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Apontamentos sobre a situação jurídica do particular/terceiro na Lei n.º 8.429/92.

Aplicação da teoria da equivalência dos antecedentes causais na improbidade administrativa

Apontamentos sobre a situação jurídica do particular/terceiro na Lei n.º 8.429/92. Aplicação da teoria da equivalência dos antecedentes causais na improbidade administrativa

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Aplica-se a teoria da causalidade adequada, ou da equivalência dos antecedentes causais, utilizada para a verificação da participação (conduta) tanto do particular como do agente público. A improbidade administrativa somente poderá recair para os responsáveis diretos ou indiretos pela prática de ato (nexo de causalidade).

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Apesar da Lei de Improbidade Administrativa ser endereçada para o combate aos atos imorais e devassos dos agentes públicos que violem os bens jurídicos por ela tutelados, o particular ou o terceiro também respondem aos seus termos, em conjunto com os agentes públicos tidos por ímprobos.

Com efeito, o particular que induza ou concorra para o ato de improbidade administrativa, ou dele se beneficie, é considerado também sujeito ativo da Lei n.º 8.429/92, legitimando-se a figurar no pólo passivo da demanda judicial, como se verifica da redação do art. 3º da mencionada lei, verbis:

“Art. 3º - As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática de ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”

Com uma imperfeita aplicação da norma ao caso concreto, pode-se verificar que o art. 3º em questão permite verdadeira distorção do texto da Lei n.º 8.429/92, em decorrência de que, para a caracterização do ato de improbidade administrativa, como regra, exige-se que a conduta seja praticada de modo doloso.

Contudo, o artigo em comento não faz distinção específica entre o ato doloso e o culposo, pois, ao tempo em que descreve a necessidade de o particular induzir ou concorrer com o agente público para a prática de ato de improbidade administrativa (dolo), em sua parte final, de maneira equivocada e contraditória, estabelece que a obtenção de qualquer benefício, direto ou indireto pelo particular, mesmo que sequer tenha concorrido para tal, ensejará a caracterização da solidariedade com o agente público na prática do ato ímprobo, simplesmente por ter grafado uma situação jurídica ou outra (caput do art. 3º).

Ora, se o particular induzir ou concorrer para a prática do ato de improbidade administrativa, não resta dúvida de que será partícipe da imoralidade qualificada, caracterizada pelo ato de má-fé do agente público, que, no exercício de sua função pública, se desvia do dever de atuar com retidão e lisura, para beneficiá-lo ilicitamente. Isso porque a indução do particular, considerada a indução como a consequência tirada dos fatos que se examinam, representa verdadeira influência na prática do ato devasso e imoral do agente público, bem como “concorrer” tem o significado de “juntar-se para uma ação ou fim comum”[1].

Em sendo assim, caracterizada a indução ou a concorrência de atos ímprobos, e estando presente o elemento subjetivo do tipo, configurado está o delito qualificado pela improbidade administrativa. Não só o agente público responderá aos termos da Lei n.º 8.429/92, mas também o particular, pois as disposições contidas nos arts. 1º e 3º da citada legislação são uníssonas ao preservarem a responsabilidade de todas as pessoas que participem dolosamente, de forma direta ou indireta, do ato ímprobo.

Nesse sentido, segue o posicionamento da eminente Ministra Eliana Calmon,[2] relatora do REsp nº 931135/RO, que ficou assim ementado:

“Administrativo. Improbidade Administrativa. Terceiro não ocupante de cargo público. Concurso para a prática de ato descrito no art. 9º da Lei 8.429/92. Condenação. Possibilidade. Incidência dos arts. 1º e 3º da Lei 8.429/92. 1. Os arts. 1º e 3º da Lei 8.429/92 são expressos ao preservarem a responsabilização de todos, agentes públicos ou não, que induzam ou concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem sob qualquer forma, direta ou indireta. 2. A expressão ‘no que couber’ prevista no art. 3º, deve ser entendida apenas como forma de restringir as sanções aplicáveis, que devem ser compatíveis com as condições pessoais do agente, não tendo o condão de afastar a responsabilidade de terceiro que concorre para ilícito praticado por agente público. 3. Recurso especial não provido.”

Portanto, é certo que sem a demonstração do elemento subjetivo da conduta do agente e do terceiro, não haverá a possibilidade jurídica de subsunção de suas condutas em um dos tipos descritos na Lei n.º 8.429/92[3].

De se ressaltar que essa demonstração do elemento subjetivo da conduta é totalmente necessária,[4] pois na Lei n.º 8.429/92 inexiste a figura do litisconsórcio necessário entre o agente público e os terceiros supostamente beneficiários do ato ímprobo, não se aplicando, via de consequência, a regra legal prevista no artigo 47, do CPC.

O litisconsórcio forma-se, genericamente, no processo civil, por iniciativa do autor, do réu, do juiz ou de terceiro que intervém voluntariamente na demanda. Quando propõe a demanda o autor institui o litisconsórcio, identificando quem vai participar da relação processual no pólo passivo.

No caso da improbidade administrativa somente existe a obrigatoriedade de figurar no pólo passivo da demanda o agente público tido, em tese como ímprobo. O litisconsórcio é um plus, que a juízo do autor da ação poderá ser instaurado ou não.

Por óbvio que esse ato processual – ato potestativo do autor da ação, pois seu cumprimento depende da vontade exclusiva de uma das partes enquanto que a outra se encontra em estado de sujeição - deve se fundar em sólidos elementos, capazes de demonstrar, em sumaria cognito, a plausibilidade da postulação e a justa causa da inclusão do litisconsórcio passivo.

O requerimento de litisconsórcio passivo, tal qual a inclusão do agente público na demanda, dependerá de provas consistentes e concretas da atuação (elemento subjetivo) do particular, em conjunto com o agente público, na prática de um ato imoral e devasso que viole o bem jurídico tutelado pela Lei n.º 8.429/92.

O benefício a que alude o art. 3º em questão deve vir precedido, em nosso entendimento, de um ajuste ou acerto de interesses inescrupulosos e imorais, confrontando-se com os interesses da Administração Pública. De um lado o agente público, livre e consciente, viola o seu dever de probidade para deliberadamente beneficiar o terceiro, em detrimento do erário ou do interesse público. E o terceiro que adere e aceita a prática do ato imoral que vai beneficiá-lo, passa a ser partícipe da prática de ato ímprobo.

Essa conectividade deve existir, pois é cediço que na Lei de Improbidade Administrativa a responsabilidade é pessoal e intransferível, portanto, subjetiva, sendo necessária a prática isolada ou em coautoria do agente público com terceiros/particulares, para se estabelecer um vínculo jurídico ilícito, capaz de subsumir as respectivas condutas na Lei n.º 8.429/92.

O benefício do particular a que alude o art. 3º da Lei n.º 8.429/92, direto ou indireto, pressupõe um vínculo de atuação do particular em conjunto, ou seja, um nexo de causalidade, com o agente público, visando o fim jurídico ilícito, vedado pela lei de improbidade administrativa.

Por benefício se entende um ganho ou favorecimento, onde o agente público deliberadamente se junta com os interesses do particular, para lesar o erário ou os interesses morais da Administração Pública. Se é exigido o elemento subjetivo do agente público para fins de subsunção de sua conduta em um dos tipos descritos pela Lei n.º 8.429/92, por igual motivo deve se demonstrar a adesão ilícita e imoral do particular através de uma conexão entre ambas as condutas, visto que a responsabilidade objetiva é rechaçada pela aludida lei, inclusive para o particular.

Nesse sentido, é ilegal se partir da presunção da prática de ato imoral de particular por ter sido beneficiado por ato de agente público tido como ímprobo. Há a necessidade de demonstração do elo existente entre a conduta do agente e a participação do terceiro/particular para o resultado produzido.

O nexo de causalidade consiste em descobrir quais condutas, positivas ou negativas, deram causa ao resultado previsto em lei. Assim, para se dizer que alguém causou determinado fato, faz-se necessário estabelecer a ligação (participação) entre a conduta do agente público e o resultado gerado em favor do particular, com prejuízo (financeiro ou moral) para o poder público. Isto é, verificar se da ação ou omissão adveio o resultado combatido pela Lei n.º 8.429/92, tratando-se de pressuposto inafastável, perseguido pela persecução estatal para a imputação de um delito previsto na citada lei, resultante da materialidade e da autoria, vinculados aos atos dos acusados.

Vários são os exemplos de nexo causal. Um deles se resume no fato de alguém realizar trabalho danoso, penoso, insalubre, e após certo período desenvolver uma doença não é suficiente para concessão de indenização. Para tanto, é necessário que o empregado comprove o vínculo entre a doença e a atividade desenvolvida.

Da mesma forma, na Lei de Improbidade Administrativa é dever do autor da ação demonstrar a participação ou adesão do particular para a prática do ato ímprobo. Exemplo do afirmado é quando determinado Auditor fiscaliza o contribuinte e não faz qualquer lançamento tributário, por entender que a situação com o fisco é regular, e a posteriori a Administração Pública determina que haja uma nova fiscalização desse contribuinte e encontra débito tributário a ser lançado.

Quem garante que a primeira fiscalização estava tecnicamente errada e que a segunda é que deve ser adotada para fins de verificação de lançamento tributário? E se a segunda estiver correta, como afirmar que houve dolo do Auditor em benefício do terceiro/particular? É preciso demonstrar o nexo de causalidade sob pena de não ser possível a responsabilização civil.

De se dizer, sem a prova de que houve a adesão do particular, através de um conluio ou demonstração de ato imoral, como se admitir que ele figure no pólo passivo da ação de improbidade administrativa por ter sido, em tese, “beneficiado” pela primeira fiscalização que não encontrou indício de irregularidade tributária?

Entende-se que para que o particular seja alçado à condição de réu em ação de improbidade administrativa, mister se faz que seja demonstrado o nexo de causalidade entre o benefício direto ou indireto auferido por meio da prática em conjunto, com a adesão de agente público, do ato imoral ou indecente, pois do contrário não há plausibilidade jurídica de imputação de responsabilidade objetiva.

O erro ou o equívoco do agente público que cause benefício ou gere situação irregular para o particular, necessariamente deverá ter a adesão do mesmo ao ato ímprobo, pois não se admite em nosso ordenamento jurídico a culpa por presunção e muito menos uma ilegalidade administrativa se equipara a um ato ímprobo.

Além do mais, a ilegalidade consiste no equívoco do agente público, e para se transformar em ato de improbidade administrativa tem que ser demonstrado que foi gerado com a intenção de lesar ou ferir um dos bens jurídicos tutelados pela Lei n.º 8.429/92.

Ainda ad exemplum, diferente é a hipótese, narrada no AI n.º 200801000471536,[5] do TRF – 1ª Região, onde pessoa jurídica de direito privado recebeu pagamentos por serviços não prestados. Nessa situação há a atuação volitiva dos representantes de sociedades empresárias do acréscimo patrimonial auferido em função da prática do ato imoral e ilícito do agente público em detrimento do erário.

A necessidade de atuação dolosa e em parceria ente o agente público e o terceiro/particular faz nascer a responsabilidade perante a Lei n.º 8.429/92, desde que violado bem jurídico tutelado pela mesma.

A guisa de ilustração, pode-se citar o seguinte julgado do TRF – 1ª Região onde determinado servidor público, do alto escalão da Presidência da República, fez tráfico de influência em contrato de gestão de loterias da CEF, exigindo a contratação de terceiro como condição de aprovação do aludido contrato, por um custo de 10 milhões de reais. Assim ficou ementado o referido julgado:[6]

“Administrativo e Processual Civil. Improbidade Administrativa. Tráfico de influência: Subchefe de assuntos parlamentares da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência Da República. Interferência indevida em contrato de gestão de loterias da Caixa Econômica Federal. GTECH. Contratação de terceiro como condição de renovação do contrato: Extorsão. Violação ao art. 11 da Lei 8.429/1992. 1. O uso de cargo público para tráfico de influência constitui ato de improbidade administrativa, na forma do art. 11 da Lei 8429/1992, com quebra dos princípios que regem a administração pública, quando tal fato não configura enriquecimento ilícito ou dano ao erário. 2. Ato de improbidade administrativa cometida pelo Subchefe de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República pelos seguintes fatos: 2.1. A interferência indevida para renovação de contrato entre a Caixa Econômica Federal e a empresa GTECH, então responsável pelo gerenciamento das loterias sob a responsabilidade da CEF, para o qual participou no mínimo de 3 (três) reuniões. 2.2. Imposição à empresa GTECH da contratação de terceiro, interposta pessoa, para cargo de consultor, mediante pagamento no valor de, pelo menos, R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). 2.3. Valeu-se das facilidades que o cargo proporcionava para realizar operações clandestinas e fora de sua área de atuação, vislumbrando o auferimento de vantagem pecuniária, para outrem ou para si. 3. A ação deliberada do ex-servidor, de usar as prerrogativas que são inerentes aos ocupantes de cargo em comissão na Casa Civil da Presidência da Republica, em atuação dentre do Palácio do Planalto, demonstram a ausência do animus necessário ao regular exercício das atribuições de seu cargo. 4. Condenação do ex-Subchefe à pena de multa civil de quinze vezes o valor da remuneração percebida à época dos fatos, devidamente corrigida, acrescida de juros legais de 6% (seis por cento) ao ano, à perda de cargo público eventualmente ocupado, a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos, e a suspensão dos direito políticos também pelo prazo de 5 (cinco) anos. 5. O segundo réu, não-servidor público, que seria o beneficiário imediato do valor da extorsão, incide nas mesmas proibições, na forma autorizada pelo art. 3º da Lei 8429/1992. 6. Condenação do particular à pena de multa civil de cinco vezes o valor da remuneração percebida pelo ex-Subchefe à época dos fatos, devidamente corrigida, acrescida de juros legais de 6% (seis por cento) ao ano, à perda de cargo público eventualmente ocupado, a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos, e a suspensão dos direito políticos também pelo prazo de 5 (cinco) anos. 7. Apelações parcialmente providas.”

Como visto, a improbidade administrativa que dá ensejo à responsabilização do agente com adesão do particular se materializa pelo ato marcante desonesto, praticado de má-fé ou caracterizado pela imoralidade qualificada e pelo elemento subjetivo da conduta. Daí que a conduta ilegal só se torna ímproba se revestida também de má-fé do agente público e do particular. Essa é uma das razões legais que exige que esse ato de má-fé do agente público seja compartilhado integralmente pelo terceiro/particular, não só pelo fato do recebimento de benefício ou de vantagem, mas na prática conjunta do ato imoral e devasso.

O terceiro/particular, que não é agente público, para que figure no pólo passivo da ação de improbidade administrativa, necessário se faz a existência as situações que elencamos em nossos comentários à Lei n.º 8.429/92,[7] litteris:

“Para que o terceiro, que não é agente público, figure como sujeito ativo na improbidade administrativa, necessário se faz que existam uma ou todas as situações elencadas no artigo em exame:

•     indução do agente público para a prática do ato de improbidade administrativa;

•     que ocorra o concurso para a sua ocorrência;

•     que se beneficie dele ainda que indiretamente;

•     dolo, caracterizado pela vontade de lesar o erário ou se beneficiar de um ato velado pelo direito, direta ou indiretamente.”

Sem que seja descrita a utilização de ardil ou de fraude (má-fé), não se presta para fim de legitimar a inclusão do terceiro/particular no pólo passivo da ação de improbidade administrativa, porquanto para a caracterização de qualquer ato ímprobo, necessário se faz a presença do elemento subjetivo (dolo) na conduta do agente público em conjunto com o particular, visto que não é admitida a responsabilidade objetiva no presente ordenamento jurídico sancionatório, como já destacado.

O nexo de causalidade é imperioso para que ocorra a subsunção da conduta do particular na Lei n.º 8.429/92. Deverá haver uma relação direta ou indireta entre o ato ímprobo praticado pelo agente público e a adesão do particular, justamente porque, obrigatoriamente, terão que ser partícipes da má-fé, visando à obtenção de um resultado ilícito e imoral, vedado pela citada lei.

Porquanto “a Lei n.º 8.429/92 visa resguardar os princípios da administração pública sob o prisma do combate à corrupção, da imoralidade qualificada e da grave desonestidade funcional, não se coadunando com a punição de meras irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares, as quais possuem foro disciplinar adequado para processo e julgamento.”[8]

Assim sendo, a responsabilidade tanto do agente público, quanto a do particular que se beneficie do ato, deve ser subjetiva, resultante da prática conjunta do ato ímprobo do ato desonesto e imoral. Deverão estar invencivelmente caracterizadas a desonestidade e a má-fé do agente público em conjunto com o particular, na obtenção de um resultado ilícito e vedado pelo ordenamento jurídico, a fim de ocorrer a subsunção das respectivas condutas nos referidos tipos da Lei n.º 8.429/92.

Essa é a correta exegese das regras insertas na Lei n.º 8.429/92, considerando a gravidade das sanções e restrições que a respectiva lei prevê, muitas delas com caráter penal sancionatório evidente.

No entanto, sucede que o disposto na parte final do art. 3º, da Lei n.º 8.429/92 conduziu ao desvirtuamento indevido da aplicação da presente lei em relação ao particular que age com culpa ou que até mesmo se beneficie do ato de improbidade administrativa sem ter contribuído para a sua prática, ou ainda que não tenha a menor relação jurídica ou pessoal com o ente público ou com a Administração Pública.

A expressão “sob qualquer forma direta ou indireta” relacionada ao particular, a que alude o art. 3º em sua parte dispositiva final, não pode ser aplicada em sua ampla literalidade, inclusive em relação ao sujeito que não agiu de modo doloso, com culpa stricto sensu, e tampouco induziu ou concorreu para a obtenção de vantagem para o agente público, não podendo ser punido rigorosamente com penalidades previstas na Lei n.º 8.429/92, sem ter dado causa ao ato ímprobo.

Se o particular não agiu com dolo ou culpa, a imposição da sanção retributiva prevista na Lei de Improbidade Administrativa é injurídica e imoral. Não estando configurado o dolo na atuação do particular, não poderá haver a subsunção de sua conduta nos arts. 9.º e 11, da Lei de Improbidade Administrativa, isso porque a ilegalidade somente adquire o status de ato ímprobo quando a conduta típica e antijurídica é praticada com a má-fé do agente público ou do particular, conjuntamente, e não de modo isolado.

Por sua vez, apesar do art. 10, da Lei nº 8.429/92 admitir a presença da culpa, a mesma deve ser grave.[9] Portanto, deve ser cabalmente demonstrado na petição inicial de improbidade administrativa, ou no curso do processo, que o particular buscou auferir benefício dolosamente sob qualquer forma direta ou indireta, por meio da prática de um ato ilícito do agente público.

Não aderindo a nenhuma prática ilícita, não agindo com dolo em coautoria ou participação com agentes públicos, e nem causando prejuízo ao erário, o particular está fora do contexto do art. 3º, da Lei n.º 8.429/92. Tudo porque é necessária a presença do elemento subjetivo do tipo, para que a subsunção da conduta do agente público ou do particular seja aferida dentro do contexto da Lei n.º 8.429/92.[10]

Não resta dúvida que a ação de improbidade administrativa deve ser manejada contra o agente público ou terceiro/particular que tenham praticado ato desonesto e imoral, trazendo prejuízo diretamente ou de forma indireta para o poder público, por conta da prática de ato devasso e imoral.

Contudo, sem a presença do agente público, não há a menor plausibilidade jurídica em se manter o terceiro/particular isoladamente dentro do escopo da Lei n.º 8.429/92, como já dito alhures, pois o art. 3º, da Lei nº 8.429/92 somente admite a inclusão do terceiro/particular na ação de improbidade administrativa, desde que ele participe solidariamente, com o agente público, na prática do ato devasso e imoral.

Portanto, para que o terceiro/particular se torne sujeito ativo na Lei n.º 8.429/92, deverá, necessariamente, estar na companhia ilícita do agente público, sob pena de faltar possibilidade jurídica para caracterizar a subsunção da aludida conduta na lei de improbidade administrativa. Assim é obrigatória a adesão do agente público, que se não estiver identificada de forma clara, precisa e circunstanciada, lastreada pela prova direta dos autos, retira a legitimidade da inclusão do terceiro/particular no pólo passivo da ação de improbidade administrativa.

Em sendo assim, fica cristalinamente demonstrada pela Lei n.º 8.429/92 que os atos de improbidade administrativa somente podem ser praticados por agentes públicos, com ou sem a participação de terceiros, e que ausente o agente público no pólo passivo da demanda, não há a menor possibilidade jurídica de imputar-se à prática de improbidade administrativa para o particular[11].

Essa ótica, inclusive, tem sido adotada pelo TRF da 1ª Região,[12] que vem entendendo que o terceiro/particular, constando isoladamente no pólo passivo da Ação de Improbidade Administrativa, não possui legitimidade ad causam, pois é certo que a petição inicial da ação de improbidade administrativa possui o dever de descrever conduta ativa do agente público na prática de ato de improbidade administrativa, bem como a participação do terceiro/particular no ato ímprobo, descrevendo a sua responsabilidade efetiva no evento danoso.


2. A TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES CAUSAIS E SUA APLICAÇÃO AO TERCEIRO/PARTICULAR NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A condição sine qua nom para o terceiro/particular participar de relação processual no pólo passivo da demanda judicial movida contra a prática do ato de improbidade administrativa, conforme dito no tópico anterior, é o mesmo, em conjunto com o agente público, ter concorrido de forma direta ou indireta para a prática do ato ímprobo, se beneficiando do mesmo, agindo com dolo e má-fé.

A expressão “ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta” por si só não induz à obrigatoriedade da inclusão dos particulares no pólo passivo da ação judicial, como visto anteriormente.  Não resta dúvida que somente os agentes públicos, com ou sem cooperação de terceiros, podem praticar atos de improbidade administrativa.

Contudo, é importante destacar que a Lei n.º 8.429/92 não contempla a figura jurídica do particular vinculado a outro particular em prática de ato de improbidade administrativa. Melhor dizendo, o particular/terceiro, pessoa física ou jurídica, para figurar no pólo passivo da ação de improbidade administrativa mesmo que não seja agente público, conforme dispõem os arts. 1.º e 3.º, da Lei n.º 8.429/92, não pode estar ligado puramente a ato de outros particulares, mas sim, obrigatoriamente, deve se conectar diretamente ao ato praticado pelo agente público (nexo de causalidade).

Isso porque para que a ação de improbidade administrativa possa ter plausibilidade jurídica é necessária a inclusão de pelo menos um agente público no pólo passivo da demanda,[13] que trave relação jurídica direta ou indireta com o particular.

Somente ao agente público caberá ser o autor da prática do ato de improbidade administrativa (sujeito ativo), e o particular que não estiver diretamente unido a ele, em coparticipação, ou que direta ou indiretamente receba benefícios, não será parte passiva na relação processual da ação de improbidade administrativa.

É necessário que demonstre a participação do particular, em conjunto com o agente público, na prática do ato ímprobo. Sem essa relação direta entre eles (nexo de causalidade), não há como responsabilizar o particular que não praticou ato algum em conluio com o agente público. A responsabilidade do particular na Lei n.º 8.429/92, tal qual a do agente público, é vinculada aos atos que pratica ativa ou passivamente, com má-fé ou dolo, visando um fim proibido, vedado pela Lei de Improbidade Administrativa.

A relação de causalidade ou nexo de causalidade, utilizados pelo Direito Penal também é aplicável na improbidade administrativa, tendo em vista que por ela se estuda a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o resultado obtido.

Dispõe o art. 13, § 1.º, do Código Penal:

“Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

§ 1º. A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.”

A leitura do art. 13, § 1.º, do Código Penal permite ver que houve a adoção da teoria da equivalência dos antecedentes causais, que considera causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Ou em outras palavras, causa é tudo aquilo que pode modificar o resultado no mundo exterior. Abrange a condição e motivação, incluindo-se nesse contexto não só o resultado material unicamente, mas a ofendibilidade ao bem jurídico protegida pela norma penal.

Para saber se determinado fato é causa da prática do ato ilícito, utiliza-se do método hipotético de eliminação de Thyrén, “segundo o qual a mente humana julga que um fenômeno é condição de outro toda vez que, suprimindo-o mentalmente, resulta impossível conceber o segundo fenômeno”[14].

Ou seja, se não houvesse o fato, o resultado teria sido consumado?  Se a conclusão for que não, é porque o fato foi causador do resultado. Assim, quando se procura definir se uma conduta foi ou não causa de determinado resultado pergunta-se: caso a conduta não tivesse sido praticada, o resultado teria ocorrido? Se o resultado se modificasse, é porque a conduta foi preponderante para a causa.

Aplica-se, pois, a teoria da causalidade adequada, aquele que prestigia a causa predominante que deflagrou o dano, tendo em vista que nem todos os antecedentes podem ser levados em conta na aferição do nexo de causalidade. Essa conclusão, no entanto, nem sempre satisfaz o caso concreto.

Tal teoria é utilizada também integralmente na responsabilidade civil do estado. Apesar de ser objetiva a responsabilidade civil do estado, ao verificar o comportamento funcional do agente público, é dever do julgador comprovar a existência do nexo de causalidade material entre o seu comportamento e o evento danoso, a fim de comprovar a viabilidade, no plano jurídico, do reconhecimento da obrigação de recomposição do dano sofrido pelo ofendido.

A demonstração da relação de causalidade (teoria da causalidade adequada) se revela essencial ao reconhecimento do dever de indenizar, levando-se em conta ser necessária tal prova para fins de ressarcimento.[15] Nessa linha de pensamento, extraem-se as seguintes lições do Min. Celso de Mello:[16]

“Vê-se, daí, que a comprovação da relação de causalidade revela-se essencial, pois, sem ela, não há como imputar, ao causador do dano, a responsabilidade civil ainda que objetiva, tal como enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

Responsabilidade civil do Estado. Artigo 107 da Constituição. Assentada no risco administrativo, independente da prova de culpa. Basta que o lesado demonstre o nexo causal entre o fato e o dano. Recurso conhecido e provido.” (RE 116.333/RJK, Rel. Min. Carlos Madeira. Grifei)

Qualquer que seja o suporte doutrinário invocado para justificar a atribuição a alguém (inclusive ao Poder Público), da responsabilidade civil – teoria da equivalência das condições, teoria da causalidade necessária ou teoria da causalidade adequada -, o fato é que, conforme adverte Arnaldo Rizzardo (“Responsabilidade Civil”, p. 71, item n.1, 2ª ed., 2006, Forense), faz-se necessário a verificação de uma relação, ou liame, entre o dano e o causador, o que torna possível a sua imputação a um indivíduo” (grifei).”

A identificação em cada situação concreta do nexo de causalidade impõe o exame das circunstâncias fáticas evidenciadoras da existência ou não, da relação que deve haver entre a causa reveladora da responsabilidade civil e o prejuízo advindo dela, de tal modo que, deixando de ser comprovado esse indispensável liame, torna-se incabível imputar, ao causador do dano, a obrigação de indenizar.

Nessa linha, mesmo reconhecendo-se a responsabilidade civil objetiva do estado, o Supremo Tribunal Federal[17] pacificou ser necessária a demonstração do vínculo causal para fins de reparação financeira ao lesado. Havendo o evento danoso, afigura-se como necessário verificar-se justamente o nexo de causalidade entre ele e a participação do agente público, para fins de verificação de responsabilidades, incluindo-se nesse contexto a improbidade administrativa.

A partir da teoria da causalidade adequada, havendo mais de um responsável pelo evento danoso, é necessário se aferir a concorrência de culpas (causas), como critério de responsabilidade de cada envolvido para que seja responsabilizado quem deu causa ao prejuízo de outrem.

Somente o fato idôneo ou adequado para produzir o dano é que deve ser levado em consideração para o estabelecimento de responsabilidade do agente. Isso porque a responsabilidade do agente público tanto na esfera penal, como na disciplinar e na responsabilidade civil é subjetiva, vinculando a sua conduta comissiva ou omissiva, capaz de gerar danos ou prejuízos ao poder público ou a terceiros.[18]

Dessa forma, a teoria da causalidade adequada, ou da equivalência dos antecedentes causais, utilizada para a verificação da participação (conduta) tanto do particular na Lei n.º 8.429/92 como do agente público, é plenamente aplicada, visto ser evidente que o ato de improbidade administrativa somente poderá recair para os responsáveis diretos ou indiretos pela prática de ato ímprobo (nexo de causalidade).

Com a utilização da teoria da causalidade adequada para fins de subsunção da conduta do terceiro/particular na lei de improbidade administrativa, muitas conclusões serão admitidas no presente contexto, pois é defeso ao Ministério Público imputar responsabilidades objetivas para particulares que sequer tiveram relação ou participação direta ou indireta com o agente público acusado da prática do ato ímprobo.

Existentes condutas de várias pessoas são indispensáveis, do ponto de vista objetivo, que haja nexos causais entre cada uma delas e o resultado. Na improbidade administrativa não é diferente. Havendo essa relação (relevância causal) de atos ímprobos praticados pelo agente público, com a participação (adesão) do terceiro/particular, estará configurado, em tese, o ato vedado pela Lei n.º 8.429/92, com a responsabilidade de ambos.[19] Há que existir relevância causal de cada conduta entre o agente público e o particular na busca da prática do ato de improbidade administrativa.

Além da relevância causal da conduta do agente público e do terceiro/particular, também deverá ser demonstrado um liame psicológico entre o agente público e os particulares, na consciência de cooperarem entre si para a obtenção do ato ímprobo. Sem esses liames (relevância causal e liame psicológico) não será lícito e nem moral acusar o particular, ou particulares, de partícipes de uma relação jurídica ímproba.

Júlio Fabbrini Mirabete[20] também pensa da mesma forma quando elenca as seguintes conclusões sobre concurso de pessoas na obtenção de um fim vedado pela lei criminal:

“Havendo essa relação entre a ação de cada uma delas e o resultado, ou seja, havendo relevância causal de cada conduta, concorreram essas pessoas para o evento e por elas serão responsabilizadas. Há que se exigir, também, um liame psicológico entre os vários autores, ou seja, a consciência de que cooperam numa ação comum. Não basta atuar o agente com dolo (ou culpa), sendo necessária uma relação subjetiva entre os concorrentes. Somente a adesão voluntária, objetiva (nexo causal) e subjetiva (nexo psicológico), à atividade criminosa de outrem, visando a realização do fim comum, cria vínculo do concurso de pessoas e sujeita os agentes à responsabilidade pelas conseqüências da ação. Inexistindo esse liame psicológico, não há que se reconhecer o concurso de agentes disciplinado no artigo 29.”

Daí se conclui que a adesão voluntária do particular na prática do ato de improbidade administrativa se vincula a respectiva conduta (responsabilidade subjetiva), reveladora do nexo psicológico, em conjunto com a conduta dolosa e imoral do agente público (nexo de causalidade).

Inexistindo esse liame psicológico entre o terceiro/particular e o agente público é fato incontornável que não há participação descrita no art. 3º da Lei n.º 8.429/92, devendo o indivíduo ou a pessoa jurídica de direito privado ser excluída da demanda judicial.

Deve haver, portanto, na concorrência do ato de improbidade administrativa, a consciente e voluntária participação no fato (ato ímprobo) tanto do agente público como do particular.

Há que se ter o devido equilíbrio da acusação, que não poderá ser desatenta ou desleixada ao ponto de deixar de descrever a participação efetiva do particular (relevância causal e liame psicológico) no escopo da Lei n.º 8.429/92, bem como do agente público responsável pela prática do suposto ato ímprobo.

Por isso, quando o particular receber verba pública, por ter sido contratado pelo poder público para determinado serviço, por si só não pode ser considerado como “beneficiado” ilegal ou improbamente por tal contratação e, via de consequência, não pode ser responsabilizado objetivamente perante a Lei n.º 8.429/92, que como se sabe também exige a demonstração do elemento subjetivo.

Em sendo assim, o vínculo jurídico desse particular perante a Lei n.º 8.429/92, capaz de atrair a responsabilidade de outros particulares, deve prender-se básica e exclusivamente ao elemento subjetivo (relevância causal e liame psicológico) do partícipe do ato ímprobo, em conjunto e em conluio com o agente público.

Não contempla a Lei de Improbidade Administrativa a situação jurídica do particular, elencado como terceiro, com outros particulares que não praticaram atos com o poder público, ou até mesmo não se relacionaram por meio de condutas com o agente público investigado pela prática de ato ímprobo.

Deve-se ressaltar que a Lei n.º 8.429/92 não contempla a figura jurídica criminal da “lavagem de dinheiro”, que é disciplinada por diploma penal próprio e específico, e nem se imiscui na relação de particulares, empresas ou pessoas físicas entre si, pois o bem jurídico que tutela é a probidade dos atos praticados pelos responsáveis por entes de direito público, na forma do art. 1.º, da Lei n.º 8.429/92, com ou sem a adesão do particular.

Jamais a Lei n.º 8.429/92 contemplará a cadeira de atos particulares entre si e que não possuam uma relação causal com a prática do ato de improbidade administrativa, bem como inexistindo o correspondente liame psicológico, e mesmo que originariamente um deles tenha vínculo jurídico com o poder público não ocorrerá responsabilização de todos na prática do ato ímprobo. Ao ser incorporada a verba pública ao patrimônio do particular, em face ao vínculo direto com o ente de direito público, a relação entre ele e os outros particulares não está ao alcance da citada lei, senão comprovado o nexo de causalidade desses particulares com o agente público tido como ímprobo e igualmente o necessário liame psicológico.

Demonstrado o liame etiológico entre a conduta ímproba e o benefício auferido pela pessoa jurídica de direito privado ou física, impõe-se a correspondente sanção. Sendo certo que o ato de improbidade administrativa pressupõe a prova inequívoca do elemento subjetivo da conduta, através da prática de ato de má-fé, até mesmo para estabelecer o nexo de causalidade entre a conduta do agente público e o particular.

Não participando da relação (concorrência com uma causa) com o agente público, não há como denunciar a lide, no pólo passivo da demanda, o particular que não teve vínculo jurídico com o mesmo, ou participou da imoralidade qualificada. Devem ser demonstrados elementos mínimos entre os fatos tidos como ímprobos e a eventual conduta que teria sido praticada pelos terceiros e pelo agente público.

Exemplo claro do afirmado é quando particulares são alçados à condição de réus em ação civil pública por ato de improbidade administrativa, pelo simples fato de serem sócios proprietários de determinada empresa, mesmo não participando da administração ou não se relacionando direta ou indiretamente com o agente público que responde a ação de improbidade administrativa. E sabe-se que somente responderá por ato de improbidade administrativa aquele que deu causa a um resultado tido como ímprobo, ativa ou passivamente (relação de causa e efeito).

In casu, não é suficiente se considerar apenas a participação societária, pois a responsabilidade de sócios de empresas, além de ser subjetiva, deve se relacionar com a atuação do agente público acusado da prática do ato ímprobo visando à realização de um fim comum vedado pela Lei n.º 8.429/92. Pensar de modo diverso seria, em tese, a reedição da manutenção das responsabilidades objetivas dos particulares, por figurarem como sócios da empresa (sem ação de cada um deles para o resultado), mesmo não dando causa ou participando do ato ímprobo.

Aplica-se para essas situações a teoria da equivalência dos antecedentes causais, pois o benefício direto ou indireto do particular a que alude a parte final do art. 3º, da Lei n.º 8.429/92, exige para a subsunção de sua conduta na aludida lei do elemento subjetivo de cada um individualmente. Por isso a petição inicial da ação de improbidade administrativa deverá descrever a conduta de cada acusado pormenorizadamente, sob pena de rejeição da mesma.

Na Lei de Improbidade Administrativa, nos tipos dos arts. 9.º e 11, não se pune a título de culpa, como se sabe. Portanto, a petição inicial ao individualizar a conduta do particular é obrigada a descrever a prática de ato doloso do mesmo e a sua efetiva participação no evento tido como ímprobo, sendo vedada, via de consequência, a imputação culposa nesses dois tipos infracionais.

Da mesma forma, no prejuízo ao erário a responsabilização do terceiro deve vir devidamente fundamentada, respaldada na prática de ato de má-fé do mesmo (elementos mínimos de ligação entre os fatos e a eventual conduta), para que ocorra a subsunção de uma conduta do referido tipo ímprobo.

Em situação igual ao que se descreve no presente contexto foi trancada ação penal, com base na teoria da equivalência dos antecedentes causais, por se rejeitar a responsabilidade penal objetiva de sócios proprietários de empresa privada, bem como ausente o dolo específico do ilícito imputado, como se verifica do acórdão do TRF da 1ª. Região:[21]

“Penal e Processual Penal - Habeas Corpus - Redução à condição análoga à de escravo e omissão de anotação em Carteira de Trabalho - Denúncia - Vinculação dos pacientes ao fato punível - Inexistência - Alegação de responsabilidade penal objetiva e ausência de dolo específico - Acolhimento - Trancamento da Ação Penal - Ordem Concedida. I - Inexistência, na peça de acusação, de elementos mínimos de ligação entre os fatos nela narrados e eventual conduta que teria sido praticada pelos pacientes. A mera condição de representantes legais da empresa (sócios proprietários) dos pacientes é insuficiente para a sua responsabilização criminal por todos os fatos delituosos que eventualmente venha a ocorrer na administração da empresa de que são sócios. II - "O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido" (art. 13, CP). Vê-se que, no tocante ao aspecto da causalidade, o nosso direito penal adotou a teoria da equivalência dos antecedentes causais, teoria da conditio sine qua non, condição indispensável. Determinação, que por ser muito ampla, se interpretada literalmente, tende ao infinito, a ponto de considerar que a "causa da causa também seria causa do que foi causado". Todavia, o parágrafo único do art. 18 do CP impõe o necessário limite à causalidade ao dispor que: "Salvo os caos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente". E como se sabe, ninguém pode ser punido por culpa, a não ser naqueles crimes para os quais a lei, expressamente, prevê a modalidade culposa. III - Habeas corpus concedido.” (g.n.)

Assim, para fins de responsabilização do particular na Lei n.º 8.429/92 deve ser sopesada a sua conduta, na participação real e efetiva no ato tido como ímprobo (nexo de causalidade e resultado), porque senão a “causa da causa também seria causa do que foi causado”, o que se transforma em verdadeiro absurdo jurídico.

O elemento subjetivo somente será deflagrado no caso concreto do particular quando ele for beneficiado de alguma vantagem, por se vincular direta e promiscuamente com o agente público na conduta ímproba, não sendo admitida a responsabilização na Lei n.º 8.429/92 das pessoas físicas somente pelo fato delas receberem verba pública ou privada, de outro particular, ou serem sócios de empresas privadas. Há que se ter o devido nexo de causalidade entre as condutas e o resultado (relevância causal)

Esse fato é de suma importância, porquanto quando um particular que recebe verba de ente público se relaciona com outro particular, fruto de negócio jurídico diverso do vínculo originário, não há que se falar em litisconsorte passivo necessário e muito menos em lesão aos bens jurídicos tutelados pela Lei de Improbidade Administrativa.

Mesmo o particular recebendo verba pública, por ter sido contratado por ente de direito público, quando ela é incorporada ao seu patrimônio, as novas relações com particulares não projetam efeitos legais para a Lei de Improbidade Administrativa, por não ser considerada verba pública, aquela que já se encontra no patrimônio da pessoa ou empresa de direito privado.

Quando os recursos envolvidos nas relações de particulares são privados não há ato de improbidade administrativa, pouco importando que um deles tenha recebido verba pública, por ser necessária a relação de causalidade do fato com o resultado.

Deverá haver uma relevância causal de cada particular (conduta), capaz de demonstrar que concorreram várias pessoas para o evento (ato ímprobo) e por ele serão responsabilizados. Como dito alhures, tem que ser demonstrada a adesão voluntária e o nexo psicológico do particular na obtenção do resultado ímprobo.

O recebimento da verba pública pelo particular, e utilizado em outros eventos por si só não atrai o litisconsórcio de outros particulares ao ato ímprobo, por ser necessária a demonstração do elemento subjetivo de todos, através da descrição de condutas de todos. Por outro lado, com maior razão a verba não sendo pública, e sim privada, exclui a incidência da Lei de Improbidade Administrativa.

Aliás, essa situação ficou muito bem delineada no julgamento das sobras de campanha do então Presidente Fernando Collor de Mello, onde era acusado de corrupção e tráfico de influência, dentre outras imputações, por ter recebido verbas para a prática de atos vedados pelo ordenamento jurídico.

A ação de improbidade administrativa foi julgada improcedente no Superior Tribunal de Justiça, por ter ficado demonstrado que os recursos envolvidos nas transações tidas como ilícitas eram sobra de campanha política, mesmo envolvendo agentes políticos e empresas particulares, e possuíam origem privada e não pública, fora do escopo da Lei n.º 8.429/92.

Nesse sentido, posicionou-se o eminente Min. Mauro Campbell Marques,[22] relator designado no REsp n.º 1.129.121/GO:

“A partir daí, a sentença chegou à conclusão de que seria necessário transpor apara a presente demanda o entendimento do Supremo Tribunal Federal que, julgando ação penal relativa a estas mesmas condutas, haveria entendido que os recursos envolvidos nas referidas transações eram sobras de campanha (leia-se: privados, e não públicos), motivo pelo qual não caberia a ação de improbidade administrativa.

Ocorre que, decidido pela Corte Suprema que houve apenas utilização de recursos privados, o art. 12 deste diploma normativo seria inaplicável mesmo no que tange aos arts. 9º e 11 da LIA, uma vez que os incs. I e II daquele dispositivo condicionam o ressarcimento à existência de sangramento de dinheiro público (existência de dano patrimonial) - hipótese que, como dito pelo STF, não ocorre.” (g.n.)

Ao acompanhar o Relator do REsp n.º 1.129.161/GO, o Ministro Humberto Martins, ratificou a inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa quando os recursos são de origem privada:

“Ademais, e estas considerações são feitas apenas em obiter dictum, ainda que fosse possível aplicar ao caso a Lei n. 8429⁄92, a pretensão do recorrente seria infrutífera, haja vista que, no caso dos autos, não há que se falar em improbidade administrativa em decorrência de lesão ao erário.

Como bem ressaltou o Min. Mauro Campbell, e conforme consignado pela instância ordinária, os recursos envolvidos nas transações eram sobras de campanha, cuja origem - segundo entendimento firmado pelo STF ao julgar ação penal relativa a essas mesmas condutas - é exclusivamente privada.

Ora, se os recursos são de origem privada, se não havia dinheiro público envolvido nas transações realizadas pelos recorridos, a conclusão a que se chega, por óbvio, é a de que qualquer prejuízo porventura existente não desfalcou o erário.”

Em outro caso concreto, verificada a utilização de verba privada para aquisição do mobiliário e adequação do ambiente de trabalho, derivada de acordo de cooperação técnica celerado entre o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e Banco do Brasil, foi excetuada pelo TRF – 3ª Região[23] a relação jurídica entre eles da Lei n.º 8.429/92 por total impossibilidade jurídica do pleito.

Também merece ser realçada a hipótese julgada pelo REsp n.º 823.559/MG, que envolveu a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora/MG, entidade privada, sem fins lucrativos que não está adstrita a nenhum controle de cunho administrativa por parte de órgãos públicos, que presta serviços médicos, recebendo verba do SUS, mas suplementa tal recurso com doações de particulares, por ser aquela insuficiente. O sistema de saúde da Santa Casa de Misericórdia tinha contrato de prestação de serviço com a Administração Pública representada pelo Ministério da Saúde, e visava à assistência médica a pessoas carentes. Mesmo recebendo dinheiro proveniente do SUS, como ele é insuficiente para pagar os gastos da Santa Casa, não há como se configurar a hipótese de malversação de verba pública, pois o complemento dessa verba era privada, fruto de doações de pessoas físicas ou empresas privadas, fugindo, assim, da incidência da Lei n.º 8.429/92.

Felizes foram as lições do Ministro Mauro Campbell Marques[24] no julgado do precedente acima declinado:

(...) 4. No caso dos autos, é possível afirmar que a Corte a quo, ao analisar a controvérsia relacionada à legitimidade do Ministério Público, para ajuizar ação cautelar e ação civil por improbidade administrativa em face de supostas irregularidades praticadas na gestão administrativa da entidade hospitalar, expressamente consignou que: a) a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora é uma entidade privada que presta serviços médicos, a  qual não está adstrita ao controle de cunho administrativo por órgãos públicos; b) o vínculo jurídico entre a Santa Casa de Misericórdia e a administração pública, representada pelo Ministério da Saúde, consiste em contrato bilateral de prestação de serviços médicos às pessoas carentes por meio do Sistema Único de Saúde, no qual o pagamento por verba pública está condicionado à demonstração dos procedimentos e atendimento médicos efetivamente realizados pela entidade; c) os recursos patrimoniais adquiridos pela instituição, tanto os originados da contraprestação prestada ao SUS quanto os decorrentes da atividade privada, podem ser geridos livremente pelos administradores, sem a submissão ao controle estatal em atos de gestão da entidade; d) a eventual utilização de valores provenientes do SUS na malversação da Santa Casa de Misericórdia somente teria ocorrido após o ingresso dos valores na esfera privada da instituição; e) a análise da documentação e peças apresentadas pelas partes indica que não é objeto da medida cautelar, tampouco da ação civil por ato de improbidade administrativa, (...)” (g.n.)

Está bem identificado no julgado que não existindo malversação de verba pública, inexiste vilipêndio ao bem jurídico tutelado pela Lei n.º 8.429/92, não se aperfeiçoando a conduta de improbidade administrativa.

Por outro lado, deve ser reiterado que o elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade administrativa, além do dano ao erário, para que ocorra a responsabilização do particular ou do agente público no que vem disposto na Lei n.º 8.429/92.[25]

Foi consignado no REsp n.º 1.103.633/MG[26] que, se o particular prestou o serviço contratado pelo poder público e não foi partícipe da má-fé e da imoralidade qualificada, não há lesividade ao erário, o que faz com que ele seja retirado do pólo passivo da ação de improbidade administrativa.

Portanto, para a responsabilização tanto do particular como do agente público é imperioso o elemento subjetivo para a demonstração da justa causa da ação de improbidade administrativa, onde deve ser provada a desonestidade ou a má-fé de ambos (dolo)[27], além do efetivo prejuízo ao erário,[28] pois do contrário não há violação a bem jurídico tutelado pela Lei n.º 8.429/92.

Dessa forma, é necessária uma melhor avaliação sobre a real participação dos acusados da prática de ato de improbidade, verificando-se aprofundadamente as suas situações jurídicas à luz da teoria dos antecedentes causais, para que a ação civil pública não seja utilizada de forma indevida contra pessoas que sequer violaram o bem tutelado pela Lei n.º 8.429/92, o que se traduz, em última análise, em clara injustiça.


3. CONCLUSÃO

Após o presente estudo, conclui-se que:

1) O particular somente pode ser parte passiva na ação de improbidade administrativa se induzir ou concorrer para a prática do ato ímprobo;

2)  A responsabilização civil do particular na Lei n.º 8.429/92 é subjetiva, vinculada à prática de atos conectados com o agente público, vedando-se a imputação objetiva;

3) Jamais o particular poderá figurar na prática do ato de improbidade administrativa isoladamente, pois deve estar vinculado ao ato do agente público ímprobo;

4)  Aplica-se a teoria da equivalência dos antecedentes causais para a situação jurídica do particular na Lei de Improbidade Administrativa;

5) Havendo mais de um responsável pelo ato ímprobo (agente público e particulares), deve-se apurar a concorrência de suas culpas, como critério de responsabilidade subjetiva de cada envolvido;

6) Há a obrigação do autor da ação civil pública demonstrar a relevância causal dos atos tidos como ímprobos pelo agente público e a adesão do particular;

7) Há igualmente que existir nos atos tidos como ímprobos a relevância causal e liame psicológico;

8) A verba de natureza privada não dá ensejo à subsunção da conduta do particular ou do agente público na Lei n.º 8.429/92;

9) Não contempla a Lei de Improbidade Administrativa a figura jurídica do particular, elencado como terceiro, com outros particulares que não praticaram atos com o poder público, não se relacionando direta ou indiretamente com o agente público;

10) Deve sempre ser sob pesada a conduta do particular na participação real e efetiva no ato tido como ímprobo (nexo de causalidade) para fins de responsabilização subjetiva na Lei n.º 8.429/92.


Notas

[1] MICHAELIS, Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998, p. 554.

[2] STJ, Rel. Min. Eliana Calmon, REsp n.º 931135/RO, 2ª T., DJ de 27/02/2009.

[3] “(...) 2 - Não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável para caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11, da Lei n.º 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, mas do artigo 10 (...)” (STJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, AIA 30/AM, Corte Especial, 21/09/2011).

[4] STJ, Rel. Min. Humberto Martins, AGREsp n.º 1280560, 2ª T., DJ de 9.02.2012; REsp n.º 896044/PA, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJ de 19.04.2011.

[5] TRF – 1ª Reg., Rel. Juiz Fed. Conv. Reynaldo Soares da Fonseca, AI n.º 200801000471536, 3ª T., DJ de 6.03.2009, p. 62.

[6] TRF – 1ª Reg., Rel. Juiz Fed. Conv. Guilherme Mendonça Doehler, Ap. Cível n.º 200434000223790, 3ª T., DJ de 31.01.2012, p. 67.

[7] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O Limite da Improbidade Administrativa. Comentários à Lei nº 8.429/92, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 77.

[8] STJ, Rel. Min. Castro Meira, REsp nº 108991/PE, 2ª T., DJ de 25/11/1999.

[9] STJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, AIA nº 30/AM, Corte Especial, DJ de 28/09/2011.

[10] STJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, REsp nº 1006378/GO, 2ª T., DJ de 27/04/2011);Rel. Min. Teori Albino Zavascki, EREsp nº 479812/SP, 1ª S., DJ de 27/09/2010).

[11] STJ, REsp 1155992/PA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/03/2010, DJe de 01/07/2010. STJ, REsp 1181300/PA, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 14/09/2010, DJ de 24/09/2010.

[12] TRF – 1ª Reg., AC 2004.35.00.016587-9/GO, Rel. Des. Fed. Carlos Olavo, Conv. Juiz Federal Guilherme Mendonça Doehler (conv.), Terceira Turma, e-DJF1 p. 45, de 19/08/2011; TRF-1ª Região, AC 2006.39.03.003070-0/PA, Rel. Desembargador Federal Carlos Olavo, Terceira Turma,e-DJF1 p.40 de 29/07/2011; TRF-1ª Região, AC 2006.39.03.003070-0/PA, Rel. Desembargador Federal Carlos Olavo, Terceira Turma,e-DJF1 p.40 de 29/07/2011; TRF-1ª Região, AC 0000112-36.2003.4.01.3900/PA, Rel. Juiz Tourinho Neto, Terceira Turma,e-DJF1 p.112 de 13/05/2011.

[13] STJ, Rel. Min. Castro Meira, REsp n.º 1.181.300/PA, 3ª T., julgado em 14.09.2010; REsp n.º 1155992/PA, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJ de 4.03.2010.

[14] JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, Parte Geral, 1. v., 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 248.

[15] “(...) Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) alteralidade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (açã0) ou negativo (omissão) do agente público, (c) oficialidade da atividade causal e lesiva,  imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 – RTJ 71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 – RTJ 131/417). (...)” (RTJ 163/1107-1109, 1108, Rel. Min. Celso de Mello).

[16] Voto do Min. Celso de Mello, RE n.º 481110 AgR/PE, 2ª T., DJ de 9.03.2007, p. 50.

[17] “A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da Emenda Constitucional n.º 1/69 (e, atualmente, no § 6º, do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros (...).” (STF, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 143/270).

[18] “Responsabilidade Civil do Estado. Furto de veículo ocorrido em estacionamento de edifício público federal. Ausência de nexo causal. 1. "A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no § 6º do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros. 2. Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada" (STF - RE 130.564-PR). 3. A responsabilidade civil (objetiva ou subjetiva) pressupõe, necessariamente, que o dano suportado esteja relacionado, direta e imediatamente, com a ação ou a omissão do agente do Estado, sem o que não se forma o nexo de causalidade, indispensável à configuração do dever de indenizar. 4. Inexistência, na espécie, de relação direta e imediata entre o dano suportado e a ação ou a omissão imputável aos agentes da ré (Código Civil, art. 1.060), uma vez que se tratava de estacionamento aberto ao público, sem vigilância, caso em que não há como imputar a ocorrência de omissão ou de culpa "in vigilando" aos servidores públicos da União. Precedentes desta Corte. 5. Ainda que houvesse vigilância no referido estacionamento, seria ela devida apenas aos bens públicos, uma vez que a Administração Pública não pode assumir a guarda de bens de particulares, mesmo que sejam servidores públicos. 6. Apelação provida. Remessa prejudicada.” (TRF – 1ª Reg., Rel. Juiz Federal Conv. Leão Aparecido Alves, 3ª T., AP. Cível n.º 199701000106153, DJ de 27.06.2002, p. 833).

[19] “Havendo essa relação entre a ação de cada uma delas e o resultado, ou seja, havendo relevância causal de cada conduta, concorreram essas pessoas para o evento e por ele serão responsabilizados.” (MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. vol. I, Parte Geral, 21. ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 229).

[20] MIRABETE, Julio Fabrini. Op. cit. ant., p. 229.

[21] TRF – 1ª Região, Rel. Des. Fed. Assusete Magalhães, HC n.º 0045693-56.2011.4.01.0000/PA, 3ª T., DJ de 21.10.2011, p. 169.

[22] STJ, Rel. Min. mauro Campbell Marques, REsp n.º 1.129.121/GO, 2ª T., julgado em 3.05.2012.

[23] “Ação Civil Pública Concorrência Pública. Improbidade Administrativa: Inexistência. Aquisição de mobiliário e adequação do ambiente de trabalho sem utilização de recurso público. 1. A verba destinada para aquisição do mobiliário e adequação do ambiente de trabalho, derivada do acordo de cooperação técnica celebrado entre o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e o Banco do Brasil, não guarda natureza pública. 2. A discussão acerca da natureza da verba, reconhecida como privada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça (Ação Penal nº 330-SP), não ganha outra dimensão simplesmente pelo fato de esta demanda não ser de caráter penal. 3. Inexistência, na quadra desta ação, de discussão sobre a validade do acordo de cooperação técnica firmado entre o Banco do Brasil e o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª. Região. 4. Preliminar de incompetência desta Corte rejeitada. Apelações improvidas.” (TRF – 3ª Reg., Rel. Des. Fed. Alda Basto, AP. Cível n.º 1397212, 4ª T., DJ de 19.12.2011.

[24] STJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, REsp n.º 823559/MG, 2ª T., DJ de 29.06.2012.

[25]“(...)  8. Ocorre que, in casu, se vislumbra a ausência de dolo e de dano ao erário, encerrando hipótese de rejeição da ação de improbidade. Isto porque, o ato de improbidade, na sua caracterização, como de regra, exige elemento subjetivo doloso, à luz da natureza sancionatória da Lei de Improbidade Administrativa, o que afasta, dentro do nosso ordenamento jurídico, a responsabilidade objetiva. Precedentes: REsp 654.721/MT, Primeira Turma, julgado em 23/06/2009, DJe 01/07/2009; Resp 717.375/PR, Segunda Turma, DJ 08/05/06; REsp 658.415/RS, Segunda Turma, DJ de 3.8.2006; REsp 604.151/RS, Primeira Turma, DJ de 08/06/2006 (...)” (STJ, Rel. Min. Luiz Fux, REsp n.º 1103633/MG, 1ª T., DJ de 03.08.2010).  

[26] “(...)5. À luz de abalizada doutrina: "A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, §4º). A probidade administrativa  consiste no dever de o "funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer". O desrespeito a esse dever  é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem(...)." in José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p-669. (...) 9. Deveras, se os serviços foram prestados, não há lesividade, consoante a jurisprudência predominante desta Corte: Precedentes do STJ: REsp 861.566/GO, Primeira Turma, julgado em 25/03/2008, DJe 23/04/2008; REsp 717375/PR, Segunda Turma, DJ 08/05/2006; REsp 514820/SP, Segunda Turma, DJ 06/06/2005. (...) 11. Recurso Especial provido, para restabelecer a sentença a quo e julgar improcedente o pedido da ação civil pública por ato de improbidade administrativa.” (STJ, Rel. Min. Luiz Fux, REsp n.º 1103633/MG, 2ª T., DJ de 03.08.2010). 

[27] “Constitucional e Administrativo. Improbidade Administrativa. Elemento Subjetivo. Desonestidade ou má-fé. Ausência. Justa causa para a ação por ato de improbidade. Inexistência. Extinção do processo sem resolução de mérito. Cabimento. - Ação por ato de improbidade administrativa proposta em face de ex-Secretário Municipal de Saúde por ter utilizado recursos federais do SUS para complementar os pagamentos de serviços hospitalares, ambulatoriais e de anestesia prestados por instituições privadas, descumprindo o art. 1º da Portaria n. 1.606/01 do Ministério da Saúde, segundo o qual a mencionada complementação deveria ter sido realizada com recursos da municipalidade. - A legislação regulamentadora do SUS permite que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios paguem aos prestadores de serviços médicos, hospitalares e ambulatoriais valores superiores aos estabelecidos na Tabela Única de Procedimentos; inexiste suspeita de que os serviços não tenham sido prestados ou de que tenha ocorrido malversação, desvio ou apropriação de recursos públicos. A única conduta imputada ao demandado consiste no fato de ele haver efetuado complementação de pagamentos com recursos federais do SUS, quando deveria ter utilizado verbas próprias do município. - O simples descumprimento da Portaria n. 1.606/01 do Ministério da Saúde, embora se configure como infração administrativa, não está marcado com os elementos subjetivos "desonestidade" e "má-fé", indispensáveis à incidência da Lei de Improbidade Administrativa. Entendimento da doutrina especializada. Precedentes do STJ e deste Tribunal. - Não configurado o ato de improbidade administrativa, ante a falta do elemento subjetivo que lhe é indispensável, mostra-se acertada a rejeição da ação com fulcro do art. 17, parágrafo 8º, da Lei n. 8.429/92. Manutenção da sentença recorrida. - Improvimento do recurso.” (TRF – 5ª Reg., Rel. Des. Fed. Rubens Mendonça Canuto, Ap. Cível n.º 400565, 2ª T., DJ de 5.11.2009, p. 266).

[28] “Ação Civil Pública. Senac. Legitimidade do MPF. Discussão acerca da gestão financeira. Dano ao erário não demonstrado. Não comprovado dolo no decorrer do processo licitatório. 1. Os valores que custeiam as atividades do SENAC e demais entidades paraestatais de cooperação do Poder Público, tem como principal fonte as contribuições patronais compulsórias arrecadadas pelo INSS, sendo nítida a origem federal da verba, que após recolhimento e repasse é administrada pela iniciativa privada. Em síntese, a má gestão financeira pelo SENAC implica lesão a interesse da União no exercício de atividade por esta atribuída àquele, de maneira que entendo ser o Ministério Público Federal legítimo para o ajuizamento desta Ação Civil Pública. 2. Não demonstrado dano ao erário nem dolo no descumprimento dos princípios que regem a administração pública, improcedente ação civil pública para reconhecimento de improbidade administrativa.” (TRF - 4ª Reg., Rel. Des. Maria Lucia Luz Leiria, Ap. Cível n.º 200571000219905, 3ª T., DJ de 03.02.2010).


Autor

  • Mauro Roberto Gomes de Mattos

    Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

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MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Apontamentos sobre a situação jurídica do particular/terceiro na Lei n.º 8.429/92. Aplicação da teoria da equivalência dos antecedentes causais na improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3715, 2 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25207. Acesso em: 24 abr. 2024.