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O renascimento do direito do trabalho no século XXI

a experiência brasileira de 2003 a 2010

O renascimento do direito do trabalho no século XXI: a experiência brasileira de 2003 a 2010

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Uma das formas para a plena realização da democracia na sociedade atual se encontra na renovação da centralidade do trabalho, notadamente do emprego, no sistema socioeconômico capitalista.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2- Direito do Trabalho: produto e instrumento do capitalismo e ordem para o capitalismo. 3- Emprego: um direito literalmente fundamental. 4 – Síntese das transformações capitalistas ocorridas no século XX e seus reflexos na relação de emprego. 5- O renascimento do Direito do Trabalho no Brasil – alguns contornos acerca do período de 2003 a 2010. 5.1 - Recuperação e geração de empregos e redução do desemprego. 6- Conclusão. 7- Referências


1 INTRODUÇÃO

Desde meados do século XIX e início do século XX na Europa Ocidental, o Direito do Trabalho serviu como contraponto ao poder supostamente incontestável do empregador na exploração da força de trabalho, com o intuito de viabilizar a pacificação social.

Embora essa situação fosse suficiente para a emergência, a afirmação e o desenvolvimento do ramo juslaboral como principal instrumento para controlar e atenuar as distorções socioeconômicas inevitáveis do mercado e do sistema capitalistas, conduzindo à desmercantilização do trabalho, no desenrolar do século XX este cuidado com a dimensão promocional das grandes maiorias populacionais foi emancipado.

No contexto dessa emancipação, o Direito do Trabalho também passou a se revelar como mecanismo de preservação do próprio capitalismo e da sociedade democrática.

Ao partir do pressuposto de que se compreende a evolução e o papel históricos do tipo de relação construída entre Direito do Trabalho e capitalismo, busca-se neste artigo3, ainda que de forma suscinta, sedimentar o que há muito tempo uma das maiores autoridades acerca do ordenamento jurídico trabalhista na história brasileira, em todos os aspectos - jurídico, político, econômico e social-, Mauricio Godinho Delgado defende e perpetua em seus ensinamentos: uma das formas para a plena realização da Democracia na sociedade atual se encontra na renovação da centralidade do trabalho, notadamente do emprego, no sistema socioeconômico capitalista contemporâneo.

A História ocidental retrata que, por meio de políticas públicas e de normas jurídicas, é possível a realização do trabalho digno, para a maior parte dos diversos segmentos sociais e, por consequência a concretização da Democracia.


2. Direito do Trabalho: produto e instrumento do capitalismo e ordem para o capitalismo

O capitalismo, praticamente desde a sua formação no século XVIII, foi marcado pela ideia matriz da mercantilização do trabalho4. Assim, passou a ser alvo de críticas que convergiam em torno da essencialidade do valor trabalho, principalmente em face dos “efeitos colaterais” que causava: concentração de renda, desigualdade, discriminação e exclusão sociais.5

Na transição dos séculos XIX/XX, não por acaso, inicia-se “um inovador e irresistível processo de democratização real das sociedades”, sendo um de seus frutos o ramo jurídico destinado a tratar de “segmentos sociais classicamente destituídos de riqueza e de poder, conferindo-lhes certo poder e certa integração ao sistema produtor e distribuidor de riquezas”: o Direito do Trabalho, principal forma de conexão do indivíduo à economia capitalista, por meio da relação empregatícia.6

Seguindo esta tendência e na tentativa de aliviar as maléficas consequências decorrentes do sistema econômico, de forma espontânea ou estratégica7, na primeira metade do século XX, vertentes reformistas-democráticas buscariam a adequação do sistema capitalista às demandas socioeconômicas e culturais.

A matriz crítica hegemônica - diante da percepção de que a conduta laborativa viabiliza a afirmação do ser humano não só na sua própria individualidade, como também nos planos de sua inserção familiar, social, econômica e, até, ética - valia-se do primado do trabalho como um de seus postulados fundamentais para a sociedade capitalista. Afinal, primar pelo trabalho e particularmente, pelo emprego, “consiste em fórmula eficaz de distribuição de renda e de poder na desigual sociedade capitalista”.8

Logo, na estruturação da democracia social, o trabalho, especialmente o emprego – regulado e protegido por normas jurídicas - desponta como “o mais relevante meio garantidor de um mínimo de poder social à grande massa da população, que é destituída de riqueza e de outros meios lícitos de alcance desta”, posicionando-se no “epicentro de organização da vida social e da economia”.9

Entre as vertentes reformistas-democráticas, destaca-se a que cogitava um novo paradigma de Estado, o Estado de Bem-Estar Social (EBES), ou Welfare State, por representar uma das maiores conquistas da democracia no mundo ocidental capitalista, por meio da qual o mundo viveu os chamados “anos dourados”.

A implementação dos EBES, ocorrida no século XX, sintetiza, em sua variada fórmula de gestão pública e social, “[...] a afirmação de valores, princípios e práticas consideradas fundamentais: democracia, valorização do trabalho e do emprego, justiça social e bem-estar”.1011

No período especialmente compreendido no pós-Segunda Guerra Mundial até o início da década de 1970, houve crescimento econômico associado ao desenvolvimento social, resultado da vigência dos Welfare States e da prevalência da orientação keynesiana de gestão econômico-social do capitalismo.

Por meio do trabalho - de modo específico, da sua forma regulada (relação de emprego) -, o sistema de produção capitalista descobriu uma modalidade de conexão específica dos indivíduos às necessidades organizacionais e produtivas do capital.12

Nas democracias ocidentais mais avançadas, com base em um Direito do Trabalho efetivo, alcançaram-se a integração social, a distribuição de renda e a democratização social.

Nesta lógica, imperioso ressaltar o papel do ramo juslaboral no capitalismo:

[...] o que a realidade histórica do próprio capitalismo demonstra é que o Direito do Trabalho consiste no mais abrangente e eficaz mecanismo de integração dos seres humanos ao sistema econômico, ainda que considerados todos os problemas e diferenciações das pessoas e vida social. Respeitados os marcos do sistema capitalista, trata-se do mais generalizante e consistente instrumento assecuratório de efetiva cidadania, no plano socioeconômico, e de efetiva dignidade no plano individual. Está-se diante, pois, de um potente e articulado sistema garantidor de significativo patamar de democracia social. DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a. p.128.

Sendo a relação empregatícia a categoria específica do Direito do Trabalho, “a partir da qual se constroem os princípios, regras e institutos essenciais desse ramo jurídico especializado, demarcando sua característica própria e distintiva perante os ramos jurídicos correlatos”, o conteúdo do ramo justrabalhista se molda também a partir do vínculo empregatício.1314

Sinteticamente, configura-se a relação empregatícia se todos os elementos fático-jurídicos estiverem reunidos (prestação laborativa de uma pessoa física de forma subordinada, não eventual e onerosa, a outra pessoa natural, jurídica ou ente despersonificado). Do contrário, se apenas houver prestação de serviços a outrem por pessoa física, sem a prevalência dos demais elementos destacados, qualifica-se como relação de trabalho.

Ainda que a relação de emprego seja, tecnicamente, uma espécie do gênero relação de trabalho, destaca-se como a mais importante existente no sistema econômico e social capitalista, uma vez que

Por meio da relação de emprego é que o novo sistema emergente no século XVIII na Europa -Inglaterra, em particular- descobriu uma modalidade de conexão específica dos trabalhadores às necessidades organizacionais e produtivas do capital, sem as peculiaridades restritivas de cunho econômico, social, tecnológico e cultural das modalidades anteriormente dominantes na experiência histórica (escravidão e servidão). (DELGADO, Maurício Godinho. Relação de emprego e relações de trabalho: a retomada do expansionismo do direito trabalhista. In: SENA, Adriana Goulart de; DELGADO, Gabriela Neves; NUNES, Raquel Portugal. Dignidade humana e inclusão social: caminhos para a efetividade do direito do trabalho no Brasil. São Paulo: LTR, 2010. p. 20.)

Mauricio Godinho Delgado, ao observar “a vinculação umbilical da relação de emprego com a genialidade produtiva do capitalismo”, ressalta que “essa nova relação social [...] e sua estrutural inserção na empresa foram requisitos exponenciais para a configuração desse novo sistema e para seu desenvolvimento contínuo nas décadas e séculos seguintes.” Em outros termos, da mesma forma que “a existência do capital intensivo (acumulação de riqueza aplicada e também riqueza líquida) e da tecnologia inovadora (trabalho cristalizado)” foram essenciais para a criação e propagação do sistema socioeconômico capitalista, “a descoberta dessa nova forma de utilização do trabalho e de sua consequente inserção no centro produtivo” foram decisivas para o surgimento e generalização do capitalismo.15

A relação empregatícia efetivamente se estrutura como categoria socioeconômica e jurídica no desenrolar do processo da Revolução Industrial (séculos XVII e XVIII), sendo que passa a responder pelo modelo principal de vinculação do trabalhador livre ao sistema produtivo emergente. Assim, “[...] apenas a partir do instante em que a relação de emprego se torna categoria dominante como modelo de vinculação do trabalhador ao sistema produtivo é que se pode iniciar a pesquisa sobre o ramo jurídico especializado que se gestou a relação empregatícia.”16

Ao mencionar que a relação de emprego decorre do “trabalho livre mas simultaneamente subordinado”, Mauricio Godinho Delgado discorre que por meio dessa relação é possível

[...] empresário usufruir do máximo da energia, da emoção, da inteligência e da criatividade humanas, dando origem a um mecanismo de integração da pessoa ao sistema produtivo dotado de potencialidade máxima no tocante à geração de bens e serviços na sociedade histórica. Em torno da relação de emprego, pelas suas características de permitir combinar liberdade pessoal do trabalhador com direção empresarial pelo empreendedor, é que se erigiu a fórmula inovadora de organização do sistema produtivo que permitiria ao capitalismo distanciar-se dos precedentes modos de produção, potenciando ao máximo não só a inteligência produtiva, sistematizada e objetivada do ser humano, como a produtividade do trabalho ao longo dos últimos dois séculos e meio. [...]. Nesse quadro, são falaciosas as prédicas de surgimento de novas relações produtivas determinantes, dentro deste sistema histórico, que sejam caracterizadas pela dualidade trabalho livre/ trabalho subordinado, porém situadas fora dos marcos da relação de emprego. (DELGADO, Maurício Godinho. Relação de emprego e relações de trabalho: a retomada do expansionismo do direito trabalhista. In: SENA, Adriana Goulart de; DELGADO, Gabriela Neves; NUNES, Raquel Portugal. Dignidade humana e inclusão social: caminhos para a efetividade do direito do trabalho no Brasil. São Paulo: LTR, 2010. p. 20-21)

O Direito do Trabalho, ao buscar garantir um aperfeiçoamento constante nas condições de trabalho, realiza, em verdade, “o fundamental intento democrático e inclusivo de desmercantilização da força de trabalho no sistema socioeconômico capitalista, restringindo o livre império das forças de mercado na regência da oferta e da administração do labor humano.”17

Esta função central do Direito do Trabalho, que consiste na “melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica”18, pode ser claramente percebida no núcleo basilar dos princípios específicos deste ramo especializado, “tornando excetivas normas justrabalhista vocacionadas a imprimir padrão restritivo de pactuação das relações empregatícias.”1920

A busca pela melhoria progressiva do patamar civilizatório do trabalhador revela-se essencial à concretização da função social do Direito do Trabalho, já que “o capitalismo é dinâmico e desenvolve, com rapidez cada vez mais intensa, novas formas de organização e de exploração do trabalhador.”21

O Direito do Trabalho, além de assegurar a proteção e a ampliação dos direitos da classe trabalhadora e de diminuir o poder empresarial na relação empregatícia, impõe incontestável distribuição de renda e de certo poder no capitalismo ao elevar as condições de pactuação da força de trabalho.

Ao mesmo tempo, o ramo juslaboral “contribui para o avanço econômico, social e tecnológico” do sistema socioeconômico capitalista, ao alargar, fortalecer e potenciar o seu mercado interno, de modo a permitir a preservação e o aprofundamento do lucro ao empresariado.22

Logo, o Direito do Trabalho legitima e preserva o sistema de produção capitalista, assegurado de certa reciprocidade social, revelando-se “importante política pública de inclusão social e econômica das grandes maiorias populacionais no âmbito do capitalismo”.23

Nestes termos, essencial destacar a análise de Mauricio Godinho Delgado:

O Direito do Trabalho é a política pública que mais diretamente assegura certa reciprocidade do sistema capitalista à grande maioria de segmentos sociais destituídos de significativa riqueza material, excetuada sua própria aptidão para o labor. Sem um mínimo de reciprocidade social, nenhum microssistema sobrevive, especialmente o Estado. Nesse quadro, o ramo justrabalhista, com seu caráter e seu objetivo de distribuição de renda e de poder, além do importante caráter e objetivo de pacificação social, é mecanismo de preservação do próprio sistema capitalista, assim como da sociedade democrática. (DELGADO, Maurício Godinho. Relação de emprego e relações de trabalho: a retomada do expansionismo do direito trabalhista. In: SENA, Adriana Goulart de; DELGADO, Gabriela Neves; NUNES, Raquel Portugal. Dignidade humana e inclusão social: caminhos para a efetividade do direito do trabalho no Brasil. São Paulo: LTR, 2010. p. 23-24)

Ainda, o Direito do Trabalho, como toda boa política socioeconômica, deve ser dinâmico, progressivo e generalizado, para que a condição de trabalho e de vida dos trabalhadores não seja somente preservada, mas também incentivada a promover uma concepção emancipatória em uma perspectiva crítica da realidade, de modo que seja efetivada a possibilidade de capitalismo como modelo de sociedade.

Portanto, diante das questões social, econômica e política vivenciadas no século XIX, o Direito do Trabalho se apresenta como produto do sistema de produção capitalista ao buscar atenuar e controlar os seus “efeitos colaterais”.

Como instrumento do capitalismo, o Direito do Trabalho não apenas serviu (e serve) a este sistema econômico, como também fixou (e fixa) controles e aliviou (e alivia) suas distorções socioeconômicas, conferindo-lhe “certa medida de civilidade, inclusive buscando eliminar as formas mais perversas de utilização da força de trabalho pela economia.”24

Ao organizar o modelo de produção capitalista ou ao colocar ordem para a relação capital-trabalho, por meio da regulação de emprego, o Direito do Trabalho impôs limites à exploração do trabalho, em decorrência de interesses estritamente econômicos, para elevar a condição social, econômica e humana dos trabalhadores, traduzindo-se em importante política socioeconômica das grandes maiorias populacionais.


3 Emprego: um direito literalmente fundamental

No que diz respeito à constitucionalização do Direito do Trabalho, embora iniciada ao final da segunda década do século XX, foi após a Segunda Guerra Mundial, com o surgimento das constituições democráticas da França, Alemanha, Itália, e, posteriormente, Portugal e Espanha, que a noção de direitos fundamentais do trabalho consolidou-se na seara constitucional, uma vez que nestes diplomas constitucionais o princípio da dignidade da pessoa humana – com necessária dimensão social -, revelou-se como núcleo de afirmação dos demais direitos.25

No Brasil, esta “nova” visão hermenêutica imposta ao Direito do Trabalho encontra o seu ápice na Constituição de 1988, que incorporou, de maneira absolutamente atual, o princípio da dignidade da pessoa humana em seu núcleo, conferindo-lhe status multifuncional, sem prejuízo de combinar unilateralmente todas as suas funções: fundamento, princípio e objetivo.26

Ainda, garantiu a esse princípio uma ampliação em seu conceito em favor de uma dimensão social e comunitária de afirmação da dignidade humana, de forma a ultrapassar a visão estritamente privada, atada a valores imanentes à personalidade e que não se projetavam socialmente.27

Este tratamento amplo e contemporâneo imposto pela CR/88 à dignidade da pessoa humana também assegurou a essência do valor trabalho, que se encontra no ser humano. Assim, o Estado e o mercado existem em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio das atividades estatal e empresarial.28

Uma das formas de se comprometer e efetivar o valor da pessoa humana se encontra na valorização do trabalho. A centralidade do valor trabalho29 encontra-se reconhecida pela CR/88 como um dos instrumentos mais relevantes e abrangentes de afirmação do ser humano em todos os planos de sua vida.

Segundo Valéria Marques Lobo, as regras e os princípios constitucionais de 1988, ao apontarem para a universalização dos direitos sociais, em destaque os trabalhistas, indicam a prevalência da concepção desmercantilizadora da força de trabalho, “tanto porque reduzem a dependência do trabalhador em relação aos imperativos do capital e às vicissitudes do mercado, como porque tendem a diminuir a pressão que os de fora exercem sobre os que se encontram ocupados no mercado formal de trabalho.”30

O princípio da valorização do trabalho (art. 1º, IV da CR/88), que se fundou como pilar estruturante da ordem econômica, social e cultural do País, deve ser interpretado como “princípio da valorização do trabalho digno”31, de maneira a possibilitar a efetiva inserção social do homem e garantir a ele e a sua família condições de vida (que ultrapassam a restrita sobrevivência), bem como a afirmação da democracia na perspectiva social.

O direito fundamental ao trabalho digno32nos conduz, LGADO, 2006:71).

dissociado da participaçelando-se "erno, de modo que permite a preservaç alcançou seu maior status com a sua constitucionalização, que no Brasil melhor se destacou na seara constitucional de 1988. Alçado à condição de direito fundamental na CR/88, deve gozar de todas as características próprias dos direitos fundamentais - em destaque, a sua aplicação imediata e irrenunciabilidade/indisponibilidade.

Segundo Mauricio Godinho Delgado, a correta leitura constitucional do princípio da valorização do trabalho digno conduz à noção de valorização do trabalho regulado (aquele submetido a um feixe jurídico de proteções e garantias expressivas), sendo que no capitalismo, confunde-se, basicamente, com o emprego.33

A CR/88 enfatiza, repetidamente, a valorização do trabalho de tal forma que não incidam dúvidas de que o trabalho - ou melhor, o emprego -, deve ser traduzido como “princípio, fundamento, valor e direito social”, posto que a Constituição “conhece há séculos os olhos e ouvidos excludentes das elites políticas, econômicas e sociais brasileiras.”34

Conforme se depreende dos dispositivos constitucionais constata-se que a Lei Maior, ao adotar a economia capitalista, não deixou de propiciar condições que garantam aos indivíduos, não detentores dos meios de produção, o trabalho digno. Desta feita, pretendeu conciliar os interesses do patronato e dos trabalhadores, do capital e do trabalho, em verdadeira síntese dessa relação dialética, de constante conflito.

Segundo Mauricio Godinho Delgado, o fenômeno da constitucionalização no ramo juslaboral se apresentou de forma tão enfática que a noção de direito fundamental ao emprego se mistura com o próprio Direito do Trabalho, já que, por meio deste, assegura-se “o mais elevado padrão de afirmação do valor-trabalho e da dignidade do ser humano em contextos de contratação laborativa pela mais ampla maioria dos trabalhadores na sociedade capitalista.”35

Vale mencionar que os direitos fundamentais do trabalho também se encontram previstos nos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil, “naquilo que não reduzam o patamar de garantias asseguradas internamente no próprio país (art. 5º, §2º, CF/88)”, bem como na legislação heterônoma.36

A respeito da análise constitucional acerca do valor trabalho, notadamente do emprego, pondera-se que, no caso brasileiro, a previsão formal da estrutura e da eficácia jurídicas dos direitos fundamentais do trabalho não significou a sua aplicação no plano material; ou seja, a sua eficácia social.37

Neste contexto, ressalta-se o papel das políticas públicas e das normas jurídicas como fatores essenciais para viabilizar a concretização do valor trabalho.

Assim, para o desenvolvimento pleno da democracia brasileira, não se revela suficiente a correta identificação dos direitos fundamentais do trabalho, como também a sua real efetividade.

Este desafio não foi enfrentado até fins do século XX. Ao contrário, no que tange aos direitos fundamentais do trabalho, vários foram esvaziados ou, se acatados, não tiveram o efeito esperado, o que comprometeu a maturação do processo democratizante brasileiro em face do recrudescimento do liberalismo e de sua matriz remercantilizadora no País.


4 Síntese das transformações capitalistas ocorridas no século XX e seus reflexos na relação de emprego

Desde meados ou fins da década de 1970, o mundo passou a assistir a uma crescente contestação à centralidade do trabalho, especialmente do emprego, na economia e na sociedade capitalistas. Mais do que isso, despontaram largos e diversificados argumentos fortemente pessimistas sobre o mundo do trabalho, predizendo seu inevitável enfraquecimento ou, até mesmo, sua eliminação em futuro próximo da humanidade.

As repercussões no mundo do trabalho das transformações tecnológicas, organizacionais e mercadológicas ocorridas a partir de meados da década de 1970 foram manipuladas pela exacerbação e generalização do pensamento ultraliberal (nos planos social, econômico, político e cultural), de modo que deram origem a visões pessimistas sobre o trabalho e o emprego, contribuindo para o seu próprio desprestígio no contexto do globalismo38.

Vale lembrar que a vertente liberal ortodoxa nunca deixou de existir; encontrava-se apenas em refluxo e em relativo isolamento no precedente período da hegemonia da matriz intervencionista keynesiana.

Em consequência do receituário perverso e irracional do neoliberalismo em escala global, instituiu-se o padrão do capitalismo sem reciprocidade, “o qual passa a ser considerado e gerido como não mais do que um cru sistema de acumulação excludente de riquezas.”39

Nesta linha, Jacques Nagels menciona que a política econômica neoliberal, ao contestar a antiga regulamentação macroeconômica (a do fordismo e do Welfare State) estabelece uma nova regulamentação: a do capitalismo desenfreado, que conquista uma imensa zona geográfica,

afundando-se a leste - na ex-URSS como na China – e impondo ao sul, em tempos tentado pelo terceiro-mundismo, a integração no mercado mundial. A leste, o socialismo pervertido muda-se em capitalismo selvagem. A sul, a liberalização e a desregulamentação arrastam-no. No Ocidente o capitalismo aprofunda-se começando por desfazer a esfera mercantil do Estado e atacando seguidamente as esferas não mercantis. (NAGELS, Jacques. Elementos de economia política: crítica do pensamento único. Lisboa: Instituto Piaget: 2000. P.29)

Ainda, Jacques Nagels assevera que ao sul, no conjunto dos países que tinham seguido uma via terceiro-mundista de desenvolvimento – “relativamente autocentrada, proteccionista, assente na estratégia de substituição à importação..., isto é, nem socialismo centralizado nem capitalismo” -, o capitalismo desenfreado submergiu-se a passo de gigante.40

O mantra do livre mercado da década de 1980 também repercutiu na ocorrência de um novo “Consenso de Washington”, que ao trazer uma abordagem completamente diferente para o desenvolvimento e a estabilização, fundou-se nos principais pilares da austeridade fiscal, da privatização e da liberalização de mercado, que se tornaram “recomendações” para todos os países do mundo.41

Inicialmente, as políticas que evoluíram para o “Consenso de Washington” foram introduzidas nos países em desenvolvimento na América Latina para enfrentar circunstâncias específicas, como o fato dos governos terem perdido o controle de seus orçamentos e as políticas monetárias flexíveis terem implicado inflação galopante. Mais tarde, as ideias desenvolvidas no “Consenso de Washington” foram consideradas aplicáveis aos demais países, embora não houvesse comprovação de que a imposição do liberalismo econômico dos mercados de capitais estimulasse o mercado econômico. Ao revés, esse pilar encontra-se acompanhado por pobreza, miséria, desemprego e até caos político e social.42

Nesta linha, as políticas decorrentes da hegemonia do “pensamento único” podem ser resumidas como garantidoras, aos países industrializados e desenvolvidos, de uma participação maior nos benefícios do programa de globalização à custa do mundo em desenvolvimento, tornando “os ricos mais ricos e os pobres mais pobres – e cada vez mais furiosos.”43

Dessa forma, Joseph Stiglitz defende que a ideologia neoliberal que tem sido imposta, não somente aos países em desenvolvimento, como também aos diversos países do mundo, no processo econômico de globalização, deve ser radicalmente repensada:

É o momento de mudar algumas das regras que governam a ordem econômica mundial, de dar menos ênfase a ideologias e de prestar mais atenção naquilo que realmente funciona, de pensar mais uma vez a respeito da maneira como as decisões são tomadas em nível internacional – e no interesse de quem. [...]. A globalização pode ser reformulada e, quando isso acontecer, quando ela for gerenciada de maneira adequada e imparcial, com todos os países tendo o direito de opinar sobre as políticas que os afetam, é possível que ajudará a criar uma nova economia global, na qual o crescimento não seja apenas mais sustentável e menos volátil, mas os frutos desse crescimento sejam compartilhados com mais igualdade. (STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios. São Paulo: Futura, 2002. P.49.)

Não se trata de uma utopia. Em um contexto globalizado, o êxito socioeconômico de certo país, notadamente aquele em desenvolvimento, depende de escolhas e de decisões opostas ao exagero neoliberal, conforme predizia diversos intelectuais que pugnam pela contrapartida social e cultural no sistema capitalista vigente:

[...] os países têm escolhas, e entre elas está até que ponto eles desejam se sujeitar aos mercados de capitais internacional. Aqueles, como no Leste Asiático, que evitaram as restrições do FMI, cresceram rapidamente, com maior igualdade e redução da pobreza que aqueles que seguiram as diretrizes do Fundo. Como as políticas alternativas afetam diferentes grupos de maneiras diferentes, é papel do processo político – e não dos burocratas internacionais – fazer as escolhas. Mesmo se o crescimento fosse afetado de maneira adversa, é um custo que muitas nações em desenvolvimento podem estar dispostas a pagar para alcançar uma sociedade mais democrática e igualitária, da mesma forma que muitas sociedades hoje estão dizendo que vale a pena sacrificar algum crescimento por um meio ambiente melhor. Enquanto a globalização for apresentada da maneira que tem sido, ela representará uma privação de direitos. Sem dúvida nenhuma, haverá resistência, em especial por parte daqueles que estão sendo privados de seus direitos. (STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios. São Paulo: Futura, 2002. P.298-299).

Salienta-se: desde fins dos anos 1970 e início dos anos 1980, os países capitalistas ocidentais vivenciaram a predominância política, econômica e cultural de uma ideologia completamente contrária ao “modelo multifacetado, normatizador e intervencionista” dos Welfare States e à orientação keynesiana de gestão econômico-social do capitalismo.44

Assim, aquela matriz cultural afirmativa do trabalho, especialmente do emprego, que fora hegemônica por algumas décadas, passa, desde fins da década de 1970, a ser agredida de maneira frontal pela exacerbação do neoliberalismo, que difunde a ideia de um novo paradigma na vida socioeconômica, não mais atrelado às noções e realidades do emprego e do trabalho.

Neste panorama, o liberalismo readequado advogou (e advoga), em síntese, pelo “primado do mercado econômico privado na estruturação e funcionamento da economia e da sociedade, com a submissão do Estado e das políticas públicas a tal prevalência.”45

Para a perspectiva ultraliberal, a economia e a política dos Welfare States seriam insustentáveis, principalmente porque inviabilizariam o controle da inflação e porque provocavam excessivos custos, tanto na esfera do governo (em virtude das políticas socioeconômicas) quanto na privada (em decorrência do pleno emprego).46

Especificamente no mundo do trabalho, houve - e persiste (ainda que de forma fragilizada em alguns países) -, uma iniludível tentativa de desconstrução cultural do primado do trabalho e do emprego no sistema capitalista. Destacam-se como seus desdobramentos a redução do valor trabalho a um critério meramente utilitarista (impulsionador da precarização das condições de trabalho e da desregulamentação excessiva) e o desemprego contemporâneo conjuntural.47

O receituário apregoado pelo neoliberalismo resultou, quase de imediato, na exacerbação das taxas nacionais de desemprego. Sob o império da agenda ultraliberal, o desemprego se tornou um “fenômeno socioeconômico persistente e grave em inúmeros países capitalistas ocidentais, desde o universo europeu desenvolvido até a realidade de distintas economias latino-americanas.”48

Nesta seara, foram propostos diversos diagnósticos para tentar explicar o desemprego contemporâneo, usualmente buscando suas causas longe do foco das políticas públicas seguidas na última década do Ocidente.

Entretanto, é praticamente inviável dissociar-se tais altas taxas de desemprego das políticas públicas recessivas e desregulamentadoras da economia privilegiadas pelo ideário ultraliberal dominante. Tal elevado e persistente índice de desemprego é claro “produto concertado de políticas públicas dirigidas, precisamente, a alcançar estes objetivos perversos e concentradores de renda no sistema socioeconômico vigorante”, seguida pela maioria dos países capitalistas ocidentais.49

No Brasil dos anos de 1990, a incorporação do império ultraliberal foi reproduzido internamente sem maiores adequações. No contexto brasileiro, a evolução jurídico-trabalhista foi marcada pela tradição histórica de singular desprestígio e isolamento conferido ao instituto juslaboral.

O período subsequente à redemocratização de 1985 e à Constituição Cidadã poderia ter conferido novo status ao ramo jurídico trabalhista. Despontava uma nova fase histórica, em que, aparentemente, tornaria possível a reversão da antiga tendência isolacionista conferida ao Direito do Trabalho no capitalismo brasileiro.

No entanto, “este novo status foi imediatamente fustigado por nova linha de desgastes que se erigia quanto ao ramo jurídico especializado trabalhista.”50

Neste sentido, Mauricio Godinho Delgado dispõe:

A crise e a transição do Direito do Trabalho, que despontaram na Europa Ocidental a partir de meados ou fins da década de 1970, fizeram-se sentir tardiamente no Brasil, ao longo da década de 1990 - em pleno processo de transição democrática desse ramo jurídico instigado pela Constituição de 1988. Essa coincidência temporal de processos - o de democratização, de um lado, e, de outro, o de desarticulação radical do ramo justrabalhista - torna dramática a presente fase brasileira de crise e transição do Direito do Trabalho. (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. P.114).

O peso das escolhas políticas, desde o início da década de 1990, trouxe o recrudescimento do liberalismo no Brasil.

A CR/88, que havia incorporado um elenco considerável de medidas direcionadas à desmercantilização da força de trabalho, além de ter enfrentado dificuldades para a sua concretização, sofreu desvirtuamento de seu propósito.

Logo, ganha fôlego a remercantilização da força de trabalho no Brasil, aprofundando o desequilíbrio de forças entre Capital e Trabalho, que teve como marcos políticos os governos de Fernando Collor de Melo e de Fernando Henrique Cardoso.51

Vários preceitos inscritos na CR/88 se transformaram em “letra-morta, diante da resistência do empresariado em absorver certas conquistas em matéria social”, ou, se cumpridos esses preceitos, não teriam o efeito esperado “dada a possibilidade de que dispunham os empresários de recorrer a dispositivos que acabariam por anular o impacto de determinadas conquistas.”52

Assim, somadas as posturas de descomprometimento social dos empresários e do Estado, contaminadas pela ideologia neoliberal, o valor trabalho, com seu significado fundamental de construção da dignidade humana e da cidadania, até então sendo absorvido pela cultura e consciência do povo brasileiro, foi agredido frontalmente de modo a desprestigiar e, até mesmo, aniquilar as proteções trabalhistas constitucional e infraconstitucionais.

A recusa brasileira à generalização do Direito do Trabalho indicou, frise-se, a existência de uma orgânica conexão entre o tipo de política pública seguida hegemonicamente pelo Brasil e o desprestígio do trabalho e do emprego.

Nas décadas finais do século XX, as políticas públicas e a normatização jurídica tiveram o mesmo direcionamento: desregulamentação e flexibilização negativa53 das normas jurídicas trabalhistas e precarização dos direitos trabalhistas. Assim, optou-se pela adoção diversificada de modalidades antigas, renovadas e, até mesmo, inovadoras de desregulação e/ou precarização trabalhistas.

Neste contexto, o Direito do Trabalho, que até então se apresentava no mundo ocidental como o meio mais eficiente e generalizado de política de distribuição de renda e de certo poder na história do capitalismo, no Brasil, passou a ser atacado e submetido ao desgaste,

[...] em irresistível blitzkrieg de críticas, as quais, curiosamente, originavam-se desde os segmentos mais conservadores da sociedade, passando pelas novas vertentes de renovação ideológica do sistema hegemônico, despontando até mesmo de certas searas oriundas do clássico pensamento democratizante e distributivista nos séculos XIX e XX. (DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a. p. 136.)

O cenário de exclusão social brasileira pode ser comprovado por meio de diversos dados e estatísticas, em que se destacam aqueles fornecidos pelo IBGE (PNAD de 2001) como indicador que menos de 30% dos seus trabalhadores inseriam-se formalmente na categoria de empregados.

Assim, durante a década de 1990 e início dos anos 2000, o desenvolvimento econômico-social brasileiro apresentou a seguinte singularidade: aproximadamente, apenas 1/3 dos trabalhadores ocupados era regido pelo Direito do Trabalho. Então,

[...] por mais que se intente justificar tratar-se de realidade nacional incomunicável, a defasagem de dados e situações é simplesmente brutal. Está-se diante de uma discriminação acentuada, gravíssima, posto que neste País milhões de pessoas laboram em dinâmica qualificada pelos elementos integrantes da relação de emprego, porém sem que tenham garantido o patamar civilizatório mínimo característico do Direito do Trabalho. Observe-se que não se está falando de discriminação contra setores especiais da população, segmentos isolados (o que seria também grave, obviamente), porém trata-se de discriminação contra cerca de 2/3 do pessoal ocupado no Brasil, algo escapa inteiramente ao padrão mínimo de desenvolvimento da civilização ocidental. (DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a. p. 143.)

No período, fica evidente que a escandalosa defasagem socioeconômica brasileira se pautou no fato de o Direito do Trabalho não ter cumprido no País o seu notável papel civilizatório afirmado, até então, nos países de capitalismo central.

Até o início dos anos 2000, o Brasil ainda não havia enfrentado seu grande desafio de maior abrangência e impacto social: as inclusões social e econômica das grandes maiorias por meio de um Direito do Trabalho efetivo.

Acerca da urgência da generalização do Direito do Trabalho no Brasil, Mauricio Godinho Delgado assim se posiciona:

A generalização do Direito do Trabalho é o veículo para a afirmação do caminho do desenvolvimento econômico com justiça social. A principal das ações afirmativas de combate à exclusão social no Brasil, desse modo, é a própria efetividade do Direito do Trabalho. Afinal, segundo [...] dados oficiais especificados, existiriam dezenas de milhões de brasileiros laborando com aquilo que tecnicamente seria considerado como elementos da relação de emprego, porém posicionados em um situação de rebaixamento de direitos, quer pela pura e simples informalidade, quer pela submissão a outras fórmulas engenhosas (ou grosseiras) de não reconhecimento de cidadania profissional, social e econômica a esses indivíduos. A exclusão social, pela negativa de implemento do Direito do Trabalho, consubstancia forma enfática de discriminação das grandes maiorias, essa chaga gritante da exclusão social, que nos coloca em posição constrangedora no rol dos piores países e sociedades em termos de distribuição de renda em redor do mundo (DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a. p. 143.)

Diante deste contexto brasileiro, demarcado pela década de 1990 e início dos anos 2000, Mauricio Godinho Delgado ressalta:

Tudo isso demonstra ainda haver largo espaço para a atuação do Direito do Trabalho no Brasil, como instrumento civilizatório fundamental para a construção da democracia social e também da cidadania neste País. É chegado o momento de conferir-se ao Direito do Trabalho, no Brasil, seu papel fundamental, histórico, seu papel promocional da cidadania. Afinal, este ramo jurídico é um dos principais instrumentos de exercício das denominadas ações afirmativas de combate à exclusão social, com a virtude de também incentivar o próprio crescimento da economia do País. (DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a. p. 143.)

A partir de 2003, não por acaso, passou a se notar que a política trabalhista de franco desprestígio ao emprego e ao trabalho, e, por conseguinte, ao Direito do Trabalho, com indisfarçável incentivo à precarização da contratação laborativa, caminhou em outra direção.

A experiência brasileira de 2003 a 2010 evidenciou, de forma nítida, o papel civilizatório e democrático do emprego e do Direito do Trabalho no Brasil, que permitiu, ainda que de forma inicial, um significativo processo de inclusões social e econômica de um enorme contingente de pessoas e famílias.54

No mesmo sentido, Mauricio Godinho Delgado se manifesta:

O fato é que o Direito Individual do Trabalho superou a crise de afirmação dos anos 1990, época em que se viu refluído não apenas quanto à sua efetividade como também no próprio sentido de sua consistência e direção. Nos últimos anos desta primeira década do século XXI (2003-2010), o grau de generalização e efetividade do Direito Individual do Trabalho espraiou-se pelo Brasil, com o incremento de vários milhões de novos trabalhadores regidos por suas regras e princípios ao longo de todo o imenso território do país. Hoje, são mais de 40 milhões de trabalhadores integrados ao império do Direito do Trabalho no Brasil, o que volta a consolidar o processo de cidadania institucionalizada que tem caracterizado - com períodos de regressão, naturalmente - a história brasileira desde 1930.(DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. P.133.)

Assim, ultrapassada a fase de perplexidade e de insegurança que delimitou a década de 1990 e o início dos anos 2000, seguramente, pode-se concluir que o padrão normativo do Direito do Trabalho não poderia ser mesmo diferente.

A experiência brasileira no período 2003-2010, que será tratada oportunamente, atesta que as bases do Direito do Trabalho não se encontram envelhecidas e desatualizadas. Ao contrário, o que se verifica é a extrema juventude do Direito do Trabalho, que ainda procura se afirmar, e a crescente tomada de consciência em torno da relevância social deste ramo jurídico, refletindo, por óbvio, que a sua efetividade é mais do que oportuna, é essencial.

Eis o grande desafio para o século XXI, como já predizia Eric Hobsbawm, a restauração das autoridades públicas, na qualidade de agentes determinantes de adequação do capitalismo às demandas socioeconômicas e culturais.55


5 O renascimento do Direito do Trabalho no Brasil – alguns contornos acerca da experiência brasileira do período de 2003 a 2010.

As políticas governamentais experimentadas em um período compreendido entre 2003 e 2010 contribuíram para a dignidade e a cidadania do povo brasileiro e repercutiram no renascimento e no prestígio do Direito do Trabalho no Brasil. Sendo assim, provocaram uma verdadeira mudança na história da sociedade brasileira.

Somente no período recente,

[...] o tema da plena ocupação da mão de obra e da injustiça na repartição da renda foi recolocado no centro da agenda nacional. A perspectiva de construção da agenda civilizadora no século XXI, com a promoção e defesa da produção e do emprego nacional, acompanhada da efetivação de reformas patrimoniais modernizantes, passou a encontrar um novo horizonte para a sua reafirmação. A permanente busca da equidade social ganhou impulso positivo, cada vez mais regido pelo reconhecimento e valorização de distintos esforços realizados por variados segmentos sociais, em torno da produção e reprodução das novas fontes de riqueza nacional. (POCHMANN, Márcio. Desenvolvimento, trabalho e renda no Brasil: avanços recentes no emprego e na distribuição dos rendimentos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010a. P.8).

Especialmente a partir de 2006, verificou-se a implementação de políticas públicas destinadas, prioritariamente, a atender às demandas sociais dos setores subalternos da sociedade, a recuperar e a gerar empregos, a reduzir as taxas de desemprego, a melhorar o salário médio real e a valorizar o salário mínimo, de forma significativamente diversa, e, até, inédita, se comparadas às do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Em relação ao número de empregos gerados por governo, verifica-se que no primeiro mandato de FHC foram destruídos mais de um milhão de empregos e que no balanço de oito anos de seu governo criaram-se menos de 800 mil vagas de emprego. Ao contrário, no governo Lula, até fins de 2008, foram criados quase 9 milhões de empregos (com carteira assinada), e no final de 2010 esse número ultrapassou 15 milhões.

A enorme diferença na quantidade de empregos formais criados na primeira década do século XXI (2003-2010) revela uma brutal disparidade de orientação política entre os governos de FHC e de Lula, de forma que, principalmente neste aspecto, não há como se falar em continuidade, e, sim, em mérito, único e exclusivo, do governo Lula, em contraponto à fase imediatamente anterior.

O mais importante foi que a estratégia adotada pelo governo Lula de gerar milhões de empregos não se realizou isoladamente, e, sim, acompanhada de um conjunto de políticas públicas direcionadas às inclusões social e econômica. Neste sentido, há o seguinte diagnóstico:

[...] o principal, sem dúvida, é que por meio dos programas de distribuição de renda e da nova política do salário mínimo, milhões de brasileiros puderam sair da situação de miséria e pobreza em que se encontravam, atingindo níveis de vida e de consumo que os colocam hoje como membros da classe média. Com isso, melhorou a saúde, a educação, o emprego e a autoestima, além de abrir possibilidades de um futuro melhor para todos.(POCHMANN, Márcio. Desenvolvimento, trabalho e renda no Brasil: avanços recentes no emprego e na distribuição dos rendimentos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010a. P.5, grifo nosso.)

Ainda, urge salientar a análise feita por Mauricio Godinho Delgado acerca da recente conjuntura vivenciada no Brasil:

Reconheça-se que, felizmente, a partir de 2003, deflagrou-se notável processo de formalização empregatícia no Brasil, aumentando-se, em poucos anos, até o final da década, em mais de 10 milhões de pessoas o montante de trabalhadores formalmente incorporados ao Direito do Trabalho na economia e sociedade. Não por coincidência, no mesmo período, o país assistiu a significativo processo de inclusão social e econômica de enorme contingente de pessoas e famílias, permitindo se evidenciar, com clareza, o impressionante papel civilizatório e progressista do Direito do Trabalho também em nossa realidade. (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 60-61, grifo nosso).

Diante destas considerações iniciais, constata-se que o período de 2003 a 2010 apresentou uma evidente consequência social. Poderia ter obtido melhores resultados se o Brasil estivesse crescendo em consonância com as suas potencialidades e “é claro que muito ainda deve ser feito, mas o que se conseguiu nestes oito anos mostra que é possível implementar mudanças de fundo, que transformam a vida das pessoas e lhes dão mais dignidade e cidadania.” 56

A opção governamental de enfrentar o quadro geral das distorções sociais representou tanto o ponto de ruptura realizado pelo governo Lula em relação à regressão neoliberal, como o “aproveitamento de oportunidades inéditas de correção dos graves defeitos da nação”.57

Nesse contexto, as políticas sociais implementadas assumiram um papel determinante. Inicialmente, orientaram-se em extrapolar o sentido de mera compensação de maneira que passaram a sair “do campo do clientelismo para o campo das políticas públicas normatizadas, com critérios, transparência e prestação de contas.”58

Em um segundo momento, buscaram superar as falsas dicotomias decorrentes do pensamento conservador no Brasil, que sempre impôs, na linguagem de Patrus Ananias, a dualidade de “ou isto ou aquilo”, e não “isto e aquilo”. Em outras palavras, no período de 2003 a 2010, verificou-se que não tinham razão de existir as seguintes separações históricas fortalecidas pelo ideário neoliberal: “crescimento econômico ou desenvolvimento social” e “proteção e promoção social ou direitos trabalhistas”.59

Diante da postura governamental de negar falsas dicotomias e polarizações (essencial para enfrentar o passivo deixado pelas décadas de 1980 e 199060) e vir assumindo a sua responsabilidade pela garantia dos direitos sociais, serão privilegiadas as políticas públicas que, dotadas de dimensão ética e humanitária, visaram a garantir o crescimento econômico sustentável por meio da inclusão socioeconômica.

Destacam-se como principais políticas sociais61 que nesse período realmente contribuíram para o avanço de novos compromissos com o planejamento soberano e sustentável da nação aquelas direcionadas à distribuição de renda.

As políticas de distribuição de renda trouxeram impactos inovadores para a base da pirâmide social, por repercutirem nas reduções da pobreza, da desigualdade social e do desemprego, e implicarem também o incremento da mobilidade social, a geração de empregos e a ampliação do consumo popular.

No âmbito das políticas sociais, particularmente as de distribuição de renda, algumas ações tiveram destaque pelo seu alcance ou caráter inovador: programa Bolsa Família, programa de valorização do salário mínimo e programa de crédito consignado.62 Por meio de análise de dados, de gráficos e de estatísticas, pode-se afirmar que cada uma dessas iniciativas cumpriu um papel próprio no atendimento a diferentes segmentos populacionais e, vistas em conjunto e articuladas com outras políticas públicas, determinaram a marca social do governo Lula ao se encontrarem no centro de sua agenda social.63

A coordenação e a convergência das políticas de distribuição de renda implementadas no período 2003-2010 trouxeram melhoria real na condição de vida64 do povo brasileiro.

Valendo-se de evidências empíricas, privilegiam-se como efeitos positivos decorrentes das políticas públicas direcionadas à inclusão socioeconômica: recuperação e geração de empregos, diminuição do desemprego, redução da desigualdade social e da pobreza, incremento da mobilidade social e expansão do mercado interno de massas.

Em outras palavras, nesse período a iniciativa governamental buscou lidar com diversos problemas que persistem na história brasileira (desigualdade de renda, desigualdade social, pobreza/miséria, desemprego e precarização das relações trabalhistas, entre outros) em um contexto de crescimento econômico.

No presente artigo, apenas se trata da repercussão de geração de empregos e redução de emprego em atenção às limitações editoriais desta Obra.

5.1 Recuperação e geração de empregos e redução do desemprego

No Brasil, há pouco tempo, prevalecia um discurso que apregoava que o emprego (“com carteira assinada”) era um freio à expansão econômica e à concorrência internacional, de forma a ser profetizada a recessão do mundo do trabalho, se não, a sua derrocada.

No entanto, a experiência brasileira recente comprovou o “engano” daqueles que proclamavam o fim do emprego e incentivavam a precarização das relações de trabalho - que são os mesmos, que, a propósito, estimulam a dispensa arbitrária/sem justa causa e a alta rotatividade.

O período de 2003 a 2010 caracterizou-se por um comportamento inédito nas duas últimas décadas da história do Brasil: a expansão do emprego (“formal e regulado”) sem passar por maior precarização dos direitos trabalhistas, o que resultou no aumento da taxa de formalidade da força de trabalho brasileira.

De acordo com Sérgio Mendonça e Ademir Figueiredo, tudo indica que a transformação mais importante ocorrida no mercado de trabalho, no ciclo recente de crescimento da economia brasileira, tenha sido a expansão do emprego e, simultaneamente, a redução significativa da informalidade. Em outras palavras, com base nos dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), estes economistas informam que:

[...] cresceu a proporção de pessoas ocupadas no setor privado com carteira de trabalho assinada. Adicionalmente, cresceu o emprego no setor público, reforçando a tendência de formalização do mercado de trabalho. Cresceram bem menos os autônomos, empregados domésticos e outros, que incluem donos de negócio familiar, profissionais universitários, autônomos, trabalhadores familiares sem remuneração salarial etc. Como ficam, à luz dessas informações, as projeções pessimistas dos analistas que apontavam o fim dos empregos formais? Das 2,9 milhões de ocupações novas criadas entre 2002 e 2008, os empregos com carteira assinada ou empregos no setor público atingiram 2,4 milhões. Pelo menos oito, em cada dez novas ocupações, no período 2003-2008, foram empregos formais, contrariando cabalmente as análises dominantes nos anos 1990 sobre o fim dos empregos formais. Diga-se, a título de registro histórico, que nos anos 1990, em cada dez ocupações criadas, apenas três eram empregos formais. No período 2003-2008 também foram criadas novas ocupações para trabalhadores sem carteira assinada, autônomos ou empregados domésticos. Contudo, essas formas de inserção não representaram mais do que 15% da expansão dos mercados de trabalho metropolitanos. (MENDONÇA, Sérgio; FIGUEIREDO, Ademir. Balanço do mercado de trabalho de 2003 a 2008 e perspectivas. In: GUIMARÃES, Juarez (Org.). As novas bases da cidadania: políticas sociais, trabalho e previdência social. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 94-95.)

No mesmo sentido, estatísticas do MTE e do IBGE atestam a progressiva formalização do mercado de trabalho. Entre 2003 e 2010, o percentual de trabalhadores com carteira assinada ultrapassou 50%, sendo que o número de empregos criados extrapolou 15 milhões e, até meados de 2011, a quantidade de trabalhadores formais superava 45 milhões. 65

Frise-se, o “equívoco” das formulações apologéticas que diziam que a oferta de trabalho assalariado formal iria necessariamente se tornar marginal (ou até extinta) foi combatido na prática:

Depois de um longo período convivendo com baixas taxas de crescimento nas décadas de 1980 e 1990, não soava estranho que o pensamento dominante apontasse para a “maldição” do desemprego como uma fatalidade de nosso padrão de desenvolvimento recente. Complementarmente, a visão sobre o “fim do emprego” influenciou muito o debate público na década anterior, em linha com a interpretação dominante no mundo desenvolvido. Assim, as políticas públicas desenhadas para enfrentar os desafios do mercado de trabalho brasileiro na década anterior foram marcadas predominantemente pelos programas de qualificação profissional, atribuindo aos indivíduos (as vítimas!) a responsabilidade pela superação de seu infortúnio (o desemprego!). O lema recorrente do debate era “estude e se qualifique por sua própria conta, que você encontrará uma oportunidade no mercado de trabalho”. Essa visão fatalista e paralisante começou a mudar com a retomada do crescimento econômico na atual década, notadamente a partir de 2004. Inicialmente estimulado pela demanda externa, o crescimento rapidamente foi internalizado a partir de 2005, ancorado na expansão do mercado interno que, por um lado, beneficiou-se do forte crescimento do conjunto dos rendimentos, tanto dos trabalhadores da ativa quanto dos aposentados. De outro lado, as políticas de valorização do salário mínimo, de transferência de renda (Programa Bolsa Família), de oferta de crédito (em especial do crédito consignado) e a retomada dos investimentos privados e públicos (PAC e estatais) também foram fatores que influenciaram decisivamente esse salto no patamar de crescimento.O mercado de trabalho brasileiro reagiu positivamente a esse novo cenário, mostrando sucessivas melhoras desde 2004. Apenas em 2009, como reflexo da crise internacional, houve uma curta interrupção naquela trajetória de avanços. [...]. A elasticidade produto-emprego modificou-se favoravelmente nesse ciclo recente de crescimento com impactos positivos para a geração de novos empregos e ocupações nos diversos setores. Para cada ponto de crescimento do Produto Interno Bruno (PIB), no ciclo recente, mais ocupações e empregos formais estão sendo criados, inclusive no setor industrial. (MENDONÇA, Sérgio; FIGUEIREDO, Ademir. Balanço do mercado de trabalho de 2003 a 2008 e perspectivas. In: GUIMARÃES, Juarez (Org.). As novas bases da cidadania: políticas sociais, trabalho e previdência social. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 90,94.)

De acordo com a notícia “Demanda interna puxa alta de empregos em 2010” publicada no site do MTE em 11/05/2011, dados da RAIS mostram que em 2010, quase todos os setores tiveram empregos expandidos. Beneficiados pelo fortalecimento da demanda interna, as contratações foram puxadas pela elevação real da massa salarial, pela expansão do crédito do sistema financeiro com recursos livres para pessoas físicas e pelo aumento dos investimentos. Ainda, noticia-se que a média anual de geração de empregos foi de 1,923 milhão de vagas, um aumento de 5,51% ao ano, número inédito na história do emprego formal para um período de oito anos consecutivos e que do total de empregos formais criados em 2010, 2,590 milhões foram com carteira de trabalho assinada (celetistas), e 270,4 mil vínculos empregatícios estatutários (servidores públicos).66

No entanto, para que o Brasil mantenha e aumente o seu mercado de trabalho formal e a sua economia dinamizada, medidas devem ser tomadas no sentido de aperfeiçoar e ampliar suas políticas públicas, tais como: promover uma ampla política nacional de emprego e reduzir a rotatividade no mercado de trabalho.

É importante enfatizar que, além de o governo Lula visar à expansão de empregos, também houve, de certa maneira, a preocupação com a qualidade dos empregos gerados.

Em 2003, o presidente Lula assumiu o compromisso do Brasil com a agenda global do trabalho decente67, formalizada pela OIT, por meio da assinatura de um memorando de entendimento para a implementação de uma agenda nacional de trabalho decente no Brasil. No ano de 2006, durante a XVI Reunião Regional Americana da OIT, foi lançada por Luiz Marinho, na época Ministro do Trabalho e Emprego, a Agenda Nacional do Trabalho Decente (ANTD), em um momento em que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) acabava de aprovar a Agenda Nacional para o Desenvolvimento. A partir de 2007, desenvolveu-se também a experiência de levar essa Agenda de Trabalho Decente para os estados e os municípios, sendo que a experiência brasileira passou a ser uma referência para outros países.68 (ABRAMO, 2010).

Ademais, no contexto de forte impulso à formalização do mercado de trabalho, no período de 2003 a 2010 também houve a redução do desemprego.

A taxa de desemprego foi diminuída em seus dois componentes – desemprego aberto (clássico) e desemprego oculto (trabalho precário e/ou desalento) - de forma semelhante nas regiões metropolitanas (Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Paulo) e no Distrito Federal.

Logo, a redução do desemprego total não refletiu um movimento regional ou sazonal, de modo que se constatou:

[...] as oportunidades de novas ocupações não só permitiram que as pessoas que estavam apenas à procura de trabalho fossem absorvidas (desemprego aberto), como também encontrassem trabalho aqueles que combinavam procura por trabalho e realização de algum bico (desemprego oculto pelo trabalho precário). O mesmo ocorreu com a parcela dos trabalhadores desempregados que se encontrava desalentada (desemprego oculto pelo desalento). [...] Ainda que os patamares de desemprego permaneçam muito altos e preocupantes, a queda verificada de 2003 a 2008 colocou o indicador em níveis semelhantes aos verificados na metade dos anos 1990, recuperando mais de uma década de crescimento de desemprego. (MENDONÇA, Sérgio; FIGUEIREDO, Ademir. Balanço do mercado de trabalho de 2003 a 2008 e perspectivas. In: GUIMARÃES, Juarez (Org.). As novas bases da cidadania: políticas sociais, trabalho e previdência social. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 93-94.)

De fato, a queda na taxa de desemprego e o crescimento na taxa de ocupação no período de 2003 a 2010 refletem a retomada da valorização das bases do Direito do Trabalho, aqui, por meio da predominância de uma ideologia política favorável ao primado do trabalho, em especial, do emprego.69

Portanto, no período recente, o trabalho, em especial a sua modalidade regulada - o emprego reforça a sua centralidade no capitalismo contemporâneo e o Direito do Trabalho renasce ao proporcionar um inicial patamar civilizatório. Neste sentido, essencial ressaltar a análise feita por Mauricio Godinho Delgado:

O fato é que o Direito Individual do Trabalho superou a crise de afirmação dos anos 1990, época em que se viu refluído não apenas quanto à sua efetividade como também no próprio sentido de sua consistência e direção. Nos últimos anos desta primeira década do século XXI (2003-2010), o grau de generalização e efetividade do Direito Individual do Trabalho espraiou-se pelo Brasil, com o incremento de vários milhões de novos trabalhadores regidos por suas regras e princípios ao longo de todo o imenso território do país. Hoje, são mais de 40 milhões de trabalhadores integrados ao império do Direito do Trabalho no Brasil, o que volta a consolidar o processo de cidadania institucionalizada que tem caracterizado – com períodos de regressão, naturalmente – a história brasileira desde 1930. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. P. 133.

Dessa forma, percebe-se o círculo virtuoso em que o Brasil se inseriu no período 2003-2010, já que, principalmente por meio de políticas de distribuição de renda, um mercado adicional foi criado, que começou a demandar, a demanda gerou produção, que gerou emprego e aumentaram a massa salarial e a renda da classe trabalhadora.

Segundo João Lopez Feijóo, esta é a lógica de uma verdadeira política de desenvolvimento, diversa daquela de que “vamos fazer o bolo crescer para depois dividir”. Para Feijóo, “[...] à medida que o bolo cresce, divide-se. [...]. É verdade, ele também cresce porque se divide. Primeiro porque se divide o que existia, e essa divisão gera autoestima, gera mercado, gera consumo e tudo isso reunido gera produção e emprego.”70

O compromisso político em torno da retomada do emprego nacional, aliado aos esforços de redução da desigualdade social e de melhor repartição de renda nacional, especialmente para os segmentos populacionais mais vulneráveis, apresentou-se mais efetivo no enfrentamento das distorções sociais.71

Especificamente, o Brasil voltou a recuperar a trajetória de construção do projeto da sociedade salarial, caracterizado por forte elevação do emprego formal, bem como pela importância do movimento de ascensão social. Neste sentido, Márcio Pochmann pontua:

Esse novo quadro social do Brasil encontra-se fortemente impulsionado pelo avanço do emprego assalariado, especialmente com carteira assinada. A forte expansão do emprego formal, que responde por oito a cada grupo de dez novos postos de trabalho gerados no Brasil no governo Lula, implica a retomada da marcha em prol da sociedade salarial. Com isso, o assalariamento ganha parcelas crescentes das ocupações, impondo novo ritmo de rendimento que contribui decisivamente para a massificação das normas de consumo de massa em todo o país. A ampliação generalizada do consumo popular, sobretudo no interior do terço de menor renda, explica a recente inflexão do trabalho com a marcha do novo ciclo de desenvolvimento nacional. POCHMANN, Márcio. Desenvolvimento, trabalho e renda no Brasil: avanços recentes no emprego e na distribuição dos rendimentos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010a. p. 56.

Logo, a coordenação das políticas implementadas no período 2003-2010 traduziu-se em melhor condição de vida para o povo brasileiro.

Nesta linha, Patrus Ananias discorre que os efeitos positivos ora abordados traduzem um esforço conjunto de governo e são fruto de uma condução acertada das políticas econômicas, articulada com vigoroso investimento nas políticas sociais. Ainda, reconhece que, embora não se tenha um efetivo Estado de Bem-Estar Social, o avanço da recente experiência brasileira nesta direção é notório.72

Superada a falsa dicotomia expansão econômica e desenvolvimento social, deve-se caminhar no sentido da generalização e do aperfeiçoamento das políticas públicas, de maneira que o seu beneficiário ultrapasse a condição de consumidor e atinja a cidadania em sua plenitude. Garantir o ingresso no mercado de trabalho por meio de um emprego digno é também garantir cidadania.73

De acordo com Márcio Pochmann: “A economia é um meio e não um fim, mas pode ser meio ou fim dependendo da governança política. O desafio que temos é de uma maioria política que tenha compromisso com o desenvolvimento”.74


6 CONCLUSÃO

O Direito do Trabalho, ramo jurídico que regula, notadamente, o direito fundamental ao emprego, revela-se como política socioeconômica capaz de realizar social, política e economicamente a Democracia e preservar o próprio capitalismo.

Após décadas de desprestígio da relação de emprego e do Direito do Trabalho no Brasil, a experiência brasileira de 2003 a 2010 renova a centralidade do emprego no sistema socioeconômico capitalista.

Diante da atuação do Estado brasileiro nesse período, em implementar e ampliar distintas políticas sociais de distribuição de renda, houve claro direcionamento político das políticas públicas para melhorar a condição de vida de muitos brasileiros.

Não obstante seja mais amplo o rol de políticas públicas recentes voltadas para garantir um patamar inicial civilizatório aos brasileiros, neste artigo foram citadas determinadas políticas de distribuição de renda, caracterizadas por atenuarem em mais estreita conjugação com os objetivos democráticos e distributivistas do emprego e do próprio Direito do Trabalho.

A relevância da experiência de 2003 a 2010 consiste no fato de ter demonstrado a plena atualidade do trabalho, do emprego e do Direito do Trabalho dentro dos objetivos constitucionais de construir uma sociedade pautada no bem-estar das pessoas, na dignidade da pessoa humana e na justiça social, valores suficientes para o bom funcionamento do capitalismo e para a efetivação do Estado de Bem-Estar Social, previsto na CR/88.

O presente artigo, desse modo, afirma a centralidade do trabalho e, em especial do emprego, no capitalismo e na Democracia, com o consequente destaque do Direito do Trabalho em ordens jurídicas efetivamente modernas e democráticas.


7 REFERÊNCIAS

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ANANIAS, Patrus. Prefácio: sobre o Bolsa Família ou como podemos reescrever nossa história. In: WEISSHEIMER, Marco Aurélio. Bolsa Família: avanços, limites e possibilidades do programa que está transformando a vida de milhões de famílias no Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010.

ARAÚJO, José Prata. Os novos fundamentos da política de bem-estar social. In: GUIMARÃES, Juarez (Org.). As novas bases da cidadania: políticas sociais, trabalho e previdência social. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 127-134.

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BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Características do emprego formal segundo a Relação Anual de Informações Sociais: RAIS 2010. Brasília: MTE, 2010a. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/rais/2010/>. Acesso em: 25 set. 2011.

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Notas

1 Artigo especialmente elaborado em razão da obra “Trabalho e Justiça Social: um tributo a Mauricio Godinho Delgado. Ltr, 2013.

2 Mestre em Direito Privado com ênfase em Direito do Trabalho pela PUC/MG sob a orientação acadêmica de Mauricio Godinho Delgado. Pesquisadora da CAPES (2010-2012). Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Especialista em Direito Processual Constitucional. Advogada.

3 A elaboração do presente artigo pautou-se na dissertação de Mestrado de Roberta Dantas de Mello, ora Autora, intitulada “Relação de Emprego e Direito do Trabalho: papel histórico, crise e renascimento”, defendida em 30/03/2012, na PUC/MG.

4 O capitalismo não se resume à busca pelo lucro. Como modo de produção, visa à transformação de tudo em mercadoria, “incluindo o trabalho, para fins de favorecer o mercado de trocas, permitindo uma organização estrutural para favorecer a reprodução do capital a partir da exploração do trabalho, pressupondo, para tanto, a divisão da sociedade em duas classes mais evidentemente identificadas: a dos capitalistas, que detém o dinheiro, a propriedade e os meios de produção, e a dos trabalhadores expropriados e que não tem outra alternativa de sobrevivência a não ser a da venda da força de trabalho, segundo as leis naturais do livre jogo da oferta e da procura.” (MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2011. v. 1, pt. 1. p.130. )

5 Ao realizar profunda e crítica análise histórica acerca da formação do Direito do Trabalho e sua inserção na realidade social, Jorge Luiz Souto Maior caracteriza este momento como capitalismo em desordem e assim discorre: “[...] o que se verificou no período da formação do capitalismo, pós Revolução Industrial, impulsionado pela concepção liberal, propositalmente desvirtuada, foi a implementação de uma ordem jurídica que favorece ao mesmo tempo a liberdade dos trabalhadores de venderem sua força de trabalho sem qualquer empecilho, concorrendo entre si pelos postos de trabalho oferecidos, subjugados pela necessidade econômica, mantendo-se os baixos salários e as péssimas condições de trabalho. Essa realidade permanece assim, renitente, durante décadas.” (MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2011. v. 1, pt. 1. p.165.)

6 (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011.)

7 Conforme assevera Mauricio Godinho Delgado, notadamente diante da ameaça socialista (Revolução Russa de 1917), do avanço de partidos de fundo popular na Europa Ocidental e do crack de 1929. (DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a.) A respeito, Jorge Luiz Souto Maior assim se manifesta: “Inicialmente, de certo modo, a legislação trabalhista significou uma estratégia para impulsionar e manter a exploração capitalista sobre o trabalho alheio. Com o tempo, no entanto, essa legislação adquiriu feição de um ramo do direito específico, cujos propósitos passaram a ir muito além daqueles iniciais.” (MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de direito do trabalho: a relação de emprego. São Paulo: LTr, 2008. v. 2. P. 15.)

8 DELGADO, Maurício Godinho; PORTO, Lorena Vasconcelos (Org.) O Estado de Bem-Estar Social no Século XXI. São Paulo: LTR, 2007. P. 22

9 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a. p. 29.

10 DELGADO, Maurício Godinho; PORTO, Lorena Vasconcelos (Org.) O Estado de Bem-Estar Social no Século XXI. São Paulo: LTR, 2007.

11 Embora o Brasil não tenha vivido a real experiência do EBES, aqueles valores então conquistados incorporaram-se à cultura jurídica, alcançando grande relevância nos princípios e regras da CR/88. (DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a). Ainda, a Autora retrata, em sua dissertação de Mestrado, que por meio da experiência brasileira de 2003 a 2010 foi possível verificar as bases para a efetivação do EBES, previstas na CR/88, afinal: “A implementação das políticas sociais e a desmercantilização do trabalho caminharam, pois, lado a lado na construção do Welfare State, a despeito da forma que esse tenha adquirido.” (LOBO, Valéria Marques. Fronteiras da cidadania: sindicatos e (des)mercantilização do trabalho no Brasil. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010. P.12).

12 Mauricio Godinho Delgado ressalva que, obviamente, não se trata do único veículo de afirmação socioeconômica da pessoa física prestadora de serviço. Porém, indubitavelmente, refere-se ao principal e mais abrangente veículo de afirmação socioeconômica da ampla maioria das pessoas na desigual sociedade capitalista. (DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a.)

13(DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. P.55.)

14 Esclareça-se, porém, que existem relações empregatícias que, embora situando-se no ramo justrabalhista, regulam-se por normatividade especial e restritiva, distinta dos demais empregados, em que se pode citar a categoria doméstica. Ainda, há categorias de trabalhadores não empregados que ingressaram no Direito do Trabalho não pela natureza de sua relação jurídica particular (que não é empregatícia), mas em decorrência de expressa determinação legal, que, no ramo justrabalhista brasileiro encontra-se na situação especial dos trabalhadores portuários avulsos. (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011).

15 (DELGADO, Maurício Godinho. Relação de emprego e relações de trabalho: a retomada do expansionismo do direito trabalhista. In: SENA, Adriana Goulart de; DELGADO, Gabriela Neves; NUNES, Raquel Portugal. Dignidade humana e inclusão social: caminhos para a efetividade do direito do trabalho no Brasil. São Paulo: LTR, 2010. p. 20.)

16 (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. P.87.)

17 (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. P.58.)

18 Mauricio Godinho Delgado pondera que essa função central do Direito do Trabalho “[...] não pode ser apreendida sob uma ótica meramente individualista, enfocando o trabalho isolado. Como é próprio ao Direito – e fundamentalmente ao Direito do Trabalho, em que o ser coletivo prepondera sobre o ser individual-, a lógica básica do sistema jurídico deve ser captada tomando-se o conjunto de situações envolvidas, jamais sua fração isolada. Assim, deve-se considerar, no exame do cumprimento da função justrabalhista, o ser coletivo obreiro, a categoria, o universo mais global de trabalhadores, independentemente dos estritos efeitos sobre o ser individual destacado.” (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. P.58.)

19 (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. P.58.)

20 Neste sentido, Jorge Luiz Souto Maior ressalta: “Reconhecida a relação de emprego, todas as leis do trabalho lhe são aplicadas, excetuando-se aquelas que a própria lei, por uma razão justificada - em uma situação ainda mais específica -, exclua, sendo certo, [...], que essa própria lei limitadora pode - e deve - ser examinada na perspectiva do controle de constitucionalidade e até mesmo em conformidade com os princípios que norteiam o direito do trabalho.” (MAIOR, Jorge Luiz Souto. Relação de emprego e direito do trabalho: no contexto da ampliação da competência da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. P.54)

21 (MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2011. v. 1, pt. 1. P. 619)

22 (DELGADO, Maurício Godinho. Relação de emprego e relações de trabalho: a retomada do expansionismo do direito trabalhista. In: SENA, Adriana Goulart de; DELGADO, Gabriela Neves; NUNES, Raquel Portugal. Dignidade humana e inclusão social: caminhos para a efetividade do direito do trabalho no Brasil. São Paulo: LTR, 2010. p. 23).

23 (DELGADO, Maurício Godinho. Relação de emprego e relações de trabalho: a retomada do expansionismo do direito trabalhista. In: SENA, Adriana Goulart de; DELGADO, Gabriela Neves; NUNES, Raquel Portugal. Dignidade humana e inclusão social: caminhos para a efetividade do direito do trabalho no Brasil. São Paulo: LTR, 2010. p. 22).

24 (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. P.83.)

25 DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na relação de trabalho. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 32, n. 123, p. 142-165, jul./set. 2006b.

26 DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na relação de trabalho. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 32, n. 123, p. 142-165, jul./set. 2006b.

27 DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na relação de trabalho. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 32, n. 123, p. 142-165, jul./set. 2006b.

28 Este entendimento pautado no ser humano enquanto centro convergente de direitos, porque fim em si mesmo, deve orientar, inclusive, as relações de trabalho e seu correspondente: o Direito do Trabalho. (DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTR, 2006.)

29 O sentido do valor trabalho se apresenta como “resultado da produção histórica, não podendo, por essa razão, revelar-se definitivo”. (DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTR, 2006.p. 112)

30 LOBO, Valéria Marques. Fronteiras da cidadania: sindicatos e (des)mercantilização do trabalho no Brasil. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010. P.134)

31 Neste sentido, Gabriela Neves Delgado ressalta que até mesmo o trabalho realizado em condições precarizantes deve ser excluído por se tratar de “um artifício de crua exploração da força de trabalho.” (DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTR, 2006.p. 28). Ainda, a jurista pondera que “o direito fundamental ao trabalho digno não pode ser confundido com o direito de trabalhar, muito menos com o direito de escolher um trabalho, porque esses direitos pertencem à esfera da liberdade, ou seja, da faculdade individual de cada ser humano. Sob esse aspecto é que considera que a ideia do trabalho, considerada sua ‘conotação ética’, somente pode ser viabilizada por meio de sua proteção jurídica, revelando-se como um direito universal e fundamental do ser humano.” (DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTR, 2006. p. 71).

32 De acordo com Gabriela Neves Delgado, o trabalho se apresenta como elemento concretizador da identidade social do homem, de maneira que lhe possibilita auto-conhecimento e plena socialização, sendo inerente à sua essência. Especificamente quanto à identidade social desenvolvida por meio do trabalho, destaca que esta possibilita ao homem identificar-se intensamente como ser humano consciente e capaz de participar da dinâmica da vida em sociedade. Permite-lhe, também, desenvolver a consciência de que deve cuidar de si mesmo, ou seja, preservando-se e exigindo que a dinâmica tutelada pelo direito positivo seja cumprida para que esteja materialmente protegido. Assim, a jurista explica que o direito ao trabalho se revela a partir desta consciência de relevância do trabalho prestado em condições de dignidade, como contraponto à exploração da força de trabalho. Já o direito do trabalho decorre da consagração do “processo natural de conscientização, oficialização e maturação” do direito ao trabalho. Embora o trabalho, enquanto direito fundamental do homem, exista antes de sua regulamentação jurídica, o direito do trabalho se apresenta como “a forma mais eficiente de visualização do trabalho digno” que se viabiliza a promoção da dignidade. (DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTR, 2006. p. 26).

33 (DELGADO, Mauricio. Princípios Constitucionais do Trabalho. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 31, n. 123, p. 167-203, 2006c.)

34 (DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na relação de trabalho. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 32, n. 123, p. 142-165, jul./set. 2006b. p. 147).

35 (DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na relação de trabalho. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 32, n. 123, p. 142-165, jul./set. 2006b. p. 156).

36 (DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na relação de trabalho. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 32, n. 123, p. 142-165, jul./set. 2006b. p. 157).

37 (DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na relação de trabalho. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 32, n. 123, p. 142-165, jul./set. 2006b.)

38 O economista Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia em 2001, ao expor em sua obra os benefícios e malefícios decorrentes do processo globalizante, compreende que a globalização, em todas as suas nuances, pode ser caracterizada como força favorável, com potencial de enriquecer todas as pessoas do mundo, em especial as menos favorecidas, dependendo da forma como é gerenciada. Para tanto, defende a atuação do governo em adotar políticas que ajudem todos os países a crescer e que também assegurem que este crescimento seja compartilhado de maneira mais equitativa pela população, de maneira a tornar os efeitos da globalização mais humano, eficaz e justo. (STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios. São Paulo: Futura, 2002. 326p.)

39 (DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a. p. 83)

40 (NAGELS, Jacques. Elementos de economia política: crítica do pensamento único. Lisboa: Instituto Piaget: 2000. P.29)

41 (STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios. São Paulo: Futura, 2002. 326p.)

42 (STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios. São Paulo: Futura, 2002.)

43 (STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios. São Paulo: Futura, 2002. P.17.)

44 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a. 149p.

45 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a. p. 21.

46DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a.

47 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a. 149p.

48 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a. p. 33

49 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a. p. 71.

50 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTR, 2006a. p. 131.

51 LOBO, Valéria Marques. Fronteiras da cidadania: sindicatos e (des)mercantilização do trabalho no Brasil. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010. 284p.

52 LOBO, Valéria Marques. Fronteiras da cidadania: sindicatos e (des)mercantilização do trabalho no Brasil. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010.p.101.

53 A expressão flexibilização das relações de trabalho é compreendida, predominantemente, como termo pejorativo, de maneira a indicar a redução dos direitos trabalhistas. Ocorre que essa mesma expressão pode repercutir em aspectos favoráveis para os trabalhadores. Tanto é assim que a CR/88 autorizou algumas flexibilizações pontuais de normas trabalhistas, mas sempre por meio da negociação coletiva sindical e desde que respeitados os limites constitucionais. (DELGADO, Mauricio Godinho. O direito constitucional e a flexibilização das normas trabalhistas. In: CONFERÊNCIA DOS ADVOGADOS DO DISTRITO FEDERAL, 6, 2008, Brasília. VI Conferência dos Advogados do Distrito Federal. Brasília: OAB-DF, 2008.)

54 O período de 2003 a 2010, marcado pela notável geração de empregos, sem passar pelo aumento da precarização das condições de trabalho, em decorrência da vontade política predominante.

55 HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX- 1914-1991. São Paulo: Cia das Letras. 2001.

56 (POCHMANN, Márcio. Desenvolvimento, trabalho e renda no Brasil: avanços recentes no emprego e na distribuição dos rendimentos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010a. P.5.)

57 (POCHMANN, Márcio. Desenvolvimento, trabalho e renda no Brasil: avanços recentes no emprego e na distribuição dos rendimentos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010a. P.10.)

58 ANANIAS, Patrus. Prefácio: sobre o Bolsa Família ou como podemos reescrever nossa história. In: WEISSHEIMER, Marco Aurélio. Bolsa Família: avanços, limites e possibilidades do programa que está transformando a vida de milhões de famílias no Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 90.

59 ANANIAS, Patrus. O desafio de integrar as políticas sociais. In: GUIMARÃES, Juarez (Org.). As novas bases da cidadania: políticas sociais, trabalho e previdência social. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010a. p. 19-27.

60 Laís Abramo caracteriza o passivo deixado pelos anos de 1980 e 1990 como “intenso processo de desestruturação do mercado de trabalho e cujas expressões principais foram o aumento das taxas de desemprego, informalização e precarização e a diminuição dos rendimentos do trabalho.” ABRAMO, Laís. Trabalho decente e reestruturação do mercado de trabalho. In: GUIMARÃES, Juarez (Org.). As novas bases da cidadania: políticas sociais, trabalho e previdência social. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 79.

61 Imprescindível salientar que as políticas sociais devem alcançar a todos que dela necessitem. Dessa forma, não podem ser restringidas a cuidar dos “pobres” ou dos “mais pobres”, embora seja um passo inicial. Neste sentido, ao defender o tema universalização aplicado às políticas sociais, Aldaíza Sposati pondera: “A sociedade brasileira ainda mantém uma certa elitização, que reforça o conceito de que política social é coisa para pobre e não direito do cidadão. A ausência do vínculo com os direitos sociais na linguagem corrente das políticas sociais e, em sua substituição, o uso de expressões discriminadoras como pobre ou carente são também fatores de restrição à universalização da cidadania. [...] para que seja alcançada a condição de cidadão, a política compensatória deve se extrapolar para alcançar o patamar de efetivadora dos direitos humanos e dos direitos sociais, o que significa ruptura com as marcas da benemerência, das instituições de caridade e primeiras-damas, saldo deixado pelas décadas de hegemonia neoliberal.” (SPOSATI, Aldaíza. O desafio da universalização. In: GUIMARÃES, Juarez (Org.). As novas bases da cidadania: políticas sociais, trabalho e previdência social. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 41.). Neste sentido, Fernando Nogueira da Costa ressalta três dimensões de políticas que devem ser articuladas no combate às distorções sociais do Brasil: “A primeira contempla políticas compensatórias. Elas permitem que toda a população atinja, no curto prazo, patamares mínimos de dignidade e sobrevivência. Outra dimensão é constituída por políticas de crescimento econômico, para disponibilizar maior renda, quantidade de bens e serviços, além de oportunidades. Em simultâneo, é necessário executar políticas redistributivas. Só com elas, essa maior disponibilidade de renda, bens e serviços se dirigirá, prioritariamente, às camadas da população “mais pobres entre as pobres”, que constituem o público-alvo dessas políticas.” (COSTA, Fernando Nogueira da. Microcrédito no Brasil: os prós e contras do empréstimo consignado. Campinas: IE/UNICAMP, 2010. Texto para discussão, n. 175. Disponível em: <http://www.eco.unicamp.br/docdownload/ publicacoes/textosdiscussao/texto175.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2011.)

62 Para maior aprofundamento acerca de cada modalidade de política de distribuição de renda, consultar a dissertação de Mestrado de Roberta Dantas de Mello.

63 MERCADANTE, Aloizio. O governo Lula e a construção de um Brasil mais justo. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010b. 112 p. (Brasil em debate).

64 O foco governamental se ampliou e também se voltou para a gestão da pobreza e os problemas associados a esta, afinal, o crescimento econômico do País pode até ser um bom remédio para as doenças do desemprego e da informalidade, mas, por si só, não se revela eficaz para reduzir e combater a pobreza e as disparidades sociais. Vale lembrar que a melhoria da condição de vida do povo brasileiro ocorreu em um panorama de crescimento econômico e aumento da sua competitividade no cenário internacional. O patamar de crescimento mudou. A taxa média de crescimento do PIB foi da ordem de 4,7% ao ano em média entre 2003 e 2008. Comparado ao crescimento médio de 2,0% do período entre 1980 e 2003, a taxa de crescimento mais que duplicou. (MENDONÇA, Sérgio; FIGUEIREDO, Ademir. Balanço do mercado de trabalho de 2003 a 2008 e perspectivas. In: GUIMARÃES, Juarez (Org.). As novas bases da cidadania: políticas sociais, trabalho e previdência social. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 89-99. ). De acordo com Aloizio Mercadante, “Mais importante ainda é o fato de que a produção e os investimentos mostraram, a partir do final de 2003, uma tendência de expansão contínua e crescente.” (MERCADANTE, Aloizio. As bases do novo desenvolvimentismo: análise do governo Lula. 2010c. Tese (Doutorado) – Universidade de Campinas, Campinas. P. 156).

65 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Brasil supera meta recorde de geração de empregos. Brasília: MTE, 2011. Disponível em: <http://portal.mte. gov.br/imprensa/brasil-supera-meta-recorde-de-geracao-de-empregos.htm>. Acesso em: 25 set. 2011. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Características do emprego o formal segundo a Relação Anual de Informações Sociais: RAIS 2009. Brasília: MTE, 2009. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/PDET/arquivos_ download/rais/resultado_2009.pdf >. Acesso em: 25 set. 2011. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Características do emprego formal segundo a Relação Anual de Informações Sociais: RAIS 2010. Brasília: MTE, 2010a. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/rais/2010/>. Acesso em: 25 set. 2011. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Demanda interna puxa alta de empregos em 2010. Brasília: MTE, 2011. Disponível em: <http://portal.mte. gov.br/imprensa/demanda-interna-puxa-alta-de-empregos-em-2010.htm>. Acesso em: 25 set. 2011. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Nível de emprego formal celetista: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED: comportamento do emprego no mês de julho de 2011. Brasília: TEM, 2011. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/caged_mensal/atual/arquivos/ apresentacao.pdf>. Acesso em: 25 set. 2011. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Formalização do mercado de trabalho brasileiro está em crescimento. Brasília: MTE, 2011. Disponível em: < http://portal.mte.gov.br/imprensa/formalizacao-do-mercado-de-trabalho-brasileiro-esta-em-crescimento.htm>. Acesso em: 25 set. 2011. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Brasil bate mais um recorde de geração de empregos. Brasília: MTE, 2011. Disponível em: <http://portal.mte. gov.br/imprensa/brasil-bate-mais-um-recorde-de-geracao-de-empregos.htm>. Acesso em: 25 set. 2011.

66 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Demanda interna puxa alta de empregos em 2010. Brasília: MTE, 2011. Disponível em: <http://portal.mte. gov.br/imprensa/demanda-interna-puxa-alta-de-empregos-em-2010.htm>. Acesso em: 25 set. 2011.

67 O conceito de trabalho decente, formalizado pela OIT em 1999, expressa a síntese do seu mandato histórico e dos seus objetivos estratégicos: a promoção das normas internacionais do trabalho, a geração de mais e melhores empregos para homens e mulheres, a extensão da proteção social e a promoção do tripartismo e do diálogo social. A noção de trabalho decente integra as dimensões quantitativa e qualitativa do emprego. Propõe não apenas medidas de geração de postos de trabalho e de enfrentamento do desemprego, mas também de superação de formas de trabalho que geram renda insuficiente para que os indivíduos e suas famílias superem a situação de pobreza, ou que se baseiam em atividades insalubres, perigosas, inseguras e/ou degradantes. Afirma a necessidade de que o emprego esteja também associado à proteção social e aos direitos do trabalho, entre eles os de representação, associação, organização sindical e negociação coletiva. Vale dizer, quando a OIT resolve formalizar o conceito de trabalho decente como a síntese do seu mandato histórico estava resgatando a ideia do trabalho como via de acesso a uma vida digna, que esteve na base da agenda civilizatória do final do século XIX e começo do século XX, da constituição do movimento sindical em escala internacional, das legislações trabalhistas e de muitas instituições do mundo do trabalho. Segundo Lais Abramo, “O que a OIT fez em 1999, através desse conceito, foi reafirmar e atualizar esse mandato e concentrar seus esforços para recolocar a ideia dos direitos do trabalho no centro da agenda internacional. Vivia-se um momento difícil no mundo, marcado por baixas taxas de crescimento econômico, aumento do desemprego e do emprego informal e precário, debilitamento da organização sindical e dos processos de negociação coletiva, persistência e expansão de formas degradantes e inaceitáveis de trabalho, tais como o trabalho infantil e o trabalho escravo ou forçado. Mais que isso, predominava uma visão de que seria quase impossível que voltassem a crescer e a manter em nossas sociedades, as formas estáveis e protegidas de trabalho em decorrência do forte aumento da competitividade no contexto da globalização. A Agenda Global do Trabalho Decente foi proposta como uma resposta a essa situação. Seu objetivo fundamental é afirmar o direito ao trabalho e a sua importância central nas estratégias de redução da pobreza e da desigualdade social, crescimento e desenvolvimento e fortalecimento da governabilidade democrática dos países. O conceito de trabalho decente se aplica ao conjunto das pessoas que vivem do seu trabalho. As legislações trabalhistas, e as próprias convenções da OIT, foram elaboradas tendo como referência básica o trabalho assalariado. Da mesma forma, os Estados de Bem-Estar Social constituídos em vários países em meados do século XX, também tiveram como referência básica o trabalho assalariado.” (ABRAMO, Laís. Trabalho decente e reestruturação do mercado de trabalho. In: GUIMARÃES, Juarez (Org.). As novas bases da cidadania: políticas sociais, trabalho e previdência social. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 81-82). De acordo com Jorge Luiz Souto Maior, a pauta “trabalho decente” da OIT encontra-se envolvida com a estratégia neoliberal e assim se posiciona: “É por isso que, como efeito do princípio da melhoria da condição social do trabalhador, as normas trabalhistas são entendidas como normas de caráter mínimo, ou seja, constituem o mínimo que se possa conferir ao trabalhador, mas tendendo a uma necessária evolução. É natural ao Direito do Trabalho, portanto, não conceber como completa e eternamente justa uma exploração do trabalho no contexto da sociedade capitalista, pois que sua visualização da realidade é sempre questionadora, crítica e propositiva. Neste sentido é que se deve denunciar o caráter neoliberal da pauta do denominado "trabalho decente da OIT", que embora proponha melhoria nas relações de trabalho periféricas, deixa fora do questionamento o próprio modelo capitalista, considerando-o legítimo pelo simples fato de proporcionar um trabalho decente, qual seja, "um trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna". A pauta, portanto, surgida em 1999, no curso do império da estratégia neoliberal, estabelece o método que põe em confronto o trabalho considerado decente e o trabalho forçado, que expõe o trabalhador a uma situação degradante, explicada como superexploração. O equacionamento é apenas o da passagem de uma situação para outra , o que proporciona, portanto, um argumento de legitimidade da exploração capitalista, sem questionamento do quanto mesmo o trabalhador "adequadamente remunerado" seja lá o que venha a ser isso - é alienado e transformado em mercadoria descartável. O método proporcionado, portanto, contraria a própria base principiológica do Direito do Trabalho, que é necessariamente dinâmica e não estática, e que se baseia na crítica constante do capitalismo em face do seu poder de alienação do homem pela forma da sua separação do produto de seu trabalho. Não se pode, portanto, ser envolvido pela armadilha metodológica da pauta neoliberal da OIT acerca do trabalho decente, ainda que, pontualmente, apresente soluções condizentes com a função do Direito do Trabalho - sendo, nestes aspectos, importante. O fato é que, em concreto, o aplicador do Direito do Trabalho não pode perder o parâmetro da crítica sistêmica ao modo de produção capitalista, tendo como método o olhar que se volta às dificuldades da classe trabalhadora, propiciando todos os questionamentos necessários, em abordagem histórica e evolutiva, para que o resgate da condição humana dos trabalhadores seja verdadeiramente efetivado.” (MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2011. v. 1, pt. 1. P. 632-633).

68 ABRAMO, Laís. Trabalho decente e reestruturação do mercado de trabalho. In: GUIMARÃES, Juarez (Org.). As novas bases da cidadania: políticas sociais, trabalho e previdência social. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 77-87.

69 Neste mesmo período, também se verificou a retomada da valorização do trabalho por meio de construções jurisprudenciais e legislativas, com o intuito de garantir um inicial patamar civilizatório.

70 FEIJÓO, José Lopez. Sabemos trabalhar e sabemos governar melhor que eles. In: GUIMARÃES, Juarez (Org.). As novas bases da cidadania: políticas sociais, trabalho e previdência social. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 141-142.

71 (POCHMANN, 2010).

72 ANANIAS, Patrus. O desafio de integrar as políticas sociais. In: GUIMARÃES, Juarez (Org.). As novas bases da cidadania: políticas sociais, trabalho e previdência social. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. p. 19-27.

73 COSTA, Fernando Nogueira da. Microcrédito no Brasil: os prós e contras do empréstimo consignado. Campinas: IE/UNICAMP, 2010. (Texto para discussão, n. 175). Disponível em: <http://www.eco.unicamp.br/docdownload/ publicacoes/textosdiscussao/texto175.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2011.

74 POCHMANN, Márcio. Brasil: 2010-2015. Desafios e possibilidades: entrevista com Mário Pochmann. Adital, 29 abr. 2010b. Disponível em: <http:// www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=47367>. Acesso em: 15 nov. 2011.


Autor

  • Roberta Dantas de Mello

    Doutoranda em Direito do Trabalho pela PUC/Minas. Mestre em Direito Privado com ênfase em Direito do Trabalho pela PUC/Minas sob orientação acadêmica de Mauricio Godinho Delgado. Especialista em Direito do Trabalho e em Direito Previdenciário. Especialista em Direito Processual Constitucional. Pesquisadora da CAPES (2010-2012). Professora de Direito do Trabalho. Advogada.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELLO, Roberta Dantas de. O renascimento do direito do trabalho no século XXI: a experiência brasileira de 2003 a 2010. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3979, 24 maio 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28741. Acesso em: 23 abr. 2024.