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A lei de acesso à informação como instrumento de fortalecimento da democracia

A lei de acesso à informação como instrumento de fortalecimento da democracia

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A Lei 12.527/11 se mostra como potente mecanismo de renovação e fortificação do regime democrático brasileiro, vez que proporciona uma maior participação da sociedade na vida política do país.

Resumo: A Lei 12.527/11, Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor no dia 16 de maio de 2012 trouxe aos cidadãos brasileiros um importante mecanismo de controle das atividades prestadas pelos agentes públicos no exercício de suas atribuições. Esse direito fundamental, agora regulamentado pela lei, garante que qualquer pessoa, física ou jurídica, poderá requerer, de forma gratuita, junto aos órgãos públicos, informações de qualquer natureza, ressalvadas aquelas cujo sigilo impossibilite sua divulgação. Sem necessidade de demonstrar justificativa para solicitação o interessado deverá fazer requerimento através de meios idôneos, tendo o direito de ser atendido e receber a devida informação dentro do prazo máximo de 30 dias. Haverá possibilidade de interposição de recursos junto às autoridades superiores, que deverão julgá-los em cinco dias. Dentre todos os benefícios proporcionados pela norma ressalta-se o fortalecimento da democracia como primordial vez que favorece o desenvolvimento nacional e o enaltecimento da soberania popular.

Palavras-chave: Direito. Informação. Democracia. Cidadania. Constituição.


INTRODUÇÃO

O que se pretende com o presente trabalho é abordar os principais aspectos da Lei 12.527/11, apontando os benefícios trazidos pela mesma. Dentre os pontos mais importantes destaca-se a possibilidade de se usar tal dispositivo como instrumento de fortalecimento da democracia, onde o exercício da cidadania é essencial à valorização da soberania popular.

Por ser o tema demasiadamente argumentativo não se pretende esgotar a matéria. Contudo, através de estudos doutrinários, pesquisa às notícias atuais, bem como análise da legislação pertinente, buscou-se a elaboração de um roteiro didático e informativo a fim de propiciar aos leitores o conhecimento desse relevante assunto que se insere no imponente rol dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal.


No dia 16 de maio de 2012 o povo brasileiro obteve uma vitória junto ao Poder Legislativo com a entrada em vigor da Lei 12.527 de 18 de novembro de 2011, a chamada Lei de Acesso à Informação.

Proeminente é a gama de benefícios que a referida norma proporcionará em diversos setores, contemplando tanto os direitos coletivos e difusos como os direitos individuais, sejam civis, políticos ou sociais.

O acesso à informação é direito fundamental consagrado na atual Constituição Federal e consiste, basicamente, no direito dos cidadãos de terem acesso a informações relacionadas aos atos praticados pela Administração Pública, direta ou indireta, por qualquer dos poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, e ainda pelas entidades privadas sem fins lucrativos que utilizem recursos públicos para realização de ações de interesse social. Há ressalva apenas nos casos de sigilo e inviolabilidade da vida privada. Neste sentido bem se expressou o legislador constituinte:

Art. 5º. [...]

XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas na forma da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado[1];

[...]

Entretanto, houve época, especificamente no período do regime ditatorial (1964- 1985), em que a nação brasileira se viu completamente privada desse direito, retardando o desenvolvimento da democracia e, consequentemente, dificultando o exercício pleno da cidadania que é fundamental na construção do tão almejado Estado Democrático de Direito. A esse respeito, salienta Jardim[2] que os pilares da democracia são os princípios da igualdade e da liberdade e que a sua prática é o que sustenta o Estado Democrático de Direito. Para a autora “[...] o conceito a ser dado aos ideais de liberdade e igualdade passa pelo conceito de cidadania, de forma que a democracia só será realmente vivenciada se houver uma cidadania incondicional. E essa cidadania implica em uma maior participação popular”.

O direito à informação, bem como o direito à transparência dos atos governamentais se revela como mecanismo necessário ao exercício da cidadania, uma vez que os indivíduos passam a ter à sua disposição um meio, não totalmente, mas bastante eficiente na fiscalização das ações incumbidas a órgãos e agentes do Estado. Ainda neste contexto Carvalho[3] assevera que:

[...] Em um sistema democrático, onde o poder público repousa no povo, que o exerce por representantes eleitos ou diretamente, sobreleva a necessidade de cada membro do povo fazer opções políticas sobre a vida nacional. Não só no processo eleitoral, mas por meio de plebiscitos ou referendos, o povo exerce o seu poder político. Para poder optar, para poder decidir com consciência, indispensável que seja interado de todas as circunstâncias e conseqüências de sua opção e isso só ocorrerá se dispuser de informações sérias, seguras e imparciais de cada uma das opções, bem como da existência delas. Neste sentido, o direito de informação exerce um papel notável, de grande importância política, na medida em que assegura o acesso a tais informações. (grifo nosso)

Conforme bem salientou o autor, é de suma importância para os eleitores o conjunto de informações, bem prestadas, a respeito dos candidatos, pois só assim poderão fazer escolhas conscientes em prol da coletividade.

Além dessa positiva influência na política o acesso às informações se revela como forte mecanismo de combate à corrupção. Entrementes, pertinentes foram as palavras ditas pelo senador Ricardo Ferraço[4] (PMDB-ES), em relação à Lei 12.527/11, na cerimônia de instituição da Comissão da Verdade[5], no dia 16 de maio de 2012, no Palácio do Planalto:

[...] A lei dinamiza a democracia participativa e devolve o Estado a quem ele de fato pertence: o cidadão, o contribuinte.

[...]

A falta de acesso à informação cria condições propícias a um ambiente de corrupção e favorece a insegurança jurídica, afetando investidores e inibindo o desenvolvimento nacional.

[...]

O controle que os cidadãos passam a ter sobre o Estado, em todas as suas divisões, Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, será um dos mecanismos mais eficientes de valorização da soberania popular, considerando o histórico do Brasil republicano.

Em síntese, a lei[6] estipula que qualquer pessoa, física ou jurídica, independentemente de justificativa para solicitação das informações, poderá requisitá-las por meios legítimos, ou seja, através de e-mail, fax, telefonema, carta e até mesmo pessoalmente, desde que no pedido conste a identificação do requerente e a informação almejada.

Estão sujeitos às regras os órgãos públicos dos três poderes, englobando os três níveis de governo, federal, estadual e municipal, seja administração pública direta ou indireta. Os Tribunais de Contas e o Ministério Público também foram compreendidos nesse rol, assim como as entidades privadas sem fins lucrativos que recebam recursos públicos diretamente ou por meio de subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes e outros instrumentos. Estas, contudo, prestarão apenas informações que tiverem relação ao vínculo com o poder público.

Na prática, para implantação dos ideais, a lei determina que sejam criados centros de atendimento, denominados SICs (Serviços de Informações as Cidadão), dentro de cada órgão público, com o intuito de atender e orientar os indivíduos quanto ao acesso a informações de interesse coletivo, como dados referentes aos gastos públicos, processos licitatórios e tramitação de documentos, dentre outros.

Criou-se a obrigatoriedade, aos órgãos públicos, de criação de sites na internet para que divulguem, em linguagem clara e objetiva, informações referentes à administração, devendo conter nas páginas ao menos o registro das competências e estrutura organizacional, bem como os endereços, telefones e horários de atendimento das unidades de apoio popular. Devem também ser publicados os registros de todos os repasses ou transferência de recursos financeiros, compreendendo os dados relativos aos certames licitatórios, seus editais e resultados. Há, ainda, exigência para que fiquem expostos na internet os dados necessários para o acompanhamento dos programas, ações, projetos e obras realizadas pelo governo, devendo estar disponíveis as respostas às perguntas mais frequentes da sociedade.

São desobrigados a cumprir as estipulações acerca da publicação das informações operacionais na internet apenas os municípios com menos de 10 mil habitantes. Porém, ainda assim, esses órgãos estão obrigados a prestar os informes sempre que solicitado.

A resposta ao requerimento deve ser apresentada imediatamente caso haja viabilidade ou dentro do prazo de 20 dias, prorrogáveis por mais 10 dias, mediante justificativa para o adiamento.

Poderá haver negativa de acesso total ou parcial a determinada informação pretendida. Para tanto o órgão público deverá se manifestar por escrito quanto aos motivos da negativa, comunicando ao cidadão da possibilidade de recorrer, indicando prazos, condições e autoridade a quem deverá ser dirigido o respectivo recurso.

O referido remédio contra a negativa de acesso deverá ser proposto em, no máximo, 10 dias do recebimento da negativa. Em regra, será ele encaminhado à autoridade imediatamente superior àquela que proferiu decisão restritiva. Essa autoridade, por sua vez, terá o prazo de cinco dias para se manifestar quanto ao teor recursal.

Quanto às informações legalmente consideradas passíveis de negativa de acesso, através da classificação como questão de sigilo, cumpre demonstrar o inteiro teor do dispositivo[7] que assim regulamenta:

Art. 23.  São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam: 

I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional; 

II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais; 

III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população; 

IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País; 

V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas; 

VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional; 

VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou 

VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações. 

[...]

No caso de descumprimento das regras impostas o agente público que se negar a fornecer informações, procrastinar o acesso a elas e ainda divulgar dados falsos ou errôneos, de maneira espontânea, comete infração administrativa, devendo ser punido, no mínimo, com suspensão, segundo os critérios da Lei dos Servidores Públicos (Lei 8.112/90). Ademais, poderá esse agente responder processo por improbidade administrativa.

Serão impostas sanções por desobediência das normas às pessoas físicas e entidades privadas que detenham informações em virtude de quaisquer vínculos com o Poder Público. Essas sanções abrangem a advertência, multa, rescisão do vínculo contratual público, suspensão por tempo determinado para participar de licitação e impedimento de contratar com a Administração Pública por até dois anos, além de expedição de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, até posterior reabilitação junto à autoridade sancionadora.

Quando da divulgação de elementos sigilosos sem autorização, seja por agente público ou entidade privada, haverá da mesma forma chance de punição.

Cumpre ressaltar que tal acesso e prestação de informações são gratuitos aos interessados, podendo haver cobrança apenas na hipótese de reprodução de documento pelo órgão, todavia somente poderá ser arrecadado o valor suficiente ao ressarcimento do custo dos serviços e materiais utilizados para o mesmo.

Em suma, diversos são os benefícios introduzidos pela nova regra que, como constatado, irão atingir toda a sociedade, se protraindo no tempo até que uma nova concepção de Estado e soberania popular seja criada através da transmutação do texto legal em prática rotineira nas ações públicas.

A principal mudança trazida pela norma é que a partir de agora a transparência é obrigatória, nos termos da lei. Moralmente falando, essa obrigação sempre existiu, no entanto precisou de materialização para se tentar alcançar a eficiência.

Considerando o tempo levado para regulamentação da norma programática constitucional, 24 anos, não há como esperar que essa lei alcance seus objetivos de forma imediata. Acredita-se que os resultados virão com o tempo, quando os preceitos se tornarem hábitos no cotidiano dos agentes públicos e demais cidadãos.

Ciente de que se tem nas mãos uma poderosa arma para o controle das ações estatais, deve se guardar vigilância e exigir o cumprimento dos preceitos estatuídos na Lei 12.527/11. Para que este instrumento de fortalecimento da democracia se torne eficaz cabe aos membros da sociedade, de forma geral, fiscalizar e reivindicar pelos seus direitos, afim de que sejam cumpridas as ordens pelas autoridades competentes, aplicando-lhes as devidas punições pelo descumprimento.

Os frutos advindos talvez não possam ser constatados por esta geração, contudo ficará marcado na história brasileira esse importante passo para instituição de um Estado justo e transparente, voltado para as concepções de liberdade e igualdade, em que o poder seja exercido pelo povo e para o povo. Um Estado que não seja cingido pela mácula da corrupção e proporcione aos seus concidadãos o orgulho de ser brasileiro.


CONCLUSÃO

Diante do conhecimento obtido acerca do direito fundamental do acesso às informações públicas cumpre reconhecer a sua importância para os cidadãos que, enfim, podem exercer plenamente seus poderes que emanam da soberania popular.

Infere-se, a partir dos argumentos propostos, que a Lei 12.527/11 se mostra como potente mecanismo de renovação e fortificação do regime democrático brasileiro, vez que proporciona uma maior participação da sociedade na vida política do país.

Consciente de que a participação popular ocorre pela prática da cidadania, esta, por ora, se sobrepõe como fator incisivo na conquista do ideal cobiçado pelo legislador quando da criação da norma em questão.

Depreende-se que somente exercendo perfeitamente os desígnios da cidadania poderá se alcançar a consolidação dos demais fundamentos do Estado Democrático de Direito estatuídos na Carta Magna e, a partir daí estabelecer um Estado justo, pacífico e transparente aos olhos de todos os interessados.


REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012.

2 JARDIM, Leidiane Mara Meira. Os pilares do estado democrático de direito em Âmbito Jurídico, Rio Grande, maio de 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8964> Acesso em: 27 mai. 2012.

3 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho. Direito de informação e liberdade de expressão. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

4 FERRAÇO, Ricardo. Para Ferraço, nova norma federal funciona como “vacina contra corrupção”. Jornal do Senado, Brasília, 17 mai. 2012. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/jornal/edicoes/2012/05/17/jornal.pdf#page=3> Acesso em 29 mai. 2012.

5 BONFIGLIOLI, Sílvio. Ponto de Vista: Comissão da Verdade em Jornal Agito Ubatuba, maio de 2012. Disponível em: <http://jornalagitoubatuba.com.br/site/2012/05/comissao-da-verdade/> Acesso em 29 mai. 2012.

6 BRASIL. Lei 12.527 de 18 de novembro de 2011. Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm> Acesso em: 3 jun. 2012.

7 _______. Ibidem.


Notas

[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012.

[2] JARDIM, Leidiane Mara Meira. Os pilares do estado democrático de direito em Âmbito Jurídico, Rio Grande, maio de 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8964> Acesso em: 27 mai. 2012.

[3] CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho. Direito de informação e liberdade de expressão. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. 320 p.

[4] FERRAÇO, Ricardo. Para Ferraço, nova norma federal funciona como “vacina contra corrupção”. Jornal do Senado, Brasília, 17 mai. 2012, p. 3. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/jornal/edicoes/2012/05/17/jornal.pdf#page=3> Acesso em 29 mai. 2012.

[5] Segundo Silvio Bonfiglioli (2012), a Comissão Nacional da Verdade é o nome dado à comissão brasileira que visa investigar violações de direitos humanos ocorridos entre os anos de 1946 a 1988 no Brasil. Também deverão identificar os locais, estruturas, instituições e circunstâncias relacionadas à pratica de violações de direitos humanos e também eventuais ramificações na sociedade e nos aparelhos estatais.

[6] BRASIL. Lei 12.527 de 18 de novembro de 2011. Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm> Acesso em: 3 jun. 2012.

[7] Id ibidem.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Érica de Lourdes. A lei de acesso à informação como instrumento de fortalecimento da democracia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3872, 6 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26595. Acesso em: 17 abr. 2024.