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Mandado de segurança contra atos judiciais

uma revisitação sobre o cabimento após as disposições da Lei 12.016/2009 e do recente julgado do STF no RMS 30.550

Mandado de segurança contra atos judiciais: uma revisitação sobre o cabimento após as disposições da Lei 12.016/2009 e do recente julgado do STF no RMS 30.550

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Discutem-se as alterações produzidas no sistema jurídico brasileiro no tocante ao cabimento do mandado de segurança em face de atos judiciais, após as inovações trazidas pela Lei 12.016/2009 e pelo recente julgado do STF no RMS 30.550.

Resumo: Nesse artigo, discutem-se as alterações produzidas no sistema jurídico brasileiro no tocante ao cabimento do mandado de segurança em face de atos judiciais, após as inovações trazidas pela Lei 12.016/2009 e pelo recente julgado do STF no RMS 30.550.

Palavras-chaves: Mandado de segurança. Atos judiciais. Cabimento. Hipóteses. Inovações.

Sumário: Introdução. 1. As súmulas 267 e 268 do STF e a inovação trazida pela Lei 12.016/2009. 2. O recente julgado do STF no RMS 30.550. 3. Conclusão. 4. Referências.


INTRODUÇÃO

As decisões dos Tribunais Superiores sempre se prestaram como fontes norteadoras do processo legislativo, sendo habitualmente indispensáveis à manutenção da eficácia das leis, mormente aquelas que enfrentam longos períodos sem sofrer modificações por parte do Poder legiferante.

No tocante ao cabimento do mandado de segurança em face de decisões judiciais, de há muito o tema vem sendo pautado pelas Súmulas nº 267[1] e 268[2] do Supremo Tribunal Federal.

Não obstante, tem-se notado temperamentos quanto a esse particular, mormente após sutil alteração inserta na Lei nº 12.016/2009 e, principalmente, após o recente julgado do STF, em sede de RMS nº 30.550. É o que passaremos a analisar nesse estudo.


1. AS SÚMULAS 267 e 268 DO STF E A INOVAÇÃO TRAZIDA PELA LEI 12.016/2009

O comando contido na Súmula 268 do Supremo Tribunal Federal acabou por influenciar diretamente na positivação do art. 5, III da lei 12.016/2009[3], que cristalizou, agora em texto legal, o antigo entendimento de que não cabe mandado de segurança contra decisão ou sentença transitado em julgado, expressando, dessa forma, o consentimento do legislador com o que há tempo estava sumulado naquele Tribunal.

Com efeito, pretendeu o legislador acentuar o respeito à segurança jurídica e à sentença judicial transitada em julgado, que guarda consigo a “regra” (não absoluta) da imutabilidade da res iudicata; evitando-se, portanto, a utilização indiscriminada do mandamus como sucedâneo da ação rescisória, da querella nullitatis ou até mesmo da dedução, em sede de embargos à execução, do pedido de relativização da coisa julgada quando o título judicial fundamentar-se em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou for fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal[4].

Portanto, no tocante ao verbete sumular nº 268 do STF, não há alteração a ser observada. O mesmo já não se pode afirmar em relação à Súmula 267 do STF, que trata sobre o não cabimento do mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.

O próprio Supremo Tribunal Federal já manifestava seu posicionamento acerca da possibilidade de impetração do mandado de segurança quando da decisão proferida não coubesse recurso com efeito suspensivo, de certo modo abrandando o teor da Súmula nº 267/STF, que não distingue as hipóteses de recurso com ou sem efeito suspensivo, tratando a questão de forma genérica.

E esta flexibilização da aplicação do verbete sumular nº 267/STF ocorreu, tendo em vista que o manejo recursal, v.g.: de um agravo de instrumento sem efeito suspensivo, não era o bastante para se evitar uma lesão ao direito líquido e certo do impetrante em virtude de um ato abusivo ou manifestamente ilegal emanado do Estado-Juiz. Como exemplo, pode-se imaginar uma decisão interlocutória que determinasse a demolição de uma obra e cujo agravo interposto contra essa decisão não possuía efeito suspensivo. Ora, a espera pelo julgamento desse agravo poderia culminar já na demolição da referida obra, razão pela qual a lesão ao direito do agravante, mesmo quando ele obtivesse provimento em seu recurso, já estaria consumada, restando apenas a conversão em perdas e danos, mas impossibilitando o regresso da situação fática ao status quo ante. Passou-se, então, a ser utilizado o writ como instrumento apto a dar efeito suspensivo ao recurso, evitando-se a ocorrência de lesão ao direito do impetrante.

Ocorre que, com a edição da Lei nº 9.139/95, houve alteração dos arts. 524 e 558 do Código de Processo Civil passando-se a prever a interposição do agravo de instrumento diretamente perante o Tribunal (antes era interposto perante o próprio juízo, como ainda ocorre com o agravo retido), bem como se admitindo que o relator do agravo de instrumento suspenda o cumprimento da decisão recorrida até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara; aniquilando-se, quase que por completo, a problemática antes verificada em relação à falta de instrumento processual adequado a evitar lesão ao direito líquido e certo do recorrente. Houve extensão dessa previsão para os casos de recurso de apelação[5], de modo que os próprios recursos passaram a carregar a possibilidade de evitar lesão ao direito do recorrente, através da aplicação do efeito suspensivo (ou ativo, a depender do comando da decisão vergastada), o que se convencionou de denominar “antecipação dos efeitos da tutela recursal”, tal como era a função antes exercida pelo writ.

Daí porque o legislador consubstanciou na nova lei do mandado de segurança o raciocínio acima transcrito, passando a vedar o seu cabimento quando contra a decisão judicial couber recurso com efeito suspensivo, pois não mais necessária a utilização do mandamus para evitar lesão ao direito do recorrente. A contrario sensu, nos parece que ficou bastante clara a posição do legislador em continuar a permitir a utilização do writ em face de decisões judiciais contra as quais caiba recurso sem efeito suspensivo, v.g.: nos casos de recurso extraordinário e recurso especial (Art. 497 do Código de Processo Civil), pois, ao contrário da antiga redação do art. 5º, II da Lei nº 1.533/51, que tratava a proibição de forma genérica, no art. 5º, II da novel Lei 12.016/2009, houve a preocupação em excetuar tão somente àquelas hipóteses em que caiba recurso com efeito suspensivo. Aqui, embora se admita que o legislador não primou pela técnica de uma redação clara, pensamos que se trata de uma inovação trazida pela edição da Lei nº 12.016/2009, e que afeta diretamente no temperamento do Súmula nº 267 do STF.

Entretanto, há quem sustente que o novel dispositivo trará conseqüências irremediáveis ao sistema processual, sob a alegação de que a mudança irá banalizar o uso do remédio constitucional. É o que defende, por exemplo, Renato Brunetti Cruz[6].

Com a devida vênia, não nos parece ser essa a situação posta. Não estaria o legislador autorizando o uso indiscriminado do mandamus como sucedâneo de recurso previsto na legislação. Parece-nos muito mais razoável admitir que o legislador continuou a permitir o uso do mandado de segurança com vistas a dar efeito suspensivo aos recursos que não possuem essa característica, evitando-se, de acordo com a análise detida de cada caso, a ocorrência de lesão irremediável ou de difícil reparação ao direito líquido e certo do impetrante. Aliás, essa era a sistemática adotada e permitida antes da reforma do Código de Processo Civil, que passou a prever a hipótese de aplicação de efeito suspensivo aos recursos de agravo de instrumento e apelação.

Deste modo, ao contrário da prometida banalização do uso do mandamus, o que vislumbramos é um meio de proteger o jurisdicionado de lesão ao seu direito; e isso será feito em circunstâncias excepcionais, e mediante rigorosa verificação da existência dos elementos: direito líquido e certo; não existência de recurso apto a suspender os efeitos da decisão; e ainda os requisitos da ação cautelar, quais sejam, o “fumus boni iuris” e o periculum in mora.  Neste sentido, trazemos à baila julgado do Supremo Tribunal Federal:

MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JURISDICIONAL. EXCEPCIONALIDADE. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA DENEGADA. EVIDÊNCIAS DE RISCO DE LESÃO À ECONOMIA E À SAÚDE PÚBLICAS. PIS E COFINS. LEI Nº 9.718/98 E MP 1.991/00.

1. Hipótese excepcional em que se conhece de mandado de segurança impetrado contra ato jurisdicional da Presidência que, revogando despacho concessivo anterior, recusou a suspensão de segurança pleiteada.

2. Indícios claros de litigância de má fé, ante a semeadura de pedidos semelhantes em diversas Varas Federais e obtenção de resultado favorável em juízo aparentemente incompetente. Sentença que garantiu à empresa distribuidora de combustíveis salvo conduto contra a atuação das autoridades fazendárias, em todo o território nacional.

3. Ausência de plausibilidade jurídica da pretensão acolhida pela sentença. Suspensividade do recurso cabível recusada pela 2ª instância. Suspensão de segurança denegada pela Presidência do Tribunal Regional Federal.

4. Evidências de risco de lesão aos cofres da Seguridade Social, dadas as características de fragilidade patrimonial e societária da empresa beneficiada com a liberação (ao menos parcial) de recolhimento das contribuições.

5. Liminar deferida. (destaquei). (STF, Pleno, MS 24159/DF - Questão de Ordem, Publicação DJI 31.10.2003, PP: 00015).

Também neste sentido, comungamos com o pensamento de GARCIA MEDINA[7].

Por fim, cabe-nos discorrer acerca da impetração do writ, quando nos depararmos com o instituto da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, como sói ocorrer no processo trabalhista e no rito do Juizado Especial Cível regido pela Lei 9.099/95; destacando que, para os processos que tramitam perante o rito do Juizado Especial Federal, há previsão expressa de cabimento de recurso em face de decisões interlocutórias (Art. 5º da Lei nº 10.259/2001).

Entendemos que, em consonância com o Art. 5° da Lei n.° 12.016/2009, não há como permitir a subsistência de decisão judicial eivada de flagrante ilegalidade com potencial iminente de dano ao direito líquido e certo do jurisdicionado, por motivo de inexistência de qualquer outro meio de impugnação cabível.

Portanto, nesses casos, deverá ser relativizado o caráter absoluto das decisões interlocutórias irrecorríveis, permitindo-se à parte o manejo do writ para que não se prolifere no âmbito do Poder Judiciário decisões eivadas de abusos ou ilegalidades. Deste modo, já vem sendo admitida (embora com temperamentos) no âmbito do rito Juizados Especiais Cíveis, bem como na seara do Direito Processual do Trabalho, a interposição do mandamus com o fito de combater, ainda que de modo excepcional, essas espécies de decisões[8].


2. O RECENTE JULGADO DO STF NO RMS 30.550

E a inovação quanto ao cabimento do mandado de segurança em face de decisões judiciais não se limitou ao campo legislativo.

Em recente julgado com sessão do dia 24/06 deste ano o STF entendeu, em Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS 30.550), que é cabível a ação mandamental em face de ato judicial, quando houver flagrante ilegalidade, teratologia ou abuso de poder.

Tendo como relator o Min. Gilmar Mendes, o caso abordou como cerne da questão um julgado do STJ, tido como “manifestamente equivocado” quanto à análise da tempestividade de um Recurso Especial, que culminou na negativa ao jurisdicionado da via recursal naquele Tribunal Superior, sob o fundamento de que o Recurso Especial foi manejado antes da apreciação dos embargos infringentes opostos pela outra parte.

Ocorre que não seria nem o caso de cabimento de embargos infringentes, eis que o Acórdão atacado foi unânime e realizado sob diferentes fundamentos de fato e de direito; além do que, ainda que fosse o caso de cabimento dos infringentes pela parte adversa, eventual decisão desse recurso não afetaria o autor do mandado de segurança, razão pela qual não teria ele que esperar o resultado do julgamento dos embargos infringentes no Tribunal a quo para somente depois manejar o seu Recurso Especial, não tendo o que se cogitar, portanto, de intempestividade deste.

Sob a pecha de decisão teratológica, o STF cassou decisão do STJ, para afastar a intempestividade do Recurso Especial, determinando a apreciação por aquela corte do agravo de instrumento interposto com vistas a permitir a remessa do Recurso Especial ao STJ.

Trata-se, portanto, de uma inovação jurisprudencial quanto à matéria aqui abordada, que no nosso entender não atinge o verbete da Súmula 268, não se aplicando esse entendimento, portanto, às decisões judiciais com trânsito em julgado.


3. CONCLUSÃO

Com a edição da Lei 12.016/2009, houve a ratificação do conteúdo da Súmula nº 268 do STF, agora transformando em texto legal o antigo entendimento de que não cabe mandado de segurança contra decisão ou sentença transitado em julgado.

Não obstante, em relação ao verbete sumular nº 267 do STF, podemos afirmar que houve relativização em relação ao cabimento do writ em face de ato judicial, eis que o art. 5º, II, da Lei 12.016/2009 passou a permitir a utilização do writ em face de decisões judiciais contra as quais caiba recurso sem efeito suspensivo.

Por fim, outra inovação quanto a este tema, desta feita na seara jurisprudencial, se deu através do recente julgado do RMS 30.550, no qual o STF entendeu que é cabível a ação mandamental em face de ato judicial, quando houver flagrante ilegalidade, teratologia ou abuso de poder; cabendo a nossa ressalva de que esse entendimento não se aplica às decisões judiciais com trânsito em julgado, contra as quais a lei prevê os remédios processuais próprios.


4. REFERÊNCIAS

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A sentença mandamental – da Alemanha ao Brasil, in Temas de direito processual civil, 7ª série. São Paulo: Saraiva, 2001.

GARCIA MEDINA, José Miguel; Fábio Caldas de Araújo. Mandado de segurança individual e coletivo: comentários à Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: RT, 2009.

SCARPINELLA BUENO, Cássio. Eduardo Arruda Alvim e Teresa Arruda Alvim Wambier. Aspectos Polêmicos e Atuais do Mandado de Segurança. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2002.


NOTAS

[1] Súmula nº 267 - Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.

[2] Súmula nº 268 - Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado.

[3] Lei nº 12.016/2009. Art. 5o  Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: 

III - de decisão judicial transitada em julgado. 

[4] CPC. Art. 741, Parágrafo Único.

[5] Parágrafo único do Art. 558 do CPC, com a redação dada pela Lei nº 9.139/95.

[6] “Note-se o tamanho do problema que o legislador criou. Imagine-se uma apelação cujo provimento é negado. A parte sucumbente, que deveria interpor recurso especial ou extraordinário para rever a decisão do tribunal de origem, simplesmente impetraria um mandado de segurança contra a decisão do órgão fracionário do tribunal (turma ou câmara), alegando ser o mandado de segurança cabível porquanto o recurso especial e o extraordinário não têm efeito suspensivo e, portanto, possível o mandado contra a apelação, ou contra os embargos infringentes, por exemplo.” Os problemas da nova Lei do Mandado de Segurança. Obtida via internet. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13353>.

[7] "Segundo pensamos, no entanto, o mandado de segurança não deve ser desfigurado de sua missão constitucional, motivo pelo qual sua utilização não visa substituir recursos típicos previstos no sistema processual. Assim, sob este prisma, o mandado de segurança poderá ser manejado contra decisão judicial sempre que o sistema não oferecer mecanismo recursal eficaz para afastar os efeitos da decisão recorrível." GARCIA MEDINA, José Miguel. Fábio Caldas de Araújo. Mandado de Segurança Individual e Coletivo: Comentários à Lei. 12.016, de 7 de agosto de 2009. São Paulo; RT, 2009.

[8] TJDF, MS 20020110970645 DF. TST-ROMS-470/2004-909-09-00.7


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMIDES, Geandré. Mandado de segurança contra atos judiciais: uma revisitação sobre o cabimento após as disposições da Lei 12.016/2009 e do recente julgado do STF no RMS 30.550. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4125, 17 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31907. Acesso em: 18 abr. 2024.