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Violência contra a mulher: dos números à legislação

Violência contra a mulher: dos números à legislação

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Apresenta uma breve abordagem da violência contra a mulher tratando das mudanças na legislação após o advento da Lei Maria da Penha e o impacto deste tipo de violência demonstrado por números.

Resumo: O presente trabalho de conclusão de curso tem por finalidade apresentar de maneira pontual uma breve abordagem sobre a violência sob um ponto de vista histórico, no seu aspecto de demonstração de poder, em vários meios sociais, para, posteriormente, conceituar e contextualizar a violência doméstica, suas principais causas e consequências. Discorre-se que a violência doméstica é considerada como uma violência de gênero, uma consequência da sociedade patriarcal e uma afronta direta aos direitos humanos da mulher agredida. Será abordada também a importância das legislações específicas de proteção à mulher, especialmente a Lei Maria da Penha. Também é demonstrado no artigo o impacto causado pela violência contra a mulher, através dos números deste tipo de violência e do alcance da Leia Maria da Penha na atualidade. Diante da repercussão alcançada, principalmente a midiática, foram manifestados muitos comentários equivocados e falsas expectativas a partir da criação de uma lei exclusiva para tratar do tema, historicamente tão forte em nossa sociedade. Com base no considerável peso do instrumento legal, ainda assim, dentro do ponto de vista técnico, é preciso examinar e analisar a lei à luz dos princípios constitucionais, penais e processuais penais, para se constatar até que ponto o Estado tem legitimidade para intervir coercitivamente na liberdade dos cidadãos. Fato é que a violência doméstica e familiar é uma questão histórica e cultural anunciada, que ainda hoje infelizmente faz parte da realidade de muitas mulheres nos lares brasileiros. Com o advento da Lei Maria da Penha, foram criados mecanismos para reduzir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres, ambicionando que essa realidade mude e a mulher passe a ter instrumentos legais inibitórios, para que não mais seja vítima de discriminação, violência e ofensas dos mais variados tipos.

Palavras-chave: Violência. Estatísticas. Lei Maria da Penha.


1 INTRODUÇÃO

Ao longo da história, a violência contra a mulher se fez presente em muitas civilizações e épocas. Todas as camadas da sociedade são tocadas pela violência neste sentido, abrangendo um conjunto de relações sociais que tornam complexa sua natureza. É uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduziram à dominação e à discriminação contra as mesmas pelos homens.

Diante de tantas definições encontradas, a violência contra a mulher pode ser indicada como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. Esta violência pode ser demonstrada de diversas formas. A mulher é atacada em seu físico, assim como em sua moral. As formas de assédio neste sentido são muitas, incluindo-se atos discriminatórios no campo profissional ou mesmo na desvalorização dos trabalhos na seara doméstica.

As formas mais comuns de violência sob o prisma do gênero feminino são manifestadas através de agressões físicas, psicológicas e sociais, incluindo maltrato físico e abuso sexual, psicológico e econômico.

No Brasil, há uma tendência em cuidar do problema como um fenômeno de menor importância e limitado ao âmbito interpessoal. Mas, os altos índices de casos de violência contra a mulher que vêm acontecendo, demonstram a necessidade premente de uma maior atenção para a questão. Preocupação hoje, que se retrata em nível mundial, não se resumindo apenas ao nosso país.

Este tipo de padrão violento seja ela doméstica ou não, representa dura realidade em nossa sociedade, a qual ainda é impregnada de discriminação e preconceito contra pessoas do sexo feminino.

Vale a pena ressaltar a condição de relação entre gêneros para que se evidencie o entendimento de um fato gerador deste tipo de violência. O gênero do agressor e o da vítima encontra-se intimamente ligados à explicação deste tipo de comportamento violento.

As mulheres são afetadas pelo simples fato de serem deste sexo, sendo vitimadas muitas vezes pelo elemento cultural machista.

Após a Conferência de Viena, o Estado brasileiro reconheceu alguns direitos da mulher, até então relegados pelo direito baseado em costumes patriarcalistas da época do Brasil Colônia.

A situação de submissão da mulher foi diminuindo ao longo da história, que ostentava exemplos de leis que seriam consideradas absurdas, nos dias de hoje.

A vigente Constituição Federal de 1988 reforçou a ideia de isonomia ao preceituar em seu artigo 5°, I, a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações.

Em 22 de setembro de 2006, entrou em vigor a lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, que ficou conhecida pelo nome de “Maria da Penha”, em homenagem a uma vítima da violência doméstica. Após emblemático caso que chegou ao conhecimento nacional e internacional, forçando o Brasil a tomar uma medida que já vinha sendo adotada em diversas convenções, protocolos e declarações anteriores. Como a Convenção das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, de 1979, que foi decidida tendo por base dignidade da pessoa humana e igualdade de direitos entre homens e mulheres.

A Carta das Nações Unidas em seu preâmbulo reafirma a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher. Reafirma a igualdade de sexo a partir do princípio da não discriminação e ao proclamar que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que toda pessoa pode invocar todos os direitos. Apenas em 1993 foi que o direito da mulher apareceu de maneira expressa entre os direitos humanos, através da Conferência Mundial de Direitos Humanos realizado em Viena, traçando os seguintes dizeres:

Para os fins da presente Declaração, a expressão “violência contra as mulheres” significa qualquer ato de violência baseado no gênero do qual resulte, ou possa resultar dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para as mulheres. Incluindo ameaças de tais atos, a coação e ou privação arbitrária de liberdade, que ocorra, quer na vida pública, quer na vida privada. 

Atualmente, a aplicação da Lei Maria da Penha em todo o território nacional, é uma realidade incontestável restando aos operadores do direito o seu aprimoramento e a sua efetiva compreensão e implementação.

Dentre as maneiras de violência previstas no artigo 7º da Lei 11. 340/06, podem ser citadas as formas: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial.

Este trabalho tem sua ênfase na violência ocorrida no ambiente doméstico, os números e a legislação específica.  Dessa forma, o objetivo central da presente pesquisa é fazer um estudo sobre os danos que a violência de uma maneira geral contra a mulher causa e questionar a solução para esse mal que afeta de maneira geral, a sociedade como um todo.

Tendo em vista que a família é a célula da sociedade, e através dela evoluções ou retrocessos podem surgir sob o ponto de vista educacional e moral do contexto social em que vivemos, será apresentado um estudo sobre a violência praticada contra as mulheres em uma breve contextualização histórica do modo como, gradualmente, este se tornou um tema do campo dos Direitos Humanos e do Direito Penal.  

Inicialmente abordada como "causas externas" de morbidade e mortalidade, devido à grande incidência e aos elevados prejuízos sociais, econômicos e de saúde (física e psicológica), atualmente a violência é reconhecida como um campo específico e urgente de intervenção. Sendo necessário que o Estado desenvolva políticas públicas capazes de suprir as necessidades social, física e emocional das mulheres vítimas de violência. Mais ainda, que promova políticas capazes de transformar as exigências da lei,as quais parecem abstratas, dirigindo-as para ações concretas de conscientização social.

A importância da abordagem do tema refere-se inclusive a acontecimentos que fazem parte do dia a dia da mulher brasileira, de qualquer classe social, raça ou religião.

O desrespeito a leis e o comportamento agressivo dos homens perante as mulheres, sejam,parentes, conhecidas ou estranhas, está impregnado na cultura brasileira, a qual mesmo após tantos avanços sociais, ainda se mostra muito machista.

Pesquisar e tratar do tema em um trabalho acadêmico gera subsídios para a ampliação do conhecimento sobre a violência por esse prisma e contribuem para a elaboração de intervenções específicas, que se torna relevante para a população.

O objetivo geral deste artigo será contribuir com os estudos sobre a violência doméstica contra a mulher na contemporaneidade. Os objetivos específicos serão avaliar quais as circunstâncias sociais que levam aos atos de violência doméstica e as consequências sociais, os números e as leis envolvidas neste processo.

Neste artigo foram utilizadas pesquisas bibliográficas, através de monografias, livros, legislação e sites da internet, dando maior relevância a informações dos últimos cinco anos a respeito da temática abordada.


2 DEFINIÇÃO E HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

De uma forma abrangente, pode-se definir violência como sendo o a utilização de condutas, palavras ou ações que machucam a um terceiro, o abuso de alguma forma de poder, a tortura psicológica ou física, assim como o uso da força que pode resultar em ferimentos ou morte.Caracteriza-se como uma grave questão social, presente em todos os períodos de nossa história, até os dias de hoje, seja em países desenvolvidos ou não.

Pode a violência ser apresentada em diferentes maneiras, sendo assim física, sexual, psicológica, urbana, institucional, de trânsito, intrafamiliar, desencadeando-se, portanto de diversas formas.

Violência é toda iniciativa que procura exercer coação sobre a liberdade de alguém, que tenta impedir-lhe a liberdade de reflexão, de julgamento, dedicação e que, termina por rebaixar alguém a nível de meio ou instrumento num projeto, que a absorve e engloba, sem trata-lo como parceiro livre e igual. A violência é uma tentativa de diminuir alguém, de constranger alguém a renegar-se a si mesmo, a resignar-se à situação que lhe é proposta, a renunciar a toda a luta, abdicar de si.Há vários motivos como: pobreza, miséria, desigualdade, desemprego, discriminação, entre outros, que podem contribuir para o desenvolvimento de atos agressivos entre as pessoas. Contudo, a violência não está associada à classe subalterna, marginalizada, como muitos pensam, mas aparece em todas as camadas sociais, idades, sexos, raças, etnias, religiões, etc. (VIELA, 1977 apud AZEVEDO, 1985,  p. 19)

As mulheres conquistaram direito de igualdade entre os sexos, o que está de acordo com o que estabelece os direitos humanos. Desde o final da década de 1970, a igualdade entre homens e mulheres é uma das prioridades dos movimentos feministas em nosso país, os quais, além disso, visavam também proteger as mulheres que se encontravam em situação de risco. As reinvindicações feministas repercutiram em importantes conquistas como a criação das delegacias da mulher, o surgimento dos Juizados Especiais criminais e o advento da Lei 11.340/2006, a conhecida Lei “Maria da Penha”.

No entanto, apenas em 1993 foi que o direito da mulher apareceu de maneira expressa entre os direitos humanos, através da Conferência Mundial de Direitos Humanos realizado em Viena, traçando os seguintes dizeres:

Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integrante e indivisível dos direitos humanos universais (...) A violência de gênero e todas as formas de assedio e exploração sexual (...) são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser eliminados[2].

Por muitos anos as mulheres estiveram ausentes ou desfiguradas na história brasileira. Como em qualquer parte do mundo, não se fez justiça no papel que elas desempenharam no desenvolvimento do país. Pouco se sabe de suas vidas, papéis e experiências no passado, e a própria existência de fenômenos como o movimento pelos direitos da mulher no Brasil do século XIX (HAHNER, 1981,  p.24)

Apesar de hoje existirem mulheres atuantes em todos os campos importantes para a sociedade, sendo maioria em muitas universidades, vitoriosas em concursos públicos entre cargos de grande destaque no executivo, como no caso da nossa presidente, ou judiciário, representadas por ministras do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, essa não foi uma conquista que nasceu em pouco tempo, de um dia para o outro. São frutos de conquistas históricas referentes aos direitos que um dia já foram negados àquelas que nasciam mulheres.

A Carta das Nações Unidas em seu preâmbulo reafirma a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher. Reafirma a igualdade de sexo a partir do princípio da não discriminação e ao proclamar que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que toda pessoa pode invocar todos os direitos.

No ordenamento jurídico brasileiro, a inovação referente aos direitos das mulheres nasceu com a Constituição federal de 1988, a qual representou uma ruptura com o regime jurídico anterior e deu base legal para os novos dispositivos de lei que instituíram proteção a pessoas do sexo feminino.

Tais meios de proteção se fazem necessários pela tradição machista, ainda vigente em nossa sociedade moderna, onde homens se acham superiores às mulheres. O que ocasiona no inconsciente coletivo masculino, a falsa impressão de que são verdadeiros donos de suas mulheres, tendo assim, direitos sobre as suas vidas. A forma machista de pensar repercute diretamente na violência doméstica em suas diversas possibilidades, incluindo os homicídios no ambiente familiar.

É contra tais ocorrências ocasionadas pela histórica cultura patriarcal, que considerava a mulher como ser inferior em relação ao homem que houveram durante séculos, lutas pelos direitos das mulheres, em busca de emancipação enquanto cidadãs, igualdade civil e na educação.

Na Grécia antiga as funções sociais eram organizadas de acordo com as características do gênero dominante, que era o masculino. Em Atenas, as mulheres eram reservadas apenas as funções domésticas, não podendo assim, expandir os horizontes, sendo inclusive consideradas parte do patrimônio de seu marido.

Em Roma, assim como na Grécia, a família era eminentemente patriarcal, estando todos os seus membros sujeitos ao poder do pater famílias, que era sempre o ascendente masculino mais antigo. “as esposas, os filhos, noras, genros ou escravos- todos eram subordinados ao chefe de suas famílias, e os bens por eles adquiridos integravam se automaticamente ao patrimônio familiar” (ROLIM, 2003, p. 155).

De fato, alguns conceitos explicam a violência contra a mulher. A violência física é visual e entendida como aquela que ofende a integridade ou saúde corporal, praticada pelo agressor, com o uso da força física ou de armas.

No entanto, a forma psicológica de violentar, não é tão aparente quanto à física, mas muito extensa em seus danos, pois engloba qualquer conduta causadora de danos emocionais.

A violência sexual, que também é uma forma tangível, baseia-se em qualquer forma de constrangimento, seja o ato sexual ou o assédio neste sentido, as quais vão desde o ato de estupro ao induzimento ao aborto, prostituição, etc, através de ameaça, coação ou uso da força física em razão do objetivo de interferir na sexualidade da mulher.Na análise de Stela Valéria, a violência assim se define:

É um ato de brutalidade, abuso, constrangimento, desrespeito, discriminação, impedimento, imposição, invasão, ofensa, proibição, sevícia, agressão física, psíquica, moral ou patrimonial contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela ofensa e intimidação pelo medo e terror. (CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias, 2007, p.29)

A mulher também pode ser violentada em seu patrimônio, o que chamaria de um tipo de violência visual-material. Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição de patrimônio ou qualquer objeto, documentos, bens, valores ou recursos econômicos da mulher, configura uma forma de violência.

A discriminação contra a mulher é um fato inconciliável com a dignidade humana e com o bem estar familiar e social. Esta atitude obstrui a participação da mulher na vida política, social, econômica, cultural, dentre outros setores, como condição de igualdade com os homens, bem como a formação de obstáculos que a impedem de desenvolver completamente habilidades no serviço, tanto particular como social (DECLARAÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER, 2008).

Por fim, a violência moral, que é não-visual e não deixa também de atingir o fator psicológico da vítima. Esta ocorre quando o agressor difama, calunia ou pratica injúria contra a vítima, atingindo a dignidade da mulher. Com o advento da tecnologia, hoje estão acontecendo muitas agressões por meio da internet e a velocidade com que as informações transitam tornam ainda piores os resultados das agressões.

Neste contexto, conforme o artigo 7º, inciso II da Lei Maria da Penha, temos a definição de violência psicológica:

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

A violência psicológica, prevista e detalhada a sua forma na Lei Maria da Penha, diferente das formas física e sexual, não deixa marcas visíveis, mas é muito importante, visto que participa do contexto de repressão e discriminação contra a figura feminina de maneira ostensiva, tendo assim, grande importância a sua descrição na letra da lei.


3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER  

A violência dentro do lar é um tema bastante vasto, pois atinge milhares de mulheres, crianças, adolescentes e idosos em todas as regiões do planeta, independente de classe social ou origem étnica. Decorre principalmente da desigualdade nas relações entre homens e mulheres, assim como baseia-setambém na discriminação de gênero, questão não muito recente, estando presente em todas as fases da história da humanidade.

Apenas após a constitucionalização dos direitos humanos a violência passou a ser estudada e verificada com maior profundidade. Além de apontada por diversos setores representativos da sociedade, tornando-se assim um desafio enfrentado pela sociedade contemporânea.

A violência doméstica contra as mulheres é responsável por muitas mortes em todo o mundo. E isso repercute em seus entes queridos e na sociedade como um todo.

Os agressores utilizam-se da relação de poder e da força física para subjugar as vítimas e mantê-las sob o jugo das mais variadas formas de violência. Assim, uma simples divergência de opinião ou uma discussão de somenos importância se transformam em agressões verbais e físicas, capazes de consequências danosas para toda a família. Nesses conflitos, a palavra, o diálogo e a argumentação dão lugar aos maus tratos, utilizados cotidianamente como forma de solucioná-los. (CAVALCANTI, op. cit., p. 29.)

Sociólogos acreditam que a violência é própria da natureza humana, não podendo ser percebida fora de um determinado quadro histórico-cultural, pois, assim como as normas de conduta variam sob esse aspecto, do grupo em análise.Afinal, atos considerados violentos em determinadas culturas, se mostram plenamente possíveis e aceitáveis em outras.

Violência vem do latim violentia, que significa caráter violento ou bravio. O termo violare significa tratar com violência, profanar, transgredir. Esses termos devem ser referidos a vis, que significa a força em ação, o recurso de um corpo para exercer a sua força e, portanto, a potência, o valor, ou seja, a força vital. Violência que é composto por vis, que em latim significa força, sugere a ideia de vigor, potência, impulso. Também traz a ideia de excesso e de destemor. Então, mais do que uma simples força, violência pode ser conceituada como o próprio abuso da força (CAVALCANT, 2007,  p. 29).

Em decorrência do pátrio poder e do casamento, por muito tempo, em nossa sociedade, a violência contra a mulher era considerada como corriqueira e natural nas relações familiares. Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto (2007, p.24) definem a violência contra a mulher como:

Qualquer ato, omissão ou conduta que serve para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, direta ou indiretamente, por meios de enganos, ameaças, coações ou qualquer outro meio, a qualquer mulher e tendo por objetivo e como efeito intimidá-la, puni-la ou humilhá-la, ou mantê-la nos papeis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade física, moral, ou abalar a sua segurança pessoal, o seu amor próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as suas capacidades físicas ou intelectuais (SANCHES; PINTO, 2007, p. 24).

A consequência imediata disto é que a violência é tratada de forma multifacetada, podendo-se verificar que a percepção contemporânea dos padrões violentos, foi ampliada não apenas do ponto de vista da intensidade, como também na perspectiva da extensão conceitual.

A violência doméstica resulta de um desequilíbrio entre as condições de homem e mulher, fortes e fracos. Ameaça a vida, produz enfermidade, danos psicológicos e resultados físicos que podem chegar a morte da agredida.

O exame da violência e dos mecanismos desenvolvidos por uma sociedade para combatê-la, fundamentam um campo generoso para a investigação histórica e sociológica do Brasil. Observa-se que a violência não é um fenômeno recente na sociedade brasileira, estando presente desde a colonização até os dias atuais.

Estudos sobre comportamentos violentos são parcos, mas a compreensão que estima a violência doméstica contra a mulher como uma grave violação dos direitos humanos é uma conquista recente. Por muito tempo mulheres foram abandonadas pela história, pois, isoladas  no espaço doméstico, não faziam parte da evolução da humanidade.

Se antigamente as mulheres eram vistas como “machos mutilados” e “seres dotados de alma inferior e pouca racionalidade” (CAMPOS, 2010, p. 38), o passar dos anos e a mudança da mentalidade da sociedade não fez com que a ideia petrificada de inferioridade feminina deixasse completamente de existir.

O estudo deste tipo de violência é relevante devido ao sofrimento que imputa às suas vitimas, as quais em muitos casos silenciam os abusos sofridos, e que em alguns casos pode acarretar em prejuízo ao desenvolvimento físico e mental da mesma.

A vítima de violência doméstica, na maioria dos casos tem pouca autoestima e se encontra em condições de dependência emocional ou material de seu agressor, o qual geralmente coloca a vítima como responsável pela agressão sofrida, causando muitas vezes grande sensação de culpa de vergonha. É comum também, que a vítima se sinta violada e traída, já que após a ocorrência de um ato violento, sempre há a promessa de mudança por parte do agressor, e geralmente, o ato violento é repetido.

O alcoolismo, o vício em drogas e o machismo, além da submissão econômica ou emocional são fatores de relevante importância quando o assunto é violência dentro do lar.

As mulheres, mesmo conquistando importantes posições na sociedade, muitas vezes chefiando famílias, ainda são consideradas por muitos homens, como seres inferiores, as quais não podem exercer livremente algumas escolhas. Como por exemplo, a sua sexualidade ou mesmo outro tipo de opiniões e posturas perante a família e o meio social.

Exercer uma profissão, seja ela de destaque ou não, às vezes é motivo para o assédio do agressor perante a vítima. Partindo para as diversas possibilidades de violência possíveis, sendo neste caso a mais comum, a psicológica.

A agressão emocional muitas vezes é tão ou mais prejudicial que a física. É caracterizada por rejeição, depreciação, discriminação, humilhação e todas as formas de desrespeito. Não deixa marcas físicas, mas emocionalmente causa cicatrizes indeléveis para toda a vida. Se da de forma verbal, ou até mesmo através de um silêncio pautado no desprezo direcionado a vítima.

Hoje, o termo violência denota, além da agressão física, diversos tipos de imposição sobre a vida civil, como a repressão política, familiar ou de gênero, ou a censura da fala, e do pensamento de determinados indivíduos e, ainda, o desgaste causado pelas relações de trabalho e condições econômicas. Dessa forma, podemos definir violência como qualquer relação de força que um indivíduo impõe a outro (SILVA; SILVA, 2005, p. 412).

Esta violência psicológica é muitas vezes impulsionada pelo objetivo egoístico de mobilizar emocionalmente a mulher, tendo o agressor a intenção de mobilizar emocionalmente a vítima para satisfazer alguma carência sua.

A violência doméstica em suas diversas formas de ocorrência causa transtornos à família como um todo, e também a sociedade. Muitas crianças e adolescentes vivem hoje nas ruas sob a justificativa de preferirem essa situação a viver no ambiente violento do lar.

O comportamento da mulher agredida também, apesar de algumas modificações ao longo dos anos, principalmente após o advento da lei Maria da Penha, contribui para as agressões. Tendo em vista a dificuldade em denunciar e consequentemente punir o seu agressor, pois muitas vezes o envolvimento emocional a impede de fazê-lo.

Algumas formas que o agressor, o qual normalmente é o companheiro da vítima utiliza para violentá-la são: acusá-la constantemente de ser infiel, implicar com as amizades e com a sua família, priva-la de trabalhar ou de estudar, criticá-la por pequenas coisas, ser agressivo quando está bêbado ou drogado, querer controlar as finanças da mulher, humilhá-la em frente de outros, destruir seus objetos pessoais e com valor sentimental,  agressão, espancamento ou ameaça ou até mesmo obrigá-la a manter relações sexuais contra sua vontade.


4 OS NÚMEROS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Apesar dos avanços alcançados com a Lei Maria da Penha, o Brasil ainda contabiliza 4,4 assassinatos a cada 100 mil mulheres, número que coloca nosso país no 7º lugar no ranking de países nesse tipo de crime[3]·

Pesquisa do Data Senado[4] sobre violência contra a mulher verificou que, por todo o país, 99% das mulheres já tiveram conhecimento da existência da  Lei. E isso vale para todas as camadas da sociedade, todas as idades, escolaridade, credo ou raça.

Apesar do advento da lei que protege a mulher, a pesquisa pondera que mais de 13 milhões e 500 mil mulheres já sofreram algum tipo de agressão (19% da população feminina com 16 anos ou mais). Destas, 31% ainda convivem com o agressor, e destas, 14% ainda sofrem algum tipo de violência. Este resultado, expandido para a população brasileira, implica em dizer que 700 mil brasileiras continuam sendo alvo de agressões.

Mas qual seria a motivação para essa conduta passiva por parte das vítimas de violência doméstica? Dados do Data Senado demonstram que o medo do agressor em 74% dos casos e a dependência financeira da vítima em 34% das ocorrências, são motivos relevantes para que a mesma continue na subjugação de sua integridade física, moral, psicológica ou sexual.

Diante deste contexto, os tipos de violência sofrida por mulheres no ambiente doméstico,são mais comuns as agressões nas formas físicas, psicológicas e morais.

No nosso estado[5], os índices indicam os dados desta violência, que corroboram com os dados nacionais onde, a forma física e psicológica de violentar prevalecem sobre as demais.

A pesquisa do Data Senado trouxe a informação de que, as pessoas hoje estão intervindo mais nas ocorrências de violência contra terceiros, denunciando o fato às autoridades. Esta opinião corresponde a 60% das pessoas consultadas em 2013. No ano de 2011, 41% admitiam a denúncia feita por qualquer pessoa, havendo assim, um crescimento de 19 pontos percentuais.

Para ratificar, 94% das mulheres acham que o agressor deve ser processado, mesmo que contra a vontade da vítima, e 88% denunciariam a agressão, caso testemunhassem a ocorrência. O dever de processar o agressor, mesmo que à revelia da vítima, é quase consensual em todos os subgrupos populacionais pesquisados – inclusive no grupo de mulheres que já foram alvo de violência.

Diante das mais diversas pesquisas sobre as vítimas da violência doméstica e familiar quanto à caracterização da vítima percebe-se que, a maior parte das mulheres tem uma união consensual (57%), tem filhos com este parceiro (65%), 60% delas trabalham fora, a idade varia de 15 a 60 anos, mas a maior parte está na faixa que vai dos 21 aos 35 anos (65%) e são brancas.

Em 88% dos casos em que essas agressões ocorreram foram presenciadas pelos filhos, em 6% não presenciaram e 6% não souberam responder.

Vale a pena salientar com maior ênfase que, estudos brasileiros[6] mostram a desvantagem das mulheres de baixa renda no quesito violência doméstica. Relatam que a renda familiar predominante é entre um a três salários – mínimos (42,6%), seguida pela faixa dos quatro a seis salários (36,1%) e uma categoria de 39,3% que não exercia atividades remuneradas.

As pesquisas também demonstraram que a mulher que trabalha fora de casa é mais consciente da situação. Isto porque o exercício de atividade profissional assegura-lhe independência econômica, estimulando-a a reagir e buscar recursos para o seu problema. As estatísticas da violência doméstica nas grandes cidades coincidem com as do interior do país. Está provado que a violência doméstica é um fenômeno global, presente tanto nos países desenvolvidos, como nos subdesenvolvidos e nos que estão em desenvolvimento. O caso brasileiro relaciona-se diretamente à pobreza, baixa escolaridade e dependência econômica das mulheres. Os homens aparecem como maiores agressores. Além disso, o preconceito e a discriminação estão na origem da violência contra a mulher. Muitas mulheres sentem-se envergonhadas de admitir, mesmo para amigos, que um membro de sua família (na maioria dos casos o companheiro) pratica violência. E, assim sendo, não o denunciam.


5 A LEI MARIA DA PENHA

A Lei nº 11.340/2006 - Lei Maria da Penha – que cria mecanismos para coibir e evitar a violência doméstica e familiar contra a mulher torna-se um símbolo na luta pelos direitos femininos, tendo em vista que expõe para toda a sociedade a necessidade de resgatar a cidadania da mulher, vez que a concretização dos direitos humanos passa pelo saneamento das chagas produzidas na unidade familiar.

 Foi percorrido longo caminho de lutas feministas para aquisição de muitos direitos hoje em vigor, inclusive a aprovação da Lei em tela. Recebida com muitas críticas, especialmente pelos operadores do Direito, que a consideraram até inconstitucional , em razão da suposta desigualdade.

Mas a Lei foi recebida com desdém e desconfiança. Alvo das mais ácidas críticas, rotulada de indevida, de inconveniente. Há uma tendência geral de desqualificá-la. São suscitadas dúvidas, apontados erros, identificadas imprecisões e proclamadas até inconstitucionalidades. Tudo serve de motivo para tentar impedir que se torne efetiva. Mas todos esses ataques nada mais revelam do que injustificável resistência a uma nova postura no enfrentamento da violência que tem origem em uma relação de afeto (DIAS, 2010,  p.7)

No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal de 1988 prega a igualdade entre homens e mulheres na vida pública e privada, em particular na relação conjugal. Foi paradigmática ao declarar a dignidade humana como valor supremo da ordem jurídica, declarando-a em seu artigo 1º, III, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a qual se constitui em Estado Democrático de Direito.

O legislador constituinte não se preocupou apenas com a positivação do pensamento oriental, mas buscou acima de tudo estruturar a dignidade humana de forma a lhe atribuir plena normatividade, projetando-a por todo o sistema político, jurídico e social instituído.

A origem e denominação de “Lei Maria da Penha” deu-se a partir da infeliz experiênciaumabiofarmacêutica cearense, Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu, durante seis anos, agressões de seu marido. Este, em maio de 1993, atentou contra sua vida com disparos de arma de fogo enquanto ela dormia. Maria da Penha ficou hospitalizada algumas semanas e retornou para seu lar com paraplegia nos seus membros inferiores. Ainda não satisfeito com o resultado da violência contra a vida da mulher, o marido prosseguiu no seu mister, tentando eletrocutá-la, mas a vítima sobreviveu. Ele ficou impune por longos 19 (dezenove) anos, quando, finalmente, foi preso e condenado. Contudo, ficou preso por apenas 3 (três) anos.

Diante da morosidade da Justiça e da luta de Maria Penha, por quase 20 (vinte) anos, para ver o ex-marido condenado, o seu caso foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (caso n.º12.051/OEA). A República Federativa do Brasil foi responsabilizada por negligência e omissão em relação à violência doméstica.

A lei fundou-se em normas e diretrizes consagradas na Constituição Federal, no artigo 226, § 8º, na Convenção da Organização das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de violência contra a mulher e na Convenção Interamericana para Punir e Erradicar a Violência contra a mulher.

A Lei nº 11.340/06 apresenta uma estrutura adequada e específica para atender a complexidade e a demanda do chamado fenômeno da violência doméstica ao prever mecanismos de prevenção, assistência às vítimas, políticas públicas e punição mais rigorosa para os agressores.

Pode ser dito que é uma lei que tem mais o cunho educacional e de promoção de políticas públicas de assistência às vítimas do que a intenção de punir mais severamente os agressores dos delitos domésticos. Pois prevê em vários dispositivos, medidas de proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar, possibilitando uma assistência mais eficiente e salvaguarda dos direitos humanos das vítimas.

A Lei “Maria da Penha” atribui à mulher tratamento diferenciado, promovendo sua proteção de forma especial em cumprimento às diretrizes constitucionais e aos tratados ratificados pelo Brasil.Tendo em vista que, a mulher é a grande vítima da violência doméstica, sendo as estatísticas com relação ao sexo masculinas tão pequenas que não chegam a ser computadas.

A igualdade não oculta as diferenças. A nossa Carta Magna é bem clara no que diz respeito aos termos de proteção ao trabalho, no artigo 7º, XX em que há um tratamento diverso entre homem e mulher. Vale ressaltar que a diferença previdenciária é outro ponto importante, pois assegura no § 7º, do artigo 201 da Constituição Federal, que será de trinta e cinco anos a contribuição, se homem, e de trinta anos, de contribuição, se mulher.

Por igual, as normas penais de erradicação da violência previstas na Lei que têm como sujeito passivo à mulher e como sujeito ativo o homem, não há que se falar em ofensa ao princípio da igualdade. Ainda diante de tantos fortes argumentos, a Lei supracitada não foi bem aceita de início, gerando diferentes opiniões sobre sua constitucionalidade, porém, o STF, na ADC 19, considerou constitucionais os artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/2006, quando antes a ADI 4.424 foi apresentada.

Cabe lembrar que foi proferida uma decisão pela 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que, em um retrocesso histórico, declarou inconstitucional a Lei Maria da Penha, no dia 27 de setembro de 2007. O argumento central é o de que a lei desrespeita os objetivos da República Federativa do Brasil, ferindo o princípio da igualdade, e violando o direito fundamental à igualdade entre homens e mulheres, ou seja, há uma incompatibilidade, visto que a lei está em vigor, porém nem todos concordam com ela. Há que salientar que com o advento da Lei Maria da Penha, vieram algumas inovações, assim como, vantagens trazidas e introduzidas conforme citação abaixo:

Pela primeira vez na história constitucional brasileira, consagra-se a igualdade entre homens e mulheres como um direito fundamental. O princípio da igualdade entre os gêneros é endossado no âmbito da família, quando o texto estabelece que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelos homens e pelas mulheres. Daí a importância da edição do novo Código Civil brasileiro e a necessidade de reforma da legislação penal, que data da década de 1940 (CAMPOS; CORRÊA, 2007,  p.143).

De fato, a Lei Maria da Penha foi um marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no país, consagrando dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, conforme dispõe o artigo 1º, IV. Prevê também, no universo de direitos e garantias fundamentais que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. A lei em questão busca equidade, para então assim, poder igualar a todos, homens e mulheres.

Entretanto há a existência de uma desigualdade cultural na estrutura de poder entre homens e mulheres e maior vulnerabilidade social nestas, muito no que se refere à esfera da vida privada.

Conclui-se que a Lei “Maria da Penha” não seria inconstitucional sendo a própria Constituição atentada quando ao dever do Estado de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares, conforme o artigo 226, § 8º. E o mecanismo, no caso, criado para coibir a violência doméstica e familiar foi a Lei 11.340/06, que além de gerar meios para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher harmonizou-se com a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a Violência Contra a Mulher.

O Brasil era o único País a não ter uma lei própria respaldada nos casos de Violência Contra a Mulher, e com a referida Lei em vigor, tem-se atualmente uma segurança jurídica para as vítimas dos mais variados tipos de violência contra a mulher.


6  ALCANCE DA LEI:  VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA ATUALIDADE

Infelizmente, ainda nos dias atuais, são muitas as barreiras para impedir a plena inclusão social da mulher. Fato é, que isto está relacionado a posições de poder, liderança e negociação, assim como de ocupação de espaços do mundo público. Sobretudo, onde se tem de tomar decisões técnicas, científicas, empresariais ou políticas.

Diversos preconceitos, na forma de representação, ainda permeiam a nossa sociedade. Estão ligados á classe social, gênero, etnia, faixa etária, dentre outros. Com isto, pode-se chegar a seguinte conclusão: O preconceito de gênero faz com que as mulheres sejam consideradas inferiores, o que se reflete na deficiência de educação e, portanto, em menor acesso a empregos e salários bem remunerados.As mulheres são discriminadas no mercado de trabalho quando não conseguem empregos ou ocupam cargos secundários.Apesar de serem bem qualificadas e instruídas ou ainda quando percebem salários inferiores quando ocupam os mesmos cargos que os homens.

Não há um dado concreto ou uma única explicação sobre o crescimento da violência no Brasil. Pode-se dizer que, certamente se encontra associado à lógica da pobreza e da desigualdade socioeconômica, mesmo não sendo esta uma verdade absoluta em todas as populações do mundo, em nosso país é um fator de importante relevância. 

No tocante à violência contra a mulher e a violência doméstica, há uma explicação ampla para sua grande ocorrência no Brasil. A situação não se apresenta diferente dos demais países. Não está junta apenas a pobreza, desigualdade social ou cultural. Estas são modificações marcadas profundamente pelo preconceito, discriminação e abuso de poder do agressor para com a vítima, a qual geralmente está em situação de vulnerabilidade na relação social e isto independe do país no qual esteja morando. Estes são alguns elementos nucleares desta forma de violência. Em virtude do quantum despótico existente na maior parte dos relacionamentos afetivos, desta situação de força e poder que, geralmente, detém o agressor em relação á vítima, esta é manipulada, subjugada, violada e agredida psicológica, moralmente ou fisicamente.

Ao completar oito anos de sanção presidencial no dia 07 de agosto de 2014, a Lei 11.430/06, primeiro instrumento legal especificamente direcionado ao combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, surge um importante questionamento, o qual se constitui, em verdade, em reflexão e balanço: as mulheres estão sofrendo mais violência após a edição da Lei?

Dados estatísticos demonstram um número crescente no registro de casos de violência domestica e de gênero. Nesses casos, se fazendo questionar a eficácia na aplicabilidade do diploma legal, pois mostra uma linha crescente no registro anual absoluto de casos de violência contra a mulher. Onde em uma análise preliminar, leva a crer que o índice de aumento da violência está descontrolado[7]

Com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, a proteção à mulher intensificou-se, mas os dados de violência de gênero ainda são alarmantes.  Apesar do aumento nos números absolutos da estatística, a violência contra a mulher sempre apresenta nos números reais acima exposto,  pois esta é subnoticiada, uma vez que grande número de mulheres não denuncia a violência de que são vítimas, muitas vezes por vergonha ou receio de novamente ser vítima, caso o agressor saiba do registro policial.

A maior parte dos atos de violência cometida contra a mulher ocorre dentro do lar ou junto à família, sendo o agressor o companheiro atual ou anterior. Ressalta-se que as mulheres agredidas, ficam em média, convivendo um período não inferior a dez anos com o agressor.  Embora a lei Maria da Penha tenha criado mecanismos específicos capazes de enfrentar a violência contra a mulher, possibilitando, através de políticas publicas mais eficientes, procedimentos policiais mais céleres à efetiva prevenção, repressão e erradicação desse fenômeno social que tem abalado sobremaneira a base estrutural da família.

A crescente escalada da violência contra a mulher no Brasil exige do judiciário melhor e mais eficiente prestação jurisdicional. Outro dado que corrobora com a analise dos dados apresentados, vem do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania e do Departamento de Pesquisas Judiciárias, onde tomando por base Mapa da Violência 201220, e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE), atinge o impressionante numero de 88.685 relatos de agressão – contra 12.664 há seis anos, conforme dados extraídos pela Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres do Governo Federal através do telefone de denúncias. A Pasta federal ao ser questionada sobre aqueles números apresentados pelo CNJ informa que a elevação no número de relatos não significa necessariamente um crescimento real dos casos de violência, mas um aumento das notificações – na medida em que mais mulheres estariam se sentindo seguras para procurar ajuda.

 Maria da Penha Fernandes, a mulher que nomeia a lei 11.340, em recente entrevista a BBC Brasil relatou que: “Acho que a população já está mais ciente de que existe uma lei para proteger as mulheres da violência doméstica” [8]. Consoante a esta última declaração, o levantamento feito pelo DataSenado no ano de 2011 revelou que 98% das mulheres já ouviram falar na Lei Maria da Penha[9]

Portanto, desde que foi promulgada, a Lei Maria da Penha tornou-se cada vez mais conhecida. Isso tem consequências positivas, pois dizer que há o conhecimento do diploma legal implica dizer que os seus preceitos assentam-se na sociedade. E principalmente, que as mulheres apropriam-se desse conhecimento, o que equivale a tomarem conta de seus próprios direitos.  Não resta dúvida de que a saída deste assunto da esfera privada e familiar para a do debate público, propiciado, em larga medida, pela entrada em vigor da Lei Maria da Penha, foi relevante para a sociedade lutar contra este tipo de violência que esta guardada dentro da unidade familiar e,acobertado pela não aceitação de um fato torna-se publico em virtude dos padrões sociais.  

As mulheres na sociedade atual atingiram um patamar de destaque, onde galgaram ou vários postos, a exemplo da Presidência da Republica, direção de grandes empresas. Deste modo, não aceita mais ser subjugada e exige tratamento digno e com respeito, sua altivez se torna mais incisiva na busca dos mecanismos que coíbam a pratica da violência, e não mais guardarem para si por medo ou vergonha da sociedade. 

Outro fator que corrobora para a incidência do aumento dos registros de violência é a política de informação, onde as propagandas, eventos e demais peças publicitárias informam de maneira maciça os direitos das mulheres vítimas de violência, bem como os órgãos onde elas podem buscar auxilio.


7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a ciência de que o tema é muito amplo e, uma vez que diversos conceitos sobre violência contra a mulher foram apresentados ao longo do presente artigo, não caberia fazer, nesse momento, uma finalização restritiva.

A violência doméstica motiva as formas de violência existentes em nossa sociedade. Quem convive com a violência, algumas vezes desde tenra idade, acha muito natural, o uso da força física, visto que para essa pessoa a violência é normal. Com a evidente violência contra as mulheres o Estado interveio através da Lei 11.340/06 – Lei “Maria da Penha” para coibir os diversos tipos de violência. Fazendo então, com que as mulheres se sentissem mais seguras, resgatando a cidadania e a dignidade dessas cidadãs que, na maioria das vezes, sofrem caladas.

Era imprescindível a implementação de medidas com o fim de resgatar, em essência, a cidadania e a dignidade da mulher; marginalizada pela sociedade machista e patriarcal.

É de suma importância a implantação de políticas públicas de proteção e segurança no que se refere à erradicação da violência contra a mulher. É indispensável que se construa redes de apoio que atenda às vítimas de violência doméstica, apoiando a mulher e abrigando-a quando esta estiver com necessidades urgentes de auxilio.

As políticas de proteção e segurança são essenciais para o enfrentamento à violência. Mas, é preciso avançar tanto em políticas de prevenção como na ampliação de políticas que articuladamente trabalhem para uma reversão da dependência financeira, elevação da auto-estima das mulheres, fortalecimento da capacidade de representação e participação na sociedade. Dando assim condições favoráveis a autonomia pessoal e coletiva. Também as repercussões a saúde que é causada pela violência doméstica têm que ser assumidas e acolhidas em programas de assistência a vítimas e agressores.

Cabe aos setores públicos, mobilizarem-se para a socialização sobre a questão de gênero e a violência doméstica contra a mulher. Pois um dos primeiros passos para erradicação da violência é a prevenção através de informações e divulgações, também é importante conduzir campanhas para sensibilizar a sociedade, promover a educação sobre os direitos humanos e outros modos que possam conscientizar homens e mulheres sobre essa problemática.

Quando o público for composto por crianças, o profissional de Serviço Social poderá utilizar campanhas especializadas para prevenir a violência, levantando questões que se referem às relações de gênero, contribuindo na desconstrução de uma educação machista e no alcance da igualdade de gênero.

Não se deve esquecer que a educação recebida dentro de casa (socialização primaria) é indispensável para a construção do papel de gênero do indivíduo. Logo, a conscientização, a desconstrução das regras postas pela sociedade do que é ser homem ou mulher, vai depender basicamente da educação que recebemos de nossos pais, da educação que daremos para nossos filhos. Colocar como princípio à igualdade entre os sexos, sem discriminação de gêneros, é um caminho para prevenção da violência de gênero.

Aquele que agride também necessita de acompanhamento, precisa ser inserida em um programa que possa trabalhar suas dificuldades, seus medos, sua postura, trabalhando para desconstruir aquilo que ele tinha como certo, como papel de homem. Ou seja, além de ter um acompanhamento do social, também deve ter um acompanhamento psicológico para adquirir uma nova postura existencial, o que se for realmente absorvido e posto em prática, só vai beneficiar o agressor sob um ponto de vista social e familiar.

De fato, a violência doméstica, quando não é denunciada, protege o agressor e não a vítima. Devem ser usados os conhecimentos acadêmicos para mobilizar e orientar a sociedade frente à violência contra a mulher. As pesquisas devem ser realizadas sobre esta temática para que saiam do campo universitário, não fiquem restritas nos seminários, nos congressos que são oferecidos a outros acadêmicos, a outros pesquisadores. Deve tentar atingir principalmente as vítimas de violência doméstica, posto que são elas que não têm na maioria das vezes acesso a essas formações.

Um aspecto importante que foi abordado, é que a violência de gênero, por ocorrer em regra dentro do ambiente doméstico e familiar, é o primeiro tipo de violência que o ser humano tem contado de maneira direta.Situação que, certamente, influenciará nas formas de condutas externas de seus agentes, seja agressor ou vítima.

A intervenção estatal nas relações domésticas e familiares de violência é essencial para que haja o controle e futuramente, o desaparecimento deste tipo de agressão. Inclusive para a superação de boa parte das ocorrências exteriores no ambiente familiardoméstico. Deste modo, prevenir a violência doméstica é prevenir criminalidade.


REFERÊNCIAS

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Notas

[2]DECLARAÇÃO DE VIENA, Artigo 18, Conferência Mundial de Direitos Humanos realizado em Viena, em 25 de junho de 1993

[3] De acordo com o Censo Demográfico de 2010, realizado pelo IBGE.

[4] Disponibilizado em: http://www.senado.gov.br/noticias/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf

[5] Disponibilizado em: http://www.senado.leg.br/atividade/Materia/getPDF.asp?t=114361&tp=1

[6] Site Datasenado: http://www.spm.gov.br/subsecretaria-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres/lei-maria-da-penha/tabelas-divulgacaototal.pdf

[7]Dados colhidos no Censo Demográfico 2010. Informação disponibilizada no site do IBGE.

[8]Disponibilizado em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/03/130308_violencia_mulher_brasil_kawaguti_rw.shtml

[9]Disponibilizado em: http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/03/26/pesquisa-datasenado-aponta-que-mulheres-se-sentem-mais-protegidas-com-lei-maria-da-penha


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Informações sobre o texto

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Curso de Graduação de Direito na Universidade Estadual da Paraíba em cumprimento à exigência para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª. Drª Aline Lobato Costa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROGA, Andréia Navarro. Violência contra a mulher: dos números à legislação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4233, 2 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31601. Acesso em: 19 abr. 2024.