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Os reflexos das inovações trazidas ao CPC pela Lei nº 11.382/2006 na Lei de Execuções Fiscais

a posição do STJ acerca da (des)necessidade da garantia do juízo para a interposição de embargos do devedor

Os reflexos das inovações trazidas ao CPC pela Lei nº 11.382/2006 na Lei de Execuções Fiscais: a posição do STJ acerca da (des)necessidade da garantia do juízo para a interposição de embargos do devedor

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Apesar da interpretação dada pelo STJ no sentido de ainda ser exigível a prévia garantia do juízo como condição de admissibilidade dos embargos do executado no âmbito das execuções fiscais, nota-se que a discussão não se encerrou e não cessará tão cedo.

RESUMO: O ordenamento pátrio elegeu o Superior Tribunal de Justiça – STJ como o responsável pela uniformização da interpretação da legislação federal no País. Nesse sentido, em havendo controvérsia acerca da aplicabilidade de determinada norma infraconstitucional e da forma como ela interfere nas relações jurídico-processuais, cabe àquela instância superior, por intermédio dos recursos que fazem parte da sua competência, o exame da questão debatida para pacificar a jurisprudência aplicável de forma a orientar os demais juízos e tribunais inferiores acerca do alcance da norma. Assim, a celeuma existente acerca da aplicabilidade das inovações trazidas pela Lei nº 11.382/2006 ao CPC no âmbito das execuções fiscais chegou ao STJ por intermédio da principal porta de acesso àquela instância, o Recurso Especial. A questão debatida era se estas inovações revogaram a exigência de garantia do juízo para apresentação de embargos do executado presente na Lei de Execuções Fiscais. É o que se verá no desenvolver deste trabalho.

Palavras-chave: Execução Fiscal; Embargos do Devedor; Exigência de Garantia do Juízo; Lei nº 11.382/2006; Jurisprudência do STJ.


INTRODUÇÃO

As normas jurídicas devem ser interpretadas de forma a harmonizar o ordenamento, haja vista o objetivo maior da existência do Direito que é o de possibilitar a convivência entre os indivíduos e garantir a existência de uma desejável paz social.

É por meio do devido processo legal que o procedimento se desenvolverá de forma válida e a jurisdição obterá sua legitimidade para interferir nas relações entre os atores processuais.

Existindo, todavia, conflitos quanto à interpretação acerca do alcance de determinada norma, há que se valer do órgão previamente designado competente para resolução do incidente pela ordem constitucional, de forma que se defina qual correta interpretação que se deve dar à normal aplicável.

Assim, o STJ, tribunal definido pela Carta Política como o competente para a interpretação do direito federal, ao receber a demanda pelos recursos que lhe são inerentes, deve dizer o alcance de determinada inovação trazida ao ordenamento pelo legislador ordinário e qual a correta interpretação que se deve dar, orientando os juízos inferiores com o fim de uniformizar a jurisprudência nacional.

Nesse engajar, procurou-se no presente trabalho apresentar as diferentes interpretações que se davam às inovações trazidas ao CPC pela Lei nº 11.382/2006. Referida norma suprimiu da execução comum regulada pelo CPC a exigência de prévia garantia do juízo para que o executado pudesse discutir a validade do título executivo por meio de embargos do executado.

As discussões giravam em torno de ser ou não aplicável tal supressão no âmbito das execuções fiscais, haja vista que estas se processam por meio de norma especial, a Lei nº 6.830/80, que não foi objeto das ondas modificadoras do processo civil pátrio e que exige em seu Art. 16, § 1º a prévia garantia do juízo como condição de procedibilidade dos embargos do devedor.

Assim, coube ao STJ pacificar o entendimento da matéria, o que o fez por meio de novel instituto destinado a reduzir a quantidade de recursos que chegam às cortes superiores: o julgamento de demandas repetitivas por amostragem.

Imbuído do tema, o presente trabalho objetiva mostrar os principais posicionamentos existentes e qual a solução dada pelo STJ.

No primeiro capítulo, tem-se uma visão geral acerca do procedimento executivo e da forma como se realiza a defesa do executado em seu âmbito.

Já no segundo capítulo, mostra-se a reforma trazida ao Art. 736 do CPC pela Lei nº 11.382/2006 que eliminou a exigência de garantia do juízo como condição para que o devedor oponha-se à execução por meio de embargos e as divergências existentes quanto a seus reflexos na disciplina da execução fiscal, haja vista tratar-se de normal especial.

Por fim, o terceiro capítulo revela a interpretação dada pelo STJ ao caso por meio do julgamento do RESP 1.272.827/PE por meio do procedimento dos recursos repetitivo, nos termos do Art. 543-C do CPC.


A EXECUÇÃO FISCAL E A DEFESA DO EXECUTADO

O ordenamento jurídico confere ao titular de um direito o poder jurídico de exigir do devedor o cumprimento de determinada prestação (obrigação de fazer, não fazer ou dar) a que se obrigou validamente. Quando o devedor não cumpre espontaneamente a prestação, caracterizado está o inadimplemento ou lesão.

Ocorre que o mesmo ordenamento que assegura a faculdade de se exigir o cumprimento da obrigação veda a chamada autotutela, na qual a solução do conflito se daria pela imposição da vontade de uma das partes, com o sacrifício do interesse do outro. Trata-se, inclusive, de conduta tipificada como crime (exercício arbitrário das próprias razões se for praticada por um particular ou abuso de poder, se praticado pelo Estado) (DIDIER JÚNIOR, 2012).

É neste cenário, portanto, que surge a tutela jurisdicional executiva, na qual o credor poderá recorrer ao Poder Judiciário, buscando a efetivação do seu direito. Assim, a concretização da prestação devida será realizada por meio do devido processo legal executivo, que realizará o adimplemento da obrigação pela execução forçada.

Executar é satisfazer uma prestação devida. A execução pode ser espontânea, quando o devedor cumpre voluntariamente a prestação, ou forçada, quando o cumprimento da prestação é obtido por meio da prática de atos executivos pelo Estado (DIDIER JÚNIOR et al, 2013, p. 28).

Hodiernamente, o processo de execução abarca, de acordo com o título em que se funda, a execução de título judicial e a execução de título extrajudicial. Assim, se o título for judicial, aplicar-se-ão as regras do cumprimento de sentença estatuídas nos Arts. 475-J a 475-R do CPC. Ao revés, sendo por sua vez baseada em título extrajudicial, o rito é o disciplinado pelas normas contidas a partir do Art. 652 (Livro II do CPC).

Entre os títulos extrajudiciais destaca-se a Certidão de Dívida Ativa – CDA da Fazenda Pública.

A dívida ativa da Fazenda Pública é constituída por qualquer valor definido como de natureza tributária ou não tributária pela Lei nº 4.320, de 17 de março 1964. A dívida ativa, tributária ou não tributária, compreende, além do principal, os juros, a multa de mora e os demais encargos previstos em lei ou contrato.

O valor devido à Fazendo Pública, de natureza tributária ou não tributária, deve ser inscrito na dívida ativa. Tal inscrição é feita por meio de um procedimento administrativo destinado a apurar a liquidez e certeza do credito. Assim, instaurado o procedimento administrativo, o devedor será notificado para pagar o valor devido ou apresentar suas razões de defesa. Não efetuado o pagamento, não apresentada defesa ou vindo esta a ser rejeitada, sobrevirá o ato administrativo de inscrição do valor em dívida ativa.

Após a inscrição na dívida ativa, será emitida uma certidão que atesta a certeza e liquidez do débito. Esta certidão, denominada certidão de dívida ativa, constitui o título executivo apto a legitimar a propositura da execução fiscal (CUNHA, 2011, p. 379-380).

A execução fiscal de dívida ativa das Fazendas Públicas da União, dos Estados e DF e Municípios está regulada pela Lei nº 6.830/1980, sendo que sua cobrança far-se-á pelo procedimento especial nela disciplinado, aplicando-se as regras do CPC de forma subsidiária.

O rito simplificado da Lei 6.830/80 aplica-se tão somente às execuções por quantia certa que têm no pólo [sic] ativo uma pessoa jurídica de direito público. São pessoas de jurídicas de direito público a União, os Estados-membros, o Distrito Federal, os Municípios, as respectivas autarquias e, desde a Constituição Federal de 1988, as fundações públicas. É que, ao ser recepcionada pela CF de 1988, a Lei 6.830/80 passou a ter por fundamento de validade a nova ordem constitucional, devendo ser relida com base nas normas e princípios adotados pela atual Carta Magna [...] (CHIMENTI et al, 2008, p. 34).

No processo executivo, o devedor é citado para pagar a quantia indicada no título executivo, num determinado prazo, sob pena de constrição de seus bens penhoráveis para satisfação do crédito almejado, no que diverge do processo de conhecimento, posto que neste o réu é chamado a juízo para defender-se, sob pena de serem considerados verdadeiros os fatos alegados pelo autor.

Assim, em execução fiscal, o executado é citado para, no prazo de 05 dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução (art. 8º da LEF) por meio de depósito em dinheiro, oferecimento de fiança bancária ou indicação de bens seus ou de terceiros, estes últimos desde que aceitos pela Fazenda Pública (art. 9º da LEF).

Todavia, qualquer que seja o rito executivo, é certo dizer que a atividade jurisdicional deve desenvolver-se sob o pálio do devido processo legal, conforme garantia constitucional. Está isso a significar que o exercício da jurisdição pressupõe a participação concreta e adequada das partes (exequente e executado) ao longo da marcha processual. Trata-se, sobretudo, do direito ao contraditório.

Assim, apesar de velho axioma de que, na atividade judicial executiva, a cognição judicial, se existisse, seria ínfima ou diminuta, há que se admitir a possibilidade de defesa do executado.

Em execução, a defesa dá-se por meio do oferecimento dos embargos à execução (na execução de título extrajudicial), impugnação (no cumprimento de sentença), exceção de pré-executividade etc. Também deverá haver necessariamente oportunidade de defesa em incidentes cognitivos que possam surgir ao longo do procedimento executivo, como, por exemplo, da alegação de impenhorabilidade de determinado bem ou de fraude à execução (DIDIER JÚNIOR, 2013).

O contraditório no procedimento executivo, no aspecto do direito de defesa assegurado à parte demandada, é eventual, portanto depende de provocação do executado, que não é chamado a juízo para defender-se, mas sim para cumprir a obrigação. O procedimento executivo adota a técnica monitória, que consiste, basicamente, na inversão do ônus de provocar o contraditório: o réu, em vez de ser citado para manifestar-se sobre a pretensão do autor, é convocado para cumprir uma determinação. Não é correto dizer, então, que não há contraditório no procedimento executivo: ele é previsto, até como consequência da garantia constitucional, mas é eventual na parte concernente à defesa do executado. É inegável a existência do contraditório na execução (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 55).

Assim, os embargos são o instrumento processual adequado para que o executado oponha-se à execução fiscal. É por meio deles que o devedor defende-se das sequelas da execução, não só para combater deformações de atos executivos e descumprimento de normas processuais, como também para proteger direitos materiais supervenientes ou opostos ao título executivo, capazes de neutralizá-lo ou de restringir sua eficácia, como pagamento, novação, compensação, remissão etc (THEODORO JÚNIOR, 2008).

Há, no entanto, divergência na doutrina quanto à natureza jurídica dos embargos: se se trata de defesa no processo de execução ou ação autônoma de conhecimento.  Prevalece, todavia, para a grande maioria dos juristas a tese que considera os embargos uma demanda de conhecimento, que dá origem a um processo autônomo.

Como os embargos assumem a forma de uma demanda, seu ajuizamento rende ensejo à formação de novo processo, que é de conhecimento. Assim, os embargos devem ser intentados por petição inicial, que atenda aos requisitos dos art. 282 e 283 do CPC. O executado passa a ser o autor dos embargos, sendo chamado de embargante. O embargado – réu nos embargos – é o exequente (omissis). Enfim, os embargos têm natureza de defesa, mas assumem a forma de demanda de conhecimento, declaratória ou constitutiva negativa (DIDIER JÚNIOR et al, 2013, p. 353-354).

Especificamente sobre os embargos à execução fiscal, tem-se que serão oferecidos, nos termos do Art. 16 da LEF, no prazo de 30 dias, contados: I – do depósito; II – da juntada da prova da fiança bancária e III – da intimação da penhora. Em sua inicial, embargante deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer a realização de provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas, até 03, ou, a critério do juiz, até o dobro desse limite. Outrossim, nos termos do § 1º do Art. 16, infere-se que não serão admissíveis embargos antes de garantida a execução.

Tal regime é bem diverso do rito da execução comum, ou seja, do rito delineado pelo CPC a partir do Art. 552. Neste procedimento, o devedor é citado para, no prazo de 03 dias, efetuar o pagamento da dívida, sob pena de penhora de bens e sua avaliação. No mesmo ato, o executado será intimado para oferecer embargos no prazo de 15 dias, contados da juntada aos autos do mandado de citação (Art. 738), independentemente de penhora, depósito ou caução (Art. 736).


AS REFORMAS DO CPC E AS DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS QUANTO A SEUS REFLEXOS NA DISCIPLINA DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL

Conforme visto no tópico anterior, as discrepâncias existentes entre o procedimento especial da execução fiscal e o da execução comum do CPC são muito perceptíveis.

Na execução fiscal, o § 1º do Art. 16 da LEF é categórico em dizer que não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução, a qual se dará por depósito em dinheiro, oferecimento de fiança bancária ou nomeação de bens à penhora. O prazo para oferecimento de embargos é de 30 dias contados a partir do depósito, da juntada da prova da fiança bancária ou da intimação da penhora.

A garantia do juízo consiste na exigência do depósito do valor executado. Constitui numa prerrogativa processual conferida à Fazenda Pública e decorre da supremacia do interesse público sobre o particular, e, por isso, seria merecedora de privilégios que a confeririam uma posição vantajosa quando em juízo (BASTOS, 2011, p. 1).

Já no rito da execução comum (rito do CPC) o executado poderá interpor embargos independentemente de penhora, depósito ou caução no prazo de 15 dias a partir da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido.

Tais discrepâncias entre a execução comum e a execução fiscal surgiram preponderantemente a partir da edição da Lei nº 11.382/2006, a qual alterou a sistemática de defesa do executado na execução fundada em título extrajudicial para abolir a exigência de garantia do juízo como condição para o recebimento de sua oposição por meio de embargos.

Theodoro Júnior (2008) afirma que a admissibilidade dos embargos sempre foi, na tradição do direito processual civil brasileiro, condicionada à previa segurança do juízo por penhora. Entretanto, a Lei nº 11.382, de 06.12.2006, ao remodelar a sistemática do processo de execução, revogou o Art. 737 do CPC e alterou a redação do Art. 736 para adotar orientação diametralmente oposta: a de que a defesa do executado à execução por meio de embargos se daria “independentemente de penhora, depósito ou caução”.

Ainda para o citado autor, a segurança do juízo não foi, propriamente, suprimida do regramento dos embargos. Mudou, porém, de papel. Em vez de condição de procedibilidade passou a ser requisito de concessão de efeito suspensivo, quando requerido pelo embargante, nos termos do § 1º do Art. 739-A do CPC.

Ocorre que, apesar da mudança introduzida no CPC, que é aplicado subsidiariamente à execução fiscal, na LEF foi mantida a exigência da garantia do juízo como requisito para a admissibilidade dos embargos, o que gerou uma celeuma na doutrina e jurisprudência no sentido de se saber se essa exigência é legítima ou se modificação no CPC deve ser aplicada também na execução fiscal.

Em elucidativa monografia, Santos (2013) traz uma revisão da literatura a respeito do tema ao citar importantes expoentes da doutrina mais abalizada.

Afirma que as inovações trazidas ao ordenamento jurídico pela Lei nº 11.382/2006 não revogaram a exigência de garantia do juízo presente na LEF, sobretudo porque, aplicando-se os clássicos critérios de solução de conflitos normativos, prevalecem as disposições especiais da LEF, uma vez que a lei geral posterior não revoga legislação especial.

Citado autor advoga ainda que, apesar da execução fiscal ser vislumbrada como subespécie de processo executivo, o CPC continuaria sendo aplicável apenas de forma subsidiária às execuções fiscais, carecendo de suporte razoável sustentar-se que o diploma subsidiário imponha-se com força derrogatória principal.

O autor conclui seu pensamento nos seguintes termos:

Ademais, admitir-se a revogação automática do § 1º, do art. 16, da Lei 6.830/80 em face das alterações trazidas pela Lei n. 11.382/06 no art. 736, do Código de Processo Civil, seria, além de ignorar o regime jurídico próprio e especial que se formou nas relações envolvendo a Fazenda Pública, permitir o afrontamento direto à disposição da própria Lei de Execução Fiscal quanto à determinação de aplicação subsidiaria da legislação processual civil em seu art. 1º, originando claro atentado à segurança jurídica nos processos envolvendo o interesse público representado pela Fazenda, (...) (SANTOS, 2013, p. 47).

Alvarenga (sd, p. 7) assim também argumenta a respeito da questão:

E como lei geral que é, o art. 736 do CPC só seria aplicável se não houvesse dispositivo na Lei 6.830/80, que regula o procedimento relativo às execuções fiscais, tratando especificamente do tema. Todavia, a Lei 6.830/80 não é omissa quanto à exigência de garantia para o ajuizamento de embargos à execução, uma vez que seu art. 16, § 1º, é claro ao expor que “não serão admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução”.

Didier Júnior et al (2013), todavia, expõem posicionamento completamente antagônico aos acima expostos ao asseverarem que, apesar da afirmativa de que a lei geral não atinge a especial, de modo que, na execução fiscal, continuaria a ser necessária a garantia do juízo, não deve ser essa a conclusão a que se deve chegar.

Para os citados autores, o atual CPC, revogando o de 1939, unificou todas as execuções e dispôs que a interposição de embargos dependia sempre de garantia do juízo. Tal unidade só teria sido desfeita com o advento da Lei nº 6.830/80 (LEF), na qual se conferia ao poder público garantias ou benefícios não presentes na execução civil, instituindo-se assim um regime especifico, que decorre da peculiar relação entre o particular e a Fazenda Pública.

Todavia, continuam, a exigência de prévia garantia do juízo para oposição de embargos decorreria de uma regra geral, aplicável a qualquer execução, e não em virtude de detalhes, vicissitudes ou peculiaridades na relação entre o devedor e o Poder Público. Ou seja, a LEF havia apenas reproduzido a regra geral do CPC, não se tratando, assim, de regra especial. Não incidiria, portanto, o princípio de que a regra geral posterior não derroga a especial anterior.

Arrematam afirmando que revogada que foi essa exigência legal pelas reformas introduzidas pela Lei nº 11.382/2006, não há mais garantia do juízo para a oposição de embargos, devendo deixar de ser feita tal exigência também nas execuções fiscais.

Seixas e Souza (2014) compartilham do pensamento acima. Porém, vão além ao sustentar a não recepção pela Constituição de 1988 da exigência da garantia do juízo estatuído no § 1º do Art. 16 da LEF e da sua derrogação pelo Pacto São José da Costa Rica, sobretudo pelo fato de haverem garantido aos litigantes em processo administrativo ou judicial o direito ao contraditório e à ampla defesa, cujas garantias restariam inexistentes, por exemplo, no caso de o executado não dispor de bens para garantir o crédito exequendo.

Arrematam os autores nestes termos:

Assim, é imperioso reconhecer a não recepção do art. 16, § 1º, da Lei nº 6.830/80 em face do direito fundamental ao contraditório e a ampla defesa em previsão nos mandamentos constitucionais da Carta Cidadã de 1988 e nas normas internacionais previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos, que tem status de norma supralegal no ordenamento jurídico pátrio (SEIXAS; SOUZA, 2014, p. 49)

Correa (2013) corrobora a tese da não recepção da exigência da garantia do juízo no âmbito da execução fiscal ao afirmar que a Carta Política impede que o ingresso à justiça seja condicionado à disponibilidade de bens, na medida em o contraditório e a ampla defesa, bases do devido processo legal, continuam sendo a pedra angular do sistema processual. Desse modo, o exercício do amplo contraditório pela parte executada seria fundamental para a obtenção da tutela jurisdicional, não se admitindo outro tipo de procedimento que não o participativo.

Martins (2011) chama a atenção para o fato de a Súmula Vinculante nº 28 estabelecer ser inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário. Para o autor, tal verbete encontra guarida no entendimento do STF de que a exigência de prévio depósito como condição para a propositura de medida judicial representa cerceamento de acesso ao Poder Judiciário, o que é expressamente rechaçado pelo texto constitucional.

Para arrematar o assunto, o autor destaca o envio pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional de Projeto de Lei (PL 5080/09) que trata da nova lei de execução fiscal, cuja exposição de motivos assim define:

18. Para a defesa do executado adota-se o mesmo regime proposto na execução comum de título extrajudicial, onde os embargos podem ser deduzidos independentemente de garantia do juízo, não suspendendo, como regra geral, a execução.

19. Prestigia-se, assim, o princípio da ampla defesa, que fica viabilizado também ao executado que não disponha de bens penhoráveis. Desaparece, por conseguinte, a disciplina da prévia garantia do juízo como requisito indispensável à oposição da ação incidental (MARTINS, 2011, p. 3-4).


O STJ E SUA FUNÇÃO INTERPRETADORA DA LEGISLAÇÃO FEDERAL: O JULGAMENTO DO RESP 1.272.827/PE PELO PROCEDIMENTO DOS RECURSOS REPETITIVOS (ART. 543-C DO CPC)

Como é ressabido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem a incumbência de interpretar a legislação infraconstitucional e uniformizar a jurisprudência nacional, devendo corrigir ilegalidades cometidas no julgamento das causas pelos Tribunais Regionais Federais (TRF’s) e Tribunais de Justiça (TJ’s).

Trata-se de importante função na medida em que a interpretação que ele dá a determinada normal federal funciona como corretivo da decisão impugnada assim como elemento de uniformização quanto à interpretação da norma, já que suas decisões servem de exemplo a ser seguido pelos demais tribunais. Essa sua função é exercida, principalmente, mediante o julgamento de recurso especial (DIDIER JÚNIOR, 2012).

Presente, portanto, divergências quanto à aplicabilidade da nova redação do Art. 736 do CPC ao procedimento das execuções fiscais, coube ao STJ unificar o entendimento acerca da matéria. E o fez submetendo o RESP nº 1.272.827 – PE a julgamento pelo procedimento do Art. 543-C do CPC (julgamento por amostragem de recursos especiais repetitivos).

Segundo o Art. 543-C do CPC, o recurso especial será processado nos moldes procedimentais do julgamento por amostragem quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito. Serão admitidos um ou mais recursos representativos da controvérsia, ficando os demais recursos especiais suspensos nos tribunais de origem até o pronunciamento definitivo do STJ.

A depender do resultado do julgamento do recurso, os recursos sobrestados na origem poderão ter dois destinos. Na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a posição assumida pelo tribunal superior, terá seu seguimento negado no segundo grau. Entretanto, se o acórdão recorrido divergir da tese consagrada pelo STJ, o tribunal de origem examinará novamente a questão, podendo modificar seu acórdão anterior, adaptando-se à jurisprudência do STJ, ou manter sua decisão, haja vista que o posicionamento do tribunal superior não é vinculante.

No caso do RESP 1.272.827 – PE, observou o Relator, Ministro Mauro Campbell Marques, que a recorrente Fazenda Nacional alegava contrariedade do acórdão recorrido ao art. 739-A, § 1º, do CPC, incluído pela Lei n. 11.382/2006, sob o argumento de que, em face da disciplina expressa da Lei nº 6.830/80, ainda persiste na execução fiscal a necessidade de garantia do juízo para apresentação dos embargos à execução; contudo, uma vez ajuizados, os embargos não possuem o condão de suspender os atos executivos imediatamente, dependendo para tal de decisão expressa do juiz a respeito.

Assim, verificando-se que há muito era repetitivo no âmbito da 1ª Seção (1ª e 2ª turmas) do STJ o tema acerca da aplicabilidade ou não às execuções fiscais das novas regras estatuídas do CPC pela Lei 11.382/2006, o qual modificou a disciplina dos embargos do executado, decidiu o Relator submeter o recurso a julgamento por amostragem, nos termos do Art. 543-C do CPC.

O julgamento proferido por unanimidade na 1ª Seção do STJ teve como fim pacificar o entendimento da matéria de modo a uniformizar a jurisprudência e orientar os demais tribunais de 2ª instância quanto à interpretação que se deve dar à lei federal.

Em seu voto, o Relator afirma a necessidade de se afastar a aplicação nas execuções fiscais do Art. 736, do CPC, na redação dada pela Lei nº 11.382/2006, que exime o executado de garantir o juízo para opor-se à execução por meio de embargos.

Isto porque a LEF não seria silente no ponto, pois seu Art. 16, §1º registra expressamente que "Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução". Este raciocínio seria perfeitamente compatível com os princípios da valoração do crédito público, primazia do crédito público sobre o privado e aplicação apenas subsidiária do CPC/73.

Afirma ainda não comungar com o raciocínio de que as reformas feitas no CPC/73 pela Lei nº 11.382/2006 sejam um "pacote fechado" que deve ser integralmente aplicado às execuções fiscais. Ressalta ainda que a própria exposição de motivos da LEF reconhece a "relativa autonomia" do executivo fiscal com a Lei nº 6.830/80.

Sendo assim, em obediência aos princípios orientadores de ambas as leis, seria necessário confrontar norma com norma para verificar aquelas que são compatíveis com a LEF e com os princípios de sua elaboração, notadamente, a valorização da cobrança do crédito público sobre o privado.

Argumenta que essas constatações já foram feitas sem maiores turbulências pelo STJ em vários precedentes que, embora por fundamentos variados – ora fazendo uso da mera interpretação sistemática da LEF e do CPC/73, ora trilhando o inovador caminho da teoria do "Diálogo das Fontes", ora utilizando-se de interpretação histórica dos dispositivos – chegaram sempre à mesma conclusão de que os embargos à execução fiscal somente são admitidos depois de garantidos.

Conclui, portanto, que a nova redação do Art. 736 do CPC – norma que dispensa a garantia como condicionante dos embargos – não se aplica à LEF na presença nela de dispositivo específico, qual seja o art. 16, §1º que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos.

Assim ficou ementado o acórdão:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. APLICABILIDADE DO ART. 739-A, §1º, DO CPC ÀS EXECUÇÕES FISCAIS. NECESSIDADE DE GARANTIA DA EXECUÇÃO E ANÁLISE DO JUIZ A RESPEITO DA RELEVÂNCIA DA ARGUMENTAÇÃO (FUMUS BONI JURIS) E DA OCORRÊNCIA DE GRAVE DANO DE DIFÍCIL OU INCERTA REPARAÇÃO (PERICULUM IN MORA) PARA A CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AOS EMBARGOS DO DEVEDOR OPOSTOS EM EXECUÇÃO FISCAL.

(...)

6. Em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736, do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 – artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos – não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, §1º da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal.

7. Muito embora por fundamentos variados – ora fazendo uso da interpretação sistemática da LEF e do CPC/73, ora trilhando o inovador caminho da teoria do "Diálogo das Fontes", ora utilizando-se de interpretação histórica dos dispositivos (o que se faz agora) – essa conclusão tem sido a alcançada pela jurisprudência predominante, conforme ressoam os seguintes precedentes de ambas as Turmas deste Superior Tribunal de Justiça. Pela Primeira Turma: AgRg no Ag 1381229 / PR, Primeira Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 15.12.2011; AgRg no REsp 1.225.406 / PR, Primeira Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgado em 15.02.2011; AgRg no REsp 1.150.534 / MG, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 16.11.2010; AgRg no Ag 1.337.891 / SC, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 16.11.2010; AgRg no REsp 1.103.465 / RS, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 07.05.2009. Pela Segunda Turma: AgRg nos EDcl no Ag n. 1.389.866/PR, Segunda Turma, Rei. Min. Humberto Martins,DJe de 21.9.2011; REsp, n. 1.195.977/RS, Segunda Turma, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, julgadoem 17/08/2010; AgRg no Ag n. 1.180.395/AL, Segunda Turma, Rei. Min. CastroMeira, DJe 26.2.2010; REsp, n, 1.127.353/SC, Segunda Turma, Rei. Min. ElianaCalmon, DJe 20.11.2009; REsp, 1.024.128/PR, Segunda Turma, Rei. Min. HermanBenjamin, DJe de 19.12.2008.

8. Superada a linha jurisprudencial em sentido contrário inaugurada pelo REsp. n. 1.178.883 - MG, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 20.10.2011 e seguida pelo AgRg no REsp 1.283.416 / AL, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 02.02.2012; e pelo REsp 1.291.923 / PR, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 01.12.2011.

9. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008.

Pacificado, portanto, o entendimento no âmbito do STJ, o que se observa por meio de recentes julgados a seguir é que os demais tribunais acataram a jurisprudência firmada:

TRF 1

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. GARANTIA DA EXECUÇÃO. PENHORA INSUFICIENTE. EXTINÇÃO. POSSIBILIDADE. INOVAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR. NÃO CONHECIMENTO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. NULIDADE DE ATO PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. 1. "Em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736, do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 – artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos – não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, §1º da Lei n.6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal." (REsp 1272827/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 31/05/2013).  2. Não se conhece de fundamento que implica em inovação da causa de pedir, insuscetível de conhecimento em face da preclusão consumativa.  3. A inexistência de prejuízo afasta a declaração de nulidade de ato processual, conforme estabelece o princípio da pas de nullité sans grief, consagrado no art. 249, do CPC.  4. Apelação a que se nega provimento.

(AC 0032972-48.1997.4.01.3400 / DF, Rel. JUIZ FEDERAL CARLOS EDUARDO CASTRO MARTINS, 7ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 p.415 de 24/09/2013)

TRF 2

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. TAXA DE OCUPAÇÃO. GARANTIA DO JUÍZO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA. NÃO COMPROVAÇÃO. 1. A sentença rejeitou os embargos à execução fiscal de taxa de ocupação, à ausência de garantia do juízo, pressuposto processual específico para o recebimento dos embargos, nos termos do art. 16, §1º, da Lei nº 6.830/80. 2. A segurança do juízo é condição de procedibilidade dos embargos à execução fiscal, não se aplicando o art. 736, do CPC – que admite a sua oposição independente da garantia do juízo – às execuções fiscais, porque regidas por diploma específico, conforme REsp nº 1272827/PE, julgado sob a sistemática do art. 543-C, do CPC 3. A exigência legal de segurança do juízo pode ser afastada, desde que a condição econômica precária seja cabalmente comprovada. 4. O benefício da gratuidade, concedido mediante simples declaração pessoal de hipossuficiência, não serve para afastar o dever de garantir a execução, ainda que de forma não integral. 5. A embargante teve oportunidade de provar sua condição, mas além de deixar de instruir a inicial com documentos aptos para demonstrá-la, não se insurgiu contra a determinação judicial para comprovar a garantia do juízo. 6. Apelação desprovida.

AC - APELAÇÃO CÍVEL – 608913 / RJ. Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL NIZETE LOBATO CARMO, SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - DATA: 17/12/2013.

TRF 3

PROCESSUAL CIVIL. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. DEPÓSITO PRÉVIO PARA O RECEBIMENTO DE EMBARGOS DO DEVEDOR. NECESSIDADE DE GARANTIA DA DÍVIDA EXECUTADA. SÚMULA VINCULANTE 28. INAPLICABILIDADE. RECURSO FAZENDÁRIO PROVIDO. 1. A apelação não é intempestiva pois a oposição de embargos de declaração interrompe o prazo. A análise da pretensão de reforma não exerce influência nesse aspecto. 2. A Lei Complementar 132/2009, ao acrescentar o inciso VII ao artigo 3° da Lei 1.060/1950, estabelece expressamente que a isenção compreende os depósitos previstos para o ajuizamento de ações judiciais. Porém, a exigência de garantia da execução fiscal não se encontra sob o alcance desta norma. 3. Nos termos do parágrafo 1º, do art. 16 da Lei 6.830/1980, não são admissíveis embargos do executado antes da garantia da execução, pois ação executiva se baseia em título extrajudicial (CDA) que desfruta de presunção relativa de liquidez e certeza. Assim, em regra a interposição de embargos do devedor (ação de conhecimento incidental) deve ser precedida de garantia suficiente do montante executado, em respeito à legítima e razoável opção do legislador ao prever tal exigência no art. 16, § 1º, da Lei 6.830/1980, determinação que deve ser respeitada até porque há várias e relevantes razões fiscais e extrafiscais que justificam a imposição e cobrança de tributos. 4. A garantia para o ajuizamento de embargos do devedor na execução fiscal não afronta o princípio do contraditório ou da ampla defesa, dado ao estágio avançado na dinâmica da obrigação tributária, a tal ponto que a exigência já se encontra em fase de cobrança judicial mediante execução de título. 5. Quando muito, o que se verifica são flexibilizações da garantia integral do montante executado para a admissibilidade dos embargos do devedor. Contudo, essa flexibilização não deve ser convertida em regra geral, uma vez que o comando do art. 16, § 1º, da Lei 6.830/1980 não abriu tal exceção expressamente, o que deve ser feito pela prudente análise jurisdicional de casos concretos. 6. Em casos excepcionais, a insuficiência da penhora não é motivo para a extinção dos embargos à execução fiscal, porque poderá ser suprida com reforço da penhora, nos termos do artigo 685 do Código de Processo Civil, que se aplica subsidiariamente às execuções fiscais. Neste sentido, sempre considerando as circunstâncias do caso concreto, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem admitindo o recebimento dos embargos do devedor nos casos em que a execução não está garantida integralmente, sob o fundamento de que a Lei de Execução Fiscal admite, em qualquer fase do processo, o reforço da penhora insuficiente. 7. Por sua vez, a Súmula Vinculante 28 do E.STF não autoriza a dispensa da garantia integral para a interposição de embargos do devedor na execução fiscal. Essa súmula vinculante vem na esteira de antigo e consolidado entendimento (tal como espelhado na Súmula 247 do E.TFR) que dispensa da garantia da dívida tributária para o ajuizamento de ações de conhecimento tais como ações anulatórias e mandados de segurança. Uma leitura dos precedentes judiciais e da ADI 1074, que deram ensejo à edição da Súmula Vinculante 28, nota-se que esse foi o propósito do E.STF ao afirmar esse verbete de orientação das decisões judiciais. Por isso, a força obrigatória da Súmula Vinculante 28 do E.STF não pode ser emprestada para dispensar o depósito como condição do ajuizamento dos embargos do devedor no âmbito executivo fiscal, especialmente por conta da natureza do feito executivo lastreado na presunção relativa de veracidade e de validade da imposição executada, ainda escorada na liquidez e certeza do montante consolidado no título executivo. 8. Ademais, as discussões a propósito dos embargos do devedor na execução fiscal geralmente giram em torno da suspensão ou não da tramitação do feito executivo ante à imposição de embargos com garantia, dada a divergência de entendimentos quanto à aplicação subsidiária do art. 739-A, do CPC, mas sempre tendo como pressuposto que os embargos foram interpostos com garantia suficiente e, em regra, integral, conforme entendimento sedimentado no E. STJ, em recurso repetitivo (RESP 1272827, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:31/05/2013 ..DTPB:.). 9. Agravo legal a que se dá provimento.

AC - APELAÇÃO CÍVEL – 1546143 / SP. Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/02/2014.

TRF 4

EMENTA: PROCESSUAL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. AUSÊNCIA DE GARANTIA. POSSIBILIDADE. ART. 16, §1º, DA LEI 6.830/80. PRINCÍPIOS. AMPLA DEFESA. CONTRADITÓRIO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA. INEXISTÊNCIA. 1. Não há se falar em dispensa de garantia do juízo para a interposição de embargos à execução, ante a existência de norma específica sobre o assunto, art. 16, §1º, da LEF. Incidente no caso o princípio da especialidade. 2. As alterações trazidas pela Lei nº 11.382, de 2006, não afetam o tema da garantia para oposição dos embargos à execução fiscal, porquanto as normas processuais são aplicadas apenas de forma subsidiária, não sendo o caso, já que há disposição expressa no §1º do art. 16 da 6.830/80 no ponto. 3. No presente caso, conforme se observa dos autos, não houve garantia do juízo. 4. Inexistente qualquer ofensa aos postulados constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, porquanto atendidos os comandos legais aplicáveis às execuções fiscais. 5. A extinção dos embargos não impossibilita que, no futuro, em havendo penhora regular, possam ser interpostos novos embargos à execução pela ora embargante. Mesmo sem garantia a parte executada pode se valer da exceção de pré-executividade nos casos em que o manejo deste instituto seja conveniente, e ainda, de ação anulatória.

AC 5006431-63.2013.404.7112 / RS. Rel. RÔMULO PIZZOLATTI, SEGUNDA TURMA, D.E. 12/12/2013

TRF 5

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ART. 543-C, PARÁGRAFO 7º, II, DO CPC. ART. 16, PARÁGRAFO 1º, DA LEI 6.830/80. EXIGÊNCIA DE GARANTIA PARA PROCESSAMENTO DOS EMBARGOS. ADEQUAÇÃO DO ACÓRDÃO AO ENTENDIMENTO DO STJ.

1. Os presentes autos retornaram em face do disposto no inciso II do parágrafo 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil, c/c o inciso II do parágrafo 1º do art. 220 do Regimento Interno deste Tribunal, para fins de adequação ao entendimento sedimentado no pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.272.827, em sede de recurso repetitivo.

2. No primeiro julgamento, o acórdão asseverou "que o processamento dos embargos à execução fiscal, independentemente da garantia do Juízo, desde que recebidos sem efeito suspensivo, encontra amparo no art. 5º, XXXV e LV, da Constituição Federal (CF/88). Portanto, os presentes embargos à execução fiscal devem ser normalmente recebidos, sem efeito suspensivo, e processados pelo magistrado de origem, até porque a causa não se encontra madura para julgamento imediato, nos termos do art. 515, parágrafo 3º, do CPC" (fl. 111).

3. Decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, firmado no julgamento do REsp n.º 1.272.827/PE, segundo o qual, é necessária a garantia do Juízo, nos termos do parágrafo 1º do art. 16 da Lei 6.830/80, para o processamento dos embargos à execução fiscal, além dos requisitos previstos no art. 739-A, do Código de Processo Civil, a fim de atribuir-lhes efeitos suspensivo

4. Adequação do acórdão ao entendimento do STJ quanto à aplicabilidade do parágrafo 1º do art. 16 da Lei 6.830/80, para negar provimento à apelação da embargante.

AC545942 / PE. REL. DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA, SEGUNDA TURMA, DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO TRF5 (DJE) - 10/01/2014 - PÁGINA 66.

Importante notar também que, conforme recentíssimo precedente publicado no informativo nº 538 do STJ, entende o tribunal que não devem ser conhecidos os embargos à execução fiscal opostos sem a segurança do juízo, mesmo que o embargante seja beneficiário da justiça gratuita:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. GARANTIA DO JUÍZO PARA EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL.

Não devem ser conhecidos os embargos à execução fiscal opostos sem a garantia do juízo, mesmo que o embargante seja beneficiário da assistência judiciária gratuita. De um lado, a garantia do pleito executivo é condição de procedibilidade dos embargos de devedor nos exatos termos do art. 16, § 1º, da Lei 6.830/1980. De outro lado, o art. 3º da Lei 1.060/1950 é cláusula genérica, abstrata e visa à isenção de despesas de natureza processual, como custas e honorários advocatícios, não havendo previsão legal de isenção de garantia do juízo para embargar. Assim, em conformidade com o princípio da especialidade das leis, o disposto no art. 16, § 1º, da Lei 6.830/1980 deve prevalecer sobre o art. 3º, VII, da Lei 1.060/1950, o qual determina que os beneficiários da justiça gratuita ficam isentos dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.257.434-RS, Segunda Turma, DJe 30/8/2011; e REsp 1.225.743-RS, Segunda Turma, DJe 16/3/2011. REsp 1.437.078-RS, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 25/3/2014.


CONCLUSÃO

O presente trabalho, não obstante não objetivar o exaurimento do tema e nem podia, explanou a forma como este vem sendo debatido na doutrina e na jurisprudência e mostrou as divergentes interpretações que se davam e se dão às reformas por que passa o atual Código de Processo Civil, bem como evidenciou a uniformização do entendimento pelo STJ.

Apesar da interpretação dada pelo tribunal superior no sentido de ainda ser exigível a prévia garantia do juízo como condição de admissibilidade dos embargos do executado no âmbito das execuções fiscais, nota-se que a discussão não se encerrou e não cessará tão cedo.

O que se observa é que a questão da defesa do executado em execução fiscal ser condicionada à prévia garantia do juízo gira em torno do livre acesso ao Poder Judiciário e envolve lides que apontam para a discussão no tocante ao contraditório e à ampla defesa, garantias constitucionais.

Em sendo envolvidos questionamentos cujo embasamento advêm do Texto Magno, inevitavelmente o litígio poderá se direcionar à Corte Constitucional, órgão máximo do Judiciário Nacional, cujo acesso limita-se a questões de relevante interesse transindividual.

Com relação à receptividade ou não das normas presentes na LEF pela Constituição Cidadã, apesar do controle de constitucionalidade poder ser exercido por qualquer juízo no uso do poder jurisdicional na análise do caso concreto, interessa registrar que de maior alcance e menor desgaste da maquina pública é o controle abstrato, exercido pelo STF. Todavia, citado órgão ainda não se posicionou sobre o tema.

Quanto ao argumento de que a Súmula Vinculante nº 28 solucionou o imbróglio ao dizer ser inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário, esse não é o entendimento que predomina. Isso por que não houve posicionamento explícito da Corte acerca da questão.

O que há são decisões monocráticas, a exemplo da exarada pelo Ministro do STF Joaquim Barbosa nos autos da Reclamação nº 14.239 / RS. Nesta, o Ministro afirmou que a garantia do juízo como requisito para recebimento dos embargos do devedor não foi declarada inconstitucional.

Para ele, a ação judicial a que se refere o enunciado corresponde às medidas judiciais que têm por objeto qualquer etapa do fluxo de constituição e de positivação do crédito tributário antecedente ao ajuizamento da execução fiscal, momento em que ocorre a judicialização do inadimplemento do sujeito passivo.

No entanto, tal posicionamento foi dado, repita-se, em decisão monocrática, na qual não há debate da questão em Turma ou no Plenário da Corte, não se podendo dizer, portanto, que este é o posicionamento do Tribunal.

Resta, portanto, claro dizer que o tema não está superado, ensejando debates e discussões posteriores e que a pesquisa do assunto poderá auxiliar no melhor entendimento a ser formado de forma a preservar as garantias do devido processo legal, o qual se embasa nos princípios do contraditório e da ampla defesa.


REFERÊNCIAS

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______. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO. AC - APELAÇÃO CÍVEL – 1546143 / SP. Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/02/2014.

______. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. AC 5006431-63.2013.404.7112 / RS. Rel. RÔMULO PIZZOLATTI, SEGUNDA TURMA, D.E. 12/12/2013.

______. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO. EDAC563924/01 / CE. REL. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA, PRIMEIRA TURMA, DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO TRF5 (DJE) - 10/04/2014 - PÁGINA 136.

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MATOS, Williame Brandão. Os reflexos das inovações trazidas ao CPC pela Lei nº 11.382/2006 na Lei de Execuções Fiscais: a posição do STJ acerca da (des)necessidade da garantia do juízo para a interposição de embargos do devedor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4235, 4 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31126. Acesso em: 23 abr. 2024.