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O direito ao processo sem dilações indevidas no âmbito penal

O direito ao processo sem dilações indevidas no âmbito penal

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O julgamento tempestivo de um delito permitirá evitar a perda de meios probatórios, poupar recursos estatais, hoje dilapidados em processos intermináveis, aumentar a capacidade de administração da justiça e, sobretudo, acalmar expectativas sociais.

INTRODUÇÃO

Um dos problemas mais importantes com o qual se defronta o direito processual penal na atualidade é o da duração do processo penal. A duração do processo equivale à duração da neutralização do princípio da presunção de inocência que, como parece evidente, deveria ser breve, de modo que, em menor tempo possível, ou bem se afirme definitivamente o estado de inocência do imputado, pela extinção do processo a seu favor ou bem fique suprimido, também definitivamente, pela declaração firme da necessidade de impor uma condenação ao acusado.

O problema se apresenta sob duas facetas: por um lado, a duração excessiva do processo prejudica a efetividade do direito objetivo, impedindo que a paz jurídica se restabeleça com a sentença, seja ela condenatória ou absolutória; por outro, também o direito fundamental do imputado a ser julgado tão rapidamente quanto seja possível é violado pela excessiva duração do processo.

Este trabalho somente se ocupa do segundo aspecto, ou seja, da análise dogmática de um direito processual subjetivo do imputado, o direito fundamental a ser julgado dentro de um prazo razoável. Não se procura aqui fornecer soluções de política criminal, tendentes a evitar o problema da duração excessiva dos processos penais, embora, como se verá, a interpretação deste direito fundamental defendida no presente trabalho possa eventualmente servir de instrumento para resolver esse problema em casos individuais e melhorar as condições de trabalho da administração da justiça penal em geral.

Na Europa, o direito a ser julgado em prazo razoável encontrou intensa aplicação prática nos tribunais, havendo a jurisprudência, sob a égide do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, já a partir da década de sessenta, lançando as bases para a interpretação hoje prevalecente.

No Brasil, com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2005, houve a inclusão do inciso LXXVIII no rol das garantias fundamentais do art. 5º da Constituição da República, o qual consagra, expressamente, esse direito fundamental do imputado em nosso ordenamento jurídico.

Diante de tal inovação, a grande preocupação da comunidade jurídica é obter resposta para os seguintes questionamentos: o que é duração razoável do processo? Quais os critérios para se aferir a razoabilidade do tempo? Quais as consequências jurídicas para o caso de violação desse direito?

A fim de consubstanciar explicações para os questionamentos ventilados, esta monografia pretende trazer à discussão a interpretação dogmática do direito fundamental a ser julgado em prazo razoável.

Para uma necessária ambientação do tema, afigura-se crucial trazer a lume algumas noções introdutórias. Assim, o Capítulo 1 aborda temas como natureza jurídica, conceito, fundamentos e sujeitos implicados na relação jurídica que nasce com esse direito.

Com essas explanações basilares, o Capítulo 2 aborda então a relação entre a duração do processo e os direitos fundamentais. Inicialmente, buscou-se traçar uma breve evolução histórica acerca da afirmação desse direito no plano do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Comparado. Em seguida, apresentou-se uma análise na perspectiva do direito positivo brasileiro, ressaltando-se a importância de o ordenamento constitucional agora tê-lo consagrado expressamente. Posteriormente, tratou-se do difícil equilíbrio entre a duração razoável do processo e a necessidade de se assegurar um processo penal justo. Por fim, abordou-se a relação entre o direito a ser julgado sem dilações indevidas e as demais garantias processuais penais.

No Capítulo 3, examinaram-se as doutrinas que divergem quanto aos critérios para se aferir a razoabilidade do tempo de duração do processo. Neste ponto, discorreu-se sobre a chamada doutrina do prazo fixo, que abriga aqueles que defendem a necessidade de o legislador estabelecer prazos fixos para a duração do processo. Mencionou-se também a chamada doutrina do não-prazo, que congrega aqueles que se colocam contra a fixação de prazos para aferição da razoabilidade do tempo, admitindo, porém, critérios objetivos para se aquilatar essa razoabilidade, como, por exemplo, a complexidade da causa, a conduta dos litigantes, a atuação das autoridades, dentre outros.

O Capítulo 4, por sua vez, trata da íntima relação entre duração razoável do processo e prisão provisória. De início, objetivou-se identificar pontos de contato e pontos de afastamento entre duração razoável do processo e prazo de prisão provisória. Depois, as preocupações da pesquisa voltaram-se para os prazos de prisão cautelar no sistema processual brasileiro.

Por fim, no Capitulo 5, cuidou-se da tutela do direito de ser julgado em prazo razoável, fazendo-se uma análise acerca das principais consequências jurídicas para o caso de violação desse direito fundamental do imputado, quando então se estudou as soluções compensatórias, processuais e sancionatórias.

Partindo da importante experiência oferecida pelo direito comparado, procurou-se alinhavar alguns caminhos e diretrizes para a efetivação, entre nós, deste recente, porém importante direito fundamental.

Acredita-se que alguns pontos aqui traçados serão importantes para auxiliar a aplicação desse direito na vida e na prática dos tribunais pátrios e que algumas ideias ao menos poderão alertar aqueles que ainda não refletiram sobre o tema, provocando o debate.


1. O DIREITO AO PROCESSO SEM DILAÇÕES INDEVIDAS: Noções Introdutórias.

1.1. Natureza jurídica

Definir a natureza jurídica de um instituto é procurar enquadrá-lo em alguma categoria da Teoria Geral do Direito. Não é mero capricho do jurista, ao contrário, é um saber indispensável para o bom manejo de qualquer instituto, pois sabendo a sua natureza jurídica, saberemos quais regras e princípios que o regem, dando, assim, tratamento mais científico à questão.

O Professor José Cretella Júnior faz um importante paralelo entre a natureza dos objetos e a natureza jurídica dos institutos. Afirma Cretella Júnior (1966, p.13):

Se cabe à filosofia indagar da natureza jurídica dos objetos (naturais, ideias, culturais, metafísicos), cumpre à filosofia do direito, com os elementos fornecidos pelos ramos particulares do direito, fixar a natureza jurídica dos institutos jurídicos (são atos? Contratos, pessoas de direito público ou privado? Ilícitos penais ou administrativo? Processo penais? Processos políticos?).

O direito a um processo com duração razoável, tal como concebido em várias constituições e instrumentos normativos internacionais, certamente está inserido na categoria dos chamados direitos fundamentais, pois o seu conteúdo está impregnado pela ideia de valorização da dignidade da pessoa humana.

Delmanto Junior (1998, p.18), referindo-se aos direitos fundamentais, afirma que são “direitos que se impõem perante o Estado, sendo muitos deles, inclusive, anteriores à sua própria criação, ou seja, supra-estatais, como ensina Pontes de Miranda.”

Ainda segundo Delmanto Junior (1998, p.19, grifo do autor), esses direitos podem ser divididos em duas classes: “direitos fundamentais assegurados e direitos fundamentais garantidos pela Magna Carta. Os primeiros advém de normas concernentes à liberdade, à igualdade, e à democracia; os segundos se originam da garantia de instituições jurídicas como a família, o casamento, a propriedade, ou, ainda, de órgãos estatais, ou paraestatais.”

E conclui afirmando que “o direito à vida, à liberdade e ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana, por exemplo, são direitos fundamentais assegurados pela Constituição.” (DELMANTO JUNIOR, 1998, p.19).     

Assim, com base nesses ensinamentos, pode-se dizer que o direito de ser julgado em um prazo razoável, por manter íntima conexão com o princípio da dignidade da pessoa humana, inclui-se na classe dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição.

André Luiz Nicolitt (2006, p. 38), na esteira de José Ramon Cosso Diaz, afirma que o direito ao processo em tempo razoável “tem cariz prestacional, pois o Estado tem o dever de possibilitar a todos os jurisdicionados um processo sem dilações indevidas.”

Por outro lado, tem-se que esse direito também tem natureza reacional “na medida em que permite ao lesado, no âmbito do processo em que ocorrem dilações indevidas, exigir a imediata conclusão do processo”, conforme já decidiu o Tribunal Constitucional da Espanha no julgamento 34/1994 (NICOLITT, 2006, p.39).

Em nosso ordenamento jurídico, a duração razoável do processo está inserida no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, que traça o rol de direitos e garantias fundamentais. Trata-se, dessa forma, de verdadeiro direito público subjetivo, autônomo e de índole constitucional.

1.2. Conceito

Maria Helena Diniz (2002a, p. 346), baseando-se nos ensinamentos de Alexandre Caballero, afirma que é um fenômeno normal o da evolução dos conceitos. Segundo ela, quanto mais manuseada uma ideia, mais fica revestida de minuciosos acréscimos e, em razão da interferência das mais diversas teorias sobre o conceito, em lugar de esclarecer, complica frequentemente as ideias, pois o que antes era um conceito unívoco, converte-se em análogo e até mesmo em equívoco.

Compreende-se que assim seja, pois o conceito nada mais é do que um recorte da realidade, uma tentativa de reduzir a complexidade de uma realidade que é dinâmica, e o conceito a supõe estática. Assim, à medida que esse conceito vai sendo reformulado e revisitado, é natural que ele acompanhe a evolução dos processos sociais que lhe são subjacentes.

É nesse contexto que se pretende formular um conceito para o direito a um processo com duração razoável, não como algo pronto e acabado, mas como algo em construção, sempre aberto a novos acréscimos e adaptações.

Conceituar algo é procurar descobrir a sua essência; é ingressar na sua intimidade, desvendando os elementos que o compõem e revelando seus aspectos inteligíveis ou suas notas. (DINIZ, 2002a, p. 346).

Telles Jr. (1962, p.324) ensina que “um dos caminhos para a descoberta da essência das coisas é o que leva à intimidade das palavras que as simbolizam”. Nessa ordem de ideias, razão assiste a Maria Helena Diniz (2000b, p. 24) quando afirma que “Os conceitos refletem, no nosso entender a essência da coisa, e as palavras são veículos dos conceitos. Isto supõe a relação entre significados das expressões linguísticas e a realidade.”

Seguindo ainda os ensinamentos de Diniz (2000b, p. 24), “A operação de se revelar o que um objeto é, por meio da enunciação de seus aspectos inteligíveis, chama-se operação de definir; seu produto é a definição.”

Dessa forma, considerando o objeto que o trabalho se propõe a definir, verifica-se, em uma primeira análise, que se está diante de um direito ao qual corresponde um dever jurídico do Estado, consistente em prestar jurisdição em tempo razoável.

Sobre esse tema, José Gimeno Sendra, citado por André Luiz Nicolitt (2006, p. 22), escreveu:

En una primera aproximación el derecho a un proceso sin dilaciones indebidas puede concebirse como un derecho subjetivo constitucional, de caráter autônomo, aunque instrumental del derecho a la tutela, que asiste a todos los sujetos del Derecho Privado, que hayan sido parte en un procedimiento judicial que se dirige frente a los órganos del Poder Judicial, aun cuando em su ejercicio han de estar comprometidos todos los demás poderes del Estado, creando en él la obligación de satisfacer dentro de un plazo razonable las pretensiones y resistências de las partes o de realizar sin demora la ejecución de las sentencias.

Antes de adentrar no conceito que se pretende formular, é importante fazer aqui algumas considerações a respeito da abrangência do direito em questão.

Com efeito, embora a definição acima transcrita somente se refira ao processo jurisdicional, cremos que a duração razoável do processo não se restringe apenas ao âmbito judicial, devendo também abranger os procedimentos de natureza administrativa.

José Rogério Cruz e Tucci (1997, p. 76, grifo do autor), estribado em Gimeno Sendra e referindo-se ao dispositivo da Constituição espanhola que consagra esse direito fundamental (art.24.2), esclarece que “o termo processo, desse dispositivo constitucional, deve ser entendido como sinônimo de procedimento judicial, e, portanto, as dilações indevidas devem ser afastadas de qualquer gênero de procedimento de natureza penal ou civil, incluídos aqueles de jurisdição voluntária.”

O problema não se coloca em face do ordenamento jurídico brasileiro. O legislador constituinte derivado quis dar uma maior abrangência à referida garantia, e, no dispositivo que a consagra, faz expressa referencia ao âmbito “judicial e administrativo”. É o que se verifica no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, não havendo dúvidas, portanto, de que esse direito também se estende aos procedimentos administrativos.

Feitas estas considerações, cumpre advertir, desde logo, que o direito a um processo com duração razoável não se confunde com o mero descumprimento de prazos processuais, havendo que se verificar se no caso concreto o processo se desenvolveu em condições de anormalidade.

O Tribunal Constitucional Espanhol, em várias decisões, tem adotado esse entendimento, conforme podemos notar do STC 43/1985, em que se afirma:

 cualquiera que sea la tesis que se mantega en punto al... derecho a un proceso sin dilaciones indebidas y hay que entender por tal el proceso que se desenvouelve en condiciones de normalidad dentro del tiempo requerido y en el que los intereses litigiosos pueden recibir pronta satisfacción. ( NICOLITT, 2006, p. 22-23).

Em outro julgado (STC 133/1988), a referida Corte Constitucional, além de reafirmar esse posicionamento, agrega novos elementos ao referido conceito:

El mero incumplimiento de los plazos procesales no es constitutivo por sí mismo de violación de este derecho fundamental, pues el artículo 24.2 de la Constituición no ha constitucionalizado el derecho al respeto de esos plazos (STC5.1985) por lo que no toda dilación o retraso en el proceso puede identificarse con tal violación constitucional, sino que las dilaciones indebidas han sido entendidas por este Tribunal como un supuesto extremo de funcionamiento anormal de la Administración de Justicia. La razonabilidad de la duración del proceso debe tener em cuenta la especificidade del caso concreto y ponerse en relación con la correspondiente decisión del órgano jurisdiccional respecto a la cual se predica el excesivo retraso constitutito de una dilación indebida. (NICOLITT,2006, p. 23).

Convém mencionar que tanto os Tribunais Constitucionais dos países Europeus quanto o Tribunal Europeu de Direitos Humanos adotaram o entendimento de que o mero descumprimento de prazos processuais por si só não constitui violação à garantia fundamental do processo em tempo razoável. (NICOLITT, 2006, p. 23).

Outro aspecto que deve ser ressaltado em relação à duração razoável do processo é que se trata de um conceito que integra o rol dos chamados conceitos indeterminados e somente diante de um caso concreto é que se poderá determinar o conteúdo desse direito.

Sobre esse ponto, Cruz e Tucci (1997, p. 76) assevera:

É certo também que a “razoabilidade” em tela carece de limites precisos. Trata-se – como entende Plácido Fernandez –Viagas Bartolome – de uma noção de índole valorativa, portanto, notoriamente imprecisa, que depende das circunstancias do caso. ‘Ese es precisamente su sentido, desde luego, pero para su adecuada utilización sería necesario el establecimiento previo de un marco o contexto que impida la total discrecionalidad en la materia y, en consecuencia, la inseguridad...’.

O Tribunal Constitucional da Espanha, em famoso Julgamento realizado em 1985, após afirmar que a constituição espanhola não constitucionalizou o direito de prazos, mas sim um direito fundamental de toda pessoa a que sua causa seja resolvida dentro de um tempo razoável, assinalou que: “Este conceito (o do processo sem dilações indevidas, ou em tempo razoável) é indeterminado ou aberto, que deve ser dotado de um conteúdo em cada caso, atendendo a critérios objetivos congruentes com seu enunciado genérico, como já ficou deliberado na precedente sentença de 14 de março de 1984” (CRUZ E TUCCI, 1997, p. 76).

Trata-se, portanto, de um direito subjetivo Constitucional, autônomo, que assiste a toda pessoa que seja parte em um procedimento, judicial ou administrativo, que não se confunde com o mero descumprimento de prazo, cujo conteúdo somente se verifica diante de um caso concreto, e ao qual corresponde o dever jurídico do Estado de prestação jurisdicional sem dilações indevidas.

1.3. Fundamentos

Segundos Lopes Jr. (2005.p. 99), os principais fundamentos de uma célere tramitação do processo, sem atropelo de garantias fundamentais, são: o respeito à dignidade do acusado, o interesse probatório, o interesse coletivo e a confiança na capacidade da justiça.

Em relação ao primeiro aspecto, é importante anotar que o direito a um processo com duração razoável, como direito fundamental que é, tem por base, realmente, o respeito à dignidade da pessoa humana.

Roberto Delmanto Junior (1998, p. 50), acolhendo ensinamento de Luís Recaséns Siches, assevera que “foi o Cristianismo, com base no Antigo Testamento, onde se lê que o ‘homem foi criado à imagem e semelhança de Deus’, que a ideia da dignidade da pessoa humana adquiriu maior relevo, convertendo-se em ‘postulado básico da cultura ocidental’.”

Esse mesmo autor (1998, p. 49), após relacionar garantias fundamentais consagradas em vários instrumentos normativos, dentre as quais a de ser julgado em um prazo razoável, ressalta que

todos esses direitos fundamentais, que impõe limites ao Estado, têm como um dos principais fundamentos o próprio direito ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana, o qual, como observa Pontes de Miranda, ‘se operou por lentas e dolorosas conquistas na história da humanidade’, resultante de avanços da sociedade em três dimensões : democracia, liberdade, e igualdade.

Nesse sentido, razão assiste a Lopes Jr.(2005, p. 99) quando pondera que “considerando os altíssimos custos (econômico, físicos, psíquicos, familiares e sociais) gerados pela estigmatização Jurídicas e social, bem como todo o conjunto de penas processuais (medidas cautelares reais, pessoais, etc.), que incidem sobre o acusado, o processo penal deve desenvolver-se sem dilações indevidas [...]”, porquanto admitir que o processo se prolongue demasiadamente significa ausência de respeito à dignidade do acusado.

O respeito à dignidade do imputado se afigura como o principal fundamento do direito ao processo com duração razoável, porquanto todos os demais aspectos indicados servem unicamente à otimização dos fins sociais e acusatórios do processo, e não propriamente aos interesses do acusado, enquanto titular de um direito subjetivo processual.

Em relação ao interesse probatório, Lopes Jr. (2005, p. 99) observa que:

[...] é inegável que o tempo que passa é a prova que se esvai, na medida em que os vestígios materiais e a própria memoria em torno do crime, enquanto acontecimento histórico, perdem sua eficácia com o passar do tempo. A atividade probatória como um todo se vê prejudicada pelo tempo, pois trata-se de juntar os resquícios do passado que estão no presente (na verdade, um presente do passado, que é memória), e que tendem naturalmente a desaparecer quando o presente do presente (intuição indireta) passa à presente do futuro.

De fato, com o passar do tempo, os indícios e os elementos de prova que demonstram a autoria e a materialidade do crime se debilitam, indicando que a excessiva demora do processo “conspira contra o vigor probatório” (CRUZ E TUCCI, 1997, p. 58). Aliás, essa preocupação com a celeridade já se faz presente desde a investigação criminal, pois nessa fase há uma necessidade inafastável de preservação da prova, evitando-se, assim, que a cena do crime sofra profundas alterações.

Por outro lado, não se pode negar que há um interesse coletivo na prestação jurisdicional tempestiva, sobretudo quando se tem em conta o “correto funcionamento das instituições, inerente à própria estrutura do Estado Democrático de Direito” (LOPES JR., 2005, p. 99).

Segundo Cruz e Tucci (1997, p.122), há “uma preocupação generalizada e universal com a constante falta de resultado do processo judicial, fator esse que propicia uma verdadeira crise de legitimidade e que, por isso, culmina repercutindo na esfera dos direito fundamentais”.

De outra face, é incontestável, também, que a confiança na capacidade da Justiça, de resolver os assuntos que lhe são submetidos, é fator que fundamenta a prestação jurisdicional célere. Com efeito, na esteira do pensamento de Cruz e Tucci (1997, p.64), “o pronunciamento judicial que cumpre com sua nobre missão de compor uma controvérsia intersubjetiva ou um conflito de alta relevância social (na esfera penal) no momento oportuno proporciona às partes, aos interessados e aos operadores do direito grande satisfação”.

Segundo esse mesmo autor (1997, p. 64-65), “Mesmo aquele que sai derrotado não deve lamentar-se da pronta resposta do Judiciário, uma vez, sob o prisma psicológico, o possível e natural inconformismo é, sem dúvida, mais tênue quando a luta processual não se prolonga durante muito tempo.”

Em conclusão, pode se afirmar que o direito a um processo sem dilações indevidas funda-se, principalmente, na necessidade de resguardar a dignidade do imputado, esteja ele preso ou solto. Contudo, não se pode olvidar dos fins sociais e acusatórios do processo penal, que também fundamentam a existência desse direito, embora em um plano secundário.

1.4. Titulares e obrigados

1.4.1 Titulares

De acordo com Cruz e Tucci (1997, p. 79), a Suprema Corte do Canadá, no julgamento do caso CIP Inc., debateu interessante questão sobre a abrangência subjetiva da garantia em tela. Discutiu-se então se a regra do art.11, b, da Carta Canadense, que consagra o direito a um processo com duração razoável, também se estendia às pessoas jurídicas.

Segundo Cruz e Tucci (1997, p. 79), referido Tribunal, respondendo afirmativamente, asseverou que

a expressão tout inculpé (toda pessoa demandada) compreende as pessoas morais, de sorte que estas podem se prevalecer da proteção do art.11, b, da Carta. A recorrente tem legitimo interesse em que sua pretensão seja julgada dentro de um prazo razoável. O direito a um processo equânime é fundamental em nosso sistema contraditório e inclusive consagrado na Constituição. Esta proteção deve incluir todos os litigantes. O interesse social que também fica protegido pelo art.11, b, estende-se às pessoas morais quando estiverem demandando. Qualquer outra conclusão significa que o sistema apresentaria menor preocupação quando a pessoa jurídica fosse parte em um processo judicial, e que, ainda, a qualidade de um litigante seria determinante para ter ou não um tratamento ‘equânime’.

André Luiz Nicolitt (2006, p. 59), ancorando no conceito de José Vicente Gimeno Sendra acima transcrito, destaca que

 A capacidade para ser titular do direito à duração razoável do processo, na doutrina espanhola é tão-somente em relação às pessoas de direito privado, sejam elas físicas ou jurídicas. Nesta perspectiva, não podem os órgãos da Administração Pública que acabam em última análise sendo obrigados em relação ao direito, se investirem na qualidade de titulares.

Todavia, ousa-se discordar do posicionamento adotado pela doutrina espanhola, pois não há justificativa plausível para se excluir as pessoas jurídicas de direito público, ou mesmo órgãos públicos, da titularidade desse direito. Com efeito, não se concebe que a titularidade de um direito fundamental, que se constituiu numa verdadeira garantia processual, seja definida apenas pela qualidade do litigante. Entender de forma contrária, seria admitir que no processo alguns litigantes tem direito a uma tutela jurídica tempestiva enquanto outros estão relegados à espera interminável para a solução de sua demanda. Tal entendimento, de certo, conspira contra o princípio constitucional da isonomia, sem considerar que vai de encontro à natureza universalizastes dos direitos fundamentais.

Além disso, não se pode olvidar que o direito à duração razoável do processo é um direito correlato e inerente ao próprio devido processo legal. Dessa forma, todos, sem distinção, no âmbito processual, têm direito ao devido processo.

Ademais, a forma como foi consagrado esse direito fundamental no ordenamento jurídico é incompatível com a adoção dessa posição, pois a referência a “todos” constante do art. 5º, LXXXVIII, da Constituição Federal, não admite uma interpretação restritiva como a aludida.

Nessa perspectiva, vislumbra-se a possibilidade de o Ministério Público, como defensor da ordem publica e dos interesses sociais e individuais, exigir em juízo o cumprimento ou a restauração desse direito.

Contudo, como adverte Nicolitt (2006, p. 61) “nem todos, evidentemente, poderão pretender a totalidade dos aspectos que podem advir do direito à duração razoável do processo do processo”. Nada obstante, “o direito a exigir o restabelecimento normal da atividade jurisdicional, em nosso sentir, não está excluído de quem quer que esteja como parte na relação processual seja pessoal jurídica ou pessoa física, de direito, de direito privado. O mesmo não ocorre em relação a eventual direito à indenização” (NICOLITT, 2006, p. 62).

1.4.2. Obrigados

Questão importante a ser definida na análise desse direito é saber quem é o titular do dever de garantir um processo sem dilações indevidas. Analisando o conceito fornecido por Sendra, já referindo e transcrito neste trabalho, depreende-se que os destinatários imediatos são os órgãos do Poder Judiciário. Todavia, em razão do conceito abrangente de duração razoável aqui adotado, abarcando inclusive os processos no âmbito administrativo, vislumbramos a possibilidade desse dever também ser estendido a outros órgãos do Poder Público.

Sobre essa questão, Plácido Fernandez-Viagas Bartolome, citado por André Luiz Nicolitt (2006, p. 62), acentua que:

Em linha de princípio, um problema de paralisação ou dilação indevida no processo pode resultar tanto da deficiente direção das autoridades judiciais, como da carência de meios ou adequada organização da justiça. Nesse último caso, portanto, a responsabilidade se redirecionaria do judiciário ao executivo e inclusive legislativo que não foi capaz de adotar medidas legais necessárias para superar a crise.

De fato, embora a atividade jurisdicional seja atribuída preponderantemente ao Poder Judiciário, não há como negar que os outros Poderes também devem contribuir para a efetivação desse direito, até porque, como se sabe, a separação é apenas das funções do Estado, sendo os Poderes da Republica harmônicos e interdependentes.     

Desse modo, tem razão André Luiz Nicolitt (2006, p. 62-63) ao afirmar que

[...] o Judiciário depende da boa qualidade das leis, notadamente as de cunho processual, para o bom desempenho de suas atribuições. Um bom regramento permite, sem dúvida, melhor funcionamento da atividade jurisdicional. Por outro lado, o comportamento do executivo, seja no agir com os outros, seja em sua relação com o Poder Judiciário, pode influenciar sobremaneira na boa qualidade da Justiça.

Em conclusão, seja pela conduta deficiente do processo pela autoridade judicial, seja pelo problema estrutural da administração da justiça, seja ainda pela má qualidade da legislação que inviabiliza a celeridade processual, a responsabilidade será sempre do Estado e este está obrigado por todos os seus órgãos a garantir a duração razoável do processo. (NICOLITT,2006, p.63).    


2. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1. Evolução histórica do direito e sua afirmação no Direito Internacional dos Direitos Humanos e no Direito Comparado

A demora na prestação jurisdicional não é um problema recente. Constitui um dos temas mais antigos da administração da justiça. Porém, somente após a Segunda Guerra Mundial é que esse direito fundamental passou a ser objeto de maiores preocupações, sendo então consagrado nos principais tratados internacionais sobre direitos humanos.

Com efeito, já na compilação de Justiniano se recolhe uma constituição na qual se tornam medidas a fim de que os litígios não se tornem intermináveis e excedam a vida dos homens. As leis romanas estabeleceram um prazo preciso de duração do processo penal, dispondo Constantino que começará a contar-se com a litiscontestatio e que foi de um ano. Esse prazo, na época de Justiniano, era de dois anos (PASTOR, 2005, p.209).

Na Magna Carta da Inglaterra de 1215, o rei inglês se comprometia a não denegar nem a retardar direito ou justiça. Na versão inglesa, o texto era o seguinte: “to no one we will sell, to no one deny or delay right or justice”. No mesmo século, Afonso X, o sábio, mandou, em consonância com a fonte predominantemente romano-justinianéia de suas sete Partidas, que nenhum juízo penal poderia durar mais de dois anos. Nos tempos modernos, o problema passou a ser preocupação da ciência jurídico-penal desde suas primeiras e embrionárias manifestações (PASPTOR, 2005, p.209).

Beccaria, citado por Pastor (2005, p.209), em 1764, afirmava que

el processo mismo debe terminarse en el más breve tiempo posible, porque cuando más pronta y más cercana al delito cometido sea la pena, será más justa y útil; (...) más justa, porque ahorra al reo los inútiles y feroces tormentos de la incertidumbre, que crecen con el vigor de la imaginación y con el sentimiento de la propia debilidad; más justa, porque siendo una pena la privación de la liberdad, no puede preceder a la sentencia.

Depois, meio século mais tarde que Beccaria, seria Feuerbach quem afirmaria que não tardar é uma obrigação dos juízes. Shakespeare, também, no que é talvez sua passagem mais célebre, pôs na boca de seu personagem Hamlet a lentidão dos tribunais entre as causas que podem aniquilar um homem (PASTOR, 2005, p. 210).

Como fruto dessas ideias, o direito constitucional de inspiração iluminista consagrou expressamente o direito da pessoa acusada de ter cometido um delito a ser julgada rapidamente. Uma primeira manifestação expressa está contida na Declaração de Direitos feita pelos representantes do bom povo de Virginia, em 1776, segundo a qual toda pessoa submetida a persecução penal tem direito a um juízo célere e imparcial (Seção 8ª). Este direito passou à 6ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América: “Em todos os juízos penais o acusado gozará de direito a um processo rápido” (PASTOR, 2005, p. 210).

Todavia, somente após a Segunda Guerra Mundial é que esse direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável passou a ser objeto de preocupações mais intensas, no marco da atividade dos tratados internacionais de direitos humanos dessa época, que pretendiam, frente ao horror dos Estados totalitários nazistas e fascistas, reforçar o Estado constitucional de direito e tornar realidade a pretensão da universalidade dos direitos fundamentais perseguida já pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (PASTOR, 2005, p.210-211).

De fato, não obstante o problema fosse antigo, como já ressaltado, a duração excessiva do processo somente foi objeto de uma regulação jurídica positiva específica e decidida depois de 1945, quando nos catálogos dos direitos fundamentais foram incluídos, juntos às garantias básicas burguesas já consolidadas, também alguns direitos básicos, chamados de “segunda geração”, tendentes a reconhecer a transformação das expectativas jurídicas dos indivíduos derivada do desenvolvimento de novas formas de relação entre estes e o Estado (PASTOR, 2005, p.211).

Assim, embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 não tenha se referido de forma expressa ao direito de ser julgado em um prazo razoável em seu artigo X, nesse mesmo ano, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que relativamente aos direitos básicos do acusado se inspirou naquele dispositivo, estabeleceu, em seu artigo XXV, que “Todo indivíduo, que tenha sido privado da sua liberdade, tem o direito de que o juiz verifique sem demora a legalidade da medida, e de que o julgue sem protelação injustificada, ou, caso contrario , de ser posto em liberdade” (TRINDADE, 1991, p.328).

A convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais de 1950 consignou, em seu art. 6.1, valendo-se pela primeira vez da fórmula usual de “prazo razoável”, que

 Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, em um prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (TRINDADE, 1991, p. 405).

Logo depois, em 1966, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, regulou esse direito básico do imputado em duas oportunidades. A primeira delas foi no art. 9.3, no qual se estabeleceu, dentre outras garantias, que toda pessoa detida “terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade”. A segunda, foi no art.14.3, “c” adotando, entretanto, outra formula para regular o mesmo direito, ao estabelecer que toda pessoa acusada de um delito terá direito “a ser julgado sem dilações indevidas” (TRINDADE, 1991, p.101).

A convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como “Pacto de San José de Costa Rica”, de 1969, seguiu textualmente nesta matéria o modelo europeu, dispondo, em seu art. 7.5, que “Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções jurisdicionais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo”. Logo em seguida e com mais precisão, no art. 8.1, dispõe que “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela” (TRINDADE, 1991, p. 359).

Ademais, convém mencionar que são numerosos os ordenamentos constitucionais do Direito Comparado que incluem o juízo penal rápido entre os direitos da pessoa submetida a uma persecução penal. Assim, por exemplo, a Constituição do Canadá estabelece que toda pessoa acusada de um delito tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável (art. 11. “b”); a Constituição Mexicana prescreve prazos dentre quatro meses e um ano como máximos para a duração dos processos penais (art. 20, VIII); a Constituição do Japão dispõe que o acusado tem direito a um juízo rápido e público ante um tribunal imparcial (art.37); a Constituição de Portugal estabelece que o acusado deve ser julgado tão rapidamente como isso seja compatível com a salvaguarda do exercício de sua defesa (art. 32.2); a Constituição espanhola outorga a todas as pessoas o direito a um processo público sem dilações indevidas (art. 24.2); e, por fim, a Constituição italiana dispõe que a lei deve assegurar a duração razoável do processo (art.11) (PASTOR, 2005, p. 213).

Analisando os diversos dispositivos acima mencionados, verifica-se, quer no âmbito dos tratados internacionais dos direitos humanos, quer no âmbito dos ordenamentos constitucionais do direito comparado, a presença de diversas fórmulas para a regulação do mesmo direito. Porém, todas elas não significam outra coisa senão que “el imputado goza de un derecho constitucional subjetivo según el cual su proceso debe finalizar definitivamente dentro de um plazo que asegure un enjuiciamiento expeditivo” (PASTOR, 2005, p. 213).

Por outro lado, no plano dos tribunais, constata-se que as interpretações jurisprudenciais acerca dessa questão somente começaram a ganhar corpo, de forma definitiva, no final da década de sessenta. Assim, a partir de 1968 o Tribunal Europeu de Direitos Humanos começou sua larga e interessante série de sentenças sobre o ponto. Na República Federal da Alemanha, a primeira sentença emanada do Tribunal Supremo Federal (BGH = Bundesgerichsthof) sobre o problema da excessiva duração do processo penal data de 1966. Também, a partir de 1967 começa a se formar, no direito casuístico dos Estados Unidos da América, a jurisprudência sobre o tema, quando a Corte Suprema daquele país reconheceu que o direito a um juízo rápido tem assento constitucional. Inicialmente, tal jurisprudência se referia à duração da detenção, mas logo (1970-1972) se estendeu à duração do procedimento, levando inclusive à sanção de uma lei (Speed Trial Act), a qual cuidava de estabelecer limites temporais para o encarceramento temporário. Na Argentina, em 1968, se inicia, com a sentença “Mattei” da Corte Suprema de Justiça da Nação, uma linha jurisprudencial que, embora não alcançasse claridade e precisão, “implicó el reconocimiento de un derecho constitucional del inculpado a que su situacón frente a la ley penal y la sociedad sea definida en el monor tiempo posible por la innegable restricción de derechos que supone estar sometido a persecución penal por el Estado” (PASTOR, 2005, p. 215).

Dessa forma, foi através de um longo percurso jurisprudencial que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos assentou as bases do que é até hoje e de modo praticamente universal a interpretação dominante acerca do significado jurídico da expressão “prazo razoável”, quer se trate de prazo razoável da prisão preventiva, quer se trate de prazo razoável para a duração do processo.

Contudo, é importante dizer que, por enquanto, somente será possível resumir as linhas características desse posicionamento dominante que se dedica à definição do que se entende por prazo razoável e à determinação das consequências jurídicas aplicáveis no caso de superação desse prazo, remetendo o leitor aos capítulos 4 e 5, em que melhor se aprofundou a matéria.

Assim, seguindo Pastor (2005, p. 221), verifica-se que essa opinião universalmente dominante adota dois critérios centrais, a saber:

1.  O prazo razoável de duração do processo penal não é um prazo em sentido processual penal que deve ser previsto abstratamente pela lei, senão que se trata de uma pauta interpretativa aberta para estimar se a duração total de um processo foi ou não razoável, para o qual deve proceder-se caso a caso, uma vez finalizado o processo e globalmente, tendo em conta a complexidade do caso, a gravidade dos fatos, as dificuldades probatórias, a atitude do imputado e o comportamento das autoridades encarregadas da persecução penal;

2.  Comprovada a irrazoabilidade da duração, a violação do direito deve ser compensada desde o ponto vista material, penal ou civil, ou dar lugar a sanções administrativas, penais ou disciplinares, e somente em casos extremos se justifica o sobrestamento do procedimento.

2.2. Duração razoável do processo no ordenamento jurídico brasileiro   

No Brasil, o direito a um processo com duração razoável não encontrou o mesmo desenvolvimento que se verificou no âmbito de Direito Internacional dos Direitos Humanos ou no âmbito do Direito Comparado, sobretudo nos ordenamentos constitucionais de alguns países europeus.

Com efeito, antes da Emenda Constitucional nº 45/2004, a doutrina e a jurisprudência de nosso País apenas aludiam à possível presença desse direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, ora o incluindo no feixe de garantias em que se constitui o princípio do devido processo legal, ora aduzindo que, tendo o Brasil aderido à Convenção Americana de Direitos Humanos através do Decreto nº 678, de 6 novembro de 1992, os direitos e garantias previstos nessa Convenção passaram a integrar o rol dos direitos fundamentais previstos em nossa Constituição, por força do que dispõe o art. 5º, § 2º da Constituição Federal.

Assim, autores como Roberto Delmanto Junior (1998, p.26), José Rogério Cruz e Tucci (1997, p. 88) e Rogério Lauria Tucci (2004, p.67), mesmo antes da Emenda Constitucional nº 45/2004, já defendiam a vigência desse direito fundamental em nosso ordenamento jurídico, em razão de o conceberem como integrante do rol de garantias fundamentais em que se consubstancia o devido processo legal.

Este último autor, relativamente ao tema, asseverava que (2004, p.66):

E, no tocante à determinação de prazo razoável para a finalização do processo penal de conhecimento de caráter condenatório, trata-se, igualmente, de garantia preconizada, não somente em tratados e convenções internacionais, como, igualmente, nas Leis Magnas dos povos cultos, e também pela nossa vigente Constituição Federal, por força do disposto no § 2º do art. 5º.

Lopes Jr. (2005, p.102) também compartilhava desse mesmo entendimento, pois, ao referir-se a esse direito do imputado, afirma que:

No Brasil, está expressamente assegurado nos arts. 7.5 e 8.1 da CADH, em plena vigência, repita-se, recepcionado que foram pelo art. 5º, § 2º, da Constituição. Ademais, também poderá ser extraído a partir da conjugação dos seguintes direitos fundamentais:

-expressa vedação à tortura, tratamento  desumano ou degradante: art. 5º, III;

-direito à tutela efetiva: art. 5º, XXXV;

-direito ao devido processo legal: art. 5º, LIV;

-direito à ampla defesa e contraditório: art. 5º, LV.

No plano da jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal, em algumas ocasiões, também abraçou esse posicionamento, afirmando a vigência desse direito fundamental em nosso país, por força da adesão do Brasil ao Pacto de San José da Costa Rica, embora o fizesse apenas para reconhecer o excesso de prazo da prisão preventiva, sem qualquer outra consequência jurídica. Nesse sentido, veja-se a emenda de acórdão proferido nos autos do HC 80.379-2/SP:

O JULGAMENTO SEM DILAÇÕES INDEVIDAS CONSTITUI PROJEÇÃO DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.

- O direito ao julgamento, sem dilações indevidas, qualifica-se como prerrogativa fundamental que decorre da garantia constitucional do “due processo of law”.

O réu – especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de privação da sua liberdade – tem o direito público subjetivo a ser julgado, pelo Poder Público, dentre de um prazo razoável, sem demora excessiva e nem dilações indevidas. Convenção Americana sobre Direito Humanos (Art.7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. (DJ: 25.05.2001; rel. Min. Celso Mello, grifo no original).

Em decisões mais recente, proferido nos autos do HC nº 85.237-8/DF, o Supremo Tribunal Federal assentou que:

É preciso reconhecer, neste ponto, que a duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém, como sucede na espécie, ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo.

Cabe-se referir, ainda por relevante, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – tendo presente o estado de tensão dialética que existe entre a pretensão punitiva do Poder Público, de um lado, e a aspiração de liberdade inerente às pessoas, de outro – prescreve, em seu Art. 7º, n. 5, que “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade...” Na realidade, o Pacto de São José da Costa Rica constitui instrumento normativo destinado a desempenhar um papel de extremo relevo no âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos básicos da pessoa humana, qualificando-se, sob tal perspectiva, como peça complementar e decisiva no processo de tutela das liberdades fundamentais. (DJ: 29.04.2005; rel. Min. Celso Mello)

Contudo, se dúvida havia acerca da vigência do referido direito em nosso ordenamento jurídico-constitucional, essa dúvida foi totalmente dissipada com a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, que acrescentou ao rol dos direitos fundamentais previsto no art. 5º da Constituição Federal o direito a um processo sem dilações indevidas. Veja-se como o constituinte derivado positivou esse direito:

Art. 5º todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Assim, o legislador constituinte, ao consagrar expressamente esse direito no rol dos direitos fundamentais, segue, de forma louvável, a tendência que já vinha se verificando nas principais democracias ocidentais, conforme já referido neste trabalho, dando a demonstração de que essa garantia básica do imputado merece ser respeitada e que a sua violação traz consequências jurídicas para o Estado.

2.3. Duração razoável do processo e demais garantias processuais

Cruz e Tucci (1997, p. 87) esclarece que “A partir da concepção formulada por Haarbele, de um status activus processualis, passou-se a reconhecer nos direitos fundamentais um ‘prisma processual’, cuja realização prática é condição de efetividade da respectiva proteção constitucional à tutela jurisdicional”

Delmanto Junior (1998, p. 280, grifo do autor), por sua vez, salienta que “o processo penal existe não só para viabilizar a individualização do ‘ius puniendi’, mas, sobretudo, para regrar a persecução penal e assim proteger a liberdade dos cidadãos”. Pondera ainda, seguindo Inocêncio Borges da Rosa, que “esta função do processo penal é muito mais relevante do que a própria punição do culpado, uma vez que, ‘no Estado liberal, as garantias individuais são elementos essenciais da constituição político-jurídica do próprio Estado’” (DELMANTO JUNIOR, 1998, p. 280-281).

Efetivamente, o processo penal não deve ser dominado apenas pelos interesses das partes nele envolvidas. Há, no processo penal, um forte viés de interesse público, consubstanciado não somente no dever condenar o culpado, mas também no dever de absolver o inocente, pelo manuseio de um processo penal justo.

Nessa ordem de ideias, inteira razão assiste a Julio B. J. Maier, citado por Delmanto Junior (1998, p. 281, grifo do autor), quando salienta que:

Se dice que ‘el proceso penal de una nación es el termômetro de los elementos democráticos o autoritários de su Constitución’ o bien se observa al ‘Derecho procesal penal como sismógrafo de la Constitución del Estado’, porque con razón se afirma que el es Derecho constitucional reformulado o aplicado. Con esas metáforas se expresa mejor y con más fuerza que con textos extensos la función de garantia y protección del hombre frente al poder penal del Estado, que cumple el Derecho procesal penal. En realidade, todos los princípios limtadores del poder penal del Estado que contiene la Constitución Nacional se desarrolan y reglamentan... en los códigos de procedimentos penales y leyes orgânicas judiciales. ... Desde este punto de vista, el Derecho procesal penal es unn estatuto de garantias que, incluso, se supraordinan a las demás funciones que também se le adjudican. Estos limites al derecho de intervención del Estado sobre los cuidadanos , a título de aplicación de su poder penal, ejercido como persecución penal, que protegen tanto al inocente, con miras a una condena injusta, cuanto al mismo culpable, para que no se alcance una condena a costa de sua dignidade personal o sin posibilidad de defender sus puntos de vista, caracterizan la judicialidad del proceso penal y el legismo procesal en que consiste su regulación. 

Assim, o feixe de garantias processuais, em que se consubstancia o processo penal, representa um verdadeiro escudo que protege o individuo frente ao poder penal do estado. A duração razoável do processo, como garantia processual que é, também está inserida nesse rol e constitui-se num dos elementos indicativos de um processo penal democrático.

Na opinião de Tucci (2004, p.67), o direito a um processo com duração razoável está inserido no feixe de garantias processuais em que se constitui o devido processo legal, o qual, no campo penal, melhor seria denominar-se devido processo penal. Segundo ele, o devido processo penal abrangeria as seguintes garantias: a) de acesso à Justiça Penal; b) de juiz natural em matéria penal; c) de tratamento paritário dos sujeitos processos parciais no processo penal; d) da plenitude de defesa do indiciado, acusado, ou condenado, com todos os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais penais; f) da motivação dos atos decisórios penais; g) da fixação de prazo razoável de duração do processo penal; e, h) da legalidade da execução penal.

Esse mesmo entendimento é compartilhado por Cruz e Tucci (1997, p. 88), o qual afirma que o processo legal desdobra-se nas seguintes garantias: a) de acesso à justiça; b) do juiz natural ou preconstituído; c) de tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo; d) da plenitude da defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais e da motivação das decisões jurisdicionais; f) da tutela jurisdicional dentro de um lapso temporal razoável.

Contudo, na estreia do que vem decidindo tanto o Tribunal Constitucional Espanhol como o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, o direito à duração razoável do processo guarda autonomia em relação ao direito à tutela jurisdicional e devem sempre ser considerados separadamente, pois além de poderem ser alvos de violações distintas, a violação de um e de outro dão ensejo a formas de reparações distintas (NICOLITT, 2006, p. 37).

Com efeito, pode-se chegar à conclusão de que o restabelecimento da atividade jurisdicional, na hipótese de paralisação, ou mesmo a entrega da prestação jurisdicional, em caso de retardo, não sanam a violação ao direito em razão de dilatação indevidas.

Dessa forma, o direito ao processo sem dilatação indevidas, embora se apresente como um corolário do devido processo legal, afigura-se autônomo em relação ao direito à tutela jurisdicional.

2.4 A duração razoável do processo e a necessidade de assegurar um processo penal justo

O processo é o instrumento pelo qual o Estado faz atuar a vontade da lei, devendo, na medida do possível, desenvolver-se, sob a vertente extrínseca, mediante um procedimento célebre, a fim de que a tutela jurisdicional emerja realmente oportuna e efetiva (CRUZ E TUCCI, 1997, p.27).

Por outro lado. Também é correto afirmar “que os direitos subjetivos dos cidadãos devem ser providos da máxima garantia social, com o mínimo de sacrifício da liberdade individual, e, ainda, com menor dispêndio de tempo” (CRUZ E TUCCI, 1997, p. 27).

Aqui, o processo se depara com um grande dilema. Trata-se do difícil equilíbrio entre dois extremos: “de um lado o processo demasiadamente, expedito, em que se atropelam os direitos e garantias fundamentais, e, de outro, aquele que se arrasta equiparando-se à negação da (tutela da) justiça e agravando todo o conjunto de penas processuais” (LOPES, JR, 2005, p.94).

Na opinião de Lopes Jr. (2005, p. 126), um processo que se prolonga indevidamente no tempo conduz a uma distorção de suas regras de funcionamento. Contudo, adverte ele, “não se pode cair no outro extremo, no qual a duração do processo é abreviada (aceleração antigarantista) não para assegurar esses direitos, senão para violá-los”(LOPES JR. 2005, p. 126).

Esse mesmo autor, seguindo lição de Daniel R. Pastor, assevera que “não existe nada mais demonstrativo da arbitrariedade de um procedimento que os juízos sumários ou sumaríssimos em matéria penal, pois eles impedem que o imputado possa exercer todas as faculdades próprias de um processo penal adequado à constituição democrática” (LOPES JR.,2005, p.126).

De fato, a celeridade processual não se traduz em precipitação ou automatismo. Ela visa a proporcionar ao processo penal um ritmo tão rápido quanto possível, sem desatender aos princípios fundamentais da ordem jurídica como a presunção de inocência ou o direito de defesa (CRUZ E TUCCI, 1997, p.28).

Assim, verifica-se que o processo penal reclama tempo suficiente para a satisfação com plenitude, dos direitos e garantias processuais do imputado.

Aliás, essa foi a posição adotada pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), a qual prevê, em seu art.8°, 2, “c” que:

2­. Toda pessoa acusada de direito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:            

c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação a sua defesa (TRINDADE, 1991, p. 360, grifo nosso).

Em disposições semelhantes, a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, nos arts. 6º, 3, “b” e 14, 3, “b”, também consagram esse entendimento assegurando ao acusado tempo suficiente para que ele possa preparar a sua defesa.

Discorrendo sobre o tema, Héctor Faúndez Ledesma, citado por José Rogério Cruz e Tucci (1997, p.28), sustenta que:

Un elemento importante en la preparación de la defensa lo constituy el tiempo indispensable para su preparacion. Mientras que la parte acusadora puede con frecuencia haber estado preparando un caso durante un largo período antes del comienzo del proceso, la defensa deberá confrontar la evídencia acumulada por la acusación, encontrar testigos, presentar sus próprios medios de prueba y examinar y rebatir los argumentos jurídicos de la parte acusadora en un lapso sustancialmente   más breve. Esta es una desventaja que deriva de la naturaleza misma del procedimiento criminal, y cuya extención dependerá de las características del sistema jurídico a aplicar (acusatório o inquisitorial) y de las  circunstancias particulares de cada caso...

Por outro lado, não é só a defesa do acusado que reclama tempo. O próprio juiz da causa e a acusação também devem dispor de tempo para a busca da verdade no processo. O Juiz deve dispor de tempo para estudar a matéria com mais paciência e assim proferir uma decisão que reflita a verdadeira justiça. A acusação, da mesma forma, deve dispor de tempo para poder trazer a versão para o processo.

Dessa forma, seguindo a lição de Cruz e Tucci (1997, p.29) verifica-se que:

[...] a grande equação reside, essencialmente, em conciliar esses valores e todas as consequências que deles advêm, com a obtenção de decisão que represente uma composição de litígio consoante com a verdade, e em que se respeite amplamente o regramento do contraditório e todas as garantias de defesa, pois só assim, se logrará uma decisão acertada no âmbito de um processo justo.


3. CRITÉRIOS PARA AFERIR A RAZOABILIDADE DO TEMPO

3.1 A doutrina do prazo fixo

Em torno da interpretação desse direito do imputado, duas correntes doutrinárias divergem quanto ao modo de determinação do prazo razoável para a duração do processo. Uma delas é a chamada doutrina do prazo fixo, que congrega aqueles que defendem a necessidade de o legislador estabelecer prazos fixos para a duração máxima do processo, rejeitando a tese de que a verificação da duração indevida deve ficar a cargo de juiz diante do caso concreto.

Segundo os adeptos dessa corrente, o fundamento dogmático para a fixação do tempo máximo de duração do processo decorreria da própria  natureza do Estado Democrático de Direito e do co-respectivo princípio da legalidade.

Lopes Jr. (2005, p.113), após destacar que o processo penal consubstancia-se num conjunto de coações estatais, assinala que esta coação estatal deve estar precisamente estabelecida em lei, concluindo por afirmar que: “É a garantia básica da nulla coatio sine lege, princípio basilar de um Estado Democrático de Direito, que incorpora a necessidade de que a coação seja expressamente prevista em lei, previamente e com contornos claramente definidos nisso está compreendido, obviamente, o aspecto temporal.”

Daniel R. Pastor, um dos principais adeptos da corrente do prazo fixo, tece severas criticas à doutrina do não-prazo e apresenta várias justificativas para o caráter legal do prazo razoável.

Na opinião desse autor, a doutrina dominante (doutrina do não-prazo) é altamente questionável do ponto de vista científico e isto se deve a que  a solução proposta não fornece critérios seguros, senão que deixa muito aberta a determinação judicial da questão e tampouco oferece, em matéria de consequências, uma saída aceitável, dado que para o direito processual moderno não é suficiente com que a violação de um direito básico seja apenas compensada (PASTOR, 2005, p.204-205).

Seguindo na sua crítica, assevera Pastor (2005, p.221-222):

 Sugún Carrara, ‘sería burlarse del pueblo el dictar preceptos de procedimiento  dejando  su observância a gusto del  juez (...) Si el legislador dicta um procedimiento que pueda ser violado al arbítrio de los jueces, no hace uma ley, sino que limita a dar un consejo’. Esta frase nos advierte ya de la mayor objección que puede ser formulada contra la interpretación dominante: ni la determinación de la duración razonable del proceso ni la de las consecuencias por su infración puede quedar libradas abiertamente a la voluntad de los tribunales, como lo pretende tal interpretación dominante. Muy por lo contrario, la primera conclusión que se puede extraer dogmaticamente de la  garantia de todo imputado a ser juzgado con celeridade es la necesidad de que los ordenamientos jurídicos secundários (regulamentários de los derechos fundamentales ) establezcan con precisión el prazo máximo de duración del processo penal y las consecuencias jurídicas que resultarán de su incumplimiento.

Para justificar a necessidade de intervenção do legislador para a fixação de prazos máximos de duração de processo, Daniel R. Pastor apresenta cinco argumentos: o argumento do mandato expresso da ordem jurídica internacional, o argumento do princípio nulla coactio sine lege, o argumento do princípio da legalidade material e o argumento da divisão de poderes.

Relativamente ao primeiro argumento, ensina Pastor (2005, p.222) que os tratados internacionais que estabelecem direitos fundamentais devem ser vistos como modelos para a regulação do direito interno dos Estados-Partes,

pues el derecho internacional de los derechos fundamentales ha dejado de lado la prática tradicional de delegar en la voluntad soberana de los Estados el reconhecimento, através del derecho constitucional, de los derechos convenciobales, para estabelecer su respeto obligatorio y restrictivo de los márgenes de decisión de los Estados.

Segundo Pastor, os catálogos de direitos fundamentais somente podem conter princípios cujo desenvolvimento específico (reformulação adequada) está a cargo da legislação, daí porque não se pode esperar que um tratado internacional de direitos humanos (ou a Constituição do Estado) vá mais além do reconhecimento abstrato e geral de um direito determinado e o regule em todos os detalhes (PASTOR, 2005, p. 222).

E em conclusão, disserta Pastor (2005. P. 223):

Por tanto, los inventários de derechos fundamentales, sean internacionales o nacionales, deben ser entendidos, em cuanto a la regulación del prazo razonable, como órdenes para la adecuación de la legislación y la prática con el fin de lograr una efectiva proteción de los derechos em cuestión. En torno a ello no hay discrecionalidad para que el Estado decida la forma de satisfacer esta exigência, ya que si bien ello puede ser adecuado em general, no resulta así cuando se trata, precisamente, de limitar la postestad de los jueces, pues permitirle a ellos, y no al legislador, estabelecer los limites (también temporales) de sus poderes sería tan ingênuo como perdile al lobo, y no al pastor, que cuide los ovejas.

Quanto ao segundo argumento, afirma Pastor (2005, p.225) que o princípio do Estado Constitucional de Direito reclama que toda atividade estatal esteja regulada (autorizada, porém por isso também limitada) por lei. Para ele, o exercício do Poder Estatal, o qual inclui muito especialmente as decisões judiciais, sempre deve ter um fundamento legal que representa simultaneamente o respeito à preeminência do direito e ao princípio democrático. E acrescenta:

La regla de derecho, como instrumento limitador del poder del Estado, es ante tudo un imperativo para lograr el mayor compo de libertad para las personas (seguridad), en tanto que les garantiza que sólo deberán omitir (o ejecutar) aquellas acciones que están prohibidas (o mandadas). La otra cara de la medalla de este princípio es la prohibidas para el Estado de realizar aquellas atividades que no le están expresamente autorizadas. En este sentido, una de esas actividaddes, sin duda la de mayor peligro para los derechos individuales, es el ejercicio del Poder Panal que monopólicamente ostenta el Estado, el cual no puede ser llevado a cabo sin previa autorización legal e dentro de los limites de esa autorización (PASTOR, 2005, p.226).

Assim, partindo da ideia de que no regime processual penal de um Estado de Direito a lei é a única fonte de suas normas, conclui Pastor (2005, p. 228) que “el plazo razonable debe ser fijado por la ley y no por los tribunales , ya que para el orden jurídica-político de un Estado Constitucional de Derecho resulta inaceptable el derecho judicial e incluso penalmente desaprobado en el caso de decisones contra legem (delito de prevaricación)”.

No que se refere ao terceiro argumento, acentua Pastor (2005, p.228) que a coação punitiva estatal, enquanto que intervenção e menoscabo de direitos e liberdades fundamentais reconhecidos pela ordem jurídica, se exerce, principalmente, através da pena, porém também o processo penal é, por definição, coação estatal. Para ele, esta coação, que existe somente por mandato legal, não se restringe à prisão preventiva ou a outros atos de idêntica energia de afetação de direitos, mas, pelo contrário, ela está presente em todos os atos do procedimento, com o que toda lei processual penal deve ficar submetida à vigência do princípio nulla coactio e suas repercussões jurídicas (PASTOR, 2005, p.228-229).

Em forma de conclusão, e após advogar a necessidade de que os limites do Poder Penal do Estado estejam perfeitamente demarcados na lei, afirma Pastor (2005, p. 231) que “Es por ello que la vigência efectiva del princípio constitucional del nulla coactio  sine lege requiere que la duración máxima posible de la intervención del Estado en los derechos individuales através del proceso penal (el plazo razonable) esté regulada por la ley previamente y con toda precisón”.

O quarto argumento de Pastor diz respeito ao princípio da legalidade material e parte do princípio de que o processo penal, nos dias de hoje, constitui, não somente sob o ponto de vista jurídico, senão também psicológico, sociológico e até ontológico, uma espécie de pena e, como tal, deve estar predeterminada com precisão na lei.

Nesse sentido, aduz Pastor (2005, p. 231):

Las reflexões integrales más modernas que se han ocupado del funcionamento del sistema penal y de precisar sus fundamentos axiológicos han demonstrado con lucidez que la persecución penal estatal representa ya, con prisión provisional o sin ella, una ‘pena’ por la sospecha: la ‘pena de processo’. En efecto, sobre todo en los procesos prolongados la persecución implica, desde el comienzo, el sometimiento del imputado a condiciones de ‘semi-penalización’ que se manifestan em ciertos padecimientos que encuadran el llamado caráter idético a la pena que se atribuye ya al processo: angustia, gastos, estigmatización, perdida de tiempo y de trabajo, humillación, descrédito etc. La falta de una determinación aproxidamente precisa de la duración del proceso coloca al enjuiciado en la llamada ‘situación de doble incertidumbre: no sabe cómo terminará su proceso y tampouco sabe cuándo.          

Portanto, na visão Pastor, a duração do processo, enquanto “pena”, deve ser determinada pela lei como qualquer outra pena (princípio nulla poena sine lege).

O quinto e ultimo argumento de Pastor, refere-se ao princípio da divisão de poderes e parte do pressuposto de que, em matéria de prazo razoável, a delegação aos juízes da determinação de sua extensão e consequência, viola frontalmente esse princípio. Aqui, segundo Pastor (2005, p. 233), está em jogo o princípio democrático mesmo, “perjudicado irremediablemente en tanto se permita que una decisión transcendente sobre la afectación de los derechos más importantes de los indivíduos, cual es el limite temporal de la persecución penal, sea tomada por autoridades estatales que no representan tan intensamente como el Parlamento al conjunto de los ciudadanos”.

Assim, na opinião de Pastor (2005, p.233), somente o Parlamento teria legitimidade democrática para impor limites aos direitos básicos do indivíduo, pois neste foro se assegura que essas limitações serão discutidas e decididas através de um processo mais transparente que a deliberação judicial, com a participação da oposição e também com amplas possibilidades de intervenção dos afetados.

Por isso, conclui Pastor (2005, p. 233-234),

se deve afirmar que también el principio de la división de poderes, cuya aparición histórica con el triunfo de la ilustración tuvo una importancia decisiva en la  configuración del proceso penal actual, impone que la regulamentación del prazo rezonalble sea llevada a cabo por vía legislativa para que de ese modo rija eficazmente una verdadera reserva de la ley, de modo tal ‘que la intervención del Estado en la esfera de liberdad del imputado sólo pueda ser llevada a cabo de acuerdo a la decisión de las leyes, las que deben estabelecer los presupuestos, contenidos y limites de aquélla del modo más preciso posible, para que, de esa forma, las medidas estatales sean previsibles para los ciudadanos.

3.2. A doutrina do não-prazo  

A doutrina do não-prazo , como é intuitivo, perfilha o entendimento de que não é necessária a fixação de prazos rígidos pelo legislador, afirmando que a razoabilidade da duração do processo deve ser aferida diante do caso concreto, tendo em conta critérios objetivos. É a doutrina dominante, sendo abraçada tanto pelos organismos do direito internacional dos direitos humanos (Tribunal Europeu de Direitos Humanos e Corte Americana Interamericana de Direitos Humanos) quanto pelas principais cortes constitucionais europeias.

Elucidando os pontos fundamentais dessa corrente, disserta Pastor (2005, p. 216, grifo do autor):

Dicha posición interpreta, ante tudo, que el plazo razonable no es um plazo (“douctrina del no plazo”) en el sentido procesal penal, es decir, no considera a dicha expresión como condición de tiempo, prevista em abstracto por la ley, dentro de la cual – y sólo dentro de la cual – debe ser realizado un acto procesal o un conjunto de ellos, sino como una indicación para que, una vez concluído el proceso, los jueces evalúen la duración que tuvo el caso para estimar, según una serie de critérios, si esa duración fue o no razonable y, en caso de que no lo haya sido, compensaria de alguna manera. Según la opinión dominante el plazo razonable no se mide en días, semanas, meses o años, sino que se trata de un concepto jurídico indeterminado que debe ser evaluado por los jueces caso a caso – para saber si la duración fue razonable o no lo fue, teniendo en cuenta la duración efectiva del proceso, la complejidad del asunto y la prueba, la gravidad del hecto imputado, la actitud del inculpado, la conducta de las autoridades encargadas de realizar el procedimento y otras circunstacias relevantes.

Partindo das ideias acimas expostas, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, via de regra, ao analisar um caso de alegada violação à duração razoável do processo o faz através de três passos: 1º Analisa a efetiva duração do processo fixando o período a ser considerado; 2º Considera os critérios objetivos para a aferição da razoabilidade do prazo; 3º Pronuncia-se sobre a violação do direito e sobre o pedido formulado (NICOLITT, 2006, p. 76).

No primeiro passo, procura-se aquilatar a efetiva duração do processo, partindo da fixação dos termos final e inicial da duração do processo. Se, à primeira vista, salta aos olhos uma certa demora na prestação jurisdicional, passa-se ao segundo passo, em que se avalia se este tempo aprioristicamente longo é razoável ou não, tomando por base os critérios objetivos ( NICOLITT, 2006, p.76).

A doutrina costuma classificar esses critérios em preceptivos e facultativos. Os primeiros, que sempre serão considerados nas decisões, são pacificamente indicados como: a complexidade da causa; o comportamento das partes e a atuação das autoridades judiciais. No que se refere aos facultativos, são indicados: a importância do litígio para os recorrentes e o contexto no qual se desenvolveu o processo (NICOLITT, 2006, p. 76-77).

É importante ressaltar que tais critérios devem ser visto e ponderados de forma conjunta, valorando-se relativamente a importância de cada um deles, sem prejuízo de se perceber em tal ponderação a identificação de um só que influenciaria de forma definitiva na análise (NICOLITT, 2006, p.77).

Na aferição da complexidade da causa, o juiz deve avaliar três dimensões dela: a complexidade dos fatos (complexidade fática); a complexidade do direito (complexidade jurídica) e a complexidade do processo (complexidade instrumental) (NICOLITT, 2006, p.78).

Relativamente à conduta dos litigantes, vale registrar que, se por um lado o Tribunal Europeu de Direitos Humanos tem considerado esse aspecto para aferir a razoabilidade do tempo, por outro, tem buscado com muito afinco demonstrar que a referida consideração não pode afetar o direito de defesa das partes, consignando, inclusive, que o acusado não tem a obrigação de cooperar ativamente para acelerar o processo (NICOLITT, 2006, p.80).

A atuação das autoridades judiciais tem sido o fator preponderante para se concluir pela existência ou não de violação do direito à duração razoável do processo por parte do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. A responsabilidade do Estado tem sido fixada exatamente a partir deste ponto, sendo a referida corte impiedosa quando identifica nexo causal entre dilação e a atuação da autoridade (NICOLITT, 2006, p.84).

Os retardos imputados ao Estado podem ser classificados em dilações organizativas e dilações funcionais. As primeiras decorrem de fatores estruturais, da sobrecarga de trabalho ou mesmo conjunturais. As segundas estão relacionadas à deficiente condução do processo por parte dos Juízes e Tribunais (NICOLITT, 2006, p.84).

Contudo, deve-se advertir que, independentemente da natureza da dilação (organizativa ou funcional), uma vez verificada a falta na atuação da autoridade judiciária, impõe-se reconhecer a violação a esse direito básico do imputado.

Cabe mencionar, ainda, que, ao lado dos critérios preceptivos, os tribunais europeus, por vezes, na análise dos casos concretos, lançam mão dos chamados critérios facultativos, sobressaindo-se, entre estes a importância do litígio para o demandados e o contexto no qual se desenvolveu o processo (NICOLITT, 2006, p.85).

É importante acentuar ainda que o reconhecimento desses critérios traz como consequência a visualização das dilações indevidas como um conceito indeterminado e aberto, que impede de considerá-las como a simples inobservância de prazos processuais préfixados, conforme já ressaltado neste trabalho.

Após essas considerações a respeito das doutrinas que se dedicam à interpretação do direito de ser julgado em prazo razoável, cabe-nos agora explanar o entendimento que perfilhamos no presente trabalho.

Em que pese o fato de abalizadas vozes sustentarem a fixação de prazo para a duração razoável do processo e os argumentos levantados serem de grande valor, entendemos a duração razoável do processo melhor se aquilata diante do caso concreto, momento em que o direito deixa seu estado de abstração e passa a conviver com a realidade viva.

Inicialmente, cumpre ressaltar que o próprio termo “razoável” está ligado à aferição de situações concretas, dado que a razoabilidade é princípio de características hermenêuticas e historicamente refere-se ao controle jurisdicional das atividades do Estado (NICOLITT, 2006, p.25).

 Assim, o exame da razoabilidade dá-se diante do caso concreto e não em abstrato, tendo em conta as condições pessoais e individuais dos sujeitos envolvidos na decisão.

A doutrina do prazo fixo vale-se basicamente dos seguintes argumentos para sustentar a necessidade de que a duração razoável do processo seja estabelecida em lei: 1) é uma exigência do Estado Democrático de Direito; 2) a não fixação deixa uma margem grande de arbitrariedade ao Juiz; 3) a fixação de prazo é consequência do principio da legalidade.

Far-se-á aqui algumas considerações a respeito desses argumentos, com a finalidade de demonstrar que eles não têm a consistência que seus defensores querem lhes atribuir.

No que se refere ao primeiro argumento, convém observar que mesmo no Estado Democrático de Direito certas decisões ligadas aos direitos fundamentais são entregues ao Juiz e não ao legislador. E isto é assim porque, enquanto o Legislador tem legitimidade por eleição direta e rege-se por critérios de maioria, o Juiz encontra a sua fonte de legitimação na própria Constituição Democrática, a qual lhe confere o dever de tutelar e proteger a minoria, legitimando-se assim pelo saber que deve expressar na motivação (NICOLITT, 2006, p.26). Aliás, é bom que se diga, a história de afirmação do Poder Judiciário se confunde com a própria história do constitucionalismo e, consequentemente, com a efetividade dos direitos fundamentais.

Ferrajoli (2002, p. 437), apontando o nexo entre verdade e validade como o primeiro fundamento teórico da divisão de Poderes e da independência do Poder Judiciário no moderno Estado representativo de direito, adverte que o princípio da autoridade, mesmo se a autoridade   for “democrática” e exprimir a maioria ou até mesmo a unanimidade dos cidadãos, não pode jamais ser um critério de verdade.

Acrescenta ainda Ferrajoli (2002, p.137-438, grifo do autor):

Mas há uma segunda razão – não menos importante e mais diretamente ligada à teoria política do Estado de direito – que está na base da divisão dos poderes e da natureza estritamente legal da legitimação da jurisdição. Ela consiste no fato de que o exercício do Poder Judiciário, seja nas suas funções judicante ou de postulação1, incide sobre as liberdades do cidadão enquanto indivíduo. E para o indivíduo singular o fato de que tal poder seja exercitado pela maioria não representa por si só nenhuma garantia: “quando sinto a mão do poder que me aperta o pescoço”, escreveu Tocqueville, “pouco me importa saber quem me oprime; e não estou muito disposto a baixar a cabeça em submissão só pelo fato de que tal poder me oprime por milhões de braços”.

Nesse sentido, razão assiste a Nicolitt (2006, p.27-28) quando indaga:

Porque o legislador estaria mais habilitado que o Juiz para decidir sobre a duração razoável do processo? Que nossa cultura é autoritária e os juízes enquanto participantes de uma sociedade também o são e por vezes se afastam  de sua missão de guardiões das garantias fundamentais atuando como violadores destas ninguém tem dúvida. Todavia, o legislativo não será tão ou mais autoritário como não raras vezes o Judiciário o é? Constitucionalmente não é o juiz que tem a função de guardião dos direitos fundamentais (embora ocorra por vezes se olvida disto)?

Ainda sobre esse ponto, diz Nicolitt (2006, p. 28): “O argumento do Estado de Direito acaba por remeter à seguinte questão: quem está melhor habilitado para definir a razoabilidade da duração do processo? Ou ainda, quem é mais confiável para decidir sobre isto, o legislador ou o Juiz?” Acrescenta ainda que a tônica da legislação de emergência no Brasil tem sido a preocupação com a celeridade em detrimento das garantias do acusado.

Assim, não é o fato de se atribuir ao legislador a tarefa de fixar prazo para a duração razoável do processo que vai proteger o indivíduo contra arbitrariedades, pois o Parlamento, por expressar a força da maioria, não raras vezes também as comete.

Quanto ao argumento da submissão ao princípio da legalidade, verifica-se que o legislador, diante da impossibilidade de regular todas as situações emergentes – sobretudo nas sociedades atuais que são dominadas pela complexidade – por vezes deixa margem para decisões, seja pelo administrador, sela pelo juiz, na análise do caso concreto. Isto é perfeitamente compatível com o princípio da legalidade, tanto que o legislador, embora tenha tipificado condutas e estabelecido penas, deixou ao judiciário a sua fixação no caso concreto, bem assim a definição do regime de cumprimento (NICOLITT, 2006, p.28).

Como ressalta Nicolitt (2006, p.29), o próprio princípio da legalidade, à margem da razoabilidade, pode gerar algumas perplexidades quando se pensa, por exemplo, na fixação de limite mínimo de pena que é de duvidosa constitucionalidade por incompatibilidade com a individualização da pena. E, no Brasil, não são raros esses exemplos.

Plácido Fernandez-Viagas Bartolome, citado por André Luiz Nicolitt (2006, p. 31), referindo à fixação de prazo pelo legislador, assevera:

Sin embargo, sería absurdo estabelecer plazos fijos según los tipos de procedimiento, la solución aparentemente más obvia. Un plazo concreto podría resultar antitético con la finalidad misma de resolver en justicia con la prudencia y reflexión necesarias que requiere todo estudio.

É evidente, portanto, que certas situações, como é o caso da duração do processo, devem ser aferidas pelo Juiz diante do caso concreto, por absoluta impossibilidade de o legislador fazê-lo com êxito.


4. DURAÇÃO RAZOAVEL DO PROCESSO E PRISÃO PROVISÓRIA       

4.1. Duração razoável do processo e prazo de prisão provisória

A duração do processo, estando o réu preso, sempre foi tratada com maior preocupação pelos estudiosos do processo penal. Prova disso é que o legislador, quando da fixação de prazos para a conclusão de determinadas fases da persecução penal, estabeleceu intervalos de tempo mais reduzidos para a hipótese de réu preso.

E isto é assim porque a demora na conclusão de um processo em que se decretou a prisão cautelar é fator de multiplicação da carga de sofrimentos do imputado, pois, além das restrições inerentes ao próprio processo, ele está submetido à medida mais enérgica que se pode impor ao indivíduo, que é a restrição de sua liberdade, porém sem antes se fazer um juízo de culpabilidade.

Pastor (2005, p.232), referindo-se ao processo penal como uma carga de coações individuais, afirma:

A estas cargas hay que sumar, cuando el imputado está en prisión provisional, la directa anticipación de la pena de encierro, sin juicio y sin prueba públicos que certifiquen com certeza su culpabilidade y la necesidad de sufir una pena privativa de libertad. Su situación de hecho es la de ‘ya-estar-penado’ (schon-bestraf-sein) de la literatura alemana.

Lopes Jr. (2005, p. 94) também identifica esse mesmo problema, asseverando que

A visibilidade da pena processual é plena quando estamos diante de uma prisão cautelar, em que a segregação é prévia ao trânsito em julgado da sentença. Nesse caso, dúvida alguma paira em torno da gravidade dessa violência, que somente se justifica nos estritos limites de sua verdadeira cautelaridade [...]

No Brasil, como já referimos neste trabalho, a discussão relativa à dilação indevida do processo penal nasce tendo como núcleo a excessiva duração da prisão preventiva, dando a impressão de que o problema da duração excessiva do processo somente se colocava quando o réu estava preso cautelarmente.

Todavia, esses dois conceitos não se confundem e por isso merecem tratamentos distintos, já que o direito a um processo sem dilações indevidas existe ainda que o réu não tenha sido preso,  ou mesmo, que tenha sido posto em liberdade.

Aliás, como bem observa Pastor (2005, p. 208), o problema do processo penal moderno não é a prisão provisória, senão que a duração do processo, pois é este que permite a existência e a persistência daquela.

Já se afirmou neste trabalho que a doutrina dominante a respeito da interpretação do prazo razoável para o processo, à qual aderimos, não considera a expressão “prazo razoável” como condição de tempo, prevista em abstrato por lei, dentro da qual - e somente dentro da qual - deve ser realizado um ato processual ou um conjunto deles, senão como uma indicação para que, uma vez concluído o processo, os juízes avaliem, no caso concreto, segundo critérios objetivos, se a duração foi ou não razoável.

Já se registrou também a inconveniência de o legislador fixar prazos abstratos, tendo em vista a complexidade da sociedade moderna, as peculiaridades de certas situações concretas, bem assim a necessidade de que a causa seja resolvida com prudência e justiça.

Contudo, em relação à prisão provisória, a necessidade de fixação de prazos máximos pelo legislador é medida que se impõe, porquanto, trata-se “de uma intervenção estatal na liberdade individual que é mais grave do que a própria prisão pena, pois nesta última houve atuação jurisdicional exaustiva com contraditório e ampla defesa, seguida do trânsito em julgamento” (NICOLITT, 2006, p.144). Na prisão preventiva, o juiz é de mera  probabilidade e, na maioria das vezes, a medida é decretada sem ouvir o requerido.

Neste ponto, é interessante ressaltar o pensamento de Delmanto Junior (1998, p. 219):

Uma vez que a prisão cautelar é tão violenta a própria pena, principalmente no que toca à sua intensidade, representando restrição ao direito fundamental à liberdade, que é tão importante quanto o direito à própria vida, impõe-se estrita previsão legal não só para hipóteses de sua incidência, mas também para o seu prazo de duração.

Em verdade, como bem pondera Nicolitt (2006. P. 145), “não seria razoável que o Juiz ficasse, após sua convicção formada, adstrito a um máximo de pena fixado pelo legislador e antes disso, sobre auspicio do mero juízo de probabilidade, não tivesse qualquer limite temporal para a medida”.

Da mesma forma que na aplicação da pena cabe ao Juiz fixar a quantidade e o regime dentro dos parâmetros fixados pelo legislador, também na prisão cautelar só cabe o juiz analisar sua necessidade à luz do caso concreto, porém deve fazê-lo dentro dos limites temporais fixado pelo legislador (NICOLITT, 2006, p.145).

Assim, se por um lado não pode o legislador fixar um prazo máximo para a duração do processo, vez que este deve ser aferido em cada caso concreto, por outro, o legislador deve fixar um prazo máximo para a prisão provisória, pois o princípio da legalidade não poderia atuar para a providência final e ser olvidado para a providência cautelar.

4.2 Os prazos de prisão provisória no sistema processual penal brasileiro

No Brasil, percebe-se que há grande economia de regras processuais que regem o prazo da prisão cautelar. Na opinião de Delmanto Junior (1998, p. 06), no que se refere ao prazo de duração da prisão provisória, “a lei processual penal brasileira trata da matéria de forma lacunosa, estipulando prazo para a realização de determinados atos e não o fazendo para outros; essa omissão do legislador também se estendeu à extravagante”.

O nosso Código de processo Penal apenas esparsamente estabelece delimitação de tempo para hipótese de o réu estar preso, como por exemplo, o art. 10 e o art. 46.  O primeiro dispositivo estabelece que o inquérito policial deverá ser concluído em 10 dias caso o réu esteja preso. Já o segundo estabelece o prazo para o oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 05 dias.

 A lei nº 9.034/95, que “dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas”, prévia, inicialmente, em seu art. 8°, que “o prazo máximo de prisão processual, nos crimes previstos nesta lei, será de 180 dias (cento e oitenta) dias”.

Segundo Delmanto Junior (1998, p. 306), à época, argumentava-se que, se para crimes considerados graves essa lei estabelecia prazo máximo de duração para a custódia cautelar, de âmbito abrangente, era inegável que esta regra também deveria ser aplicada à persecução de todo e qualquer crime, posto que só vinha a melhorar a situação do preso provisório.

Contudo, após um ano e quatro meses da edição da lei nº 9.034/95, a lei nº 9.303/96 alterou os termos do art. 8° da chamada “lei do crime organizado”, limitando-se a prever, a partir de então, o prazo de oitenta e um dias para o encerramento da instrução, estando o acusado preso, e de cento e vinte dias, estando solto (DELMANDO JUNIOR,1998, p.306).

Na verdade, essa lei, dentre tantos outros pecados, cometeu um equívoco, pois ao invés de tratar claramente da questão da prisão, fixando o prazo máximo e global em que esta poderia durar cautelarmente, fez foi regular o prazo de duração da instrução na hipótese de réu preso e apenas por via oblíqua tratou da duração da prisão preventiva.

A jurisprudência, por seu turno, na década de 80 consolidou entendimento segundo o qual a instrução criminal deve durar, em regra, 81(oitenta e um) dias, sob pena de restar configurado constrangimento ilegal, chegando-se a esse prazo pela soma de alguns prazos processuais.

Contudo, tal orientação jurisprudencial, além de ter estipulado prazo, aparentemente, muito inferior ao de outros países, tem sido flexibilizada por interpretações que “trazem significativos reflexos em sua duração, que se tornou praticamente indefinida” (DELMANTO JUNIOR, 1998, p. 06).

 Dessa forma, embora essa linha interpretativa, à época em que formulada, tenha representado algum avanço, nos dias atuais, mostra-se completamente defasada e inadequada às novas linhas principiológicas traçadas na Constituição Federal, revelando-se premente a necessidade de a lei ordinária estipular prazos claros e peremptórios de duração da prisão cautelar.

Sobre o tema, é interessante ressaltar o posicionamento de Delmanto Junior (1998, 306-307):

Com efeito a exigência  de previsão legal de prazo maxímo e peremptório para a duração da prisão cautelar-inerente a um um Estado Democratico de Diteito que se baseia nos primários da certeza jurídica da dignidade do ser humano e elenca cmo garantias constitucionais os direitos a legalidade estrita á desconsideração prévia de culpabilidade a presunção de inicencia e a julgamento de prazo razoável-não se coaduna com a atula discricionariedade das decisões do poder judiciário quanto  DEFINAÇAO de tempo da prisão provisória já que extremamente casuística e subjetivas , sendo oportunos lembrar , mais uma vez as palavras de Miguel Reale: “... a incerteza e o arbítrio são incompatíveis coma vida jurídica”

Ressalte-se ainda que, embora a maioria dos países europeus tenha acolhido a doutrina do não-prazo relativamente à duração razoável do processo, no que se refere à duração da prisão preventiva estes países procederam exatamente da forma aqui defendida, ou seja, estabeleceram, por lei, os prazos máximos de duração da prisão cautelar (PASTOR, 2005, p.225).


5. TUTELA DO DIREITO A UM PROCESSO SEM DILAÇÕES INDEVIDAS

A sanção adotada para o caso de violação do direito a um processo sem dilações indevidas depende, em grande parte, da corrente interpretativa a que se adere. Com efeito, os adeptos da corrente do não-prazo advogam, sobretudo, a adoção das soluções compensatórias e sancionatórias, ao passo que os adeptos da corrente do prazo fixo defendem a adoção de soluções processuais.

5.1. Soluções compensatórias

A solução compensatória pode ser de natureza civil ou penal. Na esfera civil, resolve-se com a indenização dos danos materiais e/ou morais produzidos, ainda que não tenha ocorrido prisão preventiva. Essa tem sido a solução adotada, sobretudo, pelos tribunais do direito internacional dos direitos humanos (Tribunal Europeu de Direitos Humanos e Corte Interamericana dos Direitos Humanos). Já a compensação penal – adotada pelos tribunais nacionais de cada país na medida em que as leis internas os autorizam – tem sido feita através de várias medidas, a saber: atenuação da pena, suspensão da pena ou prescindibilidade dela, graça ou indulto (PASTOR, 2005, p.216).

Segundo Pastor (2005, p.218), proveio de Alemanha a ideia, inspirada na jurisprudência do Tribunal Europeu de Direito Humanos, de que a violação do prazo razoável, no caso de ser comprovada, deve ser compensada no mesmo processo. Pastor (2005, p. 218) também assinala que, após algumas vacilações iniciais, assentou-se naquele país a doutrina segundo a qual a infração deveria ser considerada na determinação judicial da pena, pois a excessiva duração do processo, sofrida pelo imputado que resulta condenado, deve ser tomada como uma consequência negativa proveniente do Estado e que sofre o imputado a consequência do fato, de modo que diminui com isso proporcionalmente a reprovabilidade da culpabilidade.

Para estes casos se propõe, na medida em que o permitam os limites da lei, compensar a violação do prazo razoável com a redução da pena, inclusive ao mínimo, ou com a suspensão de sua execução ou até com sua prescindibilidade (PASTOR, 2005, p. 218).

Nada obstante, destaca Pastor (2005, p. 218) que a jurisprudência alemã segue sustentando, ainda que sem claridade nem precisão e com menos convicção, todavia, que, em casos excepcionais, a solução deve ser o sobrestamento do caso, e não faz muito tempo que a Alemanha restou condenada pelo Tribunal Europeu de Direito Humanos por violar preceito do prazo razoável, ainda que na sentença condenatória ditada contra o afetado se havia tomado em conta a situação no marco da culpabilidade reprovável e a redução consequente da pena, embora o referido tribunal havia visto com agrado esta solução compensatória pelos tribunais nacionais.

De acordo com Pastor (2005, p. 218-219) também na Espanha se aceita, por um lado, que a possível verificação de violação deste direito não se estabelece por mero descumprimento de um prazo, senão que isso se deduz da avaliação global da duração de um processo findo ou em vias de finalizações, e que, por outro, a compensação das dilações indevidas na pena é a consequência jurídica da violação.

Contudo, no que se refere ao estabelecimento de quem é que deve fazer a compensação, verifica-se a formação de duas correntes: uma corrente se inclina pela solução alemã de reparar a violação no âmbito da determinação judicial da pena por compensação da culpabilidade; a outra corrente, majoritária, inclina-se por não reconhecer efeitos judiciais à violação e remete a questão à graça ou indulto (PASTOR, 2005, p.219).

A Itália, seguindo o critério do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, também reconhece a necessidade de compensar os danos causados pela violação da regra do prazo razoável. Todavia, limitou-se a estabelecer, por lei, a obrigação de reclamar essa compensação, primeiro, ante o Estado Italiano, de forma a evitar mais condenações da Itália por parte do referido tribunal, em face de violação a esta garantia fundamental. Porém, já se defende que quem sofre violação deste direito não perde a condição de vítima ante o Tribunal Europeu de Direitos Humanos enquanto a infração não tenha sido completamente reparada, de modo que, se a compensação concedida pelo Estado Membro é insuficiente, o afetado pode reclamar a condenação do país a pagar a diferença perante o Tribunal de Estrasburgo (PASTOR, 2005, p.219-220).

No Brasil, a compensação penal poderia ser feita através da atenuação da pena ao final aplicada (aplicação da atenuante genérica do art. 66, CP) ou mesmo concessão de perdão judicial, nos casos em que é possível (por exemplo, art. 121, § 5º, art. 129, § 8º, do CP). Nesta última hipótese, a dilação excessiva do processo penal – uma consequência da infração – atingiu o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se tornou desnecessária. Também, havendo prisão cautelar, a detração penal (art. 42 do CP) é uma forma de compensação, embora insuficiente (LOPES JR., 2005, p.121).

Relativamente á sanção de natureza civil, na atual sistemática brasileira, não vemos nenhum  obstáculo em adotá-la, a qual poderia ser imposta ainda que não exista prisão cautelar. A valoração das consequências da dilação indevida pode ser considerada quando da quantificação da medida reparatória; deve-se advertir, porém, que a responsabilidade do Estado independe da demonstração dos danos efetivamente sofridos pelas partes, até porque estes são presumidos (LOPES JR., p.121).

5.2. Soluções processuais

Como afirmado antes, as soluções processuais são defendidas principalmente pelos adeptos da doutrina do prazo fixo e consistem, sobretudo, na adoção de impedimentos processuais, em razão da perda da legitimidade do Poder Penal do Estado ou no reconhecimento da nulidade do processo que se prolongou além do tempo razoável.

Sobre essa questão, é interessante ressaltar o posicionamento de Pastor (2005, p. 236):

El hecho de que un proceso haya alcanzado su plazo máximo de duración razonable debe ser tratado, tecnicamente, como un impedimento procesal, que es el medio a través del cual se hace efectiva, en un procedimiento concreto, la consecencia que se deriva de la violación de un regla de derecho limitadora del Poder Penal del Estado, con el fin de obstruir la continuación de un juicio que se ha tornado ilegítimo. Frente a esta infracción el proceso no puede seguir adelante y debe ser concluído de un modo anticipado y definitivo. Una correcta comprensión de la función de garantia judicial de los derechos fundamentales que tienes las estruturas procesales impone esa conclusión como la única adecuada a la situación.

Segundo Pastor (2005, p. 237), o regime processual das exceções ou artigos de prévio pronunciamento seria o veiculo processual adequado para fazer valer o impedimento processual da excessiva duração do processo penal em concreto. Observa ele que este sistema já é, de modo regular, o previsto para o delineamento efetivo dos demais supostos de impedimentos processuais (falta de jurisdição, falta competência, extinção da ação, litis pendentia, coisa julgada etc.).

Na opinião de Pastor (2005, p. 239), a forma que melhor convém à natureza desse tipo de impedimento é a aplicação analógica dos preceitos relativos à prescrição do fato, posto que, ainda que não sejam os mesmos, alguns aspectos e sobretudo seus efeitos são bastante similares, e com isso já se afastaria a objeção da falta de regulação expressa da questão, em face da possibilidade de interpretação analógica in bonam partem da exceção de prescrição do delito.

Pastor faz ainda uma severa crítica à solução compensatória, concebendo-a como incompatível com o princípio do Estado de Direito. Diz Pastor (2006, P. 247-248):

La solución por la compensación de la violación, defendida por la opinión dominante, es cuestionable por su posible incompatibilidad con el princípio del Estado de Derecho, sistema que muy dificilmente podría consentir que tras ser reconocida la violación de un derecho fundamental simplesmente se decida dejar inalterada la infracción y su resultado, la continuación del processo, y sólo estimar disminuindo el reproche necesario de la culpabilidade, en razión de la duración excesiva del enjuiciamiento. La solución compensatória falla, ante todo, porque para poder reacionar contra la violación deste derecho fundamental exige más violación, en el sentido de que, producida la superación del plazo razonable de duración del proceso, éste, sin embargo, tendrá que durar todavía – excesiva e ilegitimamente – todo lo que sea necesario hasta alcanzar por fin la sentencia definitiva, único momento en el que se le dará alguna relevancia jurídica a dicha lesión de derechos fundamentales.

No Brasil, não se vislumbra dificuldade em adotar essa solução, pois, ainda que o impedimento processual analisado não esteja disposto de modo expresso entre as exceções na legislação processual penal pátria, deve-se atentar, como bem observa Pastor (2005, p. 239), para o caráter aberto dos impedimentos processuais que habilitam seu tratamento, discussão e resolução pela via do procedimento das exceções processuais, as quais estão previstas necessariamente pela ordem constitucional e submetidas a um regime de numerus apertus.

Além disso, na esteira de Pastor (2005, p. 239), trata-se de impedir que as graves vulnerações do princípio do Estado Constitucional de Direito cometidas em um processo judicial, que implicam a desclassificação do processo como juízo justo ou leal, fiquem sem consequência somente porque a lei não menciona essa violação entre as exceções previstas.

Quanto à solução de nulidade do processo, verifica-se que esse tipo de sanção tem sido sustentada na Espanha e em alguns países europeus como solução para a violação do direito à duração razoável do processo. Tal solução parte do princípio de que tudo que é contrário à Constituição é nulo e por isso deve ser retirado da realidade jurídica (NICOLITT, 2006, p. 123).

Da mesma forma em que defendido acima, em que pese não haver dispositivo legal que indique a dilação indevida como causa de nulidade, tal óbice seria facilmente suplantado, vez que a nulidade teria fundamento na própria Constituição, dispensando assim qualquer outro dispositivo infraconstitucional.   

5.3.  Soluções Sancionatórias

A solução sancionatória consiste na responsabilização do servidor responsável pela dilação indevida e envolve a conduta tanto de serventuários da Justiça quanto de Juízes e membros do Ministério Público. Essa responsabilização poderia ocorrer tanto na esfera administrativa (disciplinar) quanto penal, desde que, evidentemente, a conduta constitua um delito.

Estas soluções não são adotadas com frequência pelos tribunais, tendo em vista que primeiro se recorre às soluções compensatórias, e somente em casos especiais se recorre ás chamada soluções sancionatórias (Pastor, 2005, p. 245).


CONCLUSÃO

A partir da abordagem que aqui se fez, pôde-se perceber que o direito a um processo sem dilações indevidas, enquanto direito fundamental, tem natureza jurídica de direito público, subjetivo, autônomo e caráter prestacional.

Viu-se também que o direito a um processo com duração razoável é um conceito indeterminado e aberto, que não se confunde com o mero descumprimento de prazo e cujo conteúdo somente se determina diante do caso concreto.

Tal direito encontra fundamento na dignidade da pessoa do imputado, no interesse probatório, no interesse coletivo e na confiança da capacidade da Justiça.

Os titulares desse direito são as partes envolvidas no processo, sejam elas físicas ou jurídicas ou, eventualmente, órgãos do Estado. O obrigado é sempre o Estado, por todos os seus órgãos.

Foi através de um longo percurso legislativo e jurisprudencial que os tribunais internacionais e nacionais assentaram as bases do que é até hoje e de modo praticamente universal a interpretação dominante acerca do significado jurídico da expressão prazo razoável.

Antes da Emenda Constitucional nº 45/2005 havia dúvida acerca da vigência desse direito fundamental no Brasil, dúvida esta que foi totalmente dissipada com a inclusão do inciso LXXVIII no rol das garantias fundamentais do art. 5º da Constituição vigente, o qual consagra expressamente referido direito entre nós.

O direito ao processo sem dilações indevidas, embora se apresente como um corolário do devido processo legal, integrando o rol das garantias em que este se consubstancia, afigura-se autônomo em relação ao direito à tutela jurisdicional.

O grande dilema do processo penal moderno é equacionar o difícil equilíbrio entre a necessidade de garantir um processo penal sem dilações indevidas e a necessidade de assegurar o contraditório e a ampla defesa, pois só assim se logrará um processo penal justo.

Em torno da interpretação dogmática desse direito, duas correntes doutrinárias divergem quanto ao modo de determinação do prazo razoável para a duração do processo.

A doutrina do prazo fixo defende que prazo razoável deve ser entendido em seu sentido processual, ou seja, como lapso de tempo dentro do qual – e somente dentro do qual – um ato processual, um conjunto de atos processuais, uma etapa do procedimento ou todo processo podem ser realizados válida e eficazmente. Defende assim a necessidade de intervenção do legislador tanto para estabelecer limites temporais quanto para regular as consequências jurídicas para o caso de violação, por ser uma exigência do princípio do Estado Democrático de Direito.

A doutrina do não-prazo, à sua vez, entende que, antes de tudo, o prazo razoável não é um prazo em sentido processual penal, que deve ser previsto abstratamente pela lei, senão que se trata de uma pauta interpretativa aberta para estimar se a duração total de um processo foi ou não razoável, para o qual deve proceder-se caso a caso, uma vez finalizado e globalmente, tendo em conta a complexidade do caso, a gravidade dos fatos, as dificuldades probatórias, a atitude do imputado e o comportamento das autoridades encarregadas da persecução penal. Em matéria de consequência, afirma essa corrente que, uma vez comprovada a irrazoabilidade da duração, a violação do direito deve ser compensada desde o ponto de vista material, penal ou civil, ou dar lugar a sanções administrativas, penais ou disciplinares, ou, em alguns casos, as soluções processuais, como o sobrestamento do procedimento.

Ante esse quadro, o presente trabalho optou por aderir à corrente que advoga a desnecessidade de intervenção do legislador para fixar prazos máximos de duração do processo, à consideração de que, no Estado Democrático de Direito, o Juiz é o principal garantidor dos direitos fundamentais, sem embargo de que, diante da complexidade da sociedade moderna, o legislador possa não fazê-lo com êxito, dado sua atuação em abstrato.

No que se refere à relação entre duração razoável do processo e prisão provisória, verificou-se que a duração excessiva do processo e a duração excessiva da prisão cautelar, embora sejam conceitos próximos, não se confundem e por isso merecem tratamento distinto, de forma que, se por um lado não pode o legislador fixar um prazo máximo para a duração do processo, vez que este deve ser aferido em cada caso concreto, por outro, o legislador deve fixar um prazo máximo para a prisão provisória, pois o princípio da legalidade não poderia atuar para a providência final e ser olvidado para a providência cautelar.

É por isso que, para equacionar as lacunas deixadas pelo legislador brasileiro e as interpretações disformes da jurisprudência, advogou-se nesta pesquisa a necessidade de se estabelecer, por lei, prazos máximos e globais para a prisão cautelar.

Na doutrina estrangeira as soluções sugeridas para a violação do direito na esfera penal e processual têm sido as mais variadas, a saber: atenuação da pena, suspensão ou prescindibilidade da pena, graça ou indulto, sanções de funcionários responsáveis pelos atrasos e, excepcionalmente, sanções processuais, com o consequente arquivamento do procedimento.

No Brasil, o problema dos efeitos penais da violação ao direito em exame poderia se resolver pela atenuação da pena ao final aplicada (aplicação da atenuante genérica do art. 66, CP), pela concessão do perdão judicial (art.121,§ 5º, art. 129, §5º, ambos do CP) ou pela detração penal (art. 42 do CP). As soluções processuais também poderiam ser adotadas, já que não há nenhuma incompatibilidade entre a legislação processual penal e o sistema dos impedimentos processuais ou das nulidades processuais. A sanção de natureza civil poderia ser adotada ainda que não exista prisão cautelar e independe da demonstração dos danos efetivamente sofridos pelas partes.

Por fim, pode-se dizer que o julgamento tempestivo de uma pessoa suspeita de cometer um delito, dentro de um prazo razoável, porém sem restrições das demais garantias fundamentais do imputado, permitirá evitar a perda de meios probatórios, poupar recursos financeiros estatais, hoje dilapidados em processos intermináveis, aumentar a capacidade de administração da justiça e, sobretudo, acalmar expectativas sociais, restabelecendo a paz jurídica.


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LOPES, Jose Domingos Rodrigues. O direito ao processo sem dilações indevidas no âmbito penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3853, 18 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26440. Acesso em: 25 abr. 2024.