidade.

É notório, como menciona Moreira (2005) que o delito seja um produto do indivíduo em seu contexto social, em que recebe orientação do quadro de valores sob os quais atua. Deve-se, portanto, tomar o sujeito em toda sua dimensão, a individual e a contextualizada socialmente. Se a pessoa fora privada das mínimas condições de dignidade, fica prejudicada em sua motivação, o que influenciará seu juízo de reprovação individual, que se mostrará reduzido.

As políticas adotadas pelo Estado, bem como a criação, interpretação e aplicação da legislação jurídico-penal, refletem diretamente a carga valorativa e as influências da visão ideológica que a sociedade dá ao crime, que é um fenômeno social por excelência.

Deve ser quebrado o paradigma do direito penal seletivo, marginalizador e excludente, que demonstra ser imbuído de anomalias, já que não consegue solucionar os problemas atuais da sociedade.

Principalmente nos países ditos capitalistas, onde a desigualdade sócio-econômica favorece a classe de médio-grande poder econômico, o direito se revela produto dessa classe ao longo dos anos. E o direito penal ainda refletindo a ideologia desta classe dominante, seleciona, marginaliza e exclui socialmente os menos abastados financeiramente, tornando-os alvo primordial das normas penais, o que gera ainda maior exclusão.

Ainda nesse sentido:

[...] o direito penal corre sempre o risco de se tornar um instrumento de dominação e repressão, ou seja, em se admitindo situações repressivas e injustas aplicadas em âmbito individual e social e instrumentos de repercussão ou aplicação à sociedade em nível internacional. No momento em que o direito penal deixa de ser um elemento necessário de controle social para o estabelecimento da ordem interna e para possibilitar a auto-realização do homem e passa a ser um franco instrumento de dominação, sempre será difícil de se estabelecer. Sem dúvida a co-culpabilidade é uma arma bastante efetiva contra esse risco. Na medida em que reconhecemos as desigualdades internas e descarreguemos do homem a culpabilidade que não lhe corresponde e a colocarmos a cargo da sociedade, este direito penal não poderá ser um instrumento de dominação. Assim, poderia se dizer que do respeito e reconhecimento deste princípio praticamente dependerá cada dia mais, a existência de um direito penal liberal no mundo. Seu não reconhecimento fará que sua força perca o caráter jurídico reduzindo-se à mero exercício de poder. (ZAFFARONI, apud MOURA, p.70 [traduzimos]).

3.3.2 Terminologia

O termo co-culpabilidade, que muito é utilizado pela doutrina penal estrangeira e em menor proporção pela nacional, deve ser entendido como sinônimo de culpabilidade pela vulnerabilidade. Significando ainda, que o Estado deve proporcionar aos acusados - que se encontrem na situação de hipossuficiência - menor reprovabilidade, desde que a conduta tenha sido influenciada pela situação, causada pelo próprio Estado, devido sua inadimplência no cumprimento dos direitos de seus cidadãos, principalmente os relativos à inclusão socioeconômica.

A palavra co-culpabilidade não é utilizada em seu sentido técnico-jurídico, mas, como forma de responsabilização indireta do Estado, dada sua omissão no cumprimento de seus deveres constitucionais, gerando conseqüências na cominação, aplicação e execução da pena.

Seria apenas o reconhecimento da inoperância Estatal, no cumprimento de seus deveres, gerando assim uma menor reprovação social ao acusado. Nada tendo haver com a responsabilização penal do Estado.

O Estado não é possuidor dos principais elementos caracterizadores da formação de um delito. Não possui vontade, consciência e discernimento, dentre outras coisas que caracterizam o sujeito ativo do delito. É impossível que o Estado cometa crime, vez que é detentor do direito de punir.

Nos dizeres de Cezar Roberto Bitencourt:

A conduta (ação ou omissão), pedra angular da Teoria do Crime, é produto exclusivo do homem. A capacidade de ação, de culpabilidade, exige a presença de uma vontade, entendida como faculdade psíquica da pessoa individual, que somente o ser humano pode ter [...] Mutatis mutandis este é o mesmo argumento utilizado por aqueles que são contra a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Dizemos Isso por que seria de uma incongruência tremenda o Estado ser sujeito ativo do crime, já que sempre é sujeito passivo do mesmo, sob o aspecto formal. (BITENCOURT, 2004, p. 163).

Continuando, leciona que o Estado no aspecto formal, sempre será sujeito passivo de crime (sujeito mediato). Já no aspecto material, o sujeito passivo – imediato - é o titular do bem ou interesse lesado.

Moura (2006) diz que mesmo não sendo o termo ideal para expressar menor reprovação social do indivíduo em virtude de suas condições socioeconômicas, provocadas pela inadimplência Estatal, a co-culpabilidade é o mais utilizado na doutrina, mesmo não aparecendo com essa denominação nos diversos códigos penais que a consagram.

Assim, por apego à tradição ao uso do termo co-culpabilidade, faz-se sua utilização.

3.3.3 Aplicação às avessas da co-culpabilidade

Historicamente a co-culpabilidade era aplicada em favor das classes dominantes, quando se utilizava o critério das chamadas "condições sociais" na aplicação das penas. Tal critério tinha como objetivo aplicar penas mais brandas aos detentores de melhores condições sociais, deixando as penas de multa para os abastados e as penas de prisão e corporais para as pessoas de classe baixa.

Segundo Moura (2006), na legislação, a co-culpabilidade às avessas pode ser manifestada de três formas: uma seria a tipificação de condutas direcionadas às pessoas marginalizadas; outra a aplicação de penas mais brandas para aqueles crimes praticados por pessoas inseridas socialmente, contra o sistema financeiro, tributário etc. bem como os crimes de colarinho branco; a terceira manifestação, descreve um fator de diminuição e também aumento de reprovação sócial e penal.

A reparação do dano no Brasil, em relação aos ditos crimes comuns, é mera causa atenuante, enquanto nos crimes tributários é causa de extinção de punibilidade. Exemplo disso pode ser apreciado no artigo 168-A, § 2º do código penal

A co-responsabilidade estatal no cometimento de determinados delitos varia de acordo com as condições socioeconômicas e culturais do agente (inclusão social em sentido amplo). Quanto menor esta (inclusão social) maior aquela (co-responsabilidade estatal). Tomando por base o outro lado da moeda, teríamos: quanto melhor as condições socioeconômicas e culturais do agente, menor a co-responsabilidade do estado; logo, maior a reprovação social. (MOURA, 2006, p. 43).

3.3.4 O princípio da co-culpabilidade e a constituição de 1988

Ante o exposto anteriormente, as idéias iluministas se concretizam em fraternidade, igualdade, humanidade e justiça.

Implicitamente a Constituição Federal de 1988, tráz as idéias defendidas pela co-culpabilidade, ao tratar da igualdade, da dignidade humana, ao individualizar a pena etc.

Mesmo não estando expressamente prevista na legislação penal brasileira, existe atualmente uma maior sensibilidade por parte da doutrina que defende sua positivação. Não obstante, a jurisprudência – principalmente do Rio Grande do Sul - manifesta-se, ainda que com certa “timidez”, considerando a co-culpabilidade.

Como exemplo temos:

Roubo Concurso - Corrupção de menores - Co-culpabilidade. Se a grave ameaça emerge unicamente em razão da superioridade numérica de agentes, não se sustenta a majorante do concurso, pena de bis in idem - Inepta é a inicial do delito de corrupção de menores (Lei n° 2.252/54) que não descreve o antecedente (menores não corrompidos) e o consequente (efetiva corrupção pela pratica de delito), amparado em dados seguros coletados na fase inquisitorial. O princípio da co-culpabilidade faz a sociedade também responder pelas possibilidades sonegadas ao cidadão - Réu. Recurso improvido, com louvor a juíza sentenciante. (16 fls.).

(Apelação Crime n° 70002250371. Quinta vamara criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, julgado em 21/3/2001). Apelação-crime n0 70002250371. (MOURA, 2006, p. 90).

Embargos infringentes Tentativa de estupro. Fixação da pena. Agente que vive de biscates, solteiro, com dificuldades para satisfazer a concupiscência altamente vulnerável à prática de delitos ocasionas. Maior a vulnerabilidade social, menor a culpabilidade. Teoria da co-culpabilidade (Zafraroni). Prevalência do voto vencido, na fixação da pena-base mínima. Regime carcerário inicial. Embargos acolhidos por maioria.

(Embargos infringentes nº 70000792358, Quarto Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tupinambá Pinto de Azevedo. julgado em 28/4/2000).

Esses julgados demonstram a coragem e a perspicácia dos julgadores, atentos aos aspectos econômico-sociais que nos cercam, ao indicarem a necessidade de positivação da co-culpabilidade para alcançar uma grande evolução no Direito Penal brasileiro. (MOURA, 2006, p. 91).

Fica claramente evidenciada a correlação entre a culpabilidade e “co-culpabilidade” vez que ambas tratam das influências internas e externas sofridas pelo indivíduo pelo meio em que se encontra inserido. A especificidade da co-culpabilidade se encontra apenas no fato de exigir do Estado mudanças legislativas, principalmente em alguns delitos em que sua omissão é fator relevante na contribuição de certas ações viciadas por circunstâncias determinadas.


4. Estado de necessidade justificante ou inexigibilidade de conduta diversa supralegal?

O estado de necessidade – como já visto - é a previsão legal de uma situação em que a conduta fica guarnecida pela inexigibilidade de conduta diversa, delimitada em certos requisitos: perigo atual; ameaça a direito próprio ou alheio; situação não provocada voluntariamente pelo agente e inexistência do dever legal de enfrentar o perigo. Ao fato necessitado ainda devem se fazer presentes a inevitabilidade de ação lesiva e a inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado. É sabido que ocorrendo a falta de qualquer um dos requisitos, deixa de ser afastada a excludente de ilicitude.

Focando o delito descrito por muitos como “furto famélico ou necessitado”, este, não teria dificuldade em atender aos requisitos da situação de necessidade. Porém, fica desatendida uma das exigências do fato necessitado, que é a condição de inexigibilidade de ação lesiva.

Nelson Hungria (1978) diz que a lei penal é clara na ocorrência do estado de necessidade ao exigir que o perigo não possa ser evitado por outro modo, sem o sacrifício total ou parcial do direito alheio. Não existirá o reconhecimento do estado de necessidade se o agente podia afastar o perigo empregando meio não ofensivo ao direito de outrem.

Ao se analisar as situações em que o agente não podendo agir de outro modo para evitar o perigo à sua saúde ou vida, cometesse furto, verifica-se a ocorrência da inevitabilidade de ação lesiva aos direitos alheios. No entanto, encontraríamos situações extremas, nas quais, as condições físicas do indivíduo seriam tão precárias, que tornariam quase impossível a prática do furto.

Estando o sujeito em condições físicas que não o impeçam de furtar, outros caminhos poderão dele ser exigidos, como oferecimento de serviços a troco de alimentação, pedido de auxílio às pessoas, procura de trabalho, etc.

No estado de necessidade, a escolha do agente de “furto famélico”, campearia entre duas ou mais possibilidades para que seu direito seja salvo. Por exemplo, ação lesiva e pedido de ajuda, ação lesiva e oferecimento de trabalho, dentre outras.

No delito em questão, não existe necessariamente a exclusão de uma ação pela presença de outra, ou seja, mesmo o sujeito não atacando o patrimônio alheio, poderá evitar o perigo à saúde e à vida (direito a alimentação), por outros modos.

Não se aplica no caso de “furto necessitado”, conforme descrito, o estado de necessidade!

Cabette (2001) se manifesta afirmando que falta dignidade no ato de furtar, sendo no entanto, inadmissível impor ao homem a humilhação de pedir alimento ou trabalhar a troco dele. Para muitos é mais aviltante pedir aquilo que é básico, do que tomá-lo para si, lutando pela sobrevivência.

O comportamento do indivíduo em conformidade com o direito, não pode ser absolutamente exigido, sendo condicionado ao seu estado físico, psíquico e moral, levando-se em conta a situação do momento, ou seja, a contextualização de sua conduta.

Como pressuposto do conceito da culpabilidade, a exigibilidade de conduta diversa, aponta para o fato de que ao homem em condições normais, possa ser exigido uma conduta em conformidade ao direito. E como causa geral de exclusão da culpabilidade, a inexigibilidade conduta diversa está na lei, delimitada em certas circunstâncias, em que o agente não poderia ter sua conduta censurada, em face do padrão vigente. As circunstâncias como visto, se limitam à coação irresistível e obediência hierárquica, imputabilidade, erro sobre a ilicitude do fato (se inevitável) e o erro determinado por terceiro.

Embora não previstas no texto legal, as causas supralegais de exclusão da culpabilidade são aplicadas em função dos princípios informadores do ordenamento jurídico.

No direito brasileiro, não há descrição impedindo a utilização da argumentação sobre a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade.

Alguns doutrinadores como Jescheck e Johannes Wessels, manifestam-se em sentido contrário à aplicação de tal argumentação, vez que respectivamente haveria a debilitação da eficácia da prevenção geral do direito penal, conduzindo à aplicação desigual do Direito e a ocorrência de insegurança jurídica por aceitação de uma causa de exculpação vaga e indeterminada como esta. Não obstante, o próprio Johannes Wessels, reconhece que em situações excepcionais, seja admitida pela maioria dos doutrinadores a aplicação de causa supralegal de exculpação.

Greco menciona que a “possibilidade de alegação de uma causa supralegal, em algumas circunstâncias, como deixou entrever Johannes Wessels, pode evitar que ocorram injustiças gritantes.” (2003, p. 465).

Independente de previsão legal existem situações em que caberia o reconhecimento de inexigibilidade de conduta diversa supralegal, carecendo de legitimidade a punição do agente. Tal fato se dá no sentido de que é necessário a coerência do sistema, que não previu todas as configurações fáticas da vida, que o direito regularia.

Segundo Rogério Greco (2003), o ex-Ministro do STJ, Assis Toledo, abraça a tese sobre a possibilidade de alegação de causas supralegais que afastam a culpabilidade, afirmando que no direito brasileiro sua admissibilidade já não pode ser negada.

Certo de que a conduta do indivíduo está relacionada com o contexto sócio-econômico, hão de ser verificadas as circunstâncias em que as ações “delituosas” foram praticadas, para que não haja punição por tentar sobreviver. Já o que deveria constituir “crime” de fato, é a privação que o ser humano sofre de viver em condições dignas e se sentir “gente”, respeitado pelo simples fato de ser humano. A corrupção e os interesses das classes dominantes expropriam da maioria aquilo que é o mais básico e necessário à vida.

Há grande demagogia ao se pregar os direitos fundamentais que a constituição cidadã elencou, se a própria sociedade se faz indiferente ao alcance destes, pela maioria. Buscando apenas a satisfação de seus interesses, a “elite” reclama do aumento da insegurança, ignorando a proporcionalidade direta da segurança em relação a negligência para com a classe mais pobre com negligência para com a classe mais pobres.

Mesmo ocorrendo controvérsia, entende-se por bem e mais acertada a aplicação ao “furto famélico” da excludente de culpabilidade: inexigência de conduta diversa supralegal.

O que motiva a aversão a tal excludente de culpabilidade, é o temor de sua banalização, o que geraria eventuais impunidades, aumentando-se as hipóteses de absolvição. No entanto, deve se ter em conta que um Direito penal fraco, é o que não pune quando existem todos os pressupostos de uma punição, entre os quais a culpabilidade. Seria um contrasenso não subsistindo a culpabilidade, por não se poder esperar uma motivação normal do agente, ainda falar em aplicação de pena. A ausência de punição, quando a culpabilidade é inexistente, não pode ser vista como incentivo à prática criminosa, mas, antes sim, como forma de evitar a iniquidade de um decreto condenatório.

Nesse ínterim:

A inexigibilidade de outra conduta pode ser invocada, apesar de não haver texto expresso em lei, como forma genérica de exclusão da culpabilidade, visto que se trata de princípio imanente no sistema penal. Nem se diga que, com isto, haverá uma espécie de amolecimento na repressão e na aplicação das normas punitivas. Quando a conduta não é culpável, a punição é iníqua, pois a ninguém se pune na ausência de culpa; e afirmar que existe culpa diante da anormalidade do ato volitivo, é verdadeira heresia. MARQUES apud TONETTO, 2002).

Vale ainda ressaltar:

Muito se tem discutido sobre a extensão da aplicação do princípio em foco, entendendo alguns autores que sua utilização deva ser restringida às hipóteses previstas pelo legislador para evitar-se mais uma alegação de defesa que poderia conduzir à excessiva impunidade dos crimes. Não vemos razão para esse temor, desde que se considere a "não-exigibilidade" em seus devidos termos, isto é, não como um juízo subjetivo do próprio agente do crime, mas, ao contrário, como um momento do juízo de reprovação da culpabilidade normativa, o qual, conforme já salientamos, compete ao juiz do processo e a mais ninguém. (TOLEDO apud TONETTO, 2002).

4.1 Algumas decisões

A maioria das decisões nos casos de “furto famélico” são no sentido de que há a ocorrência do estado de necessidade. Outras se dão no sentido de conduta atípica. No entanto, mesmo que em crimes diferentes, fica evidenciado o reconhecimento jurisprudencial a cerca da co-culpabilidade e da inexigibilidade de conduta diversa supralegal.

APELAÇÃO CRIMINAL - CERCEAMENTO DE DEFESA MEDIANTE SUA DEFICIÊNCIA - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO CONCRETO E EFETIVO PARA O RÉU - APLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 532 DO STF E ARTS. 566 E 572, INC. II, AMBOS DO CPP - ABSOLVIÇÃO - POSSIBILIDADE - CARACTERIZAÇÃO DE FURTO FAMÉLICO EIS QUE O ACUSADO SUBTRAIU 1 SUÍNO NO INTUITO DE SACIAR FOME SUA E DO CO-AUTOR MENOR - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - 'RES DELICTA' NO VALOR DE POUCO MAIS DA DÉCIMA PARTE DO SALÁRIO MÍNIMO - APELAÇÃO PROVIDA. 'Inexistindo o auferimento de vantagem ilícita, sendo a res delicta de pouco valor, utilizada para saciar a fome do apelante, tem-se a caracterização do furto famélico, e de conseqüência, a absolvição por atipicidade da conduta'.

Apelação crime. Processo 0177745-5. Paraná. Segunda Câmara Criminal (extinto TA). Relator Rafael Augusto Cassetari. 21/03/2002. Decisão Unânime. Acórdão n. 8875. Tribunal de Alçada. 2002. Disponível em: <https://www.tj.pr.gov.br/consultas/judwin/ResultCodigo.asp?Codigo=517740. Acesso em 5 set 2007.

FURTO FAMÉLICO – Reconhecimento – Demonstração de que a subtração do bem se fez por imperiosa carência de alimentos – Necessidade: O furto famélico, como espécie de comportamento em estado de necessidade, deve ser provado pelo agente, sem a demonstração de que a subtração do bem se fez por imperiosa carência de alimentos, que não poderia ser satisfeita de outra maneira; se não, impossível reconhecer a excludente do crime.

Apelação nº 1.362.251/1 – São Paulo – 4ª Câmara – Relator: Figueiredo Gonçalves – 9.12.2003 – V.U. (Voto nº 8.237) SÂO PAULO. Tribunal de justiça. 2003. Disponível em: https://www.tacrim.sp.gov.br/jurisprudencia/ementario/html/ementario51.html>. Acesso em 5 set 2007. [grifo nosso]

ROUBO. CONCURSO. CORRUPCAO DE MENORES. CO-CULPABILIDADE . – SE A GRAVE AMEACA EMERGE UNICAMENTE EM RAZAO DA SUPERIORIDADE NUMERICA DE AGENTES, NAO SE SUSTENTA A MAJORANTE DO CONCURSO, PENA DE “BIS IN IDEM” - INEPTA E A INICIAL DO DELITO DE CORRUPCAO DE MENORES (LEI 2.252/54) QUE NAO DESCREVE O ANTECEDENTE (MENORES NAO CORROMPIDOS) E O CONSEQUENTE (EFETIVA CORRUPCAO PELA PRATICA DE DELITO), AMPARADO EM DADOS SEGUROS COLETADOS NA FASE INQUISITORIAL. - O PRINCIPIO DA CO-CULPABILIDADE FAZ A SOCIEDADE TAMBEM RESPONDER PELAS POSSIBILIDADES SONEGADAS AO CIDADAO – REU. - RECURSO IMPROVIDO, COM LOUVOR A JUIZA SENTENCIANTE. (16FLS.)

(Apelação Crime Nº 70002250371, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 21/03/2001). Disponível em: https://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/exibe_documento.php?ano=2001&codigo=113489 >. Acesso em 5 set 2007. [grifo nosso]

EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. TENTATIVA DE ESTUPRO. FIXACAO DA PENA. AGENTE QUE VIVE DE BISCATES, SOLTEIRO, COM DIFICULDADES PARA SATISFAZER A CONCUPISCENCIA, ALTAMENTE VULNERAVEL A PRATICA DE DELITOS OCASIONAIS. MAIOR A VULNERABILIDADE SOCIAL, MENOR A CULPABILIDADE. TEORIA DA CO-CULPABILIDADE (ZAFFARONI). PREVALENCIA DO VOTO VENCIDO, NA FIXACAO DA PENA-BASE MINIMA. REGIME CARCERARIO INICIAL. EMBARGOS ACOLHIDOS POR MAIORIA.

(Embargos Infringentes Nº 70000792358, Quarto Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tupinambá Pinto de Azevedo, Julgado em 28/04/2000. Disponível em https://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_comarca=Tribunal+de+Justi%E7a&versao=&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca=700&num_processo_mask=70000792358&num_processo=70000792358> Acesso em 5 set 2007. [ grifo nosso]

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRESCINDIBILIDADE DO ESPECIAL FIM DE AGIR OU DOLO ESPECÍFICO (ANIMUS REM SIBI HABENDI). CRIME OMISSIVO PRÓPRIO. NÃO CONSTITUEM CAUSA EXCLUDENTE DA CULPABILIDADE MEROS PROBLEMAS ECONÔMICOS OU FINANCEIROS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME PROBATÓRIO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

1. O dolo do crime de apropriação indébita previdenciária é a consciência e a vontade de não repassar à Previdência, dentro do prazo e na forma da lei, as contribuições recolhidas, não se exigindo a demonstração de especial fim de agir ou o dolo específico de fraudar a Previdência Social como elemento essencial do tipo penal.

2. Ao contrário do que ocorre na apropriação indébita comum, não se exige o elemento volitivo consistente no animus rem sibi habendi para a configuração do tipo inscrito no art. 168-A do Código Penal.

3. Trata-se de crime omissivo próprio, em que o tipo objetivo é realizado pela simples conduta de deixar de recolher as contribuições previdenciárias aos cofres públicos no prazo legal, após a retenção do desconto.

4. Não se exime de responsabilidade o omitente que não faz o recolhimento devido a meros problemas econômicos ou financeiros.

5. A inexigibilidade de conduta diversa constitui causa supralegal de exclusão da culpabilidade e, para que reste configurada, é necessário que o julgador vislumbre a sua plausibilidade, de acordo com os fatos concretos revelados nos autos, cujo reexame seria inviável em sede de recurso especial.

6. Recurso improvido.

REsp 447405 / RS ; RECURSO ESPECIAL 2002/0079863-6. 06/09/2005. Disponível em : <https://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=supralegal&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2> 2005. Acesso em 5 set 2007. [ grifo nosso]

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. JUNTADA DE DOCUMENTOS ÁS VÉSPERAS DO JULGAMENTO DA APELAÇÃO. INDEFERIMENTO. CAUSA SUPRALEGAL. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. SÚMULA 07/STJ.

- A jurisprudência desta Corte admite a juntada de documentos em qualquer fase do processo, até mesmo na fase recursal, deste que ouvida a parte contrária e inexistente o espírito de ocultação premeditada e o propósito de surpreender o juízo.

- Precedentes.

- A existência de causa supralegal de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa é questão que só poderá ser resolvida por meio do contexto probatório dos autos, providência esta incabível na via estreita do recurso especial, diante da Súmula 07/STJ.

- Recurso especial não conhecido.

Disponível em : <https://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=supralegal&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=60> 2002. Acesso em 5 set 2007. [ grifo nosso]

Sentença prolatada pelo juiz Rafael Gonçalves de Paula nos autos nº. 124/03 - 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO, ao decidir o caso do furto das melancias.

Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional),...

Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.

Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.

Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia,...

Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra – e aí, cadê a Justiça nesse mundo?

Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.

Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.

Simplesmente mandarei soltar os indiciados. (SANTOS, 2006).

4.2 Possibilidade de mudança na legislação penal

Os indivíduos sofrem uma tensão anômica (teoria de Merton sobre a anomia) do meio em que sua vida se contextualisa. Não sendo possível ignorar a situação fatídica da sociedade, deve ser alterada a forma como se reprovará as condutas em que o indivíduo se vê limitado em sua ação e direito.

Aderindo a teoria da co-culpabilidade e objetivando uma maior coerência entre o sistema penal, a Constituição Federal e a realidade sócio-econômica do país, propõe-se a mudança legislativa da lei penal, encapando o pensamento de Gregore Moura (2006), nos seguintes termos:

1º - o art. 29 do código penal deverá ter um parágrafo acrescentado, em que conste que estando o agente submetido a precárias condições de vida, sendo hipossuficiente cultural e sócio-economicamente, sua pena deverá ser reduzida de um terço (1/3) a dois terços (2/3), devendo que neste caso, as condições terem influenciado e serem compatíveis com o crime realizado. Quanto pior forem as condições descritas no supracitado parágrafo, maior será a redução da pena. Nos dizeres de Moura seria mais consentâneo com o Direito penal democrático e liberal, vez que na esteira do garantismo penal, permitiria maior individualização da pena aplicada, além de reduzí-la aquém do mínimo legal, incidindo ainda na terceira fase de sua aplicação;

2º - a positivação da co-culpabilidade como causa de exclusão da culpabilidade pela vulnerabilidade do indivíduo que se encontra em estado de miséria tão caótico. Não incidindo sobre o agente qualquer reprovação social e penal, pois, seu comportamento seria esperado por seus co-cidadãos, sendo conseqüência da inadimplência estatal. Seria mais uma causa de exclusão da culpabilidade, além, das já previstas no código penal brasileiro.

O código penal colombiano, segundo Gregora Noura (2006), abre a possibilidade da exclusão da culpabilidade em seu artigo 56 ao exarar que o indivíduo que realizar a conduta punível sobre a influência de profundas situações de marginalidade, pobreza estremada ou ignorância, conquanto tenham influído diretamente na realização da conduta, e caso estas não possam afastar sua responsabilização, não incorrerá em pena maior que a metade do limite máximo e nem menor a sexta parte do limite mínimo, de acordo com a respectiva disposição.

Mesmo ocorrendo a positivação da co-culpabilidade, o intérprete deverá analisar se existe compatibilidade entre o estado de miserabilidade e o crime cometido, para que haja a possibilidade de sua aplicação no caso concreto, ou seja, deve ser uma das causas determinantes do crime o estado de miséria do agente.


Conclusão

O ordenamento jurídico brasileiro, está longe de alcançar a coerência e a unidade desejados. Tem-se a disparidade de tratamentos dos crimes em geral e dos crimes tributários, aqueles cometidos contra o sistema financeiro, crimes contra o sistema previdenciário, etc. Confirmando essa realidade, fica evidenciada a discriminação legal do sistema.

Conforme já tratado no item 4.3.3 Aplicação às avessas da co-culpabilidade, nos crimes tributários, a punibilidade do agente é afastada com a mera devolução da quantia sonegada ou desviada, mesmo que seja paga em parcelas a perderem-se de vista. Enquanto aos ditos “ladrões da galinha”, alusão ao irrisório valor comparativo dos resultados dos crimes em tela, mesmo devolvendo o bem – a “galinha” - não serão beneficiados pela extinção da punibilidade, no máximo terão a redução da pena – benefício descrito na lei penal. Serão, julgados e dependendo da corrente seguida pelo julgador, poderão ter a sentença declarando-os absolvidos, com embasamento no crime de bagatela, no princípio da insignificância, no estado de necessidade, principio da co-culpabilidade, etc. - que muitos juízes ainda não admitem por serem princípios e teorias não abraçadas pela lei, sendo apenas criações doutrinárias . Por que a legislação traz maiores benefícios para condutas criminosas que seriam em tese mais graves?

Tem-se como resposta, ao menos lógica, a perpetuação da discriminação sócio-econômica embasada na própria lei, afrontando a igualdade material. Há o desrespeito ao princípio da proporcionalidade, consagrando, como nos pensamentos de Gregore Moura (2006), a co-culpabilidade às avessas.

Ainda neste âmbito, a legitimidade do sistema penal é excluída por faltar-lhe coerência com a ordem principal. Como o próprio Kelsen elenca em sua teoria da pirâmide do ordenamento jurídico, a lei maior é a base para as demais, que comporão o ordenamento jurídico.

Em função do âmbito de escolha do indivíduo estar reduzido pelo contexto miserável, expropriante de sua condição de ser humano, é fatídico que lhe seja dado menor reprovação na análise de sua culpabilidade. Sem o pensamento crítico, os indivíduos estarão limitados à forma de vida social como a que se conhece presentemente. Não serão livres para escolher uma vida melhor, sendo sua atividade única, prolongar o apoio ao sistema que os escraviza. A organização social e cultural na modelagem atual, é uma ameaça à liberdade de saber que este sistema é opressivo e pode ser alterado.

Seguindo o já defendido, o sistema penal deve ser analisado como um instrumento de controle social que condiciona e é condicionado pela vida em sociedade, em que os valores são modificados ao longo do tempo.

Infelizmente, esses valores são escolhidos e determinados pela “classe dominante”, que faz do sistema penal um produto ideológico, que reflete sua ideologia política, sociológica e filosófica em certo momento da história.

Sustentada pela co-culpabilidade, a lei penal deve ser alterada, para não incorrer em injustiças maiores, por não reconhecer a restrição que âmbito de escolha das pessoas sofre, contextualizado pelas condições de vida em que se encontram.

Portanto, fica demonstrada a necessidade de se reconhecer a inexigibilidade de conduta diversa supralegal, positivando-a, com o objetivo de se fazer um direito penal condizente com a realidade humana, sendo assim, mais justo e legítimo.


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Abstract: In the crimes of "theft needy" or due to devouring hunger, most of the jurisprudences is positioned in the sense of applying the need state, as excluding of the illicitness, owing, however, to be configured the requirements of the article 24 of the Brazilian penal code. following this reasoning, just when the agent is without conditions of getting to accomplish any action, for physical weakness, propitiated for the alimentary lack, is that the need state could be configured assisting all of the requirements of the foregoing article In spite of, the several positioning exists, in that being the individual that subtracted victuals, in state of great poverty, due his/her condition of chaotic condition of miserable and tends his/her choice extent reduced by such situation, it should be applied to the case, the excluding of guilt: no demand of several conduct above the law, that annulled by the theory of the co-guilt propose modifications in the penal law. Such modifications are made necessary, time that the penal system has been showing incoherent with the reality of the country and with the own Federal Constitution of 1988, being shown without legitimacy. With the study of the socioeconomic reality, of the fundamental rights, of the legitimacy of the penal system covered by the theory of the co-guilt, a different parameter is had to analyze what would be necessary to lessen the sad punitive reality of the penal right that invariably is evidenced as ideological product of the dominant class.

Key words: socioeconomic reality: theft needy: need state: not to demand of several conduct above the law.


Autor

  • Leonardo Dias da Cunha

    Professor da Especialização em Direito Tributário da PUC Minas, Mestre em Direito Tributário pela PUCMINAS, Especialista em Direito Tributário pela FGV. Advogado tributarista em Belo Horizonte, Minas Gerais, do Escritório Coutinho Lacerda Rocha Diniz & Advogados Associados.

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CUNHA, Leonardo Dias da. Furto famélico: excludente de ilicitude por justificação (estado de necessidade) ou excludente da culpabilidade por inexigência de conduta diversa supralegal?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3599, 9 maio 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24330. Acesso em: 19 abr. 2024.