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Sistemas de responsabilidade civil objetiva e os acidentes de trabalho

Sistemas de responsabilidade civil objetiva e os acidentes de trabalho

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O direito à indenização por acidente de trabalho, previsto na Constituição de 1988, gerou dúvidas sobre a compatibilidade das modalidades de responsabilidade civil objetiva com os acidentes de trabalho, pois a regra constitucional exige o requisito subjetivo do dolo ou culpa.

Resumo: Com a vigência da Constituição Federal de 1988, prevendo em seu art. 7º, XXVIII, o direito à indenização por acidente de trabalho, a cargo do empregador que incorrer em dolo ou culpa, inaugurou-se debate acerca da compatibilidade das modalidades de responsabilidade civil objetiva com os acidentes de trabalho, na medida em que a regra constitucional exige o requisito subjetivo do dolo ou culpa. A posição decantada foi a de que as disposições do art. 7° constituem patamar mínimo de direitos, podendo tanto a legislação quanto as próprias partes estabelecerem uma gama maior de proteção aos trabalhadores, pois o caput do citado artigo garante-lhes os direitos estabelecidos nos incisos, além de outros que visem a melhoria de sua condição social. Superado aquele primeiro entrave, a discussão passou a ser sobre os limites da convivência da responsabilidade objetiva com a regra geral da responsabilidade subjetiva, principalmente a correta identificação das relações acidentárias em que cada uma das teses tem incidência. Além da identificação, é objetivo do artigo avançar para especificar os vários microssistemas de responsabilidade civil objetiva, definir os requisitos específicos de cada um, as excludentes cabíveis, as consequências jurídicas do enquadramento, culminando com uma revisão crítica da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.

Palavras-chave: Sistemas de responsabilidade civil objetiva – acidentes de trabalho – hipóteses de incidência


1. Introdução

Contemporânea das civilizações mais remotas, a ideia de responsabilidade nasceu como decorrência do delito, enquanto direito natural que tinha o ofendido de ver reparado o dano causado ao seu direito. Ainda não se falava em responsabilidade civil ou penal, mas apenas na admissão da autotutela como mecanismo de vingança para a retribuição do delito, admitindo-se a prática de outro dano, sendo irrelevante a pesquisa da eventual culpa ou dolo do seu causador, da ilicitude da sua conduta ou da sua imputabilidade. Com o direito romano a retribuição violenta foi substituída pela pena de restituição (Lei das XII Tábuas, 450 a. C.), enquanto intervenção estatal nas relações privadas para o fim de impor uma composição pecuniária entre ofendido e ofensor, contribuindo para a disseminação das penas patrimoniais no seio do direito privado. Foi também com o monopólio estatal para resolução dos conflitos que as penas dividiram-se entre retributivas e punitivas, germe da divisão da responsabilidade em civil e penal.

A partir da Lex Aquilia de damnum, de 286 a. C., foi quando passou a interessar para o tema da responsabilidade civil o elemento subjetivo da culpa ou dolo do agente ofensor, enquanto requisito para a imposição do dever de retribuição. Observe-se que a teoria originária de responsabilidade civil nasceu secundada pela ideia de dano e não a de culpa, sendo apenas com o seu aprimoramento que o elemento subjetivo passou a ser relevante. Interessante perceber que a expansão das hipóteses de responsabilidade objetiva em dias atuais importa em um aceno às origens do instituto.[1]

A doutrina da culpa como requisito da responsabilidade civil expandiu-se por toda a Europa nos séculos seguintes, mesmo depois da queda do Império Romano, atingindo seu ápice com o Código Civil francês de 1804, em cujo artigo 1.382 ficou consagrada a exigência de prova da culpa do agente como requisito para a reparação[2], influenciando diversos diplomas normativos mundiais, chegando ao nosso Código Civil de 1916, cujo artigo 159 era uma homenagem direta ao Código de Napoleão.

A já consagrada teoria aquiliana da responsabilidade civil foi questionada por alguns juristas a partir da revolução industrial, quando a utilização das máquinas e das novas tecnologias ocasionou, principalmente, o aumento significativo dos acidentes com os trabalhadores, sendo faticamente quase impossível fazer prova da culpa do industrial quanto ao incorreto funcionamento das máquinas para poder obter a reparação. Num primeiro sopro de renovação, a jurisprudência estabeleceu algumas presunções de culpa para as atividades perigosas – como na produção industrial e no transporte coletivo –, na sequência vieram as teorias que divisavam as obrigações em de meio e resultado, cisão que deu origem à inversão do ônus da prova da culpa no segundo caso, depois vieram as paulatinas alterações legislativas dispensando a prova da culpa em algumas atividades especiais, instituindo-se legalmente a teoria da responsabilidade objetiva pelo risco da atividade, embora a regra geral continuasse sendo a da exigência da nota subjetiva para praticamente a universalidade das relações.

Entre nós, o Código Civil de 1916 consagrou a teoria aquiliana, havendo a necessidade de prova do elemento subjetivo como modelo geral de responsabilidade civil, no entanto, à moda européia, legislações especiais recolheram algumas relações jurídicas em que a responsabilização passava a ser objetiva, por exemplo, na proteção dos passageiros e proprietários marginais quanto aos danos causados pelo operador das estradas de ferro (Decreto 2.681 de 1912), proteção previdenciária nos acidentes de trabalho (Decreto 3.724 de 1919), nos danos nucleares (Lei 6.453 de 1977), nos danos ambientais (Lei 6.938 de 1981) e também nos acidentes aeronáuticos (Lei 7.565 de 1986), entre outras hipóteses, inclusive previstas no próprio Código de 1916.[3]

Influenciado pela Constituição de 1988, que colocou a dignidade da pessoa humana e o solidarismo social na centralidade das suas preocupações, o Código Civil de 2002 substituiu a filosofia liberal-individualista do antigo código pelo solidarismo contratual, assim como as anteriores legislações específicas que previam hipóteses de responsabilidade objetiva foram recepcionadas, constituindo hoje os diversos microssistemas de responsabilidade civil, os quais serão objeto de aprofundamento nos tópicos seguintes.

O paulatino aumento das hipóteses legislativas de responsabilização objetiva demonstra uma mudança de foco, deixando em segundo plano a preocupação com a censura do ofensor, que demandaria prova de sua atuação culposa, para se ocupar principalmente com a reparação do dano causado, marcando os objetivos teleológicos dos dois ramos da ciência jurídica: enquanto para o Direito Civil o objeto é a vítima e o seu ressarcimento, para o Direito Penal é a conduta do agente e a sua reprovabilidade social o objeto central da preocupação legislativa.[4]

No Brasil há opção legislativa onde a preocupação é com a reparação da vítima sem a investigação da reprovabilidade do causador do dano, exatamente o que se dá nos casos de responsabilidade por atos lícitos, por exemplo, quando alguém em legítima defesa pratica um ato jurídico lícito, entretanto ainda assim deverá indenizar os prejuízos sofridos pela vítima da lesão (artigos 188, 929 e 930 do Código Civil).

A mudança de perspectiva, com os olhos da responsabilidade civil voltados à reparação do dano injusto sofrido pela vítima, acena para a tendência futura de socialização das responsabilidades e dos riscos, garantindo-se à todo lesado de forma injusta a certeza da reparação do dano, normalmente com o Estado assumindo os riscos e os redistribuindo para a sociedade por meio de tributos, como de resto já ocorre com os modelos de acidentes de trânsito e previdenciário, a cargo de todos os proprietários de veículos, por meio do seguro obrigatório, e o previdenciário por acidente ou doença, a cargo de toda a sociedade, por intermédio da seguridade social. Em países como a Nova Zelândia e a Suécia o sistema de socialização ampla dos riscos já é realidade, garantindo-se a reparabilidade de qualquer acidente sofrido por um cidadão por meio de um fundo administrado pelo Estado.

De toda a evolução do instituto resumida nas linhas acima, percebe-se que o atual sistema de responsabilidade civil brasileiro está na posição intermediária entre a preocupação de punibilidade do ofensor e a reparabilidade da vítima, pois atualmente há coexistência dos modelos de responsabilização subjetiva e objetiva, com tendência expansionista dessa última, na medida em que cada vez mais o legislador aumenta as hipóteses de responsabilidade objetiva, subtraindo-as da regra geral aquiliana.


2. Sistemas de responsabilidade civil

O estudo do ordenamento jurídico pátrio, incluindo enquanto tal também os tratados internacionais ratificados e internalizados, revela dois grandes sistemas de responsabilidade civil: o subjetivo e o objetivo[5], havendo algumas espécies dentro dos grandes conjuntos, formando-se diversos microssistemas, mas nem todos eles incidem nas relações jurídicas acidentárias, de modo que faremos um corte epistemológico para analisarmos apenas os microssistemas de responsabilidade civil com aplicabilidade nos acidentes de trabalho, por corolário omitindo uma plêiade de legislações em que a responsabilidade objetiva é válida e vigente, porém incidentes em outras relações jurídicas que não as de trabalho.[6]

A Constituição Federal de 1988 não elegeu expressamente nenhum dos dois grandes sistemas enquanto regra geral de responsabilidade, mas pontuou situações excepcionais em que a teoria adotada foi a objetiva, como nos danos nucleares (art. 21, XXIII, “d”), nos causados pelo Estado e seus serviços permitidos ou concedidos (art. 37, § 6°) e quanto aos danos ambientais (art. 225, § 3°), técnica legislativa que acena para a adoção implícita da regra geral da responsabilidade civil subjetiva, na medida em que se a teria geral adotada fosse a objetiva não haveria necessidade de apontar relações específicas expressas em que essa teoria incidiria. A interpretação cuidadosa da Carta atual revela que o poder constituinte consagrou a técnica legislativa anterior, qual seja a de a lei civil adotar a teoria subjetiva como regra, mas a legislação especial, inclusive de hierarquia constitucional, indicar as relações particulares em que passaria a incidir a teoria objetiva, retirando essas relações específicas da hipótese geral.

Coerente com a opção constituinte, o Código Civil de 2002, por intermédio dos artigos 186 e 927, caput, reafirmou a teoria subjetiva como regra geral, exigindo-se prova de dolo ou culpa do agente – por imperícia, imprudência ou negligência – para se estabelecer a relação jurídica indenizatória. Porém, a grande inovação foi que ao lado dos casos em que leis específicas prevejam a responsabilidade objetiva, a nova lei civil criou uma cláusula geral de responsabilidade objetiva pelo risco da atividade, sem a indicação das atividades específicas em que os riscos potenciais serão verificados. A técnica legislativa é bastante elogiada, pois permite que novas situações de risco sejam recolhidas pela teoria objetiva, conforme o assombroso avanço da tecnologia, sem que para isso haja necessidade de aprovação de nova legislação específica. A um só golpe, o legislador civil mantém a teoria subjetiva como regra geral, como também permite que o Código permaneça sempre atualizado, em tempo de alterações sociais significativas.

A técnica legislativa eleita pelo codificador civil de 2002 não foi a de agrupar todos os dispositivos que tratam de responsabilidade civil no mesmo título ou capítulo, mas o de positivar em dispositivos dispersos pelo Código Civil as variadas hipóteses e requisitos de responsabilidade, por exemplo, nos artigos 12, 20, 43, 186, 187, 206, § 3°, 398, 406, 1278, 1296, 1311 e 1385, além do título IX do Livro I da parte especial, o que reclama do estudioso da responsabilidade civil uma visão não só panorâmica do Código como um todo, mas também uma visão holística da Constituição, dos Tratados Internacionais e da legislação federal extravagante.

Atualmente convivem harmonicamente os dois sistemas de responsabilidade civil, sem prevalência ou preferência de um sobre o outro; são as situações fáticas que serão, indistintamente, enquadradas em um ou outro sistema, conforme os requisitos específicos estejam atendidos. E é esse o grande desafio do jurista trabalhista, na nova fase após a pacificação do cabimento da teoria objetiva quanto aos acidentes. Se antes o jurista especializado manipulava apenas o sistema subjetivo, com uniformidade de requisitos para todas as situações de acidente, desde a Constituição de 1988, com o reforço do Código Civil de 2002, o intérprete especializado deverá transitar por todos os dois sistemas, identificando as várias espécies em cada um deles, para somente após realizar o enquadramento adequado do caso concreto. O principal equívoco que ainda é cometido no ramo especializado é o sincretismo inadequado de invocar requisitos de um dos microssistemas para imputação de responsabilidade em outro, por exemplo, na hipótese mais comum de importação dos requisitos da lei previdenciária (pertencente ao sistema objetivo) para a imputação de responsabilidade em acidentes que não foram verificados em atividades de risco acentuado, muito menos nas modalidades da legislação particular.[7]

Antes do atual Código Civil o professor Fernando Noronha já havia percebido que o conjunto da legislação brasileira consagrou várias das doutrinas mundiais quanto à responsabilidade civil, cujas hipóteses oscilavam desde a responsabilidade restrita à conduta dolosa ou gravemente culposa, até a designada por ele de responsabilidade objetiva agravada, em que haverá obrigação de indenizar não só independentemente de culpa, mas também de nexo de causalidade.

Para o autor referenciado a responsabilidade objetiva agravada insere-se no final de uma evolução que começou quando, num primeiro momento, se reconheceu que o requisito culpa nem sempre é imprescindível para o surgimento da obrigação de indenizar: o exercício de algumas atividades, suscetíveis de causar lesões, implicava o ônus de suportar os danos que eventualmente fossem causados a outrem, isso em contrapartida aos benefícios que as atividades proporcionavam aos seus agentes; foi por isso que se desenvolveu a teoria da responsabilidade objetiva. Na sequência, entramos num segundo momento, em que se verifica haver hipóteses em que se prescinde também do nexo de causalidade, para se exigir unicamente que o dano acontecido possa ser considerado risco próprio da atividade lesiva. Na agravada, que diz respeito unicamente a certas e determinadas atividades excepcionalíssimas, vai-se mais longe e o agente deve reparar os danos simplesmente acontecidos durante a atividade que desenvolve, embora se exija que os danos estejam ligados a essa atividade e que possam ser considerados riscos próprios, típicos dela (relação de conexidade).[8]

Tomamos de empréstimo a classificação do professor referido para divisar a responsabilidade civil em dois grandes sistemas, subjetivo e objetivo, conforme a lei dispense o elemento da culpa do agente para estabelecimento da relação indenizatória. Na primeira espécie há três microssistemas: da responsabilidade civil subjetiva comum, da restrita à dolo ou culpa grave[9] e a com presunção relativa de culpa. Do segundo grupo fazem parte a responsabilidade objetiva normal e a agravada.[10] É a legislação que indicará expressamente quais são as relações sujeitas às quatro últimas espécies, de modo que não havendo indicação legislativa, estaremos diante da subjetiva comum.

Segue que a responsabilidade civil subjetiva é residual, ou seja, primeiro o intérprete deve analisar se a situação fática se enquadra em algumas das situações que a lei especial previu como de responsabilidade objetiva, comum ou agravada; se não, depois avançar para verificar se ela se enquadra na cláusula geral pelo risco da atividade do art. 927, parágrafo único, do Código Civil; havendo nova negativa, avançar para verificar se há alguma presunção legal de culpa ou a exigência de dolo ou culpa grave; apenas havendo negativa quanto às três primeiras tentativas de enquadramento é que se concluirá que no caso o sistema de responsabilidade civil incidente é o subjetivo comum ou clássico, com os requisitos do dano, nexo causal, ato ilícito e culpa. Por outro lado, poderá ocorrer de a relação fática em estudo enquadrar-se no descritor de dois microssistemas diferentes, quando a aparente antinomia será resolvida em favor da norma mais favorável ao trabalhador; seria a hipótese de um acidente por vazamento de gás ocorrer com um empregado público, hipótese fática que reclama a incidência tanto do microssistema de responsabilidade objetiva do Estado, quanto do por acidentes ambientais, preferindo o interprete àquela mais favorável, conjuntamente analisado (teoria do conglobamento).


3. Requisitos gerais do macrossistema de responsabilidade civil objetiva

A meditação acerca dos vários textos legais que prevêem a responsabilidade civil sem culpa, no que se convencionou chamar de responsabilidade civil objetiva, nos mostra que essa última modalidade trata-se na verdade de um grande gênero, dentro do qual se inserem diversas espécies de responsabilidade civil sem culpa, conforme cada um dos microssistemas e da cláusula geral do art. 927, parágrafo único, do Código Civil. A inclusão das espécies no mesmo conjunto, que se dá pelo traço comum da desnecessidade de comprovação da culpa do ofensor, não autoriza a enunciação de que os seus outros requisitos sejam os mesmos, muitos menos o são as hipóteses de excludentes. Dito em termos pragmáticos, o reconhecimento de que a relação jurídica acidentária insere-se na teoria objetiva não esgota a questão, sendo o mais importante definir qual das várias modalidades de responsabilidade civil objetiva ela se enquadra: se nos microssistemas das leis especiais ou na cláusula geral pelo risco da atividade; se se trata de responsabilidade objetiva normal ou objetiva agravada.

Os requisitos gerais do sistema de responsabilidade objetiva são dano e nexo causal, dispensando prova de culpa e do ato ilícito.[11] Quanto à dispensa de prova do requisito do ato ilícito, significa dizer que não se investiga se houve violação objetiva de uma norma jurídica pela conduta do agente, bastando confirmar o resultado lesivo da atividade de risco para gerar antijuridicidade, conhecida como “ilícito pelo resultado”. Em outras palavras, quando um agente cria uma situação de risco potencial aos direitos de outrem, assume a responsabilidade pelos resultados que essa atividade venha causar, independente de qualquer conduta ilícita sua, omissiva ou comissiva. Aquele que, por exemplo, recebe autorização para exercer atividade nuclear, em razão dos potenciais riscos que ela proporciona, é obrigado a reparar os danos causados independentemente se agiu diligentemente, tomando todas as medidas legais para evitar o acidente nuclear; basta ao lesado pelo acidente nuclear comprovar, então, dano e nexo causal.

Roberto Senise Lisboa também é da posição de que apenas dano e nexo causal são elementos da responsabilidade objetiva, sendo irrelevantes a culpa e o ato ilícito, isso porque “a reparação do dano causado à vítima ou aos seus bens advém da atividade em si, e não de sua licitude ou ilicitude. Torna-se desnecessária a discussão sobre a ilicitude da atividade perigosa, já que a responsabilidade objetiva se dá mesmo quando a atividade é lícita. O que se cogita é o resultado provocado em razão do exercício da atividade do agente.”[12]

Fernando Noronha adverte com acerto que a responsabilidade civil objetiva é independente de culpa e ato ilícito, mas não dispensa os outros dois requisitos e, em especial, exige que haja um nexo de causalidade adequado entre a atividade do agente e o dano. Decorre que cessa o liame de responsabilidade civil, rompendo com o nexo causal, quando provado que o dano é devido a fato que, em relação ao agente, seja externo, imprevisível e irresistível, isto é, quando o agente comprovar que o dano se deve a caso fortuito externo, força maior, fato de terceiro ou fato da vítima, nas hipóteses em que a responsabilidade é classificada como objetiva comum, ressalvando que nas excepcionais hipóteses de responsabilidade objetiva agravada cada microssistema é que vai impedir a possibilidade de o causador do dano demonstrar uma ou algumas das quatro excludentes de nexo. No limite, quando o microssistema recolher a teoria do risco integral, não socorrerá ao ofensor comprovar nenhuma das quatro excludentes de nexo, quando haverá dever de indenizar pela mera existência de dano.[13]

Haverá responsabilidade civil objetiva por risco integral quando estabelecida em contrato[14] ou quando a legislação vedar a possibilidade de o ofensor demonstrar as quatro hipóteses de excludentes de nexo causal. As duas situações previstas na lei que impõe responsabilidade civil pelo risco integral são na proteção previdenciária, quando mesmo havendo força maior, caso fortuito, fato de terceiro e fato da vítima remanesce o dever de indenizar pelo INSS (Lei n. 8.213 de 1991) e nos casos de seguro obrigatório de veículos automotores, o seguro DPVAT (Leis n. 6.194 de 1974 e n. 8.441 de 1992). Observe-se que nenhuma das duas legislações, previdenciária e de seguro obrigatório, têm incidência nas relações de acidente de trabalho. Disso segue que, conceitualmente, há no direito atual duas hipóteses de responsabilidade por risco integral, entretanto nenhuma delas incidentes nas relações de trabalho. Também decorre da premissa que não há no tema de acidentes de trabalho uma única espécie de responsabilidade objetiva em que não possa o empregador comprovar pelo menos uma das quatro modalidades de excludentes de nexo causal, quando não todas as quatro.

Algumas palavras ainda são necessárias quanto às excludentes de nexo de causalidade. O Código Civil atual recolheu as hipóteses de caso fortuito e força maior, diferenciando-as, daí porque os civilistas deram início à incessante estudo a respeito do tema.[15] A posição decantada é a que na responsabilidade civil subjetiva, basta a comprovação de que não houve culpa do alegado ofensor para romper o dever de indenizar; não precisa comprovar nos autos qual a razão de sua isenção de culpa, se relacionada à fato humano ou à fato da natureza, daí segue que a ausência de culpa, o caso fortuito e a força maior são excludentes de responsabilidade. Já na responsabilidade civil objetiva é irrelevante a prova de ausência de culpa do agente ofensor, pois ainda assim remanesce o dever de indenizar. Também não o exonera o chamado caso fortuito interno, inerente aos riscos da atividade. Em último nível, apenas o caso fortuito externo e a força maior rompem com a relação obrigacional, na medida em que ambos são inevitáveis e irresistíveis. O mestre Agostinho Alvim resume os dois níveis de excludentes ao asseverar que se “a responsabilidade fundar-se na culpa, bastará o caso fortuito para exonerar o devedor”, porém “se a responsabilidade de devedor fundar-se no risco, então o simples caso fortuito não o exonerará. Será mister haja força maior, ou, como dizem alguns, caso fortuito externo.” E arremata com precisão: “A força maior, portanto, é o fato externo que não se liga à pessoa ou à empresa por nenhum laço de conexidade. Enquanto o caso fortuito, propriamente, traduz a hipótese em que existe aquele nexo.”[16]

Exemplo típico para explicar essa gradação é a do acidente de transporte. O microssistema especial é da modalidade objetiva agravada, isto é, apenas a força maior e o fato da vitima são excludentes de nexo causal. Disso resulta que não socorre ao transportador comprovar que não teve culpa no acidente, como também não basta provar que houve um fortuito interno, como um estouro do pneu ou a quebra da barra de direção do veículo, na medida em que continuará havendo uma relação de conexidade entre o dano e a sua atividade. Apenas o evento externo, inevitável e irresistível o exonerará, configurando-se força maior, como no caso de uma tempestade inesperada ou a ação de um assaltante que atira de fora do ônibus, ferindo um passageiro. O principal evento que gerou discussões na jurisprudência foi justamente o assalto ou roubo, tendo o entendimento se pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça ao classificá-lo como força maior, ou seja, externo e irresistível, e não como risco conexo à atividade empresarial (caso fortuito interno).[17]

Com acerto observou Erick Frederico Gramstrup que há tendência em confundir responsabilidade sem culpa com responsabilidade por risco integral, as quais são absolutamente diferentes. Afirma ele que não se pode extrair da desnecessidade de provar culpa que não haja outros requisitos, notadamente a possibilidade de prova das excludentes de responsabilidade, no que chamou de “salto heróico” o que é praticado por grande parte dos autores ao derivar da objetivação da responsabilidade a integralidade do risco.[18] O “salto heróico” é também observado, com frequência, na jurisprudência trabalhista, quando se reconhece que a atividade da empresa é de risco e a responsabilidade civil é objetiva, já avançando para a condenação direta pelos danos sofridos pelos empregados, sem investigar a presença do nexo de causalidade (ou quais das excludentes de nexo causal estão demonstradas). É deveras comum os julgados especializados não admitir o fato de terceiro como uma excludente de nexo, justamente por confundir responsabilidade civil objetiva com responsabilidade civil por risco integral.

A teoria geral da responsabilidade civil considera o grau de culpa das partes da relação jurídica como relevantes para o fim de fixação do valor da indenização; se houve dolo ou a culpa do ofensor foi grave, leve ou levíssima, a lei possibilita a redução equitativa do valor da indenização (CC, art. 944); se também houve culpa do ofendido no evento, a lei possibilita a redução proporcional no valor da indenização (CC, art. 945).

No macrossistema de responsabilidade civil objetiva, que tem o traço comum de que em todas as espécies se dispensa a investigação do elemento culpa do causador do dano, é inaplicável a disposição do art. 944, parágrafo único, do Código Civil.[19] De outro lado, quanto à participação do ofendido, ela será relevante juridicamente, tanto quando é só dele a culpa pelo evento, hipótese em que haverá rompimento do nexo causal (fato da vítima, impropriamente chamada de culpa exclusiva da vítima), assim como quando a vítima contribuir em parte para o dano, ocasião em que a indenização será reduzida, cuja inovação na lei brasileira espelhou-se na moderna legislação portuguesa sobre acidentes de trabalho.[20]

Observamos nesse tópico que os diversos microssistemas do grande gênero objetivo irão prever especificidades, como a possibilidade de demonstração das excludentes de nexo de causalidade, nas modalidades de responsabilidade objetiva normal, ou a vedação legal expressa de se invocar uma delas, na modalidade objetiva agravada, assim como, em hipóteses alheias aos acidentes de trabalho, há na legislação nacional duas adoções legislativas da teoria do risco integral, quando o ofensor não pode alegar nenhuma das excludentes.

Coerente com o reconhecimento da vigência de dezenas de microssistemas de responsabilidade civil é que se faz impositiva a aceitação de que em cada um deles há eleição legislativa de um prazo de prescrição para o exercício da pretensão. A prescrição tem natureza jurídica material e, por isso, são nos regramentos materiais onde os juristas irão encontrar os respectivos prazos prescricionais. Reafirmamos com isso que os prazos prescricionais para pretensão de responsabilidade decorrente de acidente de trabalho são diversos e especiais, não se confundindo com o prazo trabalhista genérico previsto no art. 7°, XXIX, da Constituição, aplicável apenas às verbas de natureza jurídica trabalhista em sentido estrito e não de natureza jurídica civil.[21]


4. Microssistemas de responsabilidade civil objetiva

4.1. Acidente nuclear

A Convenção de Viena, de 21 de maio de 1963, cuidou da responsabilidade por danos nucleares, fixando a diretriz de que a responsabilidade do operador nuclear independe de prova da culpa, normativa internacional que influenciou a aprovação de uma das primeiras legislações especiais brasileiras que reconheceu a responsabilidade civil objetiva para determinada atividade de risco (Lei 6.453 de 1977), dizendo em seu art. 4º que: “Será exclusiva do operador da instalação nuclear, nos termos desta Lei, independentemente da existência de culpa, a responsabilidade civil pela reparação de dano nuclear causado por acidente nuclear.” Ocorre que a citada lei excluiu a sua incidência dos acidentes de trabalho ao estatuir que: “As indenizações pelos danos causados aos que trabalham com material nuclear ou em instalação nuclear serão reguladas pela legislação especial sobre acidentes do trabalho.” (art. 17). Enfim, após o ano de 1977, todas as possíveis vítimas de danos nucleares gozavam da proteção da responsabilidade civil objetiva, facilitadora para obtenção da reparação, a exceção dos empregados dos operadores nucleares, pois não havia uma legislação de responsabilidade civil especial para os empregados e nem fora aprovada nos anos que se seguiram, estando, com efeito, submetidos às regras da responsabilidade aquiliana do vigente Código Civil de 1916.

A Constituição Federal de 1988 reafirmou no art. 21, XXIII, que os danos ocasionados por atividade nuclear sujeitam objetivamente os seus responsáveis, no que ela recepcionou a regulamentação da Lei 6.453 de 1977, em essência. A questão passou a ser concluir se a regra de exceção do art. 17 também fora recepcionada, na medida em que a regra constitucional não estabeleceu restrição à aplicação da responsabilidade civil objetiva aos acidentes nucleares com os trabalhadores. A maioria dos juristas concluiu que alguns artigos da Lei 6.453 de 1997, principalmente aquelas que estabeleciam restrições – como a limitativa do valor das indenizações, a excludente da proteção aos empregados – não teriam sido recepcionados, em função do princípio interpretativo de que possuem máxima efetividade as normas constitucionais, devendo o intérprete optar por aquela interpretação que confira maior expansividade aos direitos fundamentais. Também em nosso sentir desde a Constituição de 1988 a responsabilidade pelos acidentes nucleares causados aos empregados das operadoras é integrante do gênero objetivo.

Para encerrar qualquer resquício de discussão, a Convenção de Viena, de 21 de maio de 1963, passou a ter validade interna com o Decreto Presidencial n. 911 de 1993, de modo que as suas disposições passaram a pertencer ao direito interno com status atual de supralegalidade[22], em cuja norma internacional não há restrição quanto à aplicação aos empregados das operadoras nucleares, por corolário revogou diretamente o art. 17 da Lei 6.453 de 1977, para aqueles que ainda o entendia recepcionado.

A normatização atual sobre os acidentes nucleares é formada pelo art. 21, XXIII, da Constituição de 1988, regulamentado pela Convenção de Viena de 1963 e complementado, residualmente, por algumas das disposições da Lei 6.453 de 1977 que passaram pelo duplo filtro da recepção constitucional e da compatibilidade convencional com o tratado internacional.[23]

O fato de a responsabilidade civil por acidentes nucleares ser do gênero objetivo apenas remete à conclusão de que a sua caracterização independe de prova da culpa, contudo os seus requisitos específicos, as excludentes e a prescrição estão previstos no microssistema especial.

A vítima deve provar a existência do dano e o nexo causal entre aquele e a atividade nuclear[24] para obter a condenação do operador nas indenizações, além de a legislação imputar à União a responsabilidade subsidiária em caso de o operador nuclear não possuir recursos suficientes.

Entre as excludentes de responsabilidade reconhecidas pelo microssistema está o fato exclusivo da vítima[25] e o acidente causado por conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza.[26] O fato de terceiro não exclui o dever de indenizar, pois o art. 6° da Lei 6.453 de 1977 reconheceu o fato da vítima como excludente “apenas em relação a ela”, o que significa que o dano nuclear causado por um indivíduo exonera o operador nuclear do dever de indenizar o referido indivíduo, mas não outras vítimas do acidente. Analisando o acidente tendo em foco a relação jurídica entre o operador e as outras vítimas, o fato causado pelo primeiro indivíduo é fato de terceiro e não exonera o operador nuclear. O operador além de indenizar as outras vítimas, ainda que o acidente tenha origem em fato de terceiro, somente terá ação regressiva contra o terceiro se provar o dolo desse último e não mera atuação culposa.[27]

No conceito de acidente nuclear, para efeito de submissão ao microssistema de responsabilidade, não se enquadram as atividades empresárias que submetem seus empregados aos efeitos de radiações ionizantes, como hospitais, clínicas e laboratórios de análises clínicas[28], o que não afasta a possibilidade de se enquadrar o acidente nos limites da cláusula geral por atividade de risco do art. 927, parágrafo único, do novo Código Civil, mas nesse caso deverá haver comprovação do risco acentuado, o prazo prescricional será o da lei civil e as excludentes àquelas do Código Civil de 2002.

O prazo prescricional para o exercício da pretensão de responsabilidade civil nos acidentes nucleares é de dez anos, contados da data do acidente nuclear.[29]

4.2. Acidente ambiental

A Constituição Federal de 1988 enunciou direitos fundamentais de todas as dimensões - direitos de liberdade, igualdade e solidariedade - entre os quais se encontra o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O estudo sistêmico do texto constitucional revela ao intérprete a preocupação do constituinte com o meio ambiente em quatro perspectivas: natural ou físico, artificial, cultural e do trabalho.[30] A eficácia do princípio geral do meio ambiente equilibrado gerou reflexos especificamente nos limites do Direito do Trabalho com a necessidade de redução dos riscos inerentes ao trabalho por intermédio de normas de saúde, higiene e segurança (CF, 7º, XXII) e com a implementação pelo Sistema Único de Saúde da proteção do meio ambiente do trabalho (CF, 220, VIII).

O meio ambiente do trabalho é conceituado por Celso Antonio Pacheco Fiorillo como o local onde as pessoas desempenham as suas atividades laborais, remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade psicofísica dos trabalhadores, independente da condição jurídica que ostentem, ou seja, o direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado pertence à todas as espécies de trabalhadores, empregados, servidores públicos, autônomos, temporários etc.[31]

O artigo 225, § 3°, da Constituição Federal garante a repercussão dos danos ambientais em três esferas diferentes, quais sejam, administrativa, criminal e civil. Pela perspectiva da reparação civil o art. 14, § 1°, da Lei 6.938/1981 impõe a reparação dos danos em favor do meio ambiente (direito difuso) e de terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, com a particularidade que “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.”, havendo opção pela responsabilidade civil objetiva, quando o legislador dispensou a demonstração de culpa.

Também da interpretação do artigo 225 da Constituição extrai-se os princípios inerentes ao direito ambiental: da prevenção[32], da educação, do desenvolvimento sustentável, do poluidor-pagador, da participação e da ubiqüidade, aplicáveis ao Direito do Trabalho.

Por sua vez, as normas infraconstitucionais trabalhistas que materializam o direito fundamental ao meio ambiente do trabalho equilibrado são as normas internacionais ratificadas e internalizadas[33], que ocupam o status de supralegalidade, a CLT (capítulo V), a Lei n. 7.369/1985 (trabalho por contato com energia elétrica), a Portaria n. 3.214/1978 do Ministério do Trabalho e Emprego (com as suas normas regulamentadoras - NR's) e a Portaria n. 3.393/1987 (trabalho com radiações ionizantes ou substâncias radioativas). Objetivamente, todos aqueles que estão submetidos ao meio ambiente do trabalho - gerentes, empregados, estagiários, voluntários, autônomos - possuem o direito subjetivo de que as normas dos tratados internacionais, das Leis 6.938/1981 e 7.369/1985, do capítulo V da CLT, das NR's da Portaria n. 3.214/1978 e da Portaria n. 3.393/1987 sejam integralmente atendidas. Se não o forem, havendo ocorrência de danos, estar-se-á diante de acidente ambiental do trabalho, sujeitando-se o poluidor à reparação independente de apuração de ato ilícito ou culpa.

Existe grande cizânia doutrinária acerca da espécie de risco abraçada pelo sistema ambiental brasileiro, pois nem a Constituição, nem a lei regulamentadora fazem a opção de forma expressa. Há aqueles que defendem a modalidade por risco integral, quando nenhuma excludente de nexo causal seria admitida[34], assim como outros são da posição que a teoria adotada foi a do risco criado, quando se admite as excludentes clássicas de nexo causal.[35] Annelise Monteiro Steigleder, com apoio em extensa pesquisa de direito comparado, defende a posição intermediária de que apenas a força maior e o fato de terceiro seriam causas excludentes, pois consistem em fatores externos, desvinculados ao empreendimento, nada tendo a ver com os riscos intrínsecos à atividade ou estabelecimento.[36] Essa também é a nossa posição, pois a teoria do risco integral é excepcionalíssima em nosso sistema de responsabilidade objetiva, de modo que quando o legislador quis adotá-la o fez expressamente (como no direito previdenciário e no seguro obrigatório para proprietários de veículos), também pela razão de que a força maior e o fato de terceiro, quando imprevisíveis, irresistíveis e exteriores, não podem ser incluídos dentro da malha de responsabilidade do agente ambiental, por absoluta falta de conexidade entre a atividade e o dano.[37]

Coerente com os pilares do macrossistema de responsabilidade objetiva, em que não se investiga culpa ou ato ilícito do causador do dano, relembra José Afonso da Silva que não libera o poluidor nem mesmo a prova de que a atividade foi licenciada de acordo com o respectivo processo, já que as autorizações e licenças são concedidas com a inerente ressalva dos direitos de terceiros prejudicados. Mesmo que o poluidor exerça a atividade dentro dos padrões fixados pelas licenças administrativas, isso não o exonera de verificar se sua atividade é prejudicial, se está ou não causando dano, quando é responsável objetivamente.[38]

Quando o dano ambiental for ocasionado por mais de um agente serão todos eles solidariamente responsáveis pela reparação, na medida em que o art. 3°, IV, da Lei n. 6.938/1981 considera como poluidores as pessoas físicas ou jurídicas que atuem, tanto direta como indiretamente, para causar a degradação ambiental, solidariedade que atualmente foi reforçada pelo artigo 942 do Código Civil.[39]

Em relação à figura do Estado haverá sua responsabilidade em três diversas situações. Quando a pessoa jurídica de direito público causar diretamente um dano de natureza ambiental, será objetiva e diretamente responsável (CF, art. 37, § 6°). Já na ocasião em que os danos forem causados diretamente pelas empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, responderá o Estado de forma solidária, pois ele é considerado o responsável indireto da poluição ambiental, na forma do art. 3°, IV, da Lei n. 6.938/1981. Anote-se que embora a Lei n. 8.987 de 1995 vede a imposição de responsabilidade ao Estado nas modalidades de concessões e permissões de serviços públicos, considera os autores e a jurisprudência a lei das concessões uma regra geral, que cede na ocasião para a lei especial dos acidentes ambientais.[40] Pelo mesmo fundamento o Estado é responsável solidário com o autor direto do dano quando se omite na sua função de fiscalização das atividades poluidoras e na concessão sem critério de autorizações administrativas e licenças ambientais.[41]

Não há na legislação específica ambiental prazo prescricional para a pretensão reparatória. Houve longo dissenso doutrinário e jurisprudencial em torno do tema, sedimentando-se o entendimento de que os danos ambientais podem alcançar o coletivo e o individual. O artigo 14, § 1°, da Lei 6.938/1981 impõe a reparação dos danos em favor do meio ambiente (direito difuso) e de terceiros (direitos coletivos, individuais homogêneos ou individuais puros, conforme a situação). Na primeira modalidade de danos aos direitos difusos a pretensão é imprescritível[42] e na segunda modalidade o prazo é de 3 anos, conforme artigo 206, § 3°, V, do Código Civil.

Transportando as conclusões acima para as relações de trabalho, afirmamos que quando a vítima do dano ecológico for o trabalhador, incidirá na sua relação jurídica que o enlaça ao tomador de sua mão-de-obra o microssistema por danos ambientais, no qual a responsabilidade civil do poluidor é objetiva, independente de prova de culpa e ato ilícito, podendo haver a comprovação das excludentes de nexo causal por força maior e fato de terceiro, desde que imprevisíveis, irresistíveis e exteriores. Segue que, a depender da situação concreta, o Estado responderá solidariamente pela reparação, devendo integrar a relação jurídica processual.[43] O prazo de prescrição é de três anos, a teor do artigo 206, § 3°, V, do Código Civil.

Os exemplos multiplicam-se, conforme haja o enquadramento nas normas de proteção ao meio ambiente do trabalho. Considera-se acidente ambiental do trabalho a doença que acometeu motorista profissional de ônibus em razão de sua submissão às vibrações, por adequação à Convenção n. 148 da OIT, como também é acidente ambiental o causado pela explosão de uma caldeira em frigorífico, por adequação na NR-13, e a morte do operário pela descarga de energia elétrica de alta tensão, por enquadrar-se na Lei n. 7.369/1985, incidindo o microssistema de responsabilidade objetiva do empregador nesses casos, ajustando-se à figura do poluidor. Significa dizer que ainda que o empregador tenha tomado todos os cuidados impostos pela legislação, como a entrega de EPI, instalação de dispositivos de segurança, treinamento dos empregados, entre outros, tais fatos não o exime da responsabilização, salvo se comprovar força maior ou fato de terceiro, imprevisíveis, irresistíveis e exteriores, afastando a relação de conexidade entre a atividade e o dano ambiental.

4.2.1. Acidente ambiental biológico

A Lei n. 11.105 de 2005 regulamentou o art. 225 da Constituição de 1988 para estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados e seus derivados, considerando dentro da incidência legislativa as atividades de construção, cultivo, produção, manipulação, transporte, transferência, importação, exportação, armazenamento, pesquisa, comercialização, consumo, liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados e seus derivados, cujos danos causados sujeitam os seus responsáveis, solidariamente e independentemente da existência de culpa, à responsabilização civil objetiva (art. 20), no que a legislação especial apenas reafirmou a objetividade civil da responsabilidade, pois o acidente biológico é uma espécie de dano ambiental.

Inserem-se no conceito de acidente biológico todos aqueles verificados a partir das atividades com os organismos geneticamente modificados, como nas indústrias farmacêuticas, de herbicidas agrícolas, sementes transgênicas, alimentícias, entre tantas outras, expondo os seus empregados ao risco de acidentes ou doenças.

A doença ocupacional contraída por empregado que manipula organismo geneticamente modificado na atividade de pesquisa para a qual foi contratado, sujeita o empregador na responsabilidade objetiva, devendo o empregado apenas provar dano e nexo causal, ou seja, relação de conexidade entre a doença desenvolvida e o organismo geneticamente modificado manipulado, mesmo que o empregador tenha tomado todas as medidas de proteção, como treinamento, oferecimento de equipamentos de proteção e que possua licença para a atividade. Por se tratar espécie de dano ambiental, socorre o empregador apenas a prova de uma das duas excludentes de nexo causal admitidas: o fato de terceiro e a ocorrência de força maior, externa, irresistível e imprevisível.

4.3. Acidente de transporte

Já vimos no tópico introdutório que o advento do maquinismo e das diversas formas de transporte é que empolgaram os doutrinadores a desenvolver as teorias de responsabilidade civil, na medida em que essas descobertas da sociedade industrial potencializaram a ocorrência de acidentes, tanto com os trabalhadores, como com os usuários dos novos meios de transporte em geral; por exemplo, a primeira legislação brasileira a recolher a teoria subjetiva com presunção de culpa se deu no transporte ferroviário. É por essa razão que houve caudalosa atividade legislativa, nacional e internacional, acerca dos acidentes de transporte, em todas as suas modalidades, invariavelmente adotando a responsabilidade civil objetiva. Com a promulgação da Constituição de 1988 todos esses microssistemas foram recepcionados, com o reforço constitucional quanto à adoção da teoria objetiva, na medida em que o transporte aéreo, aeroespacial, ferroviário, aquaviário, rodoviário interestadual e internacional de passageiros, além do transporte coletivo municipal, são considerados serviços públicos (CF, art. 21 e 30) e as empresas privadas delegatárias que os executam respondem objetivamente (art. 37, § 6°).

O novo Código Civil unificou a teoria objetiva para todas as modalidades de transporte (art. 734), optando pela espécie objetiva agravada, admitindo apenas a força maior como uma excludente de nexo causal, afastando expressamente a alegação de fato de terceiro como possível excludente (art. 735) e também caso fortuito, enquanto eventos imprevisíveis, porém inerentes aos riscos da atividade (art. 741). Da leitura do art. 738 depreende-se que também o fato exclusivo da vítima é relevante para a fixação da indenização, reduzindo-a equitativamente conforme a vítima houver concorrido para o dano, a fortiori, concorrendo sozinha a vítima para a ocorrência do dano, haverá fato exclusivo e o rompimento do nexo causal. Rui Stoco também defende que: “se o dano decorrer de transgressão de normas e instruções por parte da vítima e essa for a única causa eficiente do dano, estaremos diante de hipótese de culpa exclusiva da vítima, circunstância que rompe o nexo causal entre o transportador e o dano e exsurge como causa excludente de responsabilidade.”[44]

Com percuciência observa Fernando Noronha que a empresa de transporte urbano responde pelos danos sofridos por passageiros em consequência de colisão por terceiro (mesmo que por culpa exclusiva deste), como a empresa ferroviária responde pelas lesões sofridas por pingentes que viagem sobre o teto dos vagões.[45]

Ressalvou o Código Civil, por outro lado, a recepção dos microssistemas de responsabilização das empresas permissionárias, concessionárias e autorizadas pelo Estado (art. 731) e as demais legislações especiais, inclusive internacionais (art. 732). Significa dizer que as regras gerais para todas as modalidades de transportes estão previstas no Código Civil, principalmente a responsabilidade civil na espécie objetiva agravada – com admissão de apenas força maior e fato exclusivo da vítima como excludentes de nexo causal –, ficando para os microssistemas especiais a pormenorização dos seus demais efeitos.

A questão passa a ser quem são as pessoas que se inserem na relação jurídica prevista no Código Civil, se apenas os passageiros ou também empregados do transportador e terceiros. A partir dos textos dos art. 730 e 736, a nossa interpretação é a de que podem ocupar os pólos da relação qualquer pessoa física ou jurídica na qualidade de transportador e qualquer pessoa física ou jurídica na qualidade de contratante, cujo objeto dessa relação é o transporte de um lugar para outro de pessoas ou coisas. A obrigação poderá ser onerosa ou gratuita, havendo retribuição pecuniária pelo transporte ou quando o transportador a faz graciosamente, mas obtendo vantagens indiretas. A lei exclui expressamente da sua incidência o transporte gratuito, quando realizado por amizade ou cortesia.

Segue que, em nossa opinião, poderá o microssistema incidir nas relações de trabalho, na medida em que o empregador forneça o transporte para levar seus empregados de um lugar para outro, havendo cobrança de valores ou mesmo graciosamente, nesse último amoldar-se-á ao transporte gratuito com ganhos indiretos. São exemplos o transporte itinerário, de casa ao local de trabalho, o transporte de empregado que presta labor fora do estabelecimento empresarial, visitando clientes. Excluiu-se, de outra banda, da incidência normativa as relações em que os empregados são os motoristas dos veículos, pois aqui perde ele a condição de transportado, passando a ser agente de eventual dano. Refinando as situações é de se exemplificar o caso de uma empresa que compra um microônibus e contrata um motorista para transportar seus empregados de casa para o local de trabalho. Havendo acidente com o veículo, causando danos aos passageiros, a relação jurídica entre os transportados e o empregador incidirá nas malhas do microssistema civil por acidente de transporte, ressalvado o motorista, em relação ao qual incidirá outras normas. Na última relação jurídica poderá ser que até outro microssistema de responsabilidade civil objetiva venha a aplicar-se, por exemplo, se comprovar o motorista que a atividade era de risco (cláusula geral codificada) ou mesmo delegação de serviço público (risco administrativo); não havendo a incidência de nenhum outro microssistema de responsabilidade objetiva, recolhê-lo-á na teoria subjetiva.

Excluem-se, também, do microssistema os terceiros que, não sendo transportados, possam sofrer danos com a atividade, como pedestres atropelados, passageiros do outro veículo abalroado etc.

Acrescentamos em alento à nossa tese que os empregados enquadram-se no conceito de “pessoas transportadas” do art. 734, para fins de submissão ao sistema de responsabilidade. O legislador civil quando quis pormenorizar, fez a expressa referência aos passageiros de forma específica (art. 739), divisando a espécie do conceito amplo de pessoas transportadas. Também uma leitura da legislação civil à luz da Constituição Federal levaria à mesma conclusão, pois o art. 37, § 6°, protege tanto os empregados, usuários e terceiros de forma objetiva pelos danos causados pelas empresas permissionárias e concessionárias de serviços públicos.[46]

Por essas razões aplaudimos a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho que já é remansosa na aceitação das disposições do Código Civil para regular as relações trabalhistas em que o empregador concede transporte aos empregados, ocupando esses a condição de pessoas transportadas, ainda que de forma gratuita, pois, mesmo que não haja cobrança de tarifa, haverá sempre proveito indireto pelo empregador, amoldando-se à previsão do art. 736, parágrafo único, do Código Civil.[47]

Nas oportunidades em que o empregador contrata terceiros para transportar seus empregados, assume ele a responsabilidade objetiva indireta pelos danos que ocorrer aos transportados. A responsabilidade encontra regência no art. 932, III, do Código Civil, na medida em que o terceiro contratado é juridicamente preposto do empregador. E o preposto da lei civil não se confunde com o preposto representante do empregador nas audiências trabalhistas; enquanto esse deve ostentar a condição de empregado, na forma da Súmula 377 do TST, o preposto da lei civil não, bastando configurar a relação de direção com o preponente, com subordinação hierárquica ou não, com habitualidade ou não. Para Silvio de Salvo Venosa o conceito de empregado é perfeitamente definido, mas não o é o de preposto. Nesse último, inserem-se todas as figuras intermediárias nas quais surge mitigada a ideia de poder diretivo; o vínculo de subordinação é tênue. “Não é necessário que essa relação tenha caráter oneroso: aquele que dirige veículo a pedido de outrem, ainda que de favor, tipifica a noção de preposto. A responsabilidade surge, como mera explicação, porque se escolheu mal o preposto, culpa in eligendo, ou porque não foram dadas a ele as instruções devidas, culpa in instruendo, ou porque não houve a devida vigilância sobre a conduta do agente, culpa in vigilando.”[48]

Rui Stoco, após revisar extensa doutrina nacional e estrangeira, conclui que o empregador responde objetivamente pelos atos de todos aqueles que desempenham atividades sob suas ordens, com vínculo de emprego, mera prestação de serviços eventuais ou prepostos a quem o tomador de serviços delegou funções que, originalmente, lhe pertencem. Dessa relação surge um vínculo de subordinação, pois o subordinado passa a agir em nome ou por ordem do preponente.[49]

O artigo referido diz que são também responsáveis os empregadores pelos atos dos seus prepostos, significando que tanto àqueles como esses são juridicamente responsáveis solidários pela obrigação, na forma do art. 942 do Código Civil, devendo figurar ambos na relação jurídica processual indenizatória.

4.3.1. Acidente de transporte ferroviário

A atividade de transporte ferroviário de passageiros e cargas é regulada pelos Decretos 2.681/1912, 2.089/1963 e 1.832/1996, contudo os dispositivos dos antigos decretos que ainda continuam em vigor referem-se aos danos causados às bagagens e aos proprietários marginais, tendo o regramento quando ao acidente com as pessoas transportadas recebido inteira regulamentação pelas normas gerais do Código Civil e pela teoria objetiva pelo risco administrativo do artigo 37, § 6°, da Constituição, de modo que remetemos aos tópicos 4.3 e 4.4.

O art. 47 do Decreto n. 1.832/1996 reforça a regra geral da lei civil de que o fato exclusivo da vítima rompe o nexo causal, excluindo o dever de indenizar pela empresa transportadora.

4.3.2. Acidente de transporte aeronáutico

Quando da promulgação da Constituição Federal de 1988 tanto a Convenção de Varsóvia de 1929 (Dec. 20.704/1931) quanto o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/1986) foram recepcionados para regular os acidentes aeronáuticos. Posteriormente, o Brasil promulgou a Convenção de Montreal de 1999 (Dec. 5.910/2006), que trata de unificar regras sobre transporte aéreo internacional, substituindo a antiga Convenção de Varsóvia e outras normas internacionais sobre a temática. Atualmente, e atendendo ao mandamento do art. 178 da Constituição, a Convenção de Montreal regula o transporte aéreo internacional e o Código Brasileiro de Aeronáutica o transporte aéreo nacional ou interno.

Os julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça aplicam o Código de Defesa do Consumidor, de forma supletiva, a ambos os sistemas de acidentes aeronáuticos, entretanto quanto ao tema dos acidentes de trabalho, nosso objeto específico da pesquisa, não há falar em aplicação, direta ou supletiva, do CDC.[50] Mesmo assim, a aplicação da lei consumerista e do Código Civil pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é alvo de oposição da doutrina especializada[51] e de decisão recente do Supremo Tribunal Federal.[52]

O art. 1º da Convenção de Montreal diz que se aplica “a todo transporte internacional de pessoas, bagagem ou carga, efetuado em aeronaves, mediante remuneração. Aplica-se igualmente ao transporte gratuito efetuado em aeronaves, por uma empresa de transporte aéreo.”. Com efeito, não há vedação expressa quanto à incidência nas relações jurídicas entre os tripulantes e as companhias aéreas – como, p. ex., havia na legislação quanto aos acidentes nucleares – pelo que o entendimento atual é no sentido de sua aplicação para os acidentes de trabalho sofridos pelos empregados das empresas aéreas, estando os aeronautas, enquanto espécie, inseridos no conceito amplo de “pessoas” da Convenção.[53] Acrescente-se tudo que dissemos quanto aos transportes em geral (item 4.3, retro), principalmente o fato de a Convenção de Montreal, assim como o art. 736 do Código Civil, ser aplicável aos transportados gratuitamente, como se dá com os empregados, e não só aos passageiros em sentido estrito, os quais pagam contraprestação pelo serviço.

Segue que os acidentes de trabalho ocorridos com os empregados das empresas aéreas, enquanto na realização de transporte aéreo internacional, são recolhidos pelo microssistema de responsabilidade objetiva[54], bastando apenas prova do dano e do nexo de causalidade, o qual pode ser rompido pelo fato exclusivo da vítima; sequer as hipóteses de caso fortuito, força maior e fato de terceiro excluem a relação obrigacional, motivo pelo qual se trata de responsabilidade civil objetiva agravada. O art. 21 da Convenção refina a situação ao prever que a indenização é limitada a um teto, podendo excedê-lo apenas se comprovada culpa da transportadora. No julgado referido na nota n. 50 acima, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu que as limitações tarifárias da norma internacional não se amoldam com o princípio da reparação integral do artigo 5°, V e X, da Constituição, havendo, então, posições divergentes quanto à constitucionalidade da indenização tarifada.[55]

O prazo prescricional para responsabilidade civil no transporte aéreo internacional é de dois anos, contados a partir da data da chegada ao destino, ou no dia em que a aeronave deveria haver chegado, ou da interrupção do transporte, conforme art. 35 da Convenção de Montreal. Inobstante a posição de alguns autores quanto à aplicabilidade dos prazos prescricionais do Código Civil, mais benéficos, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento pela incidência do prazo específico da norma internacional[56], cuja posição tem o nosso assentimento, tanto porque as normas internacionais têm status supralegal, como porque os prazos de prescrição são sempre aqueles dos microssistemas de direito material, havendo incidência do Código Civil apenas quando aqueles foram omissos.

Já no transporte aéreo doméstico o Código Brasileiro de Aeronáutica também adotou a teoria objetiva agravada para os acidentes, rompendo-se o nexo causal apenas se houver fato exclusivo da vítima ou se a morte ou lesão resultar, exclusivamente, do estado de saúde do passageiro. O mesmo art. 256 do Código estende a sua incidência aos passageiros gratuitos, tripulantes, diretores e empregados da companhia aérea. Já os arts. 246 e 257 fixam teto indenizatório para a modalidade objetiva, à semelhança do transporte internacional, devendo a vítima comprovar culpa da empresa aérea ou seus prepostos para lograr indenização além do limite. Aplica-se aqui tudo o que dissemos linhas acima quanto à cizânia doutrinária a respeito da constitucionalidade da tarifação da indenização e a posição do TST no sentido de sua não-recepção.

Também é de dois anos o prazo prescricional para a pretensão indenizatória quanto ao transporte doméstico, na forma do art. 317 do Código Brasileiro de Aeronáutica.

O mesmo Código Brasileiro de Aeronáutica conceitua diversas espécies de serviços aéreos, entre as quais estão os serviços aéreos especializados, os públicos, regulares e irregulares, e mesmo os serviços aéreos privados, realizados sem remuneração, nas atividades de recreação, desportivas, realização de serviços especiais ou para transporte reservado ao proprietário, inserindo todas as espécies dentro da responsabilidade objetiva do microssistema. Significa que tanto estão protegidos pela malha legislativa especial os empregados das empresas aéreas regulares nacionais, das empresas não-regulares (fretamentos) ou mesmo os empregados transportados no avião particular do empregador, no trajeto da fazenda onde trabalha para a cidade, por exemplo.

4.3.3. Acidente de transporte aquaviário

O transporte aquaviário engloba as espécies marítima, lacustre e fluvial, nacional e internacional, estando regulado pelas Leis 2.180/1954 (Tribunal Marítimo), 9.432/1997 (ordenação do transporte aquaviário), 9.537/1997 (segurança do tráfego aquaviário) e 9.578/1997 (reformulação do Tribunal Marítimo), entretanto em nenhuma delas há regramento quanto à responsabilidade civil. Apenas em relação ao transporte marítimo de cargas há disciplina específica de responsabilidade, sendo o doméstico regulado pelo Código Comercial de 1850, naquilo que não revogado pelo Código Civil, e o transporte internacional pela Convenção de Bruxelas de 1924.

Em relação ao transporte marítimo, lacustre e fluvial de pessoas, que interessa ao tema de acidentes do trabalho, todavia, incidem integralmente as disposições gerais do Código Civil quanto aos transportes em geral e as disposições do art. 37, § 6°, da Constituição, nas ocasiões de realização de serviços públicos.[57] Ressalve-se que no transporte rudimentar, pessoal ou coletivo, que não se caracterize como serviço público regular de responsabilidade do Estado, como barcos de passeio, recreação ou turismo, travessias dentro do mesmo Estado, não haverá incidência do sistema de responsabilidade pelo risco administrativo, aplicando-se a regra geral civilista da responsabilidade no transporte (vide itens 4.3 e 4.4).

4.3.4. Acidente de transporte terrestre

Também quanto ao tema não há regramento específico de responsabilidade civil, pelo que incidem integralmente as disposições gerais do Código Civil quanto aos transportes em geral e as disposições do art. 37, § 6°, da Constituição, nas ocasiões de realização de serviços públicos.[58] O Protocolo de São Luiz de 1996, com a errata de Assunção de 1997, celebrado entre os países integrantes do MERCOSUL foi promulgado pelo Decreto n. 3.856/2001 e passou a regular o direito aplicável e a jurisdição internacionalmente competente em casos de responsabilidade civil emergente de acidentes de trânsito ocorridos no território de um Estado-Parte, nos quais participem, ou dos quais resultem atingidas, pessoas domiciliadas em outro Estado-Parte.

4.4. Empregados públicos e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos

Consentânea com todo o desenvolvimento histórico da responsabilidade civil do Estado, que oscilou desde a irresponsabilidade, passando pela teoria subjetiva para os atos de gestão, pela teoria subjetiva para todos os seus atos, a Constituição de 1988 consagrou definitivamente que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros (art. 37, § 6°).

O constituinte consagrou a teoria objetiva da responsabilidade, na espécie do risco administrativo, para os danos que seus agentes causarem. A primeira conclusão é que não só as pessoas jurídicas de direito público, mas inclusive também as de direito privado prestadoras de serviços públicos estão enquadradas na responsabilidade civil objetiva. Desse segundo grupo fazem parte as fundações governamentais de direito privado, as empresas públicas, sociedades de economia mista, organizações sociais[59], atividades delegadas[60], empresas permissionárias e concessionárias, desde que prestem serviços públicos, o que afasta do microssistema objetivo os entes da administração indireta que exerçam atividades econômicas de natureza privada.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, quanto ao último requisito, anota que o artigo constitucional exige que as entidades prestem serviços públicos, o que exclui os entes da administração indireta que executem atividade econômica de natureza privada; por isso é que, quanto às empresas públicas e sociedades de economia mista, não incidirá a regra constitucional, mas a responsabilidade disciplinada pelo Código Civil, quando não desempenharem serviço público.[61] Para a mesma autora serviço público é toda a atividade material que a lei atribuiu ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, tendo como exemplos as atividades de serviço postal, correio aéreo nacional, telecomunicações, radiodifusão, energia elétrica, gás canalizado, educação, saúde, previdência social, assistência social e navegação aérea, por exemplo.[62] Para nós, o art. 175 da Constituição deixou bem claro que incumbe ao Estado, diretamente ou sob regime de concessão e permissão, a prestação de serviços públicos, os quais serão especificados pela Constituição e mediante lei.

Justamente por não se enquadrarem no conceito de prestadoras de serviços públicos[63] é que a cláusula de responsabilidade civil objetiva não alcança as entidades paraestatais e do terceiro setor, como os serviços sociais autônomos (SESI, SENAI, SESC e SENAC), entidades de apoio, organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs) e as organizações não-governamentais (ONGs).

Nos primeiros anos de vigência da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal interpretou o art. 37, § 6°, como fundamentador da responsabilidade objetiva apenas quanto aos administrados e usuários dos serviços públicos, pois a qualificação de terceiros não alcançava os servidores ou empregados públicos.[64] Mas, a partir de julgamento do ano de 2005, o Tribunal evoluiu sua jurisprudência para que a proteção constitucional da responsabilidade objetiva alcance não só os usuários e administrados, mas também os servidores públicos, os empregados públicos e os empregados das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos.[65] Recentemente, a Corte evoluiu uma vez mais para entender protegidos pela responsabilidade objetiva também os não-usuários dos serviços públicos.[66]

Considerando que a teoria adotada foi a do risco administrativo e não a do risco integral, o Supremo Tribunal Federal reconhece que a responsabilidade do Estado pode ser afastada nos casos de excludentes de nexo causal, como a força maior, fortuito externo, fato de terceiro e fato da vítima.[67] Ao admitir as quatro clássicas excludentes de nexo causal, classificamos a responsabilidade civil do Estado e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos na espécie objetiva normal.

Aplica-se, então, para os acidentes sofridos pelos empregados públicos e os empregados das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos a responsabilidade civil objetiva normal, fundamentada no art. 37, § 6°, da Constituição de 1988, desde que a causa do infortúnio seja o serviço público desenvolvido. Por exemplo, reclamam a teoria objetiva os acidentes sofridos pelos empregados das empresas concessionárias de serviços públicos de energia elétrica e gás canalizado; o empregado que sofrer uma descarga elétrica ao instalar postes de transmissão de energia ou sofrer inalação de gás canalizado, em razão de um vazamento, basta comprovar dano e nexo causal, sem a necessidade de comprovar ato ilícito ou culpa.[68]

Essa mesma posição foi abraçada pelos estudiosos em torno da 1ª Jornada de Direito do Trabalho promovida pela ANAMATRA e pelo TST em 2007.[69]

Nas modalidades de permissão ou concessão de serviços públicos, após um longo debate entre os autores sobre a responsabilidade subsidiária do Estado, com vozes autorizadas no sentido da responsabilização[70], a atual legislação afastou-a, conforme se verifica dos arts. 25 e 34 da Lei n. 8.987 de 1995 e também pelo art. 71, § 1°, da Lei 8.666 de 1993, reconhecido como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, por intermédio da ADC n. 16 (DJ 09.09.2011). Também o Tribunal Superior do Trabalho, por intermédio de decisão da SDI-1, pacificou seu entendimento de que não há responsabilidade, solidária ou subsidiária, das pessoas jurídicas de direito público nas ocasiões de permissões ou concessões de serviços públicos.[71]

O prazo prescricional para o microssistema de responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado prestadoras de serviços públicos está regulado no art. 1°-C da Lei n. 9.494/1997 e é de cinco anos para o exercício da pretensão.

4.5. Acidente em razão de ruína de edifício ou construção

O art. 932 do Código Civil de 2002 impõe responsabilidade ao dono do edifício ou construção pelos danos que resultarem de sua ruína, não se cogitando do elemento culpa, embora condicione o liame obrigacional à prova de que a ruína proveio da falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta. Os autores pacificaram o entendimento de que se trata de modalidade de responsabilidade civil objetiva, incumbindo ao lesado comprovar dano e nexo causal, este último temperado pela exigência de que o nexo seja verificado em razão da falta de reparos, de necessidade manifesta, no edifício ou construção. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, amparados nas lições de Sílvio Rodrigues, Álvaro Villaça Azevedo e Aguiar Dias, avançam para singelamente concluir que se houve ruína é porque necessitava de reparos.[72] Excepcionalmente, acrescentamos nós, se houve ruína em edifício que não necessitava de reparos é porque ocorreu fato de terceiro, fato exclusivo da vítima, caso fortuito externo ou força maior, eventos imprevisíveis e inevitáveis, quando o nexo causal estará rompido.

Amoldam-se ao conceito legal de ruína tanto a sua destruição total como a parcial, como nos casos de desprendimento de revestimentos das paredes, soltura de placas de concreto da laje, queda de telhas, vidros ou outros componentes do edifício ou da construção.

Segue que os empregados vitimados pela ruína do edifício ou construção de propriedade da empresa na qual prestem seus serviços sujeitam a última à responsabilidade objetiva, podendo o empregador comprovar uma das excludentes de nexo causal; se houve ruína, presume-se que havia necessidade manifesta de reparos, incumbindo ao ofensor comprovar que houve ruína em edifício que não necessitava de reparos, ou seja, que ela se deu em razão de fortuito externo, força maior, fato de terceiro ou fato exclusivo da vítima. Poderá ocorrer ruína do edifício da sede da empresa, quando o empregador responde objetivamente, como poderá ocorrer ruína de uma construção de terceiro – como na construção civil –, local no qual o empregador designou o empregado para desempenhar suas atividades. Nesse segundo caso a responsabilidade é exclusiva do terceiro, não se cogitando de responsabilidade do empregador, o qual não se amolda ao conceito legal de “dono de edifício ou construção”. Não se deve confundir, com efeito, a responsabilidade civil objetiva direta do dono da obra nos casos de ruína com a irresponsabilidade do dono da obra quanto aos direitos de natureza jurídica trabalhista violados pelo empregador (OJ n. 191 da SDI-1 do TST).

4.6. Acidente em razão de objetos candentes

Semelhante à hipótese do tópico anterior, o art. 938 do Código Civil impõe ao habitante do prédio, inserindo-se nessa figura não apenas o proprietário, mas também os possuidores (comodatário, locatário etc.), a responsabilidade objetiva pelos danos causados por objetos candentes ou lançados em lugar indevido. Difere da modalidade anterior porque aqui o objeto candente não era parte integrante da estrutura construtiva do edifício, mas qualquer adorno ou objeto utilizado pelo habitante. Se o filho do empregador arremessa inadvertidamente uma garrafa de vidro do sobrado onde mora e lá embaixo atinge o jardineiro da residência, o empregador, pai do menor, responderá objetivamente pelos danos, não se cogitando de culpa, ou seja, não haverá investigação se se comportou culposamente, se não vigiou adequadamente seu filho (culpa in vigilando). Também aqui poderá o habitante provar uma das quatro excludentes de nexo causal.

4.7. Acidente causado por animais

Principalmente nas regiões mais interioranas do país, é comum a ocorrência de acidentes de trabalho com animais, notadamente nas atividades de pecuária, como queda de cavalos, ataque de bovinos durante procedimentos veterinários, entre outros, situações que se inserem no microssistema de responsabilidade civil objetiva. Na vigência do Código de 1916, o revogado art. 1.527 previa hipótese de responsabilidade civil subjetiva, com presunção de culpa, pois ao ocorrer o acidente a culpa do seu dono era presumida, contudo esse poderia demonstrar que guardava e vigiava o animal com cuidado preciso, invertendo a presunção legal e, por corolário, afastando o seu dever de indenizar. Poderia, com efeito, o dono do animal provar durante a instrução processual que não agiu com culpa, demonstrar que tomou todos os cuidados exigidos para evitar o dano. O atual art. 936 do Código de 2002 reproduz em essência àquele antigo, porém migra da modalidade subjetiva com presunção de culpa para a objetiva e agravada. Isso porque o texto atual diz que o dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano causado, sem cogitar de culpa, inclusive avança para dizer que entre as quatro modalidades de excludentes de nexo, apenas duas são admitidas, quais sejam a culpa da vítima e a força maior.

Quando o legislador impôs ao dono ou detentor do animal a responsabilidade civil pelos danos que esse causar, implicitamente está reconhecendo que somente em relação aos animais domésticos, domesticados ou capturados para domesticação é que poderá cogitar de sua propriedade. Segue que nos sinistros causados por animais não-domesticados ou selvagens não há responsabilização civil, amoldando a hipótese aos casos de força maior (evento inevitável da natureza). Se dado empresário domestica abelhas com a intenção de produzir mel para consumo próprio ou para venda, eventual acidente com elas, caso ataquem um seu empregado, gerará a responsabilidade civil objetiva agravada, muito diferente da situação de outro trabalhador, vaqueiro, que é surpreendido no campo por um enxame de abelhas selvagens; ainda que se investigue e confirme que as abelhas selvagens habitam uma mata incrustada na propriedade do empregador, não há relação de propriedade entre este e os animais. Faltará, nesse segundo caso, nexo de causalidade, rompido pela força maior, entre a atividade do vaqueiro e o dano causado pelas abelhas (evento natural inevitável e imprevisível), afastando a responsabilidade civil, ainda que haja relação previdenciária acidentária[73], a qual é marcada pela teoria do risco integral, não suscetível, pois, de excludentes de nexo causal, sequer caso fortuito e força maior.

Em estudo específico, José Fernando Simão diferencia os conceitos de dono e detentor do animal previstos na legislação ao concluir que, em regra, responderão pelos danos causados por animais seus donos em razão da guarda e direção do animal, não respondendo os seus prepostos ou empregados. Excepcionalmente, responderá o detentor e não o dono. Detentor é o locatário, comodatário, depositário, arrendatário, usufrutuário ou o usuário, ou seja, toda pessoa que tem o animal sob sua guarda, com poder de direção sobre o mesmo, ainda que não seja seu dono, como nos exemplos de animais deixados em clínicas veterinárias ou pet shops.[74]

4.8. Acidente nas atividades de mineração

A atividade de mineração está regulamentada desde o ano de 1940, estando vigente o Código de Mineração de 1967 (Decreto-Lei n. 227), que substituiu àquela primeira regulamentação e que foi recepcionado pela Constituição de 1988. No sistema atual, o art. 1º atribui à União a competência para administrar os recursos minerais, a indústria de produção mineral e a distribuição, o comércio e o consumo de produtos minerais, qualificando a atividade como serviço público essencial, cujo enquadramento legal já atrai a responsabilidade civil objetiva do Estado ou das empresas privadas autorizadas, permitidas ou concedidas (v. tópico 4.4.), em reforço ao art. 47, VIII, da legislação de regência que já previa a responsabilidade civil sem cogitar de culpa.

Aplica-se aos empregados das empresas que explorem atividade de mineração a responsabilidade civil objetiva do explorador da jazida ou da mina, tendo como exemplos as atividades de garimpo, extração de mármores e granitos, extração e beneficiamento de calcário, fábricas de cimento, extração e beneficiamento de petróleo e seus derivados, entre tantas outras. O decisivo é que o acidente de trabalho ou doença ocupacional guarde relação de conexidade com a atividade mineraria. São os exemplos do operário soterrado em mina de extração de diamante e a empregada que contraiu doença ocupacional por respirar partículas em suspensão nas fábricas de calcário, respondendo os empregadores de forma objetiva, independente de investigação de culpa ou de prática de ato ilícito; significa que mesmo que ele tenha obtido todas as licenças administrativas para a atividade, que tenha fornecido EPI, treinamentos e fiscalização, mesmo assim se houver conexidade entre o sinistro e a atividade haverá sua responsabilidade direta, bastando ao laudo médico pericial constatar que a doença apresentada é decorrência da exposição da trabalhadora à substância, por exemplo.

4.9. Acidente nas atividades de risco (cláusula geral codificada)

A disposição do art. 927, parágrafo único, do Código Civil atual é considerada a maior inovação legislativa no tema de responsabilidade civil, na medida em que firmou cláusula de recepção expressa quanto às legislações especiais que prevêem hipóteses de responsabilidade sem culpa e, principalmente e ao lado dela, criou uma nova norma de responsabilidade objetiva pelo risco da atividade, sem indicar atividades específicas.

Comentando acerca da cláusula geral de responsabilidade civil objetiva por atividade de risco, Miguel Reale afirma que em princípio responde-se apenas por culpa, mas “se aquele que atua na vida jurídica desencadeia uma estrutura social que, por sua própria natureza, é capaz de por em risco os interesses e os direitos alheios, a sua responsabilidade passa a ser objetiva e não mais subjetiva.”[75]

Ao interpretar a nova disposição legal, Leonardo de Faria Beraldo atenta ao conceito de atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano. Defende que a palavra atividade é entendida como sendo equivalente aos serviços praticados por determinada pessoa, natural ou jurídica, de forma organizada, habitual, reiterada e profissional, e não de forma isolada. E ainda é preciso que a atividade seja normalmente desenvolvida pelo autor do dano, significando, então, que ela não pode ser apenas esporádica ou momentânea, devendo, ainda, guardar ligação direta com o objeto social por ela desenvolvido. Exemplificando, anota que quem explora uma atividade habitual com uma grande máquina de escavação e terraplanagem, gera uma permanente situação de risco para operários e terceiros que convivam com a atividade, porém, por outro lado, quem usa eventualmente um trator para alguma tarefa, não se pode dizer que desempenhe atividade normalmente desenvolvida.[76]

Também atenta o mesmo autor à palavra por sua natureza inserida no tipo legal, o que para ele significa que não é o risco ordinário, inerente à toda e qualquer atividade, não é o risco empresarial ordinário em se imiscuir no mercado, que reclamará o enquadramento na cláusula objetiva, mas que deve haver na atividade normalmente desenvolvida uma intrínseca potencialidade lesiva, ou seja, que na sua essência exista uma potencialidade fora dos padrões normais. Conclui seu raciocínio para afirmar que as “atividades de risco são, portanto, aquelas que criam para terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade, ou, ainda mais, a probabilidade de receber um dano, probabilidade esta maior do que a normal derivada das outras atividades.”[77]

Flávio Tartuce também estudou com profundidade a nova disposição civil e a partir dela faz um trabalho de desmonte ou destrinche dos qualificativos legais. Segue para o autor que a palavra “atividade” deve ser compreendida como vários atos que mantém entre si uma correlação temporal, lógica e coordenada, excluindo do raio de alcance da cláusula geral de responsabilidade objetiva os atos isolados praticados. E quanto ao conceito de “risco” diz que ele decorre da própria natureza da atividade, da sua essência, configurando um risco excepcional, extraordinário, acima da situação corriqueira de normalidade, englobando as atividades – para além dos riscos – que são comprovadamente perigosas. Para o autor inserem-se no conceito legal as atividades de fabricação e armazenamento de fogos de artifício, serviços de diversão, como salto de paraquedas, vôo de asa-delta, bungee-jump, esportes como artes marciais e lutas de combate, motoboy nos grandes centros, trabalhos insalubres e perigosos, trabalho com menores infratores e presidiários, construção civil, com a utilização de ferramentas pesadas, perigosas ou nas alturas (local elevado), transporte rodoviário em estradas em péssimo estado de conservação ou quando a carga é valiosa e no transporte de valores.[78]

A tese de Flavia Portella Püschel é a de que toda atividade humana envolve riscos, como dirigir automóvel, praticar esportes, andar a pé, porém os riscos relevantes para o enquadramento no sistema objetivo são aqueles extraordinários que podem ser determinados pela grande probabilidade da ocorrência de danos, pelo valor elevado dos prejuízos potenciais ou pelo desconhecimento do potencial danoso da situação ou atividade regulada. No entanto, caberá ao Poder Judiciário definir o que, na hipótese, se deve considerar como atividade naturalmente perigosa de modo a imputar responsabilidade ao sujeito que normalmente a exerça.[79]

Algumas jornadas de estudos jurídicos promovidas no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho e do Superior Tribunal de Justiça auxiliam na definição das hipóteses de incidência.[80]

Na mesma toada é a interpretação do professor trabalhista Raimundo Simão de Melo acerca da previsão genérica da parte final do parágrafo único do artigo 927 do Código. Considera atividade de risco aquela na qual pressupõe maiores probabilidades de danos para as pessoas, quando os danos são estatisticamente esperados, pelas suas características. Não é um risco qualquer, específico e normal a qualquer atividade produtiva, mas a atividade cujo risco específico, acentuado e agravado em razão da natureza do trabalho é excepcional e incomum, como nos exemplos das atividades perigosas, insalubres, com o uso de arma de fogo, o trabalho em minas, nas alturas, subaquático e nas atividades nucleares.[81]

Uma atividade que gera acesa discussão doutrinária e jurisprudencial é a de motorista de veículos automotores. Para os ordenamentos jurídicos italiano e português, nos quais o legislador brasileiro inspirou-se para a positivação do art. 927, parágrafo único, in fine, a posição é uniforme em não enquadrar a atividade de motorista como de risco potencial. Nas atividades especiais de transporte de produtos perigosos, inflamáveis, explosivos ou de cargas valiosas, por essas circunstâncias e não pela atividade de dirigir em si, pensamos estar preenchido o descritor da norma jurídica especial, incidindo o microssistema objetivo.

A utilização da tabela de riscos do Ministério do Trabalho e Emprego deve ser feita com cuidado, na medida em que ela escalona o risco da atividade geral da empresa, enquanto para o direito civil o decisivo é o risco da atividade específica do empregado acidentado. A empresa que explora a atividade de fabricação de explosivos é considerada de risco acentuado, mas a secretária lotada no escritório administrativo da empresa, localizado em edifício no centro da cidade, não estará pessoalmente submetida ao potencial lesivo da atividade principal da empresa, com isso não se enquadrando na cláusula geral codificada.

O decisivo quanto ao risco da atividade – e objeto de muita confusão jurisprudencial especializada – é a imprescindibilidade de que os danos guardem relação de conexidade com o risco específico da atividade, excluindo-se da esfera de proteção civil objetiva os outros danos oriundos de causas diversas. Muito embora a atividade dos frentistas exponha-os ao risco potencial de explosão (periculosidade por contato com inflamáveis e explosivos), os acidentes causados por esses agentes importarão em responsabilidade objetiva do empregador, mas não será objetiva a responsabilidade no caso de alegada doença ocupacional por problemas na coluna, por absoluta falta de conexidade entre o alegado dano físico postural e o risco potencial específico da atividade.


5. Revisão crítica da jurisprudência trabalhista

O estudo profundo da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho acerca da responsabilidade civil objetiva e os acidentes de trabalho revela a existência de sincretismo equivocado, mormente porque muitos dos julgados confundem os requisitos de um microssistema com outro. Também observamos que os julgados derivam da simples atividade de risco a certeza da condenação, sem perquirir quanto às excludentes de nexo causal que a legislação admite, transformando, por interpretação inadvertida, responsabilidade objetiva comum em responsabilidade por risco integral, a qual, recordemos, não tem incidência nas relações de trabalho.

Um julgado paradigmático reconheceu que a atividade de motoboy é de risco, fazendo incidir nessa hipótese a cláusula geral codificada do art. 927, parágrafo único, do Código Civil.[82] Até aqui não dissentimos da conclusão do julgado.[83] Os equívocos tiveram início quando o julgado derivou desse enquadramento a certeza da indenização, desconsiderando a excludente de nexo causal presente no caso, qual seja o assalto seguido de morte. Se o motoboy transportasse valores, cargas preciosas etc., até poder-se-ia assentir com a teoria de que os assaltos não são imprevisíveis e externos à atividade, antes seriam riscos conexos a ela. Contudo, no caso dos autos, a hipótese fática passou ao largo dessa especificidade, na medida em que se tratava de motoboy entregador de encomendas comuns. Outro equívoco do acórdão foi invocar disposições da legislação previdenciária especial (Lei n. 8.213 de 1991) para o fim de caracterização de acidente de trabalho, misturando as consequências de natureza jurídica previdenciária com as de natureza civil.[84]

Em outra situação, analisando acidente de trabalho em que se discutia a responsabilidade do dono da obra e do empregador do trabalhador vitimado, asseverou com acerto que a irresponsabilidade do dono da obra, prevista na OJ n. 191 da SDI-1, é restrita às verbas de natureza jurídica trabalhista, nada dizendo quanto à responsabilidade civil. Contudo, em nosso sentir, equivocou-se a decisão ao manter a responsabilidade solidária entre o dono da obra e a empregadora no caso concreto ao argumento de que ambas concorreram para o acidente. A atuação concorrente do dono da obra teria se dado porque se “esquivou de fiscalizar o cumprimento das obrigações” quanto à segurança e saúde do trabalhador, assim “agiu com culpa e deve ser responsabilizada solidariamente”.[85] A questão central é saber se o contratante de uma empreiteira tem a obrigação legal de fiscalizar e exigir que essa última adote as medidas de prevenção de acidentes de trabalho, como o uso de EPI. Inobstante o senso comum direcione a conclusão da existência dessa obrigação, na verdade ela não existe, ressalvados os casos de contratações pelo Poder Público mediante procedimento formal de licitação. Por outras palavras, não há obrigação legal alguma – daí porque não se cogita de omissão culposa do dono da obra – de fiscalização quanto às medidas de prevenção de acidentes de trabalho inseridas na relação jurídica entre o trabalhador e o empregador. Não havendo obrigação de fiscalização, decorre que não há omissão e muito menos participação ilícita na ocorrência do dano, requisito indispensável à imposição da condenação solidária, na forma do art. 942 do Código Civil, incorretamente invocado pela decisão.

Noutro caso idêntico[86], a decisão também perfilhou a distinção entre a responsabilidade do dono da obra quanto às verbas trabalhistas e civis, admitindo a responsabilidade no último caso. Entretanto, também avançou para condenar, desta feita subsidiariamente, o dono da obra pelas indenizações civis. Sequer o acórdão debateu o fundamento da responsabilidade do dono da obra; não investigou se era objetiva ou subjetiva no caso dos autos, para discutir sua eventual culpa. Invocou, como meros topos argumentativos, que houve atuação culposa do dono da obra, sem apontar qual, bem como enunciou alguns princípios para concluir que condenava “como forma de tornar efetivos os princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho em ordem a afastar o uso abusivo do direito daquele em benefício do qual o serviço fora prestado (dono da obra).”[87]

Também é divergente a posição no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho quanto à atividade de motorista ser de risco ou não, havendo decisões recentes em ambos os sentidos.[88] Embora em nossa opinião não consideremos a atividade de motorista como de risco, essa não é a questão principal, na medida em que a correto enquadramento é um problema interpretativo judicial. O decisivo é, mesmo para aqueles que entendem que a atividade de motorista seja de risco, enquadrando-a no microssistema do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, compreender que a modalidade é objetiva comum, ou seja, a legislação admite que o réu prove uma das quatro excludentes de nexo causal (fortuito externo, força maior, fato de terceiro e fato exclusivo da vítima), o que tem ficado fora de debate nas decisões da Corte; para os acórdãos, têm bastado dizer que a atividade é de risco, inserindo-a na cláusula geral codificada, para, em “salto heróico”, derivar a condenação, sem a necessária investigação do requisito do nexo causal e da hipóteses de seu rompimento.

A Corte Superior também reconheceu corretamente que a atividade de vigilante transportador de valores é de risco, incidindo a cláusula geral codificada[89], mas não avançou na hipótese para debater se o dano causado por assaltantes importa no rompimento do nexo causal. Admite-se a defesa, com refinada argumentação jurídica, que o risco de assalto nessa atividade específica não é considerado externo e inevitável, mas integra, por relação de conexidade, os riscos normais do empreendimento; também é defensável a posição, como faz o Superior Tribunal de Justiça, que os assaltos e roubos, mesmo nas atividades de risco em que a ocorrência desses eventos sejam mais comuns, ainda assim são inevitáveis, classificados como força maior. A grande questão é a necessidade de as decisões do Tribunal Superior do Trabalho e, por conseguinte, dos tribunais especializados, estarem analiticamente fundamentadas em relação a qual macrossistema o acidente se insere – se no subjetivo ou objetivo –, depois avançar para identificar qual dos microssistemas objetivos é incidente, se da espécie comum ou agravada, uma vez mais avançar para verificar as modalidades de excludentes de nexo causal admitidas pela legislação, jamais esquecendo que não há microssistema algum que preveja responsabilidade por risco integral.

Na prova de sentença do XIII concurso público para juiz do trabalho do TRT da 18º Região, que foi realizada em 21.04.2013, a questão de mérito principal a ser discutida envolvia a morte de um trabalhador e o tema dos acidentes de trabalho. Tratava-se de um motorista empregado de empresa de transporte coletivo urbano municipal que morreu em razão de incêndio provocado no veículo pelos colegas motoristas que integravam o movimento grevista. Alguns motoristas, entre os quais o sinistrado, resolveram trabalhar durante o período de greve e, após o início das atividades e no itinerário, o motorista foi interceptado por piquete dos grevistas, os passageiros foram retirados do veículo, mas o motorista recusou-se a tanto, quando foi provocado o incêndio e o motorista faleceu. Havia alegação de que o motorista trabalhou com medo de perder o emprego e por coação indireta do diretor da empresa, além de alegações de responsabilidade civil objetiva.

Para resolver a questão o primeiro passo é verificar em qual microssistema de responsabilidade a relação fática se insere, tendo início pelos da espécie objetiva, enquanto excepcionais. Não houve acidente de natureza ambiental, nuclear, por objetos candentes, ruína de edifício, com animais e na atividade de mineração. Resta a possibilidade de incidência nos microssistemas do acidente de transporte, da cláusula geral codificada e da responsabilidade administrativa das pessoas jurídicas privadas prestadoras de serviços públicos. Não houve também acidente de transporte, ao contrário do que possa parecer em uma análise descuidada, na medida em que apenas os passageiros, empregados ou clientes, podem ser vítimas dessa modalidade de acidente, mas o próprio motorista não (vide tópico 4.3. supra). Também não se insere na cláusula geral codificada, pois a atividade de motorista de ônibus municipal não é atividade que o submeta à risco potencial maior que os demais membros da coletividade. Por fim, há enquadramento no microssistema por risco administrativo, na forma do art. 37, § 6°, da Constituição, na medida em que a atividade de transporte público municipal é considerada serviço público e a responsabilidade das pessoas jurídicas privadas é objetiva, na modalidade do risco administrativo. Para resolver a questão submetida à análise, poder-se-ia argumentar fundamentadamente que a atividade é de risco acentuado, até porque há jurisprudência do TST nesse sentido, mas ainda assim tratar-se-ia, como na modalidade por risco administrativo, de responsabilidade civil objetiva normal.[90] Significa dizer que dispensa a prova de ato ilícito e culpa, mas exige-se prova de dano e nexo, inclusive quanto ao nexo admite-se a prova dos quatro excludentes. E é exatamente o caso prático do concurso, em que o nexo causal foi rompido pelo fato dos terceiros que, em evento inevitável, imprevisível e irresistível, não se inserindo nos riscos normais da atividade, provocaram o incêndio criminoso que gerou a morte. Enfim, por qualquer ângulo do enquadramento, seja inserindo a relação fática no macrossistema objetivo, tanto da cláusula geral codificada como nos acidentes por risco administrativo, ou mesmo considerando a responsabilidade subjetiva genérica, o nexo causal é indispensável para estabelecer a relação jurídica indenizatória e, no caso concreto, foi rompido pelo fato de terceiro, fortuito externo, inevitável, imprevisível e irresistível. Sequer por interpretação relaxada poderia dizer que o empregador responderia então pelos atos dos grevistas que causaram o incêndio, invocando-se o art. 932, III, do Código Civil, na medida em que a responsabilidade objetiva indireta do empregador nesses casos dar-se-á apenas quando os danos causados pelos empregados ou prepostos se dar no exercício do trabalho ou em razão dele, o que não se verificou também.

A mesma relação fática será recolhida nas malhas da responsabilidade previdenciária, que adota a teoria do risco integral, onde mesmo a atitude criminosa dos causadores do incêndio não isentará o INSS da sua obrigação de pagar os benefícios aos dependentes do motorista vitimado, amoldando-se a situação no conceito de acidente de trabalho previdenciário, cujos requisitos são muito diferentes dos da responsabilidade civil.


6. Conclusões

·      O ordenamento jurídico revela dois grandes sistemas de responsabilidade civil: o subjetivo e o objetivo, conforme a lei dispense o elemento da culpa do agente para estabelecimento da relação indenizatória, havendo algumas espécies dentro dos dois grandes conjuntos, formando-se microssistemas, os quais convivem harmonicamente, sem preferência de um sobre o outro; são as situações fáticas que serão, indistintamente, enquadradas em um ou outro sistema, conforme os requisitos específicos estejam atendidos.

·      Na espécie subjetiva há três microssistemas: responsabilidade civil subjetiva comum, da restrita à dolo ou culpa grave e a com presunção relativa de culpa. Do grupo objetivo fazem parte a responsabilidade normal e a agravada. É a legislação que indicará expressamente quais são as relações sujeitas às quatro últimas espécies, de modo que não havendo indicação legislativa, estaremos diante da subjetiva comum. Segue que a responsabilidade civil subjetiva é residual, ou seja, primeiro o intérprete deve analisar se a situação fática se enquadra em algumas das situações que a lei especial previu como de responsabilidade objetiva, comum ou agravada; se não, depois avançar para verificar se ela se enquadra na cláusula geral pelo risco da atividade do art. 927, parágrafo único, do Código Civil; havendo nova negativa, avançar para verificar se há alguma presunção legal de culpa ou a exigência de dolo ou culpa grave; apenas havendo negativa quanto às três primeiras tentativas de enquadramento é que se concluirá que no caso o sistema de responsabilidade civil incidente é o subjetivo comum ou clássico, com os requisitos do dano, nexo causal, ato ilícito e culpa.

·      As hipóteses fáticas acidentárias ou de doenças ocupacionais poderão amoldar-se a dois ou mais microssistemas de responsabilidade objetiva, quando a aparente antinomia será resolvida em favor da norma mais favorável ao trabalhador, globalmente analisada (teoria do conglobamento). É exemplo da sobreposição de microssistemas o acidente generalizado ocorrido em mina de exploração de minerais radioativos, cujo acidente amoldar-se-á nos microssistemas por acidentes nucleares, acidentes ambientais, acidentes nas atividades de mineração e na responsabilidade administrativa das pessoas jurídicas de direito público ou das de direito privado prestadoras de serviços públicos, optando-se, no caso concreto, pelo microssistema nuclear, mais benéfico, pois não se admite excludente de nexo causal mesmo que haja fato de terceiro ou caso fortuito, além de o sistema específico admitir a responsabilização subsidiária do Estado, caso o devedor principal não tenha recursos.

·      Os requisitos gerais do sistema de responsabilidade objetiva são dano e nexo causal, dispensando prova de culpa e do ato ilícito. Porém, os diversos microssistemas do gênero objetivo irão prever especificidades, como a possibilidade de demonstração das excludentes de nexo causal, nas modalidades de responsabilidade objetiva normal, ou a vedação legal expressa de se invocar uma delas, na modalidade objetiva agravada, bem como em cada sistema especial há eleição legislativa de um prazo de prescrição para o exercício da pretensão. Os prazos prescricionais para pretensão de responsabilidade decorrente de acidente de trabalho são diversos e especiais, não se confundindo com o prazo trabalhista genérico previsto no art. 7°, XXIX, da Constituição, aplicável apenas às verbas de natureza jurídica trabalhista em sentido estrito e não de natureza jurídica civil.

·      É indispensável que as decisões judiciais fundamentem analiticamente em qual macrossistema a relação acidentária se insere, depois avançar para identificar qual dos microssistemas objetivos é incidente, se da espécie comum ou agravada, analisando as modalidades de excludentes de nexo causal admitidas pela legislação, significando que só o fato de dizer que a responsabilidade é objetiva passa ao largo da correta fundamentação e não resolve a questão.


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Notas

[1] Anota Roberto Senise Lisboa que “o reconhecimento da responsabilidade objetiva corrobora a tese segundo a qual o elemento nuclear da responsabilidade é o dano, e não a culpa do autor do ilícito, que somente despontou a partir da lei aquiliana.” (Manual de Direito Civil, p. 426).

[2] “Art. 1382.Tout fait quelconque de l’homme, qui cause à autrui un dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé, à le réparer.”

[3] Responsabilidade do habitante do imóvel por danos resultantes de coisas que dele caíssem (artigo 1.529) e a responsabilidade do empregador pelo ato do empregado ou preposto (artigo 1.521, III, c/c Súmula 341 do STF).

[4] O correto entendimento das duas matrizes teleológicas do direito penal e civil permitiu, por exemplo, consagrar nas legislações que na fixação das indenizações por danos morais o bem objeto de tutela é o dano causado e a sua compensação e não a punição do agente ofensor, no que se equivoca parte considerável da jurisprudência quando diz que entre as funções das indenizações por danos morais estão a punição e a prevenção, importando inadvertidamente o mecanismo norte-americano dos punitive damages para o nosso sistema, sem previsão constitucional ou legal nesse sentido. Para maiores aprofundamentos v. BODIN DE MORAES, Maria Celina. Dano moral: conceito, função e valoração. Revista Forense, vol. 413, jan/jun. de 2011, p. 361-378 e JUNKES, Sérgio Luiz. A culpa e a punição não podem servir de critério para a fixação da indenização por dano moral, Novos Estudos Jurídicos, vol. 11, n. 2, jul/dez. 2006, p. 291-299.

[5] Não se podem confundir as duas modalidades de responsabilidade civil, pertencentes ao tronco do direito material, com o mecanismo de inversão do ônus da prova, pertencente ao direito processual, o qual pode ser aplicado ao direito processual do trabalho por integração supletiva pelo Código de Defesa do Consumidor. Dessa premissa decorre que poderá haver hipótese de responsabilidade subjetiva em que o magistrado inverte o ônus da prova antes da instrução processual, também como há responsabilidade objetiva com inversão do ônus da prova. No caso da teoria objetiva, em que o empregado deve provar apenas dano e nexo, ainda assim poderá haver inversão do ônus da prova com a imputação ao empregador de provar a inexistência desses dois requisitos, evidentemente se os requisitos do CDC que autorizam a inversão estejam atendidos e o juiz adote-a antes da instrução processual, informando as partes do ônus que cada uma possuirá, de modo a não violar o devido processo legal e o direito de ampla defesa.

[6] Por exemplo, no Direito do Consumidor, em que o fornecedor responde objetivamente pelos danos causados aos consumidores (CDC, art. 12), cujo microssistema consumerista não tem incidência nas relações de acidente, pois os empregados não se enquadram no conceito de consumidores, destinatários da proteção objetiva. Significa dizer que um acidente na empresa que afete clientes e empregados poderá ensejar duas modalidades de responsabilização, uma objetiva quanto aos clientes (consumidores) e outra subjetiva em relação aos empregados, ressalvado o caso de a atividade ser considerada de risco acentuado, quando os empregados também ficariam submetidos à teoria objetiva, mas desta feita com fundamento no art. 927, parágrafo único, do Código Civil e não no art. 12 do CDC.

[7] Para o entendimento acerca do equívoco da invocação de requisitos previdenciários para a imputação de responsabilidade civil aos empregadores v. MOLINA, André Molina. O nexo causal nos acidentes de trabalho. Revista SÍNTESE Trabalhista e Previdenciária, ano XXIV, n. 283, janeiro de 2013, p. 60-82.

[8] Noronha, Desenvolvimentos contemporâneos da responsabilidade civil, p. 37-38.

[9] Exemplos da espécie de responsabilidade subjetiva restrita à dolo ou culpa grave estão a denúncia infundada de crime que ocasione a prisão da vítima, indenizável apenas se a denúncia for falsa e de má-fé (ou seja, dolosa), conforme o art. 954, parágrafo único, II, do Código Civil e no transporte aéreo quando, em regra, a responsabilidade é limitada, contudo os limites não se aplicarão se for provado que o dano resultou de dolo ou culpa grave do transportador ou de seus prepostos (art. 248 do Código de Aeronáutica – Lei 7.565 de 1986).

[10] O professor Fernando Noronha classifica as hipóteses de responsabilidade civil objetiva em dois grandes grupos: objetiva normal e objetiva agravada. As do primeiro grupo, a despeito de dispensar a prova da culpa, exigem prova do nexo causal e por isso admitem a comprovação pelo agente das quatro excludentes de nexo causal (caso fortuito, força maior, fato de terceiro e fato da vítima), sendo que na modalidade agravada a legislação resolveu afastar a possibilidade de prova de alguma das quatro excludentes de nexo causal, chegando ao extremo de tornar irrelevante quaisquer delas em casos excepcionais, quando haverá imputação de responsabilidade sem a necessidade de nexo causal, naquilo que os autores apontam como opção pela teoria do risco integral (Responsabilidade civil, passim).

[11] “Confrontando as duas espécies de responsabilidade, subjetiva e objetiva, pode-se dizer, em rápida síntese, que verificado um fato danoso para uma pessoa ou para seu patrimônio, no domínio da responsabilidade subjetiva é preciso averiguar se o seu autor agiu com culpa ou dolo, porque só nestes casos ele estará obrigado a reparar o dano; no domínio da responsabilidade objetiva, prescinde-se de indagações sobre a culpa do agente, bastando que haja nexo causal entre o fato e o dano, para que ele seja forçado à reparação.” (Noronha, Responsabilidade civil, p. 16).

[12] Lisboa, Manual de Direito Civil, p. 539.

[13] Noronha, Responsabilidade civil, p. 33-34.

[14] O artigo 393 do Código Civil estabelece que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, mas admite que expressamente seja responsável, inclusive nesses casos, quando houver contratado. Nessa última hipótese estar-se-á diante de obrigação de garantia, ocasião em que o agente responde pelos danos, independente de culpa e nexo causal, não podendo sequer invocar nenhuma excludente de responsabilidade.

[15] No particular, conferir o trabalho do professor Carlos Alberto Dabus Maluf, Do caso fortuito e da força maior excludentes de culpabilidade no Código Civil de 2002. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jônes Figueiredo (coord.). Novo Código Civil. Questões Controvertidas. Responsabilidade Civil. São Paulo: Método, 2006.

[16] Alvim, Da inexecução das obrigações e suas consequências, p. 315-316, passim.

[17] “Responsabilidade civil – Transporte coletivo – Assalto à mão armada – Força maior. Constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estanho ao transporte em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo. Precedentes.” (STJ – REsp. 435.865/RJ – Rel. Min. Barros Monteiro – DJ 12.05.2003), “provado o roubo da mercadoria, sob ameaça de arma, fica evidente, na linha dos precedentes, que há força maior a excluir a responsabilidade do transportador.” (STJ – REsp. 110.099/SP – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJ 09.12.1997) e “(...) parte da jurisprudência defende que a frequência e notoriedade desses eventos retiram-lhe o caráter de força maior capaz de exonerar o transportador de sua responsabilidade, cabendo-lhe tomar providências para evitá-los. Estou, no entanto, que não deve prevalecer tal entendimento. O que define tais ocorrências não é a imprevisibilidade, mas, ao contrário, sua inevitabilidade, não devendo ser atribuído poder de polícia a tais empresas, em substituição ao Estado a quem cabe zelar pela segurança pública.” (STJ – REsp. 164.155/RJ – Rel. Min. Waldemar Zveiter – DJ 03.05.1999). No mesmo sentido é a doutrina de Carlos Alberto Dabus Maluf, Do caso fortuito e da força maior, p. 56.

[18] Gramstrup, Responsabilidade objetiva na cláusula geral codificada, p. 139.

[19] O Enunciado 46 da I Jornada de direito civil diz que: “A possibilidade de redução do montante da indenização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no parágrafo único do art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da reparação integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva.”, cuja posição é compartilhada por Regina Beatriz Tavares da Silva: “O parágrafo único deste artigo adota a teoria da gradação da culpa, a influenciar o quantum indenizatório, mas somente possibilita sua diminuição diante de desproporção entre a gravidade da culpa e o dano. Esse parágrafo é inaplicável nas hipóteses de responsabilidade objetiva, em que não há apuração da culpa e, portanto, descabe a diminuição da indenização consoante o critério aqui estabelecido.” (Da responsabilidade civil, p. 855).

[20] Em comentários ao Código do Trabalho português de 2009 e a Lei de Acidentes de Trabalho de 1997 a professora Maria do Rosário de Palma Ramalho anota que “sendo a responsabilidade por acidente de trabalho uma responsabilidade objectiva pelo risco, a lei não deixa de valorizar o elemento subjectivo da culpa para efeitos de conformação concreta da reparação devida pelo facto acidentário. Assim, a culpa do trabalhador ou de terceiro no acidente pode constituir causa de exclusão ou de redução da responsabilidade do empregador.” (Direito do Trabalho, p. 833).

[21] Para aprofundamento v. MOLINA, André Araújo. A prescrição das ações de responsabilidade civil na Justiça do Trabalho. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, ano XVIII, n. 217, julho de 2007, p. 79-110.

[22] A posição atual do Supremo Tribunal Federal é que os tratados internacionais sobre direitos humanos que foram aprovados e internalizados terão hierarquia supralegal ou constitucional, conforme tenham sido aprovados aqui pelo quórum qualificado do art. 5°, § 3°, da Constituição, respectivamente. No caso da Convenção de Viena, ela não foi aprovada com quórum qualificado, logo possui status supralegal, trazendo como primeira consequência a revogação de toda a legislação infraconstitucional com ela incompatível. Para maiores aprofundamentos quanto ao tema dos tratados internacionais e o Direito do Trabalho v. MOLINA, André Araújo. Imunidade jurisdicional das pessoas jurídicas de direito público externo: Um diálogo com Georgenor de Souza Franco Filho, Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, ano XXII, n. 253, julho de 2010, p. 17-30.

[23] Sobre o duplo controle de constitucionalidade e convencionalidade v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados Internacionais de Direitos Humanos e Direito Interno. São Paulo: Saraiva, 2010.

[24] “Lei n. 6.453 de 1977, art. 1°. Para os efeitos desta Lei considera-se: (...) VII – ‘dano nuclear’, o dano pessoal ou material produzido como resultado direto ou indireto das propriedades radioativas, da sua combinação com as propriedades tóxicas ou com outras características dos materiais nucleares, que se encontrem em instalação nuclear, ou dela procedentes ou a ela enviados; VIII – ‘acidente nuclear’, o fato ou sucessão de fatos da mesma origem, que cause dano nuclear;”

[25] “Lei n. 6.453 de 1977, art. 6º. Uma vez provado haver o dano resultado exclusivamente de culpa da vítima, o operador será exonerado, apenas em relação a ela, da obrigação de indenizar.”

[26] “Lei n. 6.453 de 1977, art. 8º. O operador não responde pela reparação do dano resultante de acidente nuclear causado diretamente por conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza.”

[27] “Convenção de Viena, art. X. O operador só terá direito de regresso: (...) b) quando o acidente nuclear decorrer de ação ou omissão com intento danoso, caso em que se responsabilizará quem agiu ou deixou de agir dolosamente.”

[28] “Lei n. 6.453 de 1977, art. 16. Não se aplica a presente Lei às hipóteses de dano causado por emissão de radiação ionizante quando o fato não constituir acidente nuclear.”

[29] Convenção de Viena, art. VI, 1, e Lei n. 6.453 de 1977, art. 12.

[30] Artigos 5º, XXIII, 21, XX, 170, VI, 182, 196, 216, 220, VIII, e 225. A vertente natural engloba a terra, a água, o ar atmosférico, a flora e a fauna, a vertente artificial abrange o espaço urbano construído, quer através de edificações, quer por meio de equipamentos públicos, a vertente cultural abarca o patrimônio histórico, artístico, paisagístico, arqueológico e turístico, e a vertente trabalhista alberga o meio ambiente do trabalho, que prima pela vida, pela dignidade e pela saúde do trabalhador, rechaçando à insalubridade, periculosidade e à desarmonia no ambiente de trabalho.

[31] Curso de direito ambiental brasileiro, p. 21.

[32] Em relação ao princípio da prevenção em tema de direito ambiental do trabalho e a exigência das tutelas processuais mandamentais como mecanismos processuais adequados, consultar CESÁRIO, João Humberto. Técnica processual e tutela coletiva de interesses ambientais trabalhistas. São Paulo: LTr, 2012.

[33] Convenção n. 115 da OIT sobre a proteção dos trabalhadores contra radiações ionizantes (Dec. 61.151/1968), Convenção n. 136 da OIT sobre a proteção contra os riscos de intoxicação provocados por benzeno (Dec. 1.253/1994), Convenção n. 139 da OIT sobre a prevenção e controle de riscos profissionais causados pelas substâncias ou agentes cancerígenos (Dec. 157/1991), Convenção n. 148 da OIT sobre a proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais devidos à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho (Dec. 93.413/1986), Convenção n. 152 da OIT relativa à segurança e higiene nos trabalhos portuários (Dec. 99.534/1990), Convenção n. 155 da OIT sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho (Dec. 1.254/1994), Convenção n. 162 da OIT sobre a utilização do asbesto com segurança (Dec. 126/1991), Convenção n. 164 da OIT sobre a proteção da saúde e a assistência médica aos trabalhadores marítimos (Dec. 2.671/1998), Convenção n. 167 da OIT sobre a segurança e saúde na construção (Dec. 6.271/2007), Convenção n. 170 da OIT relativa à segurança na utilização de produtos químicos no trabalho (Dec. 2.657/1998), Convenção n. 174 da OIT sobre a prevenção de acidentes industriais maiores (Dec. 4.085/2002) e a Convenção n. 176 da OIT sobre segurança e saúde nas minas (Dec. 6.270/2007).

[34] Desse grupo faz parte Sergio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil, p. 164, Édis Milaré, A tutela jurídico-civil do ambiente, p. 33, Nelson Nery Jr., Responsabilidade civil por dano ecológico e a ação civil pública, p. 38, Antonio Herman Benjamim, Responsabilidade civil pelo dano ambiental e José Afonso da Silva, Direito ambiental constitucional, p. 322.

[35] Entre outros estão Toshio Mukai, Direito ambiental sistematizado, p. 61 e Andreas Joachim Krell, Concretização do dano ambiental: algumas objeções à teoria do risco integral, p. 14-15.

[36] Responsabilidade civil ambiental, p. 182.

[37] José Rubens Morato Leite aprofunda o tema ao asseverar que “o motivo de força maior, para sua caracterização, requer a ocorrência de três fatores: imprevisibilidade, irresistibilidade e exterioridade. Se o dano foi causado somente por força da natureza, como um abalo sísmico, sem a ocorrência do agente poluidor, dita força maior, nestas condições, faz excluir o nexo causal entre o prejuízo e ação ou omissão da pessoa a quem se atribui a responsabilidade pelo prejuízo. Porém, se, de alguma forma, o agente concorreu para o dano, não poderá excluir-se da responsabilidade, prevalecendo a regra segundo a qual a imprevisibilidade relativa não exclui a responsabilidade do agente.” (Dano ambiental, p. 208-209).

[38] Direito ambiental constitucional, p. 323.

[39] Essa é a posição do Superior Tribunal de Justiça, valendo-se consultar os recentes julgados da 2ª Turma, REsp. 1.056.540-GO, Relª. Minª. Eliana Calmon, DJ 14.09.2009 e o REsp. 647.493-SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 22.10.2007.

[40] Por todos: STJ – 2ª Turma – REsp. 28.222-SP – Relª. Minª. Eliana Calmon - DJ 15.02.2001.

[41] Por todos: STJ – 2ª Turma – REsp. 604.725-PR – Rel. Min. Castro Meira – DJ 22.08.2005.

[42] “(...) 4. O dano ambiental além de atingir de imediato o bem jurídico que lhe está próximo, a comunidade indígena, também atinge a todos os integrantes do Estado, espraiando-se para toda a comunidade local, não indígena e para futuras gerações pela irreversibilidade do mal ocasionado. 5. Tratando-se de direito difuso, a reparação civil assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano. 6. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal. 7. Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer , considera-se imprescritível o

direito à reparação.” (STJ – 2ª Turma – REsp. 1.120.117-AC – Relª. Minª. Eliana Calmon – DJ 19.11.2009).

[43] Essa também é a posição do Enunciado n. 38 da 1ª Jornada de Direito do Trabalho promovida pela ANAMATRA e pelo TST de 2007: “RESPONSABILIDADE CIVIL. DOENÇAS OCUPACIONAIS DECORRENTES DOS DANOS AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. Nas doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho, a responsabilidade do empregador é objetiva. Interpretação sistemática dos artigos 7º, XXVIII, 200, VIII, 225, §3º, da Constituição Federal e do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81.”

[44] Tratado de responsabilidade civil, p. 309.

[45] Noronha, Responsabilidade civil, p. 37.

[46] Não é essa, contudo, a posição de Sérgio Cavalieri Filho, para quem a responsabilidade do Código Civil aplica-se apenas em relação aos passageiros, daí que os empregados sujeitam-se à indenização aquiliana de direito comum, havendo culpa ou dolo do empregador, conforme artigo 7°, XXVIII, da Constituição. (Programa de responsabilidade civil, p. 315). Parece-nos que o autor sequer admite a aplicação da teoria objetiva aos empregados, por entender que o elemento dolo ou culpa presente na Constituição é indispensável.

[47] “RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL E ESTÉTICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. TRANSPORTE DE TRABALHADORES. ACIDENTE DE TRÂNSITO. O cerne da controvérsia esta em saber se a primeira reclamada poderia ser responsabilizada de forma objetiva pelo acidente de trânsito que vitimou o reclamante durante o trajeto percorrido até o local de trabalho por transporte por ela fornecido e conduzido por preposto seu, não obstante o acidente tenha sido causado por culpa de terceiro. A modalidade de responsabilidade civil a incidir no caso é a objetiva, pois se trata de responsabilidade do transportador, regulada de forma específica no diploma civil, aplicável ao caso de forma subsidiária. Certo que não há falar em transporte desinteressado, ainda que o acidente tenha decorrido de culpa de terceiro, a reclamada é responsável pela indenização pelos danos sofridos no acidente, o que não elide eventual ação regressiva sua contra o terceiro causador do acidente. Incidência do artigo 734 do CC e da Súmula nº 187 do STF. Precedentes do STJ e da 3ª Turma do TST. Recurso de revista não conhecido.” (TST – 2ª Turma – RR 81300-68.2009.5.08.0115 – Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos – DEJT 04.11.2011). No mesmo sentido a seguinte decisão de outra turma do Tribunal: (TST – 8ª Turma - AIRR 806-26.2011.5.15.0028 – Red. desig. Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro - DEJT 14.09.2012).

[48] Venosa, Direito Civil, p. 69.

[49] Stoco, Tratado de responsabilidade civil, p. 962.

[50] Vide os fundamentos na nota de rodapé n. 6, acima.

[51] Helena Campos Refosco elenca vários argumentos para rechaçar a aplicação do código consumerista, reclamando a incidência da Convenção de Montreal de 1999, entre eles a observância da reciprocidade e segurança jurídica em âmbito internacional, o fato de a norma internacional ser mais moderna (temporalidade) e mais específica (especialidade) que a lei civil e o regramento consumerista, e mesmo a opção constitucional do artigo 178 em prestigiar a Convenção quanto ao transporte internacional. (A Convenção de Montreal e a responsabilidade no transporte aéreo internacional, passim).

[52] “Embora válida a norma do Código de Defesa do Consumidor quanto aos consumidores em geral, no caso específico de contrato de transporte internacional aéreo, com base no art. 178 da Constituição Federal de 1988, prevalece a Convenção de Varsóvia (...)” (STF – 2ª Turma – RE 297.901/RN – Relª. Minª. Ellen Gracie – DJ 31.03.2006).

[53] O Tribunal Superior do Trabalho invocou expressamente a Convenção de Varsóvia para condenar empresas aéreas pela morte de empregados, conjugando-a com o Código Brasileiro de Aeronáutica. Na época da morte dos trabalhadores no acidente aéreo ainda não vigia a Convenção de Montreal, dai porque a aplicação da antiga norma internacional. TST – 6ª Turma – AIRR 70240-10.2006.5.01.0015 – Rel. Min. Maurício Godinho Delgado – DEJT 19.05.2011 e também TST – 6ª Turma – ED-AIRR 270063-57.2010.5.05.0000 – Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado – DEJT 26.08.2011.

[54] Na Convenção de Varsóvia a teoria adotada era a da presunção de culpa, pois o transportador poderia provar que tomou todas as medidas necessárias para que se não produzisse o dano (art. 20), contudo o sistema evoluiu para a teoria objetiva com a Convenção de Montreal, não mais se admitindo prova de que o transportador não agiu com culpa. O artigo 17, 1, dessa última norma internacional tem a seguinte redação: “O transportador é responsável pelo dano causado em caso de morte ou de lesão corporal de um passageiro, desde que o acidente que causou a morte ou a lesão haja ocorrido a bordo da aeronave ou durante quaisquer operações de embarque ou desembarque.”

[55] Helena Campos Refosco é da posição que a tarificação fixada pela Convenção de Montreal deve ser respeitada, na medida em que representa ponderação legislativa quanto aos valores das indenizações, cujos montantes são satisfatórios, inclusive havendo culpa ou dolo do transportador aéreo internacional ou seus prepostos, os limites não serão observados, construção legislativa que em nada afronta às disposições constitucionais de reparação integral dos danos morais e materiais. (Op. cit., passim).

[56] STF – 2ª Turma – RE 297.902 – Relª. Minª. Ellen Gracie – DJE 31.03.2006.

[57] A leitura do artigo 21, XII, da Constituição revela que se consideram serviços públicos o serviço aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território, excetuando-se, por uma leitura a contraio sensu, aquele realizado dentro de um mesmo Estado ou Território ou o que não liga os portos brasileiros às fronteiras nacionais. É serviço público, sujeitando-se à normativa do artigo 37, § 6°, da Constituição, o transporte internacional de passageiros e aquele, marítimo, lacustre ou fluvial, cujos pontos de partida e destino encontram-se em Estados ou Territórios diferentes (transporte interestadual aquaviário).

[58] No mesmo artigo 21, XII, e no artigo 30 da Constituição estão inseridos na categoria de serviços públicos o transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, e o transporte coletivo municipal de passageiros.

[59] No bojo do processo de privatização que o Governo Federal levou à cabo na década de 1990 é que foram gestadas as organizações sociais, as quais possuem natureza jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que habilitam-se perante a Administração Pública para obter a qualificação de organização social. Obtida a qualificação podem atuar em diversas áreas, mediante contrato de gestão, desempenhando ou não serviços públicos, conforme absorva uma atividade material que a lei atribuiu ao Estado, na forma da Lei 9.637 de 1998. Por exemplo, se uma organização social habilitar-se e mediante contrato de gestão passar a executar atividade de saúde, serviço público em essência, inserir-se-á no qualificativo de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público do artigo 37, § 6°.

[60] Por exemplo, o Supremo Tribunal Federal reconhece como incidente a responsabilidade civil objetiva nos casos de danos causados em atividades cartorárias e notariais. “Em se tratando de atividade cartorária exercida à luz do artigo 236 da Constituição Federal, a responsabilidade objetiva é do notário, no que assume posição semelhante à das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (...)." (STF – RE 201.595 – Rel. Min. Marco Aurélio – DJ 20.04.01).

[61] Di Pietro, Direito Administrativo, p. 530.

[62] Di Pietro, op. cit., p. 99-107. No mesmo sentido é a lição de Edmir Netto de Araújo, para quem, “serviço público é toda atividade exercida pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, para a realização direta ou indireta de suas finalidades e das necessidades ou comodidades da coletividade, ou mesmo conveniências do Estado, tudo conforme definido pelo ordenamento jurídico, sob regime peculiar, total ou parcialmente público, por ele imposto.” (Araújo, Curso de Direito Administrativo, p. 106).

[63] “Essas entidades não prestam serviço público delegado pelo Estado, mas atividade privada de interesse público (serviços não exclusivos do Estado); exatamente por isso, são incentivadas pelo Poder Público. A atuação estatal, no caso, é de fomento e não de prestação de serviço público. Não se trata de atividade que incumbisse ao Estado, como serviço público, e que ele transferisse para outra pessoa jurídica, por meio de instrumento da descentralização. Trata-se, isto sim, de atividade privada de interesse público que o Estado resolveu incentivar e subvencionar.” (Di Pietro, op. cit., p. 416).

[64] “A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário. Exegese do art. 37, § 6º, da C.F.” (STF - RE 262.651 - Rel. Min. Carlos Velloso – DJ 06.05.05).

[65] “O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que descabe ao intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo ‘terceiro’ contido no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, devendo o Estado responder pelos danos causados por seus agentes qualquer que seja a vítima, servidor público ou não." (STF – AI 473.381-AgR - Rel. Min. Carlos Velloso - DJ 28.10.05). Também o Tribunal reconheceu a responsabilidade objetiva do Estado pela infecção que acometeu servidora pública gestante que, no desempenho de suas funções em berçário de hospital público, foi exposta à contaminação por vírus. (STF – RE 495.740-AgR – Rel. Min. Celso de Mello – DJE 14.08.2009).

[66] “A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários, e não usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da CF. A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não usuário do serviço público é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado.” (STF – RE 591.874 – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – DJE 18.12.2009, com repercussão geral.)

[67] “(...) o princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias – como o caso fortuito e a força maior – ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima.” (STF – 1ª Turma – RE n. 109.615/RJ – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 02.08.1996). O Tribunal considera o fato de terceiro como uma modalidade de caso fortuito (STF – RE 184.118/RS – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJ 18.09.1998), posição que é reforçada pelo artigo 14, § 3°, II, in fine, do CDC.

[68] Os exemplos se multiplicam conforme analisemos os serviços públicos que o Estado autoriza, permite ou concede, por exemplo, nas empresas de telecomunicações (CF, art. 21, XI), radiodifusão sonora (XII, a), energia elétrica e o aproveitamento energético de cursos de água (XII, b), navegação aérea (XII, c), transporte ferroviário e aquaviário (XII, d), transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (XII, e), serviços locais de gás canalizado (CF, art. 25, § 2°) e o transporte coletivo municipal (CF, art. 30, V).

[69] RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. EMPREGADO PÚBLICO. A responsabilidade civil nos acidentes do trabalho envolvendo empregados de pessoas jurídicas de Direito Público interno é objetiva. Inteligência do artigo 37, § 6º da Constituição Federal e do artigo 43 do Código Civil.” (Enunciado n. 40).

[70] “o Estado responde apenas subsidiariamente, uma vez exauridos os recursos da entidade prestadora de serviços públicos. Se o Estado escolheu mal aquele a quem atribuiu execução de serviços públicos, deve responder subsidiariamente caso o mesmo se torne insolvente.” (Sergio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil, p. 267-268).

[71] “RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI N.º11.496/2007. CABIMENTO. ARTIGO 894, II, DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. SPTrans. responsabilidade. período de intervenção. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. EMPRESA GESTORA. A segunda reclamada - SPTrans - é mera gestora dos serviços gerais de transportes públicos na cidade de São Paulo e, como tal, limita-se a assegurar, fiscalizar e exigir a prestação de serviços de transporte à população por parte das contratadas, entre as quais se inclui a primeira reclamada. Resulta daí que a SPTrans não é tomadora dos serviços, não havendo como lhe imputar culpa in vigilando ou in eligendo nem condenação subsidiária, ante a ausência de obrigação da recorrente para com os empregados da concessionária do serviço público. Mesmo no período em que atuou como interventora da primeira reclamada, não é a SPTrans responsável pelas verbas trabalhistas, visto que a intervenção administrativa não caracteriza a sucessão de empregadores, ante a ausência de mudança na estrutura jurídica da empresa concessionária e diante do fato de que tal ação tem por objetivo evitar a interrupção dos serviços públicos de transporte. Recurso de embargos conhecido e provido.” (RR-202900-76.2006.5.02.0067 - Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa - DEJT 08.10.2010).

[72] Gagliano e Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil, p. 197-198.

[73] Artigo 21, II, “e”, da Lei 8.213 de 1991.

[74] Simão, Responsabilidade civil pelo fato do animal, p. 356.

[75] Reale, O projeto de Código Civil, p. 10.

[76] Beraldo, A responsabilidade civil, p. 219-220.

[77] Beraldo, op. cit., p. 224.

[78] Tartuce, A cláusula geral de responsabilidade objetiva nos dez anos do Código Civil de 2002, passim.

[79] Püschel, Funções e princípios justificadores da responsabilidade civil, p. 98-100.

[80]RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA NO ACIDENTE DE TRABALHO. ATIVIDADE DE RISCO. Aplica-se o art. 927, parágrafo único, do Código Civil nos acidentes do trabalho. O art. 7º, XXVIII, da Constituição da República, não constitui óbice à aplicação desse dispositivo legal, visto que seu caput garante a inclusão de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores.” (Enunciado n. 37 da 1ª Jornada de Direito na Justiça do Trabalho). Na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça foi aprovado o Enunciado n. 38 com o seguinte texto: “Risco da atividade. Caracterização. A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do CC 927 par. ún., configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade.” Já na V Jornada de Direito Civil de 2011 houve um refinamento do conceito para prever que: “A regra do art. 927, parágrafo único, segunda parte, do CC aplica-se sempre que a atividade normalmente desenvolvida, mesmo sem defeito e não essencialmente perigosa, induza, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem. São critérios de avaliação desse risco, entre outros, a estatística, a prova técnica e as máximas da experiência.” (Enunciado n. 448).

[81] Melo, Ações acidentárias na Justiça do Trabalho, p. 79-82.

[82] “RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MOTOBOY. ASSALTO SEGUIDO DE MORTE. AÇÃO DE TERCEIROS. Embora hoje haja verdadeira controvérsia na doutrina e na jurisprudência com o fim de afastar a responsabilidade do empregador, por fato de terceiro, ainda que em atividade de risco, a matéria merece uma reflexão mais cuidadosa, na medida em que tal afastamento decorre da possibilidade de o autor vir a ajuizar ação de regresso ao terceiro, causador do dano. Tal entendimento, todavia, no direito do trabalho, não pode ser recepcionado, quando é certo que a responsabilidade pela atividade econômica é do empregador, e não do empregado. A leitura a ser feita da norma inscrita no art. 2º da CLT c/c art. 927, parágrafo único, do CC, em conjunção com os princípios que regem a relação jurídica trabalhista, é no sentido de que a indenização é devida ao empregado e que, eventual ação de regresso, a ser intentada, deverá ser feita pelo empregador, contra aquele cuja conduta ensejou a sua responsabilidade na reparação do dano. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – 6ª Turma – RR 795-38.2010.5.04.0351 – Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga – DEJT 10.08.2012).

[83] Ressalve-se que há autorizadas vozes na doutrina defendendo que a atividade de pilotar motocicleta não é, em si, de risco acentuado, na medida em que o risco potencial maior é causado não pela atividade mas pelo desrespeito às leis de trânsito. O que gera iminência de acidente é circular no “corredor” entre as faixas de rolamento, não respeitar os limites de velocidade, transitar sem capacete etc.

[84] Para o entendimento acerca do equívoco da invocação de requisitos previdenciários para a imputação de responsabilidade civil aos empregadores v. MOLINA, André Molina. O nexo causal nos acidentes de trabalho. Revista SÍNTESE Trabalhista e Previdenciária, ano XXIV, n. 283, janeiro de 2013, p. 60-82.

[85] TST – 6ª Turma – RR-133500-73.2008.5.04.0511 – Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga – DJE 23.03.2012.

[86] TST – 1ª Turma – RR-75600-59.2005.5.03.0061 – Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa – DJE 25.11.2011.

[87] A respeito do tema da força normativa dos princípios e a sua incidência nas relações de trabalho v. MOLINA, André Araújo. Teoria dos Princípios Trabalhistas. A aplicação do modelo metodológico pós-positivista ao Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2013.

[88] No sentido de não considerá-la como de risco (TST – 7ª Turma – AIRR-0001406-45.2010.5.08.0006 – Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho – DEJT 24.02.2012) e no sentido de considerá-la (TST – 3ª Turma – RR-148100-16.2009.5.12.0035 – Rel. Min. Alberto Bresciani –

DEJT 25.02.2011).

[89] TST – SDI-1 – E-RR-84700-90.2008.5.03.0139 – Rel. Min. João Batista Brito Pereira – DEJT 11.12.2009.

[90] Importante rememorar que o risco da atividade para enquadramento na cláusula geral codificada insere o acidente no microssistema objetivo apenas quanto aos danos causados pelo próprio risco potencial, dispensando-se prova da culpa e ato ilícito. No caso em debate, ainda que se considere a atividade de motorista como de risco, tais riscos são aqueles de acidentes, inerentes à atividade, mas não em relação a outros possíveis danos, como a atitude imprevisível de terceiros, sem conexão alguma com a atividade, ainda que de risco.


Autor

  • André Araújo Molina

    André Araújo Molina

    Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso e Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLINA, André Araújo. Sistemas de responsabilidade civil objetiva e os acidentes de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4088, 10 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31800. Acesso em: 23 abr. 2024.