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Cooperativas de mão de obra.

O interesse público e a dupla importância dessas sociedades

Cooperativas de mão de obra. O interesse público e a dupla importância dessas sociedades

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O presente artigo tem como objeto as sociedades cooperativas com ênfase nas de trabalho, e como objetivo identificar as características, desafios e benesses dessas corporações. Baseia-se na problematização do dever do Estado em estimular o cooperativismo.

INTRODUÇÃO

Por natureza, o ser humano é social e político1, buscando, continuamente, a união com outros indivíduos para conseguir executar algumas tarefas. Nesse contexto está inserida a figura da pessoa jurídica que, antes de jurídica, é, sobretudo, fruto da vontade do homem social, existindo então por causa deste e para este. Pela necessidade da união entre dois ou mais indivíduos para a realização de um determinado anseio ou projeto, surge a chamada pessoa jurídica.

Dentre as formas pelas quais os individuos podem se associar, existe a figura da sociedade cooperativa, a qual possui atributos jurídicos pertencentes às pessoas jurídicas. Além disso, apresenta determinadas características, como não poderia deixar de ser, inerentes à finalidade própria dessas sociedades que são formadas por motivos bem específicos, bem como têm exigências diferenciadas para sua manutenção.

De início, pode ser destacado que as sociedades cooperativas consistem na união de pessoas naturais, sem fins lucrativos, "de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados", conforme conceitua a Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, a qual "define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências".

Acontece que, como tudo nas ciências, existe um tratamento (ou ciência) atual dado a determinado conhecimento (ou instituto) e outro que melhor trataria o assunto diante das necessidades mais emergentes da sociedade, principalmente no ramo da economia, em que há um dinamismo intenso2. Nessa esteira, o regime jurídico brasileiro para o sistema cooperativista não atende à demanda econômica e social que as cooperativas precisam e têm a proporcionar.

A partir dessa problematização, se desenvolverá o presente artigo, sendo analisadas as sociedades cooperativas com ênfase nas espécies trabalhistas. Dessa forma, será estudado como elas são vistas hoje pelas leis e pelas políticas públicas, bem como identificados os pontos em que essa relação seria mais benéfica no caso de se dar outro tratamento.

Sabe-se que o Direito é a ciência humana que objetiva a promoção e a manutenção da paz social. Assim, se faz relevante a reflexão sobre a necessidade de voltar a atenção ao papel do Direito na prevenção de danos sociais, uma vez que se faz notável a superior velocidade dos acontecimentos em face do desenvolvimento científico, especialmente na área jurídica.

Em que pese ser utópico achar que a ciência consiga antever todos os problemas e necessidades do homem, é, ao mesmo tempo, frustrante não vislumbrar a distância entre os problemas e a resolução deles na sociedade em que se vive. O direito se vê, na maior parte do tempo, usando suas forças para desfazer injustiças pontuais no lugar de evitá-las.

Nota-se que os sujeitos sociais buscam, a todo tempo, encontrarem meios de resolverem questões cotidianas, como é o caso das sociedades. Todavia, esse desprendimento de esforços deve ser tratado da melhor forma possível pelo estado para que não haja prejuízos, tampouco limites que tornem a atividade humana sem sentido. Neste ponto, vale questionar: qual o papel do Direito e do estado na possibilitação/facilitação dos empreendimentos individuais na busca por uma vida melhor ou mais pacífica em sociedade?

Diante desse questionamento, o presente estudo tentará observar qual o limite da relação público/privado nesse contexto, e quais são as dificuldades, internas e externas, encontradas pelas sociedades cooperativas para sua formação, manutenção, alcance de seus objetivos e promoção do bem estar dos indivíduos.

Além disso, será referenciado o papel do estado e do direito para a resolução dos óbices encontrados por essas sociedades e até que ponto essas pessoas jurídicas, ou a vontade de grupos civis, merecem maior atenção e intervenção estatal. Nessa senda, propõe-se, ainda, analisar a comunicação entre a iniciativa privada e aquele objetivo fundamental da República do Brasil (portanto público) que almeja: "construir uma sociedade livre, justa e solidária" (art. 3º, I, da Constituição Federal).

Destaca-se o pensamento de Sennett apud Oliveira (2006) em obra erigida sobre as sociedades cooperativas e a cultura solidária, na qual é exposto que, à medida em que a sociedade se submete a normas de forma automatizada, sem uma consciência crítica dessas normas e sem uma participação mais direta, há uma degradação dessa sociedade. Ela se torna passiva e permissiva conquanto haja prejuízo a si e a seus indivíduos.

O tema abordado é relevante por suas fortes ligações com outros assuntos de grande importância, a exemplo da teoria anti-capitalista de Karl Marx3, da cultura solidária, da democracia, do bem estar social e da economia solidária4.

Ressalta-se que a OIT redigiu duas recomendações sobre o cooperativismo, a saber: Recomendações 127 e 193 / OIT. Além disso, tem destaque o tema na sociedade brasileira a partir da recente promulgação de diplomas legais e jurisprudências que vão de econtro àquelas recomendações e ao comando constitucional do art. 174, § 2º da Constituição Federal.

O método que se propõe no estudo das questões apresentadas é o da pesquisa bibliográfica na literatura do Direito Civil, Direito do Trabalho, Direito Constitucional, artigos científicos relacionados ao tema, além de sítios da internet e de títulos que falam sobre solidariedade, com ênfase na área econômica.


2 – ABORDAGEM PROPEDÊUTICA NORMATIVA E CONCEITUAL SOBRE AS COOPERATIVAS

Prima facie, as sociedades cooperativas são regidas principalmente pela Lei 5.764/71, que se trata de norma especial sobre a matéria, e pelo Código Civil de 2002, que é posterior à Lei 5.764. O Código Substantivo diz em seu artigo 1.093 que "A sociedade cooperativa reger-se-á pelo disposto no presente Capítulo, ressalvada a legislação especial". Assim, existem duas principais fontes jurídicas sobre as sociedades cooperativas.

A sociedade cooperativa se enquadra no grupo de pessoa jurídica conhecido como corporações. Nas palavras de Farias & Rosenvald (2010, p. 329), "as corporações são compostas por um grupamento de pessoas, ligadas por um sentimento comum (affectio societatis)".

Tais sociedades são formadas pelo conjunto de pessoas (e não por um patrimônio), que podem ser jurídicas também (é o que se depreende do art. 6º, II e III, e do art. 29, parágrafos 2º e 3º, da Lei 5.764/71), as quais, visualizando um objetivo, uma vontade em comum, se reúnem para executarem essa ideia de maneira mais fácil e prazerosa.

Conforme Farias & Rosenvald (2010, p. 329/330), as sociedades podem ser:

"simples – quando exercerem atividades econômica (sic), visando ao lucro, porém o seu objeto não disser respeito a uma atividade típica de empresário (CC, arts. 997 a 1038) -, ou assumir feição de sociedade empresarial – quando tender ao exercício de atividade mercantil, relacionada com atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens e serviços (CC, arts. 966 e 982)".

Todavia, as cooperativas são tratadas juridicamente sempre como sociedades não empresariais por expressa normatização dada pelo art. 982, parágrafo único do Código Civil.

Nesse ponto, vale destacar o texto da Lei 5.764 sobre o conceito de cooperativa. O art. 3º diz que "Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro" (grifo nosso), e o art. 4º da mesma leicomplementa: "As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados".

Interessante se faz a observação das expressões "atividade econômica" e "sem objetivo de lucro". É importante entender e distinguir tais termos: a atividade econômica propriamente dita, que é característica das sociedades e extrínseca às associações, está ligada à circulação de bens e serviços escassos, em termos econômicos.

A Lei 5.764/71, quando diz "lucro", expressa uma ideia de ágio, mais-valia ou aumento de capital da cooperativa em função de sua atividade econômica, e não de resultados, ou otimização de processos econômicos do cooperado que lhe proporcione uma melhora no saldo resultante da diferença entre ganhos e perdas, devida justamente à união dos esforços dos sócios. Neste patamar considera-se a acepção da palavra "resultados", a qual aparece no CC, art. 981: "Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados" (grifo nosso).

Acontece que as cooperativas existem em função dos cooperados e não de si mesma ou de um capital social. Além disso elas existem para a consecução de uma atividade econômica.

Sendo assim, a pessoa física ao conceber sua vontade de criar ou ingressar em uma cooperativa, é para melhorar alguma atividade econômica relacionada a ela, podendo essa atividade ser uma dentre as inúmeras necessidades econômicas humanas: habitação, consumo, trabalho, crédito, dentre outras.

Portanto esse indivíduo não espera outra coisa senão uma diminuição dos seus prejuízos ou melhor aproveitamento de seus recursos, o que não deixa de ser lucro (vantagem, benefeciamento) de certa forma, mas para o sócio cooperado e não para a cooperativa.

Em síntese, sobre o tema ora em apreço, a pessoa física potencialmente já iria exercer sua atividade econômica sozinha independentemente da existência da cooperativa, obtendo eventualmente lucros e prejuízos. Todavia, a figura da corporação cooperativa surge, não para ela mesma assumir as atividades de seu membro, mas para auxiliá-lo.

Não há de se falar em associação, uma vez que, pelo art. 53 do Código Civil, as associações têm fins não econômicos.

Vale ainda lembrar que, de acorodo com a Constituição Federal de 1988, "a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento" (art. 5º, inciso XVIII); "A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo" (art. 174, parágrafo 2º); além de serem afirmados, como objetivos da República Federativa do Braisl, dentre outros: "construir uma sociedade livre, justa e solidária" (art. 3º, inciso I) e "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3º, inciso III).

Ressalta-se que, pelas características próprias e especiais das cooperativas, há uma gama de juristas que defendem a existência de um ramo na ciência do Direito dedicado ao tema: o Direito Cooperativo. É o caso da jurisperita Andrighi (2003, p. 03), que aduz:

"O fato de se apresentarem como uma nova categoria de sociedade, que ensejou novos tipos de relações jurídicas com seus associados e com terceiros e, principalmente, sua atuação e operacionalidade distinta das sociedades tanto civis como comerciais, com objetivos singulares e características próprias, fez entender que as regras destinadas a reger as cooperativas não se enquadravam quer no campo do Direito Civil, quer no campo de Direito Comercial, Social ou Administrativo, fazendo surgir um novo ramo, qual seja, o do Direito Cooperativo".


3 – CARACTERÍSTICAS DAS SOCIEDADES COOPERATIVAS

As sociedades cooperativas são regidas por princípios próprios e de forte conteúdo axiológico que as diferenciam dos demais sistemas jurídicos. Atente-se para a doutrina de Andrighi (2003, p. 05):

Todavia, não obstante tratarem-se as sociedades cooperativas de entidades sui generis, receberam tratamento legal de natureza civil, de acordo com a Lei 5.764/71, ficando, pois, subordinadas às normas do Código Civil.

Tal eqüipolência, contudo, restringe-se a pontos prefixados da Lei, que, ademais, é contundente ao gizar as dissensões do sistema cooperativo em face das demais espécies de sociedades existentes na conjuntura atual. Cite-se, como elementos caracterizadores de referida distinção, o estatuído nos incisos do art. 4º da Lei das Sociedades Cooperativas, os quais delineiam um sistema concretamente autônomo e independente.

O art. 4º da lei supracitada trata exatamente das características próprias das cooperativas, que também são conhecidas como princípios do cooperativismo, inspirados naquilo que foi definido quando do surgimento da primeira cooperativa: a de Rochdale, em 1844. Merecem destaque: a) adesão livre; b) gestão democrática; c) distribuição das sobras líquidas; d) retomo proporcional às operações. e) taxa limitada de juros sobre o capital social; f) constituição de um fundo de educação para os cooperados e do público em geral; g) ativa cooperação entre os cooperativistas.

Na Recomendação 193 da OIT, estão ainda previstos os seguintes princípios: a) associação voluntária e acessível; b) controle democrático pelo associado; c) participação econômica do associado; e) autonomia e independência; f) educação, formação e informação; g) cooperação entre cooperativas e interesse pela comunidade. (grifo nosso).

Os princípos grifados comumente são deixados em segundo plano, em que pese a sua igual importância em relação aos outros, uma vez que é inviável a manutenção das cooperativas se não houver nas pessoas esse espírito cooperativista e as informações necessárias para participar de atividades econômicas em meio a uma competitividade acirrada que o capitalismo provoca.

Como elementos próprios de uma cooperativa, têm destaque os atos cooperativos, que são aqueles atos próprios de uma cooperativa e de seus associados (art. 74, da Lei 5.764/71) e que recebem tratamento tributário diferenciado (art. 146, III, c, CF).

São exemplos de atos cooperativos, dentre outros:

"a entrega de produtos dos associados à cooperativa, para comercialização, bem como o repasse efetuados pela cooperativa a eles, decorrentes dessa comercialização, nas cooperativas de produção agropecuárias; o fornecimento de bens e mercadorias a associados, desde que vinculadas à atividade econômica do associado e que sejam objeto da cooperativa nas cooperativas de produção agropecuárias; as operações de beneficiamento, armazenamento e industrialização de produto do associado nas cooperativas de produção agropecuárias". (RECEITA FEDERAL, 2010,p. 09).

Percebe-se que esses atos têm natureza própria ligada ao sistema cooperativista, não sendo, a princípio, regidos por regras de outros ramos do Direito, como o cilvil, tributário, ou trabalhista.


4 – ABORDAGEM SÓCIO-CULTURAL

Há unanimidade entre os especialistas de diversas áreas acerca da importância das sociedades cooperativas no contexto econômico, cultural e democrático: elas podem funcionar como um poderoso instrumento de diminuição de desigualdades, de interação humana, participação ativa das pessoas nas decisões políticas, e de solidariedade, sem mencionar outros.

Dessa forma, percebe-se a amplitude da importância das cooperativas não apenas sob a ótica econômica.

Aliás é assim que entende a OIT ao dar o conceito de cooperativa:

"associação autônoma de pessoas que se unem voluntariamente para atender a suas necessidades e aspirações comuns, econômicas, sociais e culturais, por meio de empreendimento de propriedade comum e de gestão democrática" (Recomendação 193 OIT, 3 de junho de 2002). (grifo nosso).

Especificamente sobre as cooperativas de trabalho, fica ainda mais evidente a poderosa utilidade dessas sociedades para combater o capitalismo, haja vista a união de profissionais, detentores dos meios de produção ou não, possibilitar uma oportunidade de melhor aproveitamento de seus esforços, de seu trabalho5, sem que isso se torne, por si só, fonte de renda para terceiros, como acontece na mais-valia que rende ao capitalista, conforme Marx (1996, p. 331):

"O segundo período do processo de trabalho, em que o trabalhador labuta além dos limites do trabalho necessário, embora lhe custe trabalho, dispêndio de força de trabalho, não cria para ele nenhum valor. Ela gera a mais-valia, que sorri ao capitalista com todo o encanto de uma criação do nada. Essa parte da jornada de trabalho chamo de tempo de trabalho excedente, e o trabalho despendido nela: mais-trabalho (surplus labour)". (grifo nosso).

Para visualizar a força que representa essa união, basta imaginar esse cenário ad infinitum, ou seja, imagine-se uma sociedade reunida de determinada classe que abranja simplesmente todos os seus profissionais, presentes e futuros. Essa é uma situação em que os capitalistas detentores dos meios de produção não estariam muito aptos a obter mais-valia da forma gananciosa que lhes é comum6.

Aliás, esse era um anseio de Marx (1996, p. 414):

"Como “proteção” contra a serpente de seus martírios, os trabalhadores têm de reunir suas cabeças e como classe conquistar uma lei estatal, uma barreira social intransponível, que os impeça a si mesmos de venderem a si e à sua descendência, por meio de contrato voluntário com o capital, à noite e à escravidão!"

É dizer, faz parte da natureza e da razão de ser das cooperativas os valores solidários, democráticos, humanos e de justiça, conforme está implícito na seguinte conceituação:

"são cooperativas de trabalho as organizações formadas por pessoas físicas, trabalhadores autônomos ou eventuais, de uma ou mais classes de profissão, reunidos para o exercício profissional em comum, com a finalidade de melhorar a condição econômica e as condições gerais de trabalho dos seus associados, em regime de auto-gestão democrática e de livre adesão, os quais, dispensando a intervenção de um patrão ou empresário, propõem-se a contratar e a executar obras, tarefas, trabalhos ou serviços públicos ou particulares, coletivamente por todos ou por grupo de alguns". (MAUAD apud PEREIRA, 2006, p. 122). (grifo nosso).

Já Martins (2008, p. 73), observa que

"A cooperativa tem fundamento na solidariedade entre as pessoas para a produção de um bem ou serviço para o mercado. Há uma comunhão de interesses. A reunião de esforços de todos os associados possibilita alcançar o fim comum almejado, que é o objeto da cooperativa. A ajuda mútua das pessoas leva ao fim por elas desejado. A solidariedade entre as pessoas na cooperativa não deixa de ser uma forma da aplicação de um dos objetivos da República Federativa do Brasil, que é construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3", I, da Constituição)"

Sendo ainda mais visionário: "Deve ser desenvolvida a educação, de forma que seja permitido que as pessoas adquiram os conhecimentos indispensáveis para a prática do cooperativismo". (MARTINS, 2008, p. 73).

Portanto, nessas sociedades, substitui-se a prática comum do domínio do mais fraco pelo mais forte, pois no modelo capitalista,

"o trabalhador sai do processo de produção diferente do que nele entrou. No mercado ele, como possuidor da mercadoria “força de trabalho”, se defrontou com outros possuidores de mercadorias, possuidor de mercadoria diante de possuidores de mercadorias. O contrato pelo qual ele vendeu sua força de trabalho ao capitalista comprovou, por assim dizer, preto no branco, que ele dispõe livremente de si mesmo. Depois de concluído o negócio, descobre-se que ele não era “nenhum agente livre”, de que o tempo de que dispõe para vender sua força de trabalho é o tempo em que é forçado a vendê-la, de que, em verdade, seu explorador não o deixa, 'enquanto houver ainda um músculo, um tendão, uma gota de sangue para explorar'". (MARX, 1996, p. 414).

Vê-se o importante papel que têm essas formas de economia solidária, que são as cooperativas, sobretudo no cenário em que se encontra a economia hoje. O que ocorre é o que se chama de precarização do trabalho: Segundo Singer (2004, p. 01),

"o emprego assalariado se tornou raro, a demanda por força de trabalho ficou muito abaixo da oferta. Para o trabalhador ficou muito caro recusar trabalho só porque não estava protegido de acordo com a lei. Com a cumplicidade dos trabalhadores desempregados, a precarização tornou-se ubíqua apesar dos esforços da fiscalização, da procuradoria e magistratura do trabalho. Ela assume inúmeras formas, uma das quais é a falsa cooperativa do trabalho.

Acabar com ela (se isso fosse possível) certamente não acabaria com a precarização, ela apenas assumiria outras formas, possivelmente mais insidiosas".

Estendendo-se no entendimento de Martins (2008, p. 83), em relação às cooperativas:

"São vantagens sociais: abolição do trabalho assalariado, justa divisão de rendimentos, participação dos trabalhadores na gestão, desaparecimento de luta de classes.

Sob o ponto de vista econômico, a utilização das cooperativas implica o desaparecimento do conflito entre o capital e o trabalho, abolição do lucro, operação em maior escala, redução de custos, conquista de novos mercados, diversificação, distribuição de sobras, venda a justo preço, democracia econômica[...]"

Além disso, conforme Oliveira (2006), a cooperativa é um ambiente potencializador para as interações pessoais em prol do desenvolvimento humano dos associados e da comunidade. Isso tem um valor imensurável, pois consiste na "construção" de uma cultura em conjunto, de "dentro para fora", portanto forte e capaz de gerar benefícios para nos mais variados aspectos das vidas dessas pessoas.

Tratam-se, pois, as cooperativas, de alavancadores dos valores humanos. Possibilitando de forma concreta e robusta a sedimentação de tais valores por meio de uma vivência em conjunto por seus associados, ao tomarem decisões por si mesmos, interagindo e contribuindo para o desenvolvimento da comunidade em que vivem.

Enfim, tais corporações são interessantes tanto para a economia de uma sociedade, promovendo uma independência dos trabalhadores e diminuindo a desigualdade social, bem como são benéficas às pessoas humanamente consideradas. Portanto, deve o governo dar ampla atenção e defesa ao cooperativismo.


5 – COOPERATIVAS DE TRABALHO

Para Martins (2008, p. 36), as cooperativas de trabalho têm o seguinte conceito: "A denominação cooperativas de trabalho engloba as cooperativas de produção ou serviço e as de mão-de-obra", "as cooperativas de trabalho têm por objetivo conseguir trabalho para os associados" (MARTINS, 2008, p. 50). (grifo nosso).

Grifa-se o termo trabalho para destacar que não se trata de emprego, quer dizer, a cooperativa de trabalho presta serviço aos seus associados simplesmente buscando serviços para eles prestarem a um tomador, e não vínculos empregatícios, como faria uma agenciadora de empregos, ou uma empresa de trabalho temporário.

Nessa esteira, o parágrafo único do art. 442 da CLT já dispõe desde 1994 que não existe vínculo empregatício entre a sociedade cooperativa e seus associados, nem entre esses e os tomadores de serviço daquelas; além dos parágrafos 4º e 5º do art. 30 da Lei 8.212/91 enquadrarem o sócio de cooperativa como contribuinte individual, e não como empregado.

Entretanto, essa preocupação do legislador em inspirar confiança nos negócios entre as cooperativas e outras pessoas ou sociedades - deixando claro a separação existente entre cooperado, cooperativa e tomador de serviço, além de indiretamente estimular o cooperativismo - foi tornada sem efeito por alguns atos estatais que acabaram por desistimular o cooperativismo, como será visto item 8, "REFORMA JURÍDICA", do presente estudo.

Já em relação às cooperativas de produção, conforme Martins (2008), são aquelas nas quais se associam pessoas que já possuem os meios de produção para a fabricação de bens materiais a fim prestarem serviços aos associados pela busca de contratantes que queiram comprar esses produtos.

Portanto, as cooperativas de mão-de-obra prestam serviço aos seus associados no sentido de buscarem tomadores que tenham interesse em contratar a força de trabalho dos cooperativados, enquanto as cooperativas de produção buscam interessados em contratarem os cooperativados para fabricarem bens materiais a partir de equipamentos da cooperativa, o que leva a entender que no primeiro caso se trata da venda de um bem imaterial, e no segundo de produtos corpóreos.

Conforme Martins (2008), existe ainda distinção entre cooperativa de trabalho e cooperativa de mão-de-obra no que concerne ao tipo contratação que os associados fazem com o tomador: a primeira vende serviços, enquanto a segunda vende a força de trabalho.

Em síntese, as cooperativas de trabalho podem ser divididas conforme o bem que elas vendem, material ou imaterial, sendo chamadas de cooperativas de produção as que detém o meio de fabricação de determinados produtos; de serviços as que são formadas por associados que detém o know how do serviço; e de mão-de-obra as que não possuem os meios de produção e vendem a força de trabalho.

Poderia alguém questionar a incoerência da cooperativa de mão-de-obra dentro do sistema cooperativista, uma vez que aquele tipo de cooperativa de fato não dispensa a figura do capitalista. Todavia tal cooperativa elimina a empresa intermediária de trabalho temporário.

Ainda conforme Pereira (2006, p. 119),

"a cooperativa de mão-de-obra não está desvinculada do espírito que informa o cooperativismo, porquanto opera vendendo serviços na qualidade de mandatária de seus cooperados e estes que executam as tarefas o fazem em nome daquela, numa espécie do gênero trabalho autônomo".

Nesse ponto, vale ressaltar a diferença entre cooperativa de trabalho e empresa de trabalho temporário. Essa visa ao lucro. Dessa forma, existe uma fator preponderante para a distinção: o ganho sobre o trabalho exercido pelo operário.

Isso provoca calafrios aos seguidores de Karl Marx, pois se trata da mais-valia sobre a mais-valia, ou seja, além do lucro que o operário dá ao tomador de serviço por meio de seu suor, ele ainda é fonte de lucro para a empresa intermediadora.

Distingue-se ainda a cooperativa de trabalho dos sindicatos, pois estes têm como objetivo a defesa de interesses trabalhistas. Quanto a distinção entre cooperativa e associação, isso já foi explanado no item 2 do presente artigo.

Existe hodiernamente um embate acerca das cooperativas de trabalho, sobretudo no âmbito político-legislativo. É que a legislação brasileira, por ser, aquela cooperativa, uma espécie do gênero sociedade cooperativa e pela natureza jurídica prórpria e definida dessas, trata os cooperados da cooperativa de trabalho como qualquer outro cooperado, ou seja, sem levar em consideração eventuais direitos sociais (trabalhistas) que possam dizer respeito às cooperativas de trabalho.

Dessa forma, o associado de uma cooperativa de trabalho não tem os direitos sociais conquistados à muita luta pela classe dos empregados e trabalhadores avulsos. O que é uma discrepância, haja vista serem as cooperativas de trabalho uma resposta das pessoas aos problemas de emprego, mais-valia, condições de trabalho, ou baixos salários. Tratam-se, pois, de indivíduos que não encontram emprego satisfatório, ou que fugiram de subempregos, e procuram uma alternativa se unindo a outros, e que acabam por perder importantes direitos como FGTS, férias, dentre outros.

Nessa linha, são desvantagens do sistema cooperativista:

"1. perda da carteira assinada e dos direitos de empregado;

2. podem existir fraudes que visam prejudicar os direitos dos trabalhadores;

3. muitas vezes, o trabalhador entra na cooperativa pensando que terá os mesmos direitos que um empregado". (MARTINS, 2008, p. 83).

Vê-se aqui, na verdade, um desistímulo ao cooperativismo que deve ser urgentemente resolvido conforme ordem constitucional do parágrafo 2º, art. 174.

Na opinião de Singer (2004, p. 02), "é preciso garantir ao trabalhador cooperador os direitos humanos do trabalho, que devem ser tão irrenunciáveis para ele quanto para o assalariado".

Isso reforça a ideia de existir um ramo específico no meio jurídico para tratar das cooperativas, o Direito Cooperativo, o qual poderia dar um melhor tratamento ao cooperativismo, inclusive em casos difíceis como esse das cooperativas de trabalho, entendendo-lhes não como uma sociedade civil qualquer, mas respeitando a forte essência social que elas têm.

Reforça-se, ainda, o interesse público que existe nesse sistema que é o cooperativismo.


6 – AS RECOMENDAÇÕES DA OIT

As Recomendações 127 e 193 da OIT tratam sobre as cooperativas (países em desenvolvimento) e a promoção das cooperativas, respectivamente. A primeira é de 1966, da qual se destaca:

"II. Objetivos de una Política sobre Cooperativas

2. En los países en vías de desarrollo, el establecimiento y la expansión de las cooperativas deberían ser considerados como uno de los factores importantes del desarrollo económico, social y cultural, así como de la promoción humana.

3. En particular, deberían establecerse y desarrollarse cooperativas como un medio para:

a) mejorar la situación económica, social y cultural de las personas con recursos y posibilidades limitados, así como fomentar su espíritu de iniciativa;

b) incrementar los recursos personales y el capital nacional mediante el estímulo del ahorro, la supresión de la usura y la sana utilización del crédito;

c) contribuir a la economía con un elemento más amplio de control democrático de la actividad económica y de distribución equitativa de excedentes; [...]"

Percebe-se evidentemente que as cooperativas são mundialmente consideradas como um eficiente meio de desenvolvimento econômico e humano nas mãos de um governo, sendo hábil para melhorar os mais variados fatores nas vidas das pessoas.

Em outro ponto da recomendação é aduzido:

"4. Los gobiernos de los países en vías de desarrollo deberían elaborar y poner en práctica una política bajo la cual las cooperativas reciban, sin que su independencia se vea afectada, ayuda y estímulo económico, financiero, técnico, legislativo y de otro carácter."

Aqui, a OIT deixa claro que o cooperativismo é de interesse público e, portanto, não pode o estado ficar omisso ou deixar o assunto em segundo plano na elaboração de suas políticas.

Em outros pontos da recomendação supra citada, a OIT sugere amplamente a atuação ativa do estado, quer dizer, que esse, sem interferir na autonomia das sociedades cooperativas, intervenha de maneira a ajudar, ou facilitar, a atividade dessas, não deixando-as sozinhas sob o argumento de impossibilidade de intervenção7.

Outra parte muito importante na Recomendação 127 da OIT é a que fala da educação e formação sobre o cooperativismo:

B. Educación y Formación

14. Se deberían tomar medidas para difundir, lo más ampliamente posible, el conocimiento de los principios, métodos, posibilidades y limitaciones de las cooperativas entre las poblaciones de los países en vías de desarrollo.

15. Se debería dar una enseñanza apropiada, no solamente en escuelas y colegios cooperativos y otros centros especializados, sino también en instituciones educativas, tales como:

a) universidades y establecimientos de enseñanza superior;

b) escuelas para personal docente;

c) escuelas de agricultura y otros establecimientos de formación profesional, así como centros de educación obrera;

d) establecimientos de segunda enseñanza;

e) establecimientos de primera enseñanza.

[...]16. 1) Deberían estimularse la creación y el funcionamiento de cooperativas de estudiantes en escuelas y colegios, a fin de proporcionar a los alumnos una experiencia práctica en los principios y métodos de la cooperación.[...]".

É clara a importância dada à divulgação irrestrita sobre o cooperativismo - o que incotestavelmente está longe de acontecer na prática no Brasil, tornando ainda mais difícil a manutenção das cooperativas existentes, uma vez que é imprescindível a consciência solidária e de economia que os cooperados devem ter para resistir às dificuldades que uma cooperativa pode enfrentar – bem como o desenvolvimento de incubadoras para a criação dessas sociedades – algo também raro de se ver8.

A Recomendação 193 do mesmo organismo internacional, a qual data de 2002, já em seu intróito reafirma a importância das sociedades cooperativas para o desenvolvimento amplo e sustentável de uma sociedade, não mais restringindo essa importância aos países em desenvolvimento como o fez na recomendação anterior sobre o mesmo tama.

Considera aquele diploma internacional de 2002, ainda em sua parte introdutória, relevantes fatores, como o princípio contido na Declaração de Filadélfia de que “trabalho não é mercadoria”; o fato de a globalização ter criado novas e diferentes exigências, problemas, desafios e oportunidades para as cooperativas9, e que se impõem modalidades mais sólidas de solidariedade humana em âmbitos nacional e internacional para facilitar uma distribuição mais eqüitativa dos benefícios da globalização; e que as cooperativas, em suas várias formas, promovem a mais plena participação no desenvolvimento econômico e social de todos os povos; dentre outros.

Como foi dito, a OIT reconsiderou, com essa última recomendação, seu entendimento quanto à aplicação que deve ser feita em relação ao desenvolvimento do cooperativismo: "Medidas deveriam ser tomadas para promover o potencial de cooperativas em todos os países, independentemente de seu grau de desenvolvimento". (grifo nosso).

Outra sugestão interessante e nova em relação à Recomendação 127 é a que se refere às organizações de empregadores e trabalhadores, informando a relevância e responsabilidade que esses institutos devem assumir na promoção do cooperativismo.

No mais, aquele organismo internacional reafirma a necessidade de se dar mais empenho ao reconhecimento e adoção pelas políticas públicas para que se permita alcançar os benefícios que o cooperativismo tem a proporcionar, além de substituir a Recomendação 127.


7 – ÓBICES AO ÓTIMO DESENVOLVIMENTO DAS COOPERATIVAS

Muitas são as dificuldades que encontram as sociedades cooperativas. Algumas são de cunho econômico, como a concorrência, a qual é travada com as empresas capitalistas, tanto pelo maior capital que essas têm - o que inspira maior confiança (crédito) perante terceiros e que permite melhores investimentos, tecnologias e preços - como também pela falta de consciência das pessoas em, muitas vezes, não preferirem contratar com as sociedades cooperativas conquanto por um preço maior, mas com um valor social agregado.

Isso denota a necessária intervenção estatal10 no sentido de conceder privilégios financeiros às cooperativas.

Um outro enfrentamento econômico é a própria falta de estímulo estatal. Percebe-se uma política antagônica ao espírito cooperativista quando atividades empresariais são postas em primeiro plano pelo governo - como o microempreendedor individual, que agora está na moda - em detrimento de ações ligadas à economia solidária ou cooperativista.

Para não se deixar o cooperativismo de lado, políticas como essa deveriam ser tomadas em conjunto e harmonia com outras. À guisa de exemplo, no caso citado acima, poderia ser determinado que as cooperativas estariam isentas de impostos ao contratar empreendedores.

Existem ainda desafios culturais à implementação do cooperativismo, principalmente no que diz respeito ao próprio comportamento humano. É que para a implementação de uma sociedade cooperativa é essencial um comportamento não concorrente11, com o qual as pessoas geralmente não foram educadas e tampouco estão acostumadas.

Na opinião de Oliveira (2006), o que sustenta a cooperativa (a sua alma) é a sensação de confiança e mútua dependência, da pluralidade, alteridade, união de esforços com respeito às divergencias afastando a reiteração de discriminações ou privilégios iníquos. Para ele, há uma dificuldade de conduzir tais valores, uma vez que há contradições, naturalmente humanas, aos princípios do cooperativismo, e afirma: "Não é nada fácil assimilar e rapidamente incorporar novas formas de pensar e de agir, colocando-as em prática, de modo a sempre levar em consideração o outro, a cada instante da vida". (OLIVEIRA, 2006, p. 21).

Por isso mesmo, o autor supracitado ainda defende ser fundamental o treinamento12 dos associados antes de serem admitidos na cooperativa, para que aprendam conceitos sociais, econômicos, empresariais e jurídicos, ressaltando que a "orientação solidaria é desconhecida da quase totalidade dos que almejam se tornar futuros cooperantes. Não foi nesta direção que as orientações predominantes em nossas vidas nos afeiçoaram". (OLIVEIRA, 2006, p. 22). Seguindo o raciocínio, o autor cita uma resposta de entrevista em que a entrevistada cooperante confessa que em sua vida sempre foi educada a competir, dando exemplo das relações familiares, mas que na cooperativa a educação passa a ser diferente, afirmando que é minima, ou perfeitamente administrável (a competição).

Outra característica cultural, no que concerne o comportamento humano e que dificulta ainda mais a sobrevivência dessas sociedades, é a notável aversão política que têm os cidadãos brasileiros. Contudo, o caráter político13 é outro pilar do sistema cooperativista, uma vez que os associados devem entrar em comunhão e resolverem suas questões em conjunto e de forma direta, sem haver privilégios a alguns, tampouco exclusão de qualquer um deles nessa atividade democrática.

Uma forma de resolver esse cenário é reeducando as pessoas que desejam participar ou que já integrem uma cooperativa. Para tanto, apenas exemplificando, poderia o governo divulgar o cooperativismo de forma ampla (não apenas para uma região em potencial ou grupo de trabalhadores), incentivar a iniciativa das pessoas nesse sentido, além de criar uma quantidade maior de incubadoras, e tornar obrigatórias disciplinas que ensinem sobre o cooperativismo nas escolas.

Se não houver esse estímulo "forçado" pela política educacional, fica muito difícil para as cooperativas se desenvolverem. Conforme Andrioli (2004),

"A práxis é o processo em que, a partir da materialidade, a consciência humana reflete a prática e produz uma nova forma de intervenção na realidade, continuando o movimento numa nova abstração da realidade e assim sucessivamente. É isso que conceitualmente foi denominado como Teoria Dialética do Conhecimento. A educação é precisamente o momento teórico de reflexão da prática, embora se converta em prática ao ser desenvolvida. Podemos compreender assim a importância do uso das categorias teóricas para entender uma prática e, conscientemente, transformá-la."

As estatísticas demonstram de fato que o cooperativismo não está se desenvolvendo. É o que confirma o estudo feito pela OCB Sescoop, no qual foram levantados os dados sobre o cooperativismo no Brasil nos últimos anos. Nesse estudo é demonstrado que as cooperativas de trabalho sofreram um decréscimo em sua quantidade de sociedades ativas no Brasil.

Vale frisar que além da significativa queda que tem ocorrido nas cooperativas de trabalho - de 322.735, em 2001, para 260.891, em 2009 (OCB, 2010) - há de ser considerado que muitas dessas sociedades não passam de cooperativas de fachada.

Ocorre ainda um desistímulo provocado pela burocracia que se dá ao tratamento das cooperativas, como se vê, a título de exemplo, na seguinte matéria jornalística:

"Burocracia emperra cooperativismo

Aumento no número de entidades não passará de 3% no ano.

RAQUEL BOCATO

DA REPORTAGEM LOCAL

[...]É o que comprova a Ocesp (Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo). Em 2003, a entidade deu início a um cadastro provisório para acompanhar e orientar o processo de formação das cooperativas. Dos 195 registros emitidos naquele ano, 52 foram cancelados em 2005.

Os dados da entidade mostram que 75% das cooperativas que tiveram o registro cancelado ignoraram exigências legais, como registrar-se na Junta Comercial, promover adequações em livros e atas e encaminhar guias de recolhimento à Previdência Social. As que não fizeram alterações no estatuto social somam 15%. Os 10% restantes não entregaram documentos como ata do conselho e convocação para assembléia.

'As que não foram aprovadas não se interessaram em formar uma cooperativa da forma como deve ser feita. A Ocesp presta assessoria, ministra palestras e dá um ano para que elas se ajustem”, esclarece o presidente da organização, Evaristo Machado Netto[...]'." (Publicado em 11 de dezembro de 2005 por Romildo Gouveia Pinto).

Vê-se, pois, que as questões que envolvem as sociedades cooperativas não são apenas econômicas mas alcançam fatores intrínsecos aos valores e qualidade de vida/dignidade humanos, sendo, portanto, um dever do estado a proteção dessas iniciativas privadas.


8 – REFORMA JURÍDICA

Em que pese haver diversas leis modificativas pontuais sobre cooperativas, a legislação sobre o tema é antiga e rara14.

À guisa de exemplificação, existia um banco cujo objetivo era a "assistência e amparo financeiro às cooperativas, mediante a realização de atos e operações peculiares" (art. 2º, da Lei 1.412 de 1951), que se chamava Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC), sendo, todavia, extinto em 1991 e sem a substituição por outro órgão semelhante.

Para demonstrar a falta de leis reguladoras do cooperativismo e a ineficácia das que existem: Singer (2004, p. 01):

"O esforço do Ministério do Trabalho e Emprego de propor uma regulamentação das cooperativas de trabalho tem, ao nosso ver, uma dupla motivação: por um lado reconhecer e conceituar juridicamente as cooperativas de trabalho, lhes possibilitando segurança jurídica, uma vez que a legislação cooperativista em vigor hoje no Brasil, a Lei 5.764 de 1971, não dá conta de regular a realidade das cooperativas de trabalho que crescem e proliferam a partir dos anos 80 do século XX".

Sobre essa problematização, o princípio que deve servir de base é aquele insculpido no já referido art. 174 da Constituição Federal. Trata-se de uma norma de caráter programático, o que leva os agentes políticos, erroneamente, a ficarem inertes ou até mesmo a negarem um dever do estado em alguns casos.

Percebe-se aqui, assim como inúmeras outras, que se trata de norma constitucional sem muito efeito, infelizmente, a contra gosto da vontade constitucional originária.

Mais uma vez, a inércia do estado, amaparada numa norma programática e entendendo haver uma falta de dever ou falta de importância do tema, prejudica o desenvolvimento econômico e social.

De fato, ocorre um problema estrutural. Como abordado no item anterior, as cooperativas se deparam com uma gama de dificuldades evitáveis. Além da da falta de leis e do pouco apoio do Poder Executivo, para as cooperativas que já existem e estão ativas, há também dificuldade perante o Poder Judiciário.

Quer dizer, uma corporação cooperativa luta para nascer, para se manter, e quando, ao se deparar com uma violação aos seus direitos (ou dificuldade no reconhecimento desses), precisa da sanção judiciária, essa, assim como fazem as outras funções estatais, por vezes se omite:

ADMINSTRATIVO. LICITAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SUPORTE OPERACIONAL E APOIO ADMINISTRATIVO. EDITAL QUE IMPEDE A PARTICIPAÇÃO DE SOCIEDADES COOPERATIVAS. ÓBICE QUE ATENDE AO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA FIRMADO ENTRE A UNIÃO FEDERAL E O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO HOMOLOGADO PELA JUSTIÇA OBREIRA. OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA PELAS ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL. PRECEDENTE DO TCU.

1. São válidas disposições editalícias que impedem a participação de sociedades cooperativas em licitações que têm por objeto a contratação de empresa para prestação de serviços, eis que os cooperados são autônomos, sem vínculo empregatício com a entidade a que integram (CLT, art. 442).

2. A referidas disposições atendem ao Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre a União Federal e o Ministério Público do Trabalho nos autos da ação civil pública nº 15001044/01, homologado pelo Juízo da 20ª Vara do Trabalho de Brasília, no qual restou vedada a contratação de cooperativas de mão-de-obra para atividades que demandem a prestação de trabalho subordinado.

3. O Tribunal de Contas da União firmou entendimento de que a referida conciliação judicial é de observância obrigatória pelas entidades da Administração Federal (Acórdão 1815/2003 - Plenário, tomado nos autos do processo 016.860/2002-2, publicado no DOU de 09/12/2003). 4. Agravo de instrumento improvido.

(TRF1. Processo AG 41743 DF 2002.01.00.041743-7; Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA; Julgamento 31/08/2005; Órgão Julgador: QUINTA TURMA; Publicação: 21/09/2005 DJ p.38).15

O que se vê é que um ente estatal fez uma espécie de acordo com outro ente também do estado, portanto um acordo de alguém com si mesmo em última análise, e o que consiste num documento que cria um dever, o qual tem influência sobre terceiros em todo o território nacional. Isso, que arremeda uma lei, no mínimo um ato normativo em sentido lato, acabou por servir em inúmeras ocasiões como fundamento para o Poder Judiciário (o mesmo estado) em decidir sobre a questão contra os autores (particulares/cooperativas).

Ocorre uma decisão do estado baseada em um termo de conduta, em que pese não haver previsão legal no sentido do que foi acordado, contrária a preceito constitucional, a saber, o do art. 174, parágrafo 2º, tomada por dois entes representados por agentes não eleitos, e que suprimiu direitos de terceiros: o direito das cooperativas contratarem com a Administração Pública: é a autonomia privada dos entes públicos, sem nenhum interesse público (dos particulares) sendo defendido.

Em outra ocasião, percebe-se que foi usado o mesmo parâmetro (caráter programático de uma norma constitucional direcionada função estatal diferente da jurisdicional) de formas antagônicas em dois casos.

Na primeira situação, em que figuram as cooperativas alegando a norma do art. 174 da CF para defenderem interesse delas, o que se depreende é que uma norma constitucional de caráter programático voltada a órgão não jurisdicional não vincula esse órgão:

AGRAVOS DE INSTRUMENTO. RITO SUMARÍSSIMO. DESFUNDAMENTAÇÃO.

Nas causas sujeitas ao procedimento sumaríssimo, somente será admitido recurso de revista por contrariedade a súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho e violação direta da Constituição da República- (art. 896, § 6º, da CLT). Em sendo assim, incumbe à parte, para viabilizar a discussão do tema em seara extraordinária, fundamentar suas razões de inconformismo com esteio em violação direta da Constituição da República ou contrariedade a Enunciados do TST. O artigo 174, § 2º, da Constituição Federal (A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo), indubitavelmente, pela sua natureza de norma programática, não podendo ser alvo de ofensa direta por parte dos julgadores. É que o mencionado dispositivo constitucional não foi dirigido ao julgador, e sim ao legislador. Agravos de Instrumento conhecidos e de s providos.

(TST. Processo: AIRR 1460858620005150106 146085-86.2000.5.15.0106. Relator(a): Helena Sobral Albuquerque e Mello; Julgamento: 26/03/2003; Órgão Julgador: 4ª Turma; Publicação: DJ 04/04/2003). (grifo nosso).

Já em uma outra situação, houve entendimento diverso:

ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS -SUS -PESSOA DESPROVIDA DE RECURSOS FINANCEIROS. ART. 196 DA CF/88 E LEI Nº 8.080/90. LEGITIMIDADE.

1 - O cumprimento do dever político-constitucional de proteção à saúde, consagrado no art. 196 do Texto Básico, obriga o Estado (gênero) em regime de responsabilidade solidária entre as pessoas políticas que o compõem, dada a unicidade do Sistema (art. 198, CF/88), a par de restar incluso, nas atividades voltadas a assegurar tal direito fundamental, o fornecimento gratuito de medicamentos e congêneres a pessoas desprovidas de recursos financeiros, para a cura, controle ou atenuação de enfermidades.

2 -A interpretação da norma programática não pode ser transformada em promessa constitucional inconseqüente. Precedente do STF.

3 -A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são partes legítimas para figurar no pólo passivo nas demandas cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde de pessoa carente.

4 - No que toca ao argumento de inexistência de previsão orçamentária, impõe-se a incidência do princípio da cedência recíproca, pelo que, conflitando a oneração financeira do ente político e pronto atendimento do paciente, há que se resolver em favor da manutenção da saúde, e, conseqüentemente, da vida deste.16

(TRF2. Processo: APELREEX 200850500065051 RJ 2008.50.50.006505-1. Relator(a): Desembargador Federal POUL ERIK DYRLUND. Julgamento: 29/09/2009. Órgão Julgador: OITAVA TURMA ESPECIALIZADA. Publicação: DJU - Data::07/10/2009 – Página: 143). (grifo nosso).

Felizmente foi alterada, recentemente, a Lei 8.666 para corrigir o que vinha ocorrendo com a forma de tratamento que o próprio estado estava dando às cooperativas, tanto pelo judiciário trabalhista em insistir no reconhecimento de vínculos empregatícios entre os cooperados e os órgãos públicos em determinadas situações, como pela outra parcela do judiciário em confirmar esse cenário e por outros entes governamentais, conforme foi demonstado acima, de uma maneira discriminatória e em total desrespeito a preceitos constitucionais, recomendações internacionais (OIT), e, especialmente, ao art. 442, parágrafo único da CLT já ciitado.

Assim ficou alterada a parte da lei sobre licitações, no que tange a essa discriminação contra as cooperativas:

"Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)

§ 1º É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991; (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)". (grifo nosso).

Para reforçar ainda mais a inexistência de vínculo empregatício, por previsão legal, entre cooperados, cooperativa e tomadores de serviços, não se pode olvidar que a natureza do contrato feito por eles é de "compra e venda de serviços a terceiros, do gênero contrato de natureza civil" (PEREIRA, 2006, p. 120).

Isso serve para demonstrar que a legislação procura dar segurança jurídica às relações socias que envolvam as cooperativas com a preemente intenção de apoiar a atividade cooperativista. Todavia, não é sempre que ocorre harmonia entre o legislativo e o judiciário.

Assim, é importante que o judiciário trabalhista saiba como lidar com a situação para que não passe a condenar os órgãos que estiverem realizando funções públicas a pagarem indenizações trabalhistas aos cooperados que se beneficiarem de ganharem licitações, pois, do contrário, pode acontecer o que a prática jurídica demonstra: o efeito pode acabar se voltando contra um bem maior, se tornando um mal. Vale dizer, uma onda de condenações da justiça trabalhista em prol do reconhecimento de vínculos empregatícios entre cooperados e órgãos em função pública que os tenha contratado pode levar a uma situação política e social que iniba o desenvolvimento do cooperativismo, ou seja, que esse passe a ser mal visto.

Tal atitude por parte do judiciário é a que se coaduna teleologicamente com os preceitos constitucionais e da OIT.

Dessa forma, toma relevo a regra da CLT, em seu art. 442, o qual demonstra não haver vínculo empregatício entre a sociedade cooperativa ("qualquer que seja o ramo de atividade) e seus associados, "nem entre estes e os tomadores de serviços daquela". Sendo, portanto, uma regra específica que derroga as outras que tratam sobre vínculo empregatício, como a do art. 3º, também da CLT, por exemplo.

Não se pode olvidar, ainda, que o contrato celebrado entre sociedades cooperativas e tomadores de serviços é de compra e venda, como já foi dito.

Além disso, pela doutrina de Pereira (2006, p. 125):

"A sociedade cooperativa é um regime jurídico e, desse modo, eventual desvirtuamento de seu objeto não autoriza convolar essa relação associativa em contrato de trabalho. Lembrando, ainda, que a questão atinente ao vínculo entre o associado e a cooperativa se assemelha a duas outras, a saber:

I) o vínculo empregatício com ente da administração pública, sem prévia aprovação em concurso público: nessa hipótese, a Corte fixou o entendimento (Enunciado nº 363) de que a admissão nessas condições é nula, por força do que dispõe o art. 37, inciso II, da Constituição da República, em razão do que não há contrato válido.

II) o estágio profissional, de que cuida a Lei nº 6.494, de 07.12.1977, cujo art. 4º soa: ?O estágio não cria vínculo empregatício de qualquer natureza (?)?, caso em que, não obstante eventuais desvios na execução do contrato de estágio não há como se reconhecer o vínculo ante a vedação inserta na norma de direito positivo".

E arremata com maestria:

"Ora, se nos dois exemplos dados, o vínculo está vedado por lei, no caso da cooperativa, de igual modo, também está, segundo dispõe o art. 442, parágrafo único, da CLT.

A situação jurídica, pois, é a mesma nos três casos. Não há vínculo empregatício se a lei de regência assim dispõe."17 (PEREIRA, 2006, p. 125/126).

Já Martins (2008), diferentemente, afirma que as normas do parágrafo único do art. 442 da CLT e do art. 90 da Lei 5.764/71 devem ser interpretadas sistematicamente com os artigos 2º, 3º e 9º da CLT, sendo possível ser formado o vínculo empregatício e sob argumento de que a inserção do supracitado parágrafo da CLT não poderia ter a intenção de acobertar fraudes.

Todavia, com a devida venia, pelo que já foi exposto, esse entendimento não seria o mais completo, faltando ser incluídas nessa interpretação sistemática outros elementos, a exemplo do art. 174, parágrafo 2º da Constituição Federal, além do entendimento de que a norma do art. 442, parágrafo único da CLT derroga as demais sobre o vínculo de emprego, pela sua especificidade.

Repita-se: o mais benéfico seria se toda a justiça entendesse dessa forma a fim de proteger um interesse maior, qual seja, evitar o regresso do cooperativismo por meio de decisões pontuais desestimuladoras a essa atividade, além de, como evidenciado, em desconformidade com a legislação.

Quanto a isso, Pereira (2006, p. 128/129) propõe uma solução:

"A cooperativa de trabalho é um seguimento especial que não pode ficar alojado na legislação de caráter geral. Por essa razão convém se pensar em instrumento legislativo próprio, que fixe parâmetros específicos para a criação e o funcionamento das cooperativas de trabalho, tais como regras formais para sua criação e funcionamento, além da instituição de um órgão central de registro, fiscalização e apoio a cargo do Ministério do Trabalho[...]

A fim de evitar que interesses econômicos desvirtuem os objetivos das cooperativas e de coibir eventual exploração dos cooperados pelo capital especulativo, a solução, a meu juízo, não está no reconhecimento do vínculo de emprego entre a cooperativa e o empregado ou entre este e o tomador dos serviços, mas na adoção de procedimentos judiciais apropriados para retirar do mundo jurídico aquelas ?cooperativas? divorciadas da lei e por isso sem o propósito de servir a seus membros".

O que está coadunado com o que dispõe a OIT, a qual já recomendava (documento 193 de 2002):

"As cooperativas deveriam ser tratadas de conformidade com a lei e a prática nacionais e em condições não menos favoráveis que as concedidas a outras formas de empresa e de organização social. Os governos, quando necessário, deveriam adotar medidas de apoio a atividades de cooperativas que apresentassem resultados específicos de política pública e social, tais como a promoção de emprego ou desenvolvimento de atividades que beneficiem grupos ou regiões desfavorecidas. Essas medidas poderiam incluir, entre outras coisas e na medida do possível, benefícios fiscais, empréstimos, subsídios, acesso a programas de obras públicas e disposições especiais de compras governamentais". (grifo nosso).

Ora, está exaustivamente claro que o estado deve não somente deixar livre a atividade cooperativista, mas atuar ativamente estimulando-a, dando tratamento especial, e sancionando, sem prejuízos ao cooperativimo, os desvirtuamentos ocasionais.

Numa visão geral, percebe-se uma forte omissão por parte do executivo em estimular ou, pelo menos, facilitar o desenvolvimento cooperativista (falta de educação, treinamento, apoio, desburocratização), uma atividade superficial por parte do legislativo em não criar normas mais específicas e concretas para o benefício das cooperativas brasileiras e uma lamentável atitude por parte do judiciário, que seria a última esperança para as cooperativas nos casos de flagrante desrespeito jurídico-social, ao não impor os comandos constitucionais a favor do cooperativismo.

Vê-se, com isso, a latente necessidade de ser feita uma ampla revisão jurídica acerca do cooperativismo com o intuito de implementar aquilo que ordena a Constituição Federal e a Organização Internacional do Trabalho.

Não é por ser a norma do art. 174, par. 2º, da CF, voltada para o legislador, que o poder Executivo deva se abster da responsabilidade de estimular o cooperativismo. Exemplificando, seria de grande eficácia a implementação de incubadoras de cooperativas nas universidades públicas e privadas, como regra imposta pelo Ministério da Educação.

Nesse sentido, esclarece a equipe da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da USP:

"A Universidade produz conhecimento. O ensino, a pesquisa e a extensão são as formas de produção desse conhecimento. A constituição e incubagem das cooperativas populares, através da Incubadora Universitária, podem abrir um espaço de realização do caráter indissociável dessas formas de produção do conhecimento. Podem fazer com que a Universidade cumpra sua função social, possibilitando alguma mudança na desigualdade de direitos que caracteriza a vida da maioria do povo brasileiro".


9 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos dias atuais, não é mais interessante separar completamente o público do privado. É certo que muitos interesses de eminência particular, por um certo ponto de vista, também é responsabilidade do estado, na medida em que proporcionem a dignidade humana.

Nesse contexto, estão inseridas as sociedades cooperativas, especialmente as de trabalho devido às suas características sociais, merecendo, portanto, uma protetiva atuação estatal. Defende-se, então, mais do que a não intervenção do estado, mas uma intervenção de maneira estimuladora e facilitadora, agindo opostamente ao que foi feito na época da ditadura, quando o cooperativismo sofreu opressão, à exemplo do decreto-lei 59 de 1966.

O pensamento corrente não é mais aquele individualista de outrora. Hoje, em tempo pós positivista, há de se garantir os meios de promoção da solidariedade, não como uma inimiga dos interesses individuais, mas como uma agregadora de valor.

Nesse processo de pacificação social, a ciência do Direito, em que tomam relevância os jurisperitos doutrinadores, deve assumir posição de instrumento eficaz, deixando de ser apenas solucionadora de problemas latentes, e passando a dominar as questões sociais de maneira a não perder o controle sobre situações conflitantes iniciais.

O que se constata hoje no Brasil é que a ordem constitucional de apoio e estimulo às cooperativas é timidamente obedecida, como se pode verificar da ínfima atividade de estímulo à criaçao dessas sociedades, a antiga e rara legislacao a respeito, falta de atuação significativa junto às universidades, e outros.

O fato de a norma constitucional que fala sobre o apoio e estímulo às cooperativas ser de caráter programático não deveria ser empecilho ao desenvolvimento desse setor, nem justificativa para a omissão dos três poderes. A simples existência dessa previsão constitucional não resolve nem afasta a responsabilidade do Direito no trato das omissões - a norma de eficácia limitada é desvirtuada ao servir de licença jurídica para a inércia legislativa e executiva - tampouco deveria servir para autorização de inafastabilidade das injustiças disso decorrentes perante o Judiciário.

As cooperativas vão além do benefício para a economia, elas são potencializadores dos valores humanos e, por isso, de interesse público.

Por fim, é preciso haver apoio às iniciativas privadas que tenham o intuito de se unirem em prol de melhorarem suas vidas, pois, afinal, isso é democracia e, portanto, merece toda proteção. Nesse sentido, o sistema cooperativista deve fortalecer seus pilares, tais como, educação sobre essa atividade, formação de uma rede bem comunicada, participação ativa nas decisões políticas18 e promoção de valores como solidariedade e igualdade, a fim de se tornar uma realidade tangente19.


10 – REFERÊNCIAS

ANDRIGHI, Fátima Nancy. Autonomia do direito cooperativo. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.). Cooperativismo e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Melhoramentos, 2003. p. 49-57. Disponível em https://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9134-9133-1-PB.pdf. Acesso em 19/07/2011.

ANDRIOLI, Antonio Inacio. Trabalho coletivo e educação: um estudo de práticas cooperativas em escolas na Região Fronteira Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em https://www.espacoacademico.com.br/034/34pc_andrioli.htm. Acesso em 11/08/2011.

BRASIL. Constituição da República Federetiva do Brasil, de 5 de outubro de 1988. In: PRÊSIDENCIA. Legislação. Brasília, 1988. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 11/08/2011.

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. In: PRÊSIDENCIA. Legislação. Rio de Janeiro, 1943. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 11/08/2011.

BRASIL. Lei nº 1.412 de 13 de agosto de 1951. Transforma a Caixa de Crédito Cooperativo em Banco Nacional de Crédito Cooperativo. In: DATAPREV. SISLEX. Disponível em https://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1951/1412.htm. Acesso em 14/08/2011.

BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. In: PRESIDÊNCIA. Legislação. Brasília, 1971. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5764.htm. Acesso em 11/08/2011.

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. In: PRESIDÊNCIA. Legislação. Brasília, 1993. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em 14/08/2011.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: PRÊSIDENCIA. Legislação. Brasília, 2002. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 11/08/2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Processo: ADI 4444 SP; Relator(a): Min. ELLEN GRACIE; Julgamento: 03/09/2010; Publicação: DJe-167 DIVULG 08/09/2010 PUBLIC 09/09/2010. Disponível em <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/15923451/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-4444-sp-stf>. Acesso em 14/08/2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 612687 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO; Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI; Julgamento: 09/11/2010; Órgão Julgador: Primeira Turma; Publicação DJe-044 DIVULG 04-03-2011 PUBLIC 09-03-2011 EMENT VOL-02477-01 PP-00273). Disponível em https://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoTexto.asp?id=2894346&tipoApp=RTF. Acesso em 14/08/2011.

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BRASIL. Tribunal Regional Federal 2ª Região. Processo: APELREEX 200850500065051 RJ 2008.50.50.006505-1. Relator(a): Desembargador Federal POUL ERIK DYRLUND. Julgamento: 29/09/2009. Órgão Julgador: OITAVA TURMA ESPECIALIZADA. Publicação: DJU - Data::07/10/2009 – Página: 143. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6514360/apelacao-reexame-necessario-apelreex-200850500065051-rj-20085050006505-1-trf2. Acesso em 14/08/2011.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR 1460858620005150106 146085-86.2000.5.15.0106. Relator(a): Helena Sobral Albuquerque e Mello; Julgamento: 26/03/2003; Órgão Julgador: 4ª Turma; Publicação: DJ 04/04/2003). Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1576762/agravo-de-instrumento-em-recurso-de-revista-airr-1460858620005150106-146085-8620005150106-tst. Acesso em 14/08/2011.

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Notas

1Para Marx (1996, p. 443): "o homem é, por natureza, se não um animal político, como acha Aristóteles, em todo caso um animal social."

2Marx (1996, p. 410/411), cita esse dinamismo: "Nas indústrias revolucionadas de início por água, vapor e maquinaria, nessas primeiras criações do moderno modo de produção, nas fiações e tecelagens de algodão, lã, linho e seda, é satisfeito primeiramente o impulso do capital para a prolongação sem limites e sem considerações da jornada de trabalho. O modo de produção material modificado e as condições sociais modificadas, que lhe correspondem, dos produtores dão origem primeiramente a abusos desmedidos e provocam então, em contraposição, o controle social, que limita, regula e uniformiza legalmente a jornada de trabalho com suas pausas. Esse controle aparece, portanto, durante a primeira metade do século XIX, apenas como legislação de exceção. Tão logo ela conquistou a área original do novo modo de produção, verificou-se que, entrementes, não apenas muitos outros ramos de produção haviam se incorporado ao regime propriamente fabril, mas que, além disso, manufaturas com métodos de produção mais ou menos antiquados, como as de louças, de vidros etc., ofícios à moda antiga, como panificação, e, finalmente, até esparsas indústrias assim chamadas domiciliares, como o fabrico de pregos etc., há muito caíram sob a exploração capitalista tanto quanto a fábrica. A legislação foi, portanto, obrigada a desfazer-se progressivamente de seu caráter de exceção".

3Sobre isso, Marx pensava: “Mas o futuro nos reservava uma vitória ainda maior da economia política do operariado sobre a economia política dos proprietários. Referimo-nos ao movimento cooperativo, principalmente às fábricas cooperativas levantadas pelos esforços desajudados de alguns hands [operários] audazes... Pela ação, ao invés de por palavras, demonstraram que a produção em larga escala e de acordo com os preceitos da ciência moderna, pode ser realizada sem a existência de uma classe de patrões que utilizam o trabalho da classe dos assalariados; que, para produzir, os meios de trabalho não precisam ser monopolizados, servindo como um meio de dominação e de exploração contra o próprio operário; e, que, assim como o trabalho escravo, assim como o trabalho servil, o trabalhado assalariado é apenas uma forma transitória e inferior, destinada a desaparecer diante do trabalho associado que cumpre a sua tarefa, com gosto, entusiasmo e alegria. Na Inglaterra, as sementes do sistema cooperativista foram lançadas por Robert Owen; as experiências operárias levadas a cabo no Continente foram, de fato, o resultado prático das teorias, não descobertas, mas proclamadas em altas vozes em 1848”. (MARX, 1848 apud HADDAD, 2011, p. 13).

4Conforme Singer (2002, p. 01), "a economia solidária foi inventada por operários, nos primórdios do capitalismo industrial, como resposta à pobreza e ao desemprego resultantes da difusão «desregulamentada» das máquinas-ferramenta e do motor a vapor, no início do século XIX. As cooperativas eram tentativas por parte de trabalhadores de recuperar trabalho e autonomia econômica, aproveitando as novas forças produtivas. Sua estruturação obedecia aos valores básicos do movimento operário de igualdade e democracia, sintetizados na ideologia do socialismo. A primeira grande vaga do cooperativismo de produção foi contemporânea, na Grã Bretanha, da expansão dos sindicatos e da luta pelo sufrágio universal".

5Na opinião de Marx (1996, p. 445/446): "Ao cooperar com outros de um modo planejado, o trabalhador se desfaz de suas limitações individuais e desenvolve a capacidade de sua espécie"

6Segundo Marx (1996, p. 349): "O capitalista afirma seu direito como comprador, quando procura prolongar o mais possível a jornada de trabalho e transformar onde for possível uma jornada de trabalho em duas. Por outro lado, a natureza específica da mercadoria vendida implica um limite de seu consumo pelo comprador, e o trabalhador afirma seu direito como vendedor quando quer limitar a jornada de trabalho a determinada grandeza normal. Ocorre aqui, portanto, uma antinomia, direito contra direito, ambos apoiados na lei do intercâmbio de mercadorias. Entre direitos iguais decide a força. E assim a regulamentação da jornada de trabalho apresenta-se na história da produção capitalista como uma luta ao redor dos limites da jornada de trabalho — uma luta entre o capitalista coletivo, isto é, a classe dos capitalistas, e o trabalhador coletivo, ou a classe trabalhadora." (Grifo nosso).

7Haddad (2011, p.12), lembra, baseado em Marx, que a questão envolve mais do que interesses econômicos privados: "Mas há uma outra razão profunda que explica o relativo fracasso do cooperativismo. Trata-se da incompreensão teórica, relacionada ao experimento histórico soviético, sobre o que Marx entendia por planejamento - em oposição a mercado -, uma questão, como veremos, umbilicalmente associada ao tema do cooperativismo. Planejamento central e mercado foram tomados, desde a polêmica dos anos 1930, como conceitos econômicos, quando perante a ciência de Marx, os conceitos econômicos são imediatamente conceitos políticos".

8Nesse sentido, Haddad (2011, p.19) alerta: "Em primeiro lugar, porque um governo dos trabalhadores não pode abolir o mercado. Terá que conviver com as regras de mercado até que a economia cooperativa ganhe dimensões consideráveis, o que se dará na mesma proporção em que os próprios trabalhadores se reeduquem para uma economia solidária não fundada no egoísmo. Teremos que aprender a responder a estímulos não pecuniários para trabalhar e, principalmente, para criar, inovar, inventar. Marx estava absolutamente consciente do problema quando dizia: “a classe operária não esperava da Comuna nenhum milagre. Os operários não têm nenhuma utopia já pronta para introduzir ‘par décret du people’. Sabem que para conseguir sua própria emancipação, e com ela essa forma superior de vida para a qual tende irresistivelmente a sociedade atual, por seu próprio desenvolvimento econômico, terão que enfrentar longas lutas, toda uma série de processos históricos que transformarão as circunstâncias e os homens” (A guerra civil na França, III)". (grifo nosso).

9Haddad (1996, p.14), sustenta como fator de êxito ao cooperativismo: "Aqui aparece mais claramente o significado da cooperativa na construção teórica marxista. A cooperativa há de ser tão eficiente quanto a empresa capitalista. A referência à escala de produção e à utilização da ciência moderna não deixa dúvidas desse propósito. A cooperativa, numa palavra, deve estar em condições de concorrer com a grande indústria capitalista em pé de igualdade. Adicionalmente, o trabalho, agora associado, representa um passo além do trabalho assalariado, já que a figura do patrão é dispensada".

10Marx (1996, p. 383/384), chama à atenção que "o capital não tem, por isso, a menor consideração pela saúde e duração de vida do trabalhador, a não ser quando é coagido pela sociedade a ter consideração. À queixa sobre degradação física e mental, morte prematura, tortura do sobre-trabalho, ele responde: Deve esse tormento atormentar-nos, já que ele aumenta o nosso gozo (o lucro)? De modo geral, porém, isso também não depende da boa ou da má vontade do capitalista individual. A livre-concorrência impõe a cada capitalista individualmente, como leis externas inexoráveis, as leis imanentes da produção capitalista." (grifo nosso).

11Conforme o pensamento de Oliveira (2006), a cultura solidária não pressupoe a falta de divergências, conflitos e competições, todavia as interações solidárias exigem que as pessoas se considerem iguais nos seus direitos e com respeito ao outro, sem exclui-lo para poder desenvolver-se.

12Parece ser unânime essa opinião: "Para ser admitida na cooperativa, a pessoa deveria fazer um curso sobre o sistema, de forma a entender o que é a cooperativa. Posteriormente, deveria responder a testes de conhecimento, para saber se aprendeu o que é o regime da cooperativa, principalmente as regras sobre seu estatuto, o sistema operacional, a forma de trabalho, de remuneração e a periodicidade. a ideal é que seu aproveitamento seja de, no mínimo, 50 a 70% das respostas corretas. Depois, irá apresentar a carta de adesão à cooperativa para efeito de ser admitido nela. É melhor que essa carta seja feita de próprio punho pelo trabalhador para mostrar que ele tem interesse em ser admitido na sociedade, sem qualquer espécie de pressão, espontaneamente. Em seguida, ao ser admitido, deve firmar termo de ciência estatutária e de disponibilidade, de próprio punho". (MARTINS, 2008, p. 79).

13Assim entende Haddad (1996, p. 18): "O sucesso do cooperativismo exige dos trabalhadores que renunciem a sua natural indisposição para governar. Isto não significa que o movimento cooperativo deva aguardar um governo dos trabalhadores para se desenvolver; antes, significa que a genuína cooperativa deve ser encarada pelos seus membros, desde o nascedouro, como um empreendimento político, e não apenas econômico".

14Constata-se a pouca expressividade da lesgislação sobre o cooperativismo ao se analisar seu histórico: https://www.ocb.org.br/site/cooperativismo/legislacao.asp

15Semelhantemente, em decisão do STF: "Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional das Cooperativas de Transporte -CONFETRANS e pela Federação das Cooperativas de Transporte do Estado de São Paulo -FECOOTRANSP, na qual se impugna o Decreto 55.938,de 21.6.2010, do Governador do Estado de São Paulo, que "veda a participação, em licitações, de cooperativas nos casos que especifica". As requerentes, que afirmam congregar, respectivamente, todas as cooperativas de transporte do Brasil e do Estado de São Paulo, focalizam, no ato impugnado, o art. 1º, parágrafo único, item 11, que possui o seguinte teor:"Artigo 1º - Fica vedada a participação de cooperativas nas licitações promovidas pela administração direta e indireta do Estado de São Paulo quando, para a execução do objeto, for necessária a prestação de trabalho de natureza não eventual, por pessoas físicas, com relação de subordinação ou dependência.[...]

3. Como visto, a ação direta de inconstitucionalidade ora em exame tem como objeto decreto baixado pelo Chefe do Poder Executivo do Estado de São Paulo no âmbito da Administração Pública direta e indireta daquela unidade da Federação.[...]Demonstram os considerandos que embasam o referido Decreto Estadual 55.938/2010 que o Poder Executivo do Estado de São Paulo impôs à administração pública direta e indireta daquela unidade federada interpretação conjugada que fizeram o Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.141.763/RS) e o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TC-010651/026/10, TC-010820/026/10 e TC-11447/026/10) da legislação infraconstitucional vigente em matéria de cooperativas (Lei 5.764/71), trabalho (CLT) e licitações e contratos (Lei 8.666/93).Consideraram as Cortes acima mencionadas que o ordenamento infraconstitucional brasileiro não autoriza a participação de cooperativas de trabalho em licitações para a contratação de serviços que exijam, por sua natureza, estado de subordinação jurídica,dado o grave risco que correria a Administração em arcar com responsabilidades trabalhistas decorrentes da ausência de vínculo empregatício entre cooperativa e seus cooperativados.Portanto, o ato atacado, de natureza secundária, revela-se nitidamente regulamentar, pois retira todo o seu fundamento de validade da legislação infraconstitucional vigente.Como relatado, as próprias requerentes, em sua inicial, esforçam-se em demonstrar que o ato contestado estaria em confronto com a letra da Lei de Licitações e Contratos, haja vista a inexistência, naquele Diploma, de previsão expressa que impeça as cooperativas de participarem de processos licitatórios.Contudo, verificar se o comando ora contestado excedeu ou não os limites impostos pelos preceitos superiores nos quais buscou se escorar exigiria, necessariamente, o confronto dessas normas. Esta Suprema Corte tem rechaçado, sistematicamente, as tentativas de submeter ao controle concentrado de constitucionalidade o de legalidade do poder regulamentar.[...] O regulamento não está, de regra, sujeito ao controle de constitucionalidade. É que, se o ato regulamentar vai além do conteúdo da lei, ou nega algo que a lei concedera, pratica ilegalidade. A questão, em tal hipótese, comporta-se no contencioso de direito comum. Não cabimento da ação direta de inconstitucionalidade.II. - Precedentes do S.T.F.III. - Agravo não provido." 4. Ante o exposto, evidenciado o manifesto descabimento da presente ação direta, a ela nego seguimento, nos termos do art. 21, § 1º, do Regimento Interno." (STF. Processo: ADI 4444 SP; Relator(a): Min. ELLEN GRACIE; Julgamento: 03/09/2010; Publicação: DJe-167 DIVULG 08/09/2010 PUBLIC 09/09/2010).

16No mesmo sentido: "EMENTA: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196)- PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.

[...]- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado[...]". (STF. Processo: RE-AgR 271286 RS. Relator(a): CELSO DE MELLO. Julgamento: 11/09/2000. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ 24-11-2000 PP-00101 EMENT VOL-02013-07 PP-01409). (grifo nosso).

17Nessa esteira, entende o STF: EMENTA: Agravo regimental no agravo de instrumento. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. Nulidade de contrato de trabalho celebrado com Administração Pública. Efeitos. Precedentes. 1. A jurisdição foi prestada pelo Tribunal de origem mediante decisão suficientemente fundamentada. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a nulidade do contrato de trabalho celebrado com entidade da Administração Pública, sem a prévia realização de concurso público, não gera efeitos trabalhistas, sendo devido ao trabalhador, apenas, o saldo de salário dos dias efetivamente trabalhados. 3. Agravo regimental não provido. (STF. AI 612687 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO; Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI; Julgamento: 09/11/2010; Órgão Julgador: Primeira Turma; Publicação DJe-044 DIVULG 04-03-2011 PUBLIC 09-03-2011 EMENT VOL-02477-01 PP-00273).

18Vê-se, em relação à essa atividade política, três especiais entes dentro do sistema cooperativista: as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas.

19Conforme a visão de Marx: "Se a produção cooperativa for algo mais que uma impostura e um ardil; se há de substituir o sistema capitalista; se as sociedades cooperativas unidas regularem a produção nacional segundo um plano comum, tomando-a sob seu controle e pondo fim à anarquia constante e às convulsões periódicas, conseqüências inevitáveis da produção capitalista - que será isso, cavalheiros, senão comunismo, comunismo ‘realizável” ? (A guerra civil na França, III, grifos FH)" (MARX, 1871 apud HADDAD, 2011, p. 18).


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