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As condições da ação: Breve abordagem doutrinária

As condições da ação: Breve abordagem doutrinária

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O direito de ação, conquanto abstrato e autônomo em relação ao direito subjetivo material alegado, está submetido às intituladas condições da ação, que são a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse de agir (processual).

RESUMO: No atual escrito, procurar-se-á abarcar as condições da ação em seus principais aspectos doutrinários, máxime as teorias acerca do conceito de ação e as condições da ação propriamente ditas, quais sejam, a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse de agir (interesse processual).


AS CONDIÇÕES DA AÇÃO

Antes de adentrarmos nas condições da ação propriamente ditas, insta ponderar algumas ligeiras considerações acerca do conceito de ação e das principais teorias que procuram explicá-lo. Vejamos.


As Teorias da Ação

O conceito de ação (uma das categorias fundamentais do processo e que integra a sua trilogia estrutural, a saber: a ação, a jurisdição e o processo[1]) vem sofrendo modificação ao longo do tempo, de acordo com a teoria defendida.

De fato, a primeira teoria (chamada “teoria romanista”) defendia que a ação não é propriamente um direito específico, mas tão-somente uma faceta do próprio direito material subjetivo, na medida em que “não há ação sem direito; não há direito sem ação; a todo direito corresponde uma ação” (afirmação de Celso[2]). Destaque-se que ela foi criada num contexto histórico onde a atuação judiciária era extremamente seletiva, já que os magistrados romanos somente poderiam atuar nos casos em que havia prévia definição normativa de uma ação (autorização real apenas em certos casos; inexistência de uma jurisdição universal). Ainda, tal teoria estava presente no Código Civil do Brasil de 1916.

Por sua vez, de uma releitura da teoria referida no parágrafo anterior surgiu a “teoria civilista”, a qual, encampada por Savigny e compreendida a partir do conceito de relação jurídica, pregava que a ação não é mera faceta do direito material, visto que somente existe quando houver violação de um direito/obrigação da relação jurídica material originária (ação imanente ao direito material). A ação, pois, nasce desta violação do direito subjetivo (nem todo direito corresponde uma ação, mas apenas os ofendidos; ação com caráter seletivo) e, criando uma nova relação obrigacional entre as partes, se consubstancia no direito de invocar, em qualquer caso (jurisdição universal), a prestação jurisdicional para o cumprimento forçado da obrigação material insatisfeita.

Noutro giro, a chamada “teoria moderna” salienta que a ação é mais um direito subjetivo (independente, pois, do direito subjetivo material; autônomo em relação a este, segundo Bülow) conferido a todos os cidadãos (universalização do direito de acesso ao Judiciário) e oponível perante o Estado (a ação como uma relação pública entre autor/réu e Estado, e não mais entendida como uma relação obrigacional privada entre as partes) para o recebimento de uma prestação jurisdicional. Assim, em face de sua autonomia, existe ação mesmo nos casos em que não tiver havido violação do direito material (pedido do autor julgado improcedente, p.e.). Trata-se, por conseguinte, de uma teoria carente de seletividade para o ingresso no Poder Judiciário.

Urge registrar, outrossim, no que concerne à sua concretude, a existência de três outras teorias da ação, quais sejam: i) a “teoria abstracionista” (de Plósz e Degenkolb), que pondera que a existência do direito de ação independe do resultado da demanda judicial, pelo que o direito de ação é completamente desvinculado do direito material postulado (improcedência do pedido do autor não interfere na existência do direito de ação; sem seletividade para o acionamento da máquina judiciária); ii) a “teoria concretista” (de Adolph Wach), que, resgatando a “teoria civilista”, reza que a existência do direito de ação depende da procedência do pedido do autor (vinculação entre direito material e direito processual; com extrema seletividade); e iii) as “teorias ecléticas”, que buscaram equilibrar os pontos de vista abstratos e concretos.

No que se refere às “teorias ecléticas”, a que mais influenciou o processo brasileiro foi a de Enrico Tullio Liebman (aluno de Chiovenda[3]), o qual argumentava que “a ação é um direito abstrato de invocar a prestação do Estado”, sendo, entretanto, o mencionado direito, condicionado “à presença de algumas condições especiais, cuja ausência resultava na inexistência[4] do direito de ação”[5], que têm o caráter organizador da seletividade de acesso ao Judiciário e representam o “verdadeiro ponto de contato entre a ação e a situação de direito material”[6].

Por fim, impende salientar a existência da denominada “teoria da asserção” (da argumentação; uma teoria eclética), segundo a qual as condições da ação devem ser aferidas com supedâneo nas alegações do autor na petição inicial (portanto, uma análise abstrata, já que sem o exame das provas e do mérito em si). Sobre esta teoria, Alexandre Freitas Câmara[7] leciona:

Parece-me que a razão está com a teoria da asserção. As “condições da ação” são requisitos exigidos para que o processo vá em direção ao seu fim normal, qual seja, a produção de um provimento de mérito. Sua presença, assim, deverá ser verificada em abstrato, considerando-se, por hipótese, que as assertivas do demandante em sua inicial são verdadeiras, sob pena de se ter uma indisfarçável adesão às teorias concretas da ação. Exigir a demonstração das “condições da ação” significaria, em termos práticos, afirmar que só tem ação quem tenha o direito material. Pense-se, por exemplo, na demanda proposta por quem se diz credor do réu. Em se provando, no curso do processo, que o demandante não é titular do crédito, a teoria da asserção não terá dúvidas em afirmar que a hipótese é de improcedência do pedido. Como se comportará a teoria? Provando-se que o autor não é credor do réu, deverá o juiz julgar seu pedido improcedente ou considerá-lo “carecedor de ação”? Ao afirmar que o caso seria de improcedência do pedido, estariam o defensores desta teoria admitindo o julgamento da pretensão de quem não demonstrou sua legitimidade; em caso contrário, se chegaria à conclusão de que só preenche as “condições da ação” quem fizer jus a um pronunciamento jurisdicional favorável. Parece-me, assim, que apenas a teoria da asserção se revela adequada quando se defende uma concepção abstrata do poder de ação, como se faz nesta obra. As “condições da ação”, portanto, deverão ser verificadas pelo juiz in statu assertionis, à luz das alegações feitas pelo autor na inicial, as quais deverão ser tidas como verdadeiras a fim de se perquirir a presença ou ausência dos requisitos do provimento final.

Percebe-se, portanto, da breve passagem por cada uma das teorias acima explanadas, que, não obstante a mudança no conceito de ação ocorrida ao longo do tempo, houve o retorno e a continuidade de elementos das teorias antigas pelas teorias novas, mormente elementos conceituais destinados à instrumentalidade e à organização da seletividade do Judiciário.

À demasia, impõe frisar que a adoção pura tanto da “teoria abstracionista” quanto da “teoria concretista” da ação encontra óbice no sistema constitucional brasileiro.

Em verdade, de um lado, se se adotar plenamente a “teoria abstracionista”, estar-se-á dando ao princípio da inafastabilidade da jurisdição/direito de ação (Constituição Federal, art. 5º, XXXV) um caráter absoluto, o que resulta na vulneração de outros princípios constitucionais, mormente, em certos casos, do princípio da separação dos Poderes (Constituição Federal, art. 2º; casos de supressão da instância administrativa e realização da atividade executiva pelo Judiciário). E, como visto, nenhum direito previsto na Carta Magna de 1988 é absoluto, porquanto todos sofrem conformações, limitações e/ou restrições destinadas à garantia da unidade e da harmonização (concordância prática) da Constituição.

Por outro lado, a adoção da “teoria concretista” torna letra morta (eficácia esvaziada) o referido princípio da inafastabilidade da jurisdição, o que redunda na ofensa ao princípio constitucional da proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Ocorre, pois, a negação da existência do independente direito subjetivo/garantia fundamental de ação, em oposição ao previsto na Carta Política de 1988[8].

De outra banda, quanto à “teoria da asserção”, Cândido Rangel Dinamarco a repudia. Isso porque, para este processualista, não é suficiente que o autor descreva formalmente uma situação em que estejam presentes as condições da ação (condições afirmadas), pois é preciso que elas realmente existam (condições existentes). Além disso, uma condição da ação é, segundo ele, “sempre uma condição da ação e por falta dela o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito, quer o autor já descreva uma situação em que ela falte, quer dissimule a situação e só mais tarde os fatos revelem ao juiz a realidade”[9]. E conclui, salientando que:

Ao propor arbitrariamente essa estranha modificação da natureza de um pronunciamento judicial conforme o momento em que é produzido (de uma sentença terminativa a uma de mérito) a teoria della prospettazione incorre em uma série de erros e abre caminho para incoerências que desmerecem desnecessária e inutilmente o sistema. Eis algumas das objeções que nunca foram satisfatoriamente respondidas: a) só advogados menos preparados iriam incorrer na carência de ação, porque os competentes sabem construir suas petições inicias dissimulando a falta de uma das condições da ação; b) ao dar provimento à apelação interposta contra uma sentença “de mérito” fundada no fato de uma das partes ser estranha à relação substancial controvertida (ação de despejo movida a quem não é inquilino), ao tribunal seria permitido examinar as verdadeiras questões de mérito e julgar procedente a demanda, sem suprimir um grau de jurisdição (CPC, art. 515, § 1º); c) se fosse de mérito a sentença que reconhece tratar-se de dívida de jogo (improcedência da demanda), a eficácia da declaração contida nessa sentença impediria a plena vigência do art. 814 do Código Civil, porque eventual pagamento seria pagamento de dívida inexistente e não, simplesmente, insuscetível de cobrança judicial (obrigação natural); d) se em dois ou mais processos o mesmo autor pediu a anulação do mesmo ato ou contrato, mas com fundamentos diferentes, a anulação decretada em um deles conduziria o juiz a concluir, nos demais, que o autor não teria direito à anulação (mas todos entendem que o caso é de falta de interesse de agir, porque o resultado almejado já foi obtido) etc. para superar essas e outras objeções a uma tese arbitrária e absolutamente desnecessária no sistema, a teoria da asserção busca subterfúgios e precisa propor novas interpretações de uma série de conceitos e institutos jurídico-processuais arraigados na cultura ocidental, como o de mérito, o da coisa julgada material e até mesmo o de condições da ação. Para aceitá-la seria indispensável uma mudança muito significativa na ordem jurídico-positiva do processo e um uma série de pilares da cultura processual de fundo romano-germânico.[10]

Ademais, insta averbar que a “teoria eclética” da ação criada por Liebman foi abraçada pelo atual CPC, que, em seu artigo 267, VI, insculpe que “exingue-se o processo, sem resolução de mérito, quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual” (extinção do processo por carência da ação).

Assim, para o fim almejado com o atual escrito, considerar-se-á que o direito de ação, conquanto abstrato (isto é, autônomo em relação ao direito subjetivo material alegado), é, por razões de economicidade, seletividade e utilidade, submetido às intituladas condições da ação[11], que são condições legalmente estabelecidas e necessárias à legítima exigência do julgamento do mérito da causa, sendo apontadas pela doutrina como sendo a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual.


A Possibilidade Jurídica do Pedido e a Legitimidade das Partes

Quanto à possibilidade jurídica do pedido, ela é a exigência da necessária compatibilidade do pedido com a ordem jurídica e foi acolhida expressamente pelo CPC como uma das condições da ação, conforme se dessume do já transcrito inciso VI do art. 267 e, outrossim, do art. 295, caput, I, c/c art, 295, parágrafo único, III[12], do mesmo diploma legal.

Ademais, Moniz de Aragão[13] esclarece que a possibilidade jurídica do pedido “não deve ser conceituada, como se tem feito, com vistas à exigência de uma previsão no ordenamento jurídico, que torne o pedido viável em tese, mas, isto sim, com vistas à inexistência, no ordenamento jurídico, de uma previsão que o torne inviável”. Assim, será juridicamente impossível o pedido quando, de algum modo, colidir com as normas do ordeamento jurídico em vigor (critério negativo de verificação).

Cândido Rangel Dinamarco, por sua vez, entende que a possibilidade jurídica deve ser da demanda, de modo que a impossibilidade jurídica merece ser estendida para as situações em que, apesar da licitude do pedido, haja ilicitude na causa de pedir ou nas próprias partes. Explica o mencionado processualista que:

O petitum é juridicamente impossível quando se choca com preceitos de direito material, de modo que jamais se poderá ser atendido, independentemente dos fatos e das circunstâncias do caso concreto (pedir o desligamento de um Estado da Federação). A causa petendi gera a impossibilidade da demanda quando a ordem jurídica nega que fatos como alegados pelo autor possam gerar direitos (pedir a condenação com fundamento em dívida de jogo). As partes podem ser causa de impossibilidade jurídica, como no caso da Administração pública, em relação à qual a Constituição e a lei negam a possibilidade de execução mediante penhora e expropriação pelo juiz (...). Daí a insuficiência da locução impossibilidade jurídica do pedido, que se fixa exclusivamente na exclusão da tutela jurisdicional em virtude da peculiaridade de um dos elementos da demanda – o petitum – sem considerar os outros dois (partes e causa de pedir).[14]

Destaque-se, por último, que Liebman, criador da “teoria eclética” e, pois, da possibilidade jurídica do pedido como uma das condições da ação (acolhidas, como visto, pelo CPC), excluiu, com a permissão do divórcio pelo ordenamento jurídico italiano na década de 1970 (o seu principal exemplo de impossibilidade jurídica do pedido), a possibilidade jurídica do pedido do rol das condiçoes da ação, passando a incluir no requisito do interesse processual os casos antes apontados como de impossibilidade jurídica[15].

Noutro giro, no que se refere à legitimidade das partes (legitimidade ad causam), ela é a condição da ação vinculada ao elemento subjetivo da demanda (os sujeitos: autor e réu; “pertinência subjetiva da ação”[16]) e se refere à qualidade para estar em juízo, seja como demandante (legitimidade ativa) ou demandado (legitimidade passiva), em relação a específico conflito trazido ao exame do magistrado. Ainda, ela “depende sempre de uma necessária relação entre o sujeito e a causa e traduz-se na relevância que o resultado desta virá a ter sobre sua esfera de direitos, seja para favorecê-la ou para restringi-la”[17].

Sobre os principais aspectos da legitimidade ad causam, Fredie Didier Jr.[18] salienta que:

a) trata-se de uma situação jurídica regulada pela lei (“situação legitimante”; “esquemas abstratos”; “modelo ideal”, nas expressões normamelnte usadas pela doutrina); b) é qualidade jurídica que se refere a ambas as partes do processo (autor e réu); c) afere-se diante do objeto litigioso, a relação jurídica substancial deduzida – “toda legitimidade baseia-se em regras de direito material”, embora se examine à luz da situação afirmada no instrumento da demanda.

Não bastasse, urge gizar que, em regra, somente terá legitimidade ad causam o titular do interesse levado a juízo pela demanda. É a regra da legitimação ordinária, que se depreende do art. 6º do CPC, ao afirmar que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. Assim, em princípio, apenas é titular de ação a própria pessoa que afirma ser titular do direito subjetivo material cuja tutela é pretendida, e somente pode ser demandado aquele que é o titular da obrigação respectiva.

Por outro lado, excepcionalmente, uma norma jurídica poderá autorizar alguém a ir a juízo, em nome próprio, defender interesse alheio. Ou seja, “em algumas situações, expressamente previstas em lei, terá legitimidade de parte alguém que não é apresentado em juízo como titular da relação jurídica deduzida no processo”[19]. Trata-se, pois, da legitimação extraordinária[20][21], que tem previsão, por exemplo, no art. 5º, LXX, da Constituição Federal[22].

Finalmente, impende registrar que, tal como ocorre com a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes é necessária para a propositura ou para a contestação da demanda, a teor do que dispõe o art. 3º do CPC (“para propor ou contestar é necessário ter interesse e legitimidade”), resultando a sua ausência no indeferimento da petição inicial (CPC, art. 295, II[23]) e na extinção do processo, sem resolução do mérito (CPC, art. 267, VI).


O Interesse de Agir

A última das condições da ação é o interesse de agir, que deve, enquanto condição da ação, ser considerado sob o aspecto exclusivamente processual. Isso porque, consoante leciona Arruda Alvim [24]:

O interesse processual ou de agir é diverso do interesse substancial ou material, pois é aquele que leva alguém a procurar uma solução judicial, sob pena de, não o fazendo, ver-se na contigência de não poder ver satisfeita sua pretensão (o direito por vir a ser afirmado), i.e., possível perda do interesse material (direito material de que se julga titular). O interesse de agir, normalmente, decorre da demonstração de que a outra parte omitiu-se ou praticou ato justificador do acesso ao Judiciário. Se isto pode ser aceito, integralmente, em relação ao Direito Privado, parece-nos que, em face do Direito Público, o problema se altera. O interesse substancial é aquele diretamente protegido pelo direito material; é um interesse de índole primária, dado que incide diretamente sobre o bem. (...) Quando, porém, ante o titular do direito – mais rigorosamente, da pretensão – surge um obstáculo impeditivo do gozo desse direito, ou da satisfação do mesmo, nasce um outro interesse, diverso daquele primário. Trata-se de um interesse dirigido à supressão do obstáculo, de molde a que o direito possa novamente ser objeto de gozo e utilização normal. A este interesse secundário dá-se o nome de interesse processual. (...) Existindo o interesse processual, deverá o juiz admitir a ação.

Nessa seara, haverá interesse de agir (interesse processual) quando presente o binômio necessidade-utilidade. Noutros termos, o exame desta condição da ação passa pela verificação de duas circunstâncias[25], a saber, a utilidade (interesse-utilidade) e a necessidade (interesse-necessidade) do pronunciamento judicial. Vejamos cada uma destas circunstâncias, as quais são imprescindíveis para a configuração do interesse processual, previsto nos artigos 3º, 267, VI, e 295, III[26], do CPC.


O Interesse-utilidade

O interesse-utilidade estará presente quando o processo puder garantir ao demandante o resultado favorável pretendido, isto é, toda vez que a prestação da tutela jurisdicional garantir ao autor uma posição de vantangem (uma utilidade). Noutros verbetes, há o interesse-utilidade sempre que “o provimento jurisdicional postulado for capaz de efetivamente ser útil ao demandante, operando uma melhora em sua situação na vida comum – ou seja, quando for capaz de trazer-lhe uma verdadeira tutela, a tutela jurisdicional”[27].

Por outro lado, a contrario sensu, não há interesse-utilidade “quando o sujeito já dispõe do bem da vida que vem a juízo pleitear e quando o provimento pedido não é mais, ou simplesmente não é, capaz de propiciar-lhe o bem”[28]. Assim, quando não é mais possível obter o resultado buscado, há “perda do objeto” da causa e, pois, ausência de interesse processual, por falta de utilidade da tutela judicial pretendida.


O Interesse-necessidade

Já no que concerce ao interesse-necessidade, ele, de acordo com Cândido Rangel Dinamarco[29], só há “quando, sem o processo e sem o exercício da jurisidição, o sujeito seria incapaz de obter o bem desejado”. Isto é, aquele que se considera titular de um direito não pode, sem a intervenção judicial, fazer valer o seu interesse. Em outras palavras, a prestação jurisdicional é o único meio capaz de garantir ao sujeito o alcance do bem postulado.

Com efeito, de acordo com Ada Pellegrini Grinover e seus parceiros de texto[30]:

Repousa a necessidade da tutela jurisdicional na impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito sem a intercessão do Estado – ou porque a parte contrária se nega a satisfazê-lo, sendo vedado ao autor o uso da autotutela, ou porque a própria lei exige que determinados direitos só possam ser exercidos mediante prévia declaração judicial (são as chamadas ações constitutivas necessárias, no processo civil e a ação penal condenatória, no processo penal).

Desse modo, o interesse-necessidade (e, por conseguinte, o interesse de agir) somente estará preenchido quando houver a necessidade de acionamento do Poder Judiciário para o exercício do sustentado direito, visto que, como ensina Fredie Didier Jr.[31], “a jurisdição tem de ser encarada como última forma de solução de conflitos”.

Em suma, pois: haverá interesse de agir (interesse processual) quando a parte tiver a necessidade de ir a juízo para alcaçar a tutela pretendida (interesse-necessidade) e, outrossim, quando tal tutela jurisdicional puder lhe trazer alguma utilidade do ponto de vista prático (interesse-utilidade), redundando a falta do aludido interesse processual (seja por ausência do interesse-necessidade e/ou do interesse-utilidade) no indeferimento da petição inicial (CPC, art. 295, III) e na extinção do processo, sem resolução do mérito (CPC, art. 267, VI), em razão de carência da ação.


Referências Bibliográficas

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CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. V. 1. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2012.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

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NUNES, Dierle José Coelho. A Teoria da Ação de Liebman e sua Aplicação Recente pelo Superior Tribunal de Justiça: alguns aspectos dogmáticos da teoria da asserção. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13066>. Acesso em: 6.abr. 2013.

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para Uma Teoria Geral do Processo. São Paulo: Saraiva, 1993.


NOTAS

[1] Conforme salientam Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (in Teoria Geral do Processo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 279), a “ação (...) é o direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse exercício)”. E registram que “mediante o exercício da ação provoca-se a jurisdição, que por sua vez se exerce através daquele complexo de atos que é o processo”.

[2] In TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para Uma Teoria Geral do Processo. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 85.

[3] Chiovenda também era defensor de uma “teoria eclética”. Ele entendia a ação como um direito potestativo do autor diante do réu, e não do Estado, pelo que defendia a autonomia e a concretude do direito de ação.

[4] Fredie Didier Jr. (in Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. V. 1. 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2010, p. 198), acerca da adoção das condições da ação pela teoria eclética de Liebman, giza que “somente o exercício do direito de ação pode ser condicionado (a demanda), jamais o direito de ação, constitucionalmente garantido e decorrente do direito fundamental à inafastabilidade”. Cândido Rangel Dinamarco (in Instituições de Direito Processual Civil. V. II. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 299), por outro lado, sustenta que “não se trata de condições para o exercício da ação, mas para sua própria existência como direito ao processo – porque seria estranho afirmar que um direito existe mas não pode ser exercido quando lhe faltar um dos requisitos constitutivos”.

[5] In COSTA, Alexandre Araújo; COSTA, Henrique Araújo. Conceito de Ação: da teoria clássica à moderna. Continuidade ou ruptura?. Disponível em: <http://moodle.cead.unb.br/agu/pluginfile.php/452/mod_resource/content/2/Texto-base_-_Unidade_1.pdf>. Acesso em: 15 out. 2013. P. 10.

[6] In CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2012, p. 283.

[7] In Lições de Direito Processual Civil. V. 1. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, pp. 155-6.

[8] A inconstitucionalidade da adoção pura das teorias abstracionista e concretista voltará a ser analisada, com maior profundidade, no último capítulo do vertente trabalho.

[9] In op. cit., 2005, p. 316.

[10] In DINAMARCO, op. cit., pp. 317-8.

[11] Interessantes as observações feitas por Alexandre Freitas Câmara (in op. cit., p. 144) acerca da expressão “condições”. De fato, para este autor, “não parece adequado chamá-las ‘condições’, já que o termo não é aí empregado no sentido de ‘evento futuro e incerto a que se subordina a eficácia do ato jurídico’, razão pela qual sempre me pareceu melhor denominá-las requisitos do provimento final’.

[12] CPC, art. 295: “A petição inicial sera indeferida: I – quando for inepta; (…) Parágrafo único. Considera-se inepta a petição inicial quando: (…) III – o pedido for juridicamente impossível;”.

[13] Apud DIDIER JR, op. cit., p. 203.

[14] In DINAMARCO, op. cit., pp. 301-2.

[15] Impende registrar que o Projeto do Novo Código de Processo Civil – PNCPC (Projeto de Lei nº 6.025/2005), atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, seguiu a reformulação da “teoria eclética” de Liebman e também não mais elenca a possibilidade jurídica do pedido como uma das condições da ação. Neste sentido, o art. 495 do PNCPC assim dispõe: “o órgão jurisdicional não resolverá o mérito quanto: (...) VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual”.

[16] Definição de Alfredo Buzaid (apud CÂMARA, op. cit., p. 149).

[17] In DINAMARCO, op. cit., p. 306.

[18] In op. cit., p. 204.

[19] In CÂMARA, op. cit., p. 149.

[20] Cumpre esclarecer que, segundo a maior parte da doutrina, legitimação extraordinária e substituição processual são sinônimas. Todavia, há quem defenda distinção entre as referidas designações, na medida em que os adeptos desta corrente entendem que “a substituição processual seria apenas uma espécie do gênero ‘legitimidade extraordinária’ e existiria quando ocorresse uma efetiva substituição do legitimado ordinário pelo legitimado exraordinário, nos casos de legitimação extraordinária autônoma (quando o legitimado extraordinário tem autorização para conduzir o processo sem a participação do titular do direito em litígio) e exclusiva (quando somente um sujeito de direito está autorizado a discutir a situação jurídica em juízo) ou nas hipóteses de legitimação autônoma concorrente (quando mais de um sujeito está autorizado a discutir em juízo específica situação jurídica), em que o legitimado extraordinário age em razão da omissão do legitimado ordinário, que não participou do processo como litisconsorte” (DIDIER JR., op. cit., p. 207).

[21] Insta ponderar que a legitimação extraordinária não se confunde com a representação processual, porquanto nesta se defende interesse alheio em nome alheio e o representante não é parte processual, ao passo que naquela, como visto, se defende interesse alheio em nome próprio e o legitimado extraordinariamente é parte no processo.

[22] CF, art. 5º, LXX: “o mandado de segurança pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associativa legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados”.

[23] CPC, art. 295: “A petição inicial será indeferida: (...) II – quando a parte for manifestamente ilegítima”.

[24] In Manual de Direito Processual Civil. 15ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 415-7.

[25] Alguns doutrinadores sustentam um terceito elemento necessário à configuração do interesse de agir, qual seja, a adequação do provimento jurisdicional postulado (interesse-adequação). Para os que defendem o interesse-adequação, como Cândido Rangel Dinamarco e Alexandre Freitas Câmara, “é preciso que o demandante tenha ido a juízo em busca do provimento adequado para a tutela da posição jurídica de vantagem narrada por ele na petição inicial, valendo-se da via processual adequada” (in CÂMARA, op. cit., p. 152). Entretanto, como bem explanado por Fredie Didier Jr., “procedimento é dado estranho no estudo do direito de ação e, ademais, eventual equívoco na escolha do procedimento é sempre sanável (art. 250 e 295, V, do CPC-73)” (in op. cit., p. 211). E prossegue este autor argumentando que: “Fala-se que o autor deve indicar o procedimento e o tipo de provimento adequados. Em relação à adequação do provimento (do pedido) ao fim almejado, a situação ou é: a) de impossibilidade jurídica do pedido; b) ou o próprio sistema admite a fungibilidade (arts. 805 e 920 do CPC), como de resto deveria ser a regra; c) ou o caso é de erro de nome, corrigível pelo próprio magistrado; d) ou não sendo possível a correção pelo magistrado, deverá ele determinar alteração do pedido, conforme, aliás, autoriza o art. 264 do CPC. Examinemos, agora, a escolha do procedimento adequado. O procedimento é a espinha dorsal da relação jurídica processual. O processo, em seu aspecto formal, é procedimento. O exame da adequação do procedimento é um exame da sua validade. Nada diz respeito ao exercício do direito de ação. Não há erro de escolha do procedimento que não possa ser corrigido, por mais discrepantes que sejam o procedimento indevidamente escolhido e aquele que se reputa correto. (...) Não existisse o inciso V do art. 295, que expressamente determina uma postura do magistrado no sentido aqui apontado, sobraria a regra da instrumentalidade das formas, prevista nos arts. 244 e 250 do CPC, que impõe o aproveitamento dos atos processuais, quando houver erro de forma” (in op. cit., p. 214). Dessarte, assim como Fredie Didier Jr. e outros processualistas (como José Orlando Rocha de Carvalho e Barbosa Moreira), não adotaremos a concepção tripartite do intersse de agir, pelo que entenderemos que resultará preenchida a condição da ação “interesse de agir” quando adimplidos os requisitos do interesse-utilidade e do interesse-necessidade.

[26] CPC, art. 295: “A petição inicial será indeferida: (...) III – quando o autor carecer de interesse processual”.

[27] In DINAMARCO, op. cit., p. 303.

[28] In DINAMARCO, op. cit., p. 304.

[29] In DINAMARCO, op. cit., p. 305.

[30] In CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, op. cit., p. 289.

[31] In DIDIER JR., op. cit., p. 212.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Wendson. As condições da ação: Breve abordagem doutrinária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3781, 7 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25723. Acesso em: 25 abr. 2024.