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Agências reguladoras.

Constituição, transformações do Estado e legitimidade democrática

Agências reguladoras. Constituição, transformações do Estado e legitimidade democrática

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Sumário: Parte I. Constituição e ordem econômica. I. Breve notícia histórica. A decadência do Estado-empresário. II. A reforma do Estado no Brasil. III. Modalidades de intervenção do Estado no domínio econômico. IV. O novo perfil do Estado e o surgimento das agências reguladoras no Brasil. Parte II. V. A estrutura jurídica das agências reguladoras. VI. Função reguladora e as diferentes atividades das agências. a) Atividade executiva e os limites do controle exercido pelo Poder Executivo e pelo Tribunal de Contas; b) Função decisória e limites do controle exercido pelo Poder Judiciário; c) Função normativa: algumas controvérsias. Conclusão. Transformações do Estado, desregulação e legitimidade democrática.


Parte 1: Constituição e ordem econômica

I- Breve notícia histórica : A decadência do Estado- Empresário

O Estado atravessou, ao longo do século que vem de se encerrar, três fases diversas e razoavelmente bem definidas. A primeira delas, identificada como pré-modernidade [2] ou Estado liberal, exibe um Estado de funções reduzidas, confinadas à segurança, justiça e serviços essenciais. É o Estado da virada do século XIX para o XX. [3] Nele vivia-se a afirmação, ao lado dos direitos de participação política, dos direitos individuais, cujo objeto precípuo era o de traçar uma esfera de proteção das pessoas em face do Poder Público. Estes direitos, em sua expressão econômica mais nítida, traduziam-se na liberdade de contrato, na propriedade privada e na livre iniciativa.

Na segunda fase, referida como modernidade ou Estado social (welfare state), iniciada na segunda década do século que se encerrou, o Estado assume diretamente alguns papéis econômicos, tanto como condutor do desenvolvimento como outros de cunho distributivista, destinados a atenuar certas distorções do mercado e a amparar os contingentes que ficavam à margem do progresso econômico. Novos e importantes conceitos são introduzidos, como os de função social da propriedade e da empresa, assim como se consolidam os chamados direitos sociais, tendo por objeto o emprego, as condições de trabalho e certas garantias aos trabalhadores.

A quadra final do século XX corresponde à terceira e última fase, a pós-modernidade, que encontra o Estado sob crítica cerrada, densamente identificado com a idéia de ineficiência, desperdício de recursos, morosidade, burocracia e corrupção. Mesmo junto a setores que o vislumbravam outrora como protagonista do processo econômico, político e social, o Estado perdeu o charme redentor, passando-se a encarar com ceticismo o seu potencial como instrumento do progresso e da transformação. O discurso deste novo tempo é o da desregulamentação, da privatização e das organizações não-governamentais. No plano da cidadania, desenvolvem-se os direitos ditos difusos, caracterizados pela pluralidade indeterminada de seus titulares e pela indivisibilidade de seu objeto. Neles se inclui a proteção ao meio ambiente, ao consumidor e aos bens e valores históricos, artísticos e paisagísticos.

Não se deve encobrir, artificialmente, a circunstância de que o Brasil chega à pós-modernidade sem ter conseguido ser nem liberal nem moderno. De fato, no período liberal, jamais nos livramos da onipresença do Estado. A sociedade brasileira, historicamente, sempre gravitou em torno do oficialismo. As bênçãos do poder estatal sempre foram – ressalvadas as exceções que confirmam a regra – a razão do êxito ou do fracasso de qualquer projeto político, social ou empresarial que se pretendesse implantar. Este é um traço marcante do caráter nacional, com raízes na colônia, e que atravessou o Império, exacerbou-se na República Velha e ainda foi além. [4]

A modernidade teria começado com a Revolução de 30, institucionalizando-se com a Constituição de 1934 – que abriu um título para a ordem econômica e social – e se pervertido no golpe do Estado Novo, de 1937. Reviveu, fugazmente, no período entre 1946-1964, mas sofreu o desfecho melancólico do golpe militar de 1964. Findo o ciclo ditatorial, que teve ainda como apêndice o período entre 1985-1990, chegou-se à pós-modernidade, que enfrentou, logo na origem, a crise existencial de ter nascido associada ao primeiro governo constitucionalmente deposto da história do país.

Passa-se ao largo, por imperativo das circunstâncias, da discussão sobre as razões que levaram à ampliação da atuação empresarial do Estado brasileiro, notadamente como alternativa importante à concessão de setores estratégicos à exploração da iniciativa privada estrangeira [5]. Cabe o registro, contudo, de que o inchamento do Estado brasileiro é um processo contínuo de muitas décadas. A atuação econômica estatal, no Brasil, começa na década de 40, sob a inspiração da substituição das importações. Com uma iniciativa privada frágil, a economia era impulsionada substancialmente por iniciativa oficial. Essa década assistiu à criação das primeiras grandes empresas estatais, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Fábrica Nacional de Motores, a Companhia Vale do Rio Doce e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco.

A década de 50 viveu a discussão ideológica acerca do papel do Estado. Era a época da guerra fria, da bipolarização das doutrinas econômicas. Nesse período convulsionado surgiram apenas duas empresas estatais merecedoras de destaque: o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico – BNDE (depois BNDES) e a Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás, que foi criada simbolicamente, após uma ampla mobilização popular. Curiosa e paradoxalmente, o avanço e o agigantamento do Estado Econômico brasileiro se deu a partir da década de 60, sobretudo após o movimento militar de 1964, e ao longo de toda a década de 70, quando foram criadas mais de 300 empresas estatais: Eletrobrás, Nuclebrás, Siderbrás etc. Foi a era das empresas "brás". Em setembro de 1981, recenseamento oficial arrolava a existência, apenas no plano federal, de 530 pessoas jurídicas públicas, de teor econômico, inclusive autarquias, fundações e entidades paraestatais. [6]

Após a Constituição de 1988 e, sobretudo, ao longo da década de 90, o tamanho e o papel do Estado passaram para o centro do debate institucional. E a verdade é que o intervencionismo estatal não resistiu à onda mundial de esvaziamento do modelo no qual o Poder Público e as entidades por ele controladas atuavam como protagonistas do processo econômico [7]. Sem embargo de outras cogitações mais complexas e polêmicas, é fora de dúvida que a sociedade brasileira exibia insatisfação com o Estado no qual se inseria e não desejava vê-lo em um papel onipotente, arbitrário e ativo – desastradamente ativo – no campo econômico.

O modelo dos últimos vinte e cinco anos se exaurira. O Estado brasileiro chegou ao fim do século XX grande, ineficiente, com bolsões endêmicos de corrupção e sem conseguir vencer a luta contra a pobreza. Um Estado da direita, do atraso social, da concentração de renda. Um Estado que tomava dinheiro emprestado no exterior para emprestar internamente, a juros baixos, para a burguesia industrial e financeira brasileira. Esse Estado, portanto, que a classe dominante brasileira agora abandona e do qual quer se livrar, foi aquele que a serviu durante toda a sua existência. Parece, então, equivocada a suposição de que a defesa desse Estado perverso, injusto e que não conseguiu elevar o patamar social no Brasil seja uma opção avançada, progressista, e que o alinhamento com o discurso por sua desconstrução seja a postura reacionária.

A privatização de serviços e atividades empresariais, por paradoxal que possa parecer, foi, em muitos domínios, a alternativa possível de publicização de um Estado apropriado privadamente, embora, é verdade, o modelo escolhido não tenha sido o da democratização do capital. Ao fim desse exercício de desconstrução, será preciso então repensar qual o projeto de país que se pretende concretizar sobre as ruínas de um Estado que, infelizmente, não cumpriu adequadamente o seu papel.

II- A reforma do Estado no Brasil

As recentes reformas econômicas brasileiras envolveram três transformações estruturais que se complementam, mas não se confundem. Duas delas tiveram de ser precedidas de emendas à Constituição, ao passo que a terceira se fez mediante a edição de legislação infraconstitucional e a prática de atos administrativos. Confira-se, a seguir, cada uma delas.

A primeira transformação substantiva da ordem econômica brasileira foi a extinção de determinadas restrições ao capital estrangeiro. A Emenda Constitucional n° 6, de 15.08.95, suprimiu o art. 171 da Constituição, que trazia a conceituação de empresa brasileira de capital nacional e admitia a outorga a elas de proteção, benefícios especiais e preferências. A mesma emenda modificou a redação do art. 176, caput, para permitir que a pesquisa e lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia elétrica sejam concedidos ou autorizados a empresas constituídas sob as leis brasileiras, dispensada a exigência do controle do capital nacional. Na mesma linha, a Emenda Constitucional n° 7, de 15.08.95, modificou o art. 178, não mais exigindo que a navegação de cabotagem e interior seja privativa de embarcações nacionais e a nacionalidade brasileira dos armadores, proprietários e comandantes e, pelo menos, de dois terços dos tripulantes. Mais recentemente ainda, foi promulgada a Emenda Constitucional n° 36, de 28.05.02, que permitiu a participação de estrangeiros em até trinta por cento do capital das empresas jornalísticas e de radiodifusão.

A segunda linha de reformas que modificaram a feição da ordem econômica brasileira foi a chamada flexibilização dos monopólios estatais. A Emenda Constitucional n° 5, de 15.08.95, alterou a redação do § 2° do art. 25, abrindo a possibilidade de os Estados-membros concederem às empresas privadas a exploração dos serviços públicos locais de distribuição de gás canalizado, que, anteriormente, só podiam ser delegados a empresa sob controle acionário estatal. O mesmo se passou com relação aos serviços de telecomunicações e de radiodifusão sonora e de sons e imagens. É que a Emenda Constitucional n° 8, de 15.08.95, modificou o texto dos incisos XI e XII, que só admitiam a concessão a empresa estatal. E, na área do petróleo, a Emenda Constitucional n° 9, de 09.11.95, rompeu, igualmente, com o monopólio estatal, facultando à União Federal a contratação com empresas privadas de atividades relativas à pesquisa e lavra de jazidas de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro, a importação, exportação e transporte dos produtos e derivados básicos de petróleo (outrora vedados pela CF, art. 177 e § 1° , e pela Lei n° 2.004/51).

A terceira transformação econômica de relevo – a denominada privatização – operou-se sem alteração do texto constitucional, com a edição da Lei 8.031, de 12.04.90, que instituiu o Programa Nacional de Privatização, depois substituída pela Lei 9.491, de 9.09.97. Entre os objetivos fundamentais do programa incluíram-se, nos termos do art. 1° , incisos I e IV: (i) reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; (ii) contribuir para a modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia.

O programa de desestatização [8] tem sido levado a efeito por mecanismos como (a) a alienação, em leilão nas bolsas de valores, do controle de entidades estatais, tanto as que exploram atividades econômicas como as que prestam serviços públicos e (b) a concessão de serviços públicos a empresas privadas. No plano federal inicialmente foram privatizadas empresas dos setores petroquímico, siderúrgico, metalúrgico e de fertilizantes, seguindo-se a privatização da infra-estrutura, envolvendo a venda da empresa com a concomitante outorga do serviço público, como tem se passado com as empresas de energia e telecomunicações e com rodovias e ferrovias.

Acrescente-se, em desfecho do levantamento aqui empreendido, que, além das Emendas Constitucionais nos 5, 6, 7, 8 e 9, assim como da Lei 8.031/90, os últimos anos foram marcados por uma fecunda produção legislativa em temas econômicos, que inclui diferentes setores, como: energia (Lei 9.247, de 26.12.96), telecomunicações (Lei 9.472, de 16.07.97) e petróleo (Lei 9.478, de 6.08.97), com a criação das respectivas agências reguladoras; modernização dos portos (Lei 8.630, de 25.02.93) e defesa da concorrência (Lei 8.884, de 11.06.94); concessões e permissões (Leis 8.987, de 13.02.95 e 9.074, de 7.07.95), para citar alguns exemplos.

A redução expressiva das estruturas públicas de intervenção direta na ordem econômica não produziu um modelo que possa ser identificado com o de Estado mínimo. Pelo contrário, apenas deslocou-se a atuação estatal do campo empresarial para o domínio da disciplina jurídica, com a ampliação de seu papel na regulação e fiscalização dos serviços públicos e atividades econômicas. O Estado, portanto, não deixou de ser um agente econômico decisivo. Para demonstrar a tese, basta examinar a profusão de textos normativos editados nos últimos anos.

De fato, a mesma década de 90, na qual foram conduzidas a flexibilização de monopólios públicos e a abertura de setores ao capital estrangeiro, foi cenário da criação de normas de proteção ao consumidor em geral e de consumidores específicos, como os titulares de planos de saúde, os alunos de escolas particulares e os clientes de instituições financeiras [9]. Foi também nesse período que se introduziu no país uma política específica de proteção ao meio ambiente [10], limitativa da ação dos agentes econômicos, e se estruturou um sistema de defesa e manutenção das condições de livre concorrência [11] que, embora longe do ideal, constituiu um considerável avanço em relação ao modelo anterior. Nesse ambiente é que despontaram as agências reguladoras como instrumento da atuação estatal.

III- Modalidades de intervenção do Estado no domínio econômico

Tendo em conta o sistema constitucional, já integrado pelas reformas descritas inicialmente, é possível sistematizar, por diferentes critérios, as formas de intervenção do Estado no domínio econômico. Há autores que se referem à intervenção (a) regulatória, (b) concorrencial, (c) monopolista e (d) sancionatória [12]. Outros classificam-nas em (a) poder de polícia, (b) incentivos à iniciativa privada e (c) atuação empresarial [13]. A primeira classificação será retomada mais adiante. Por ora, cabe explorar com brevidade a segunda, da qual decorrem três conjuntos de mecanismos de intervenção estatal no domínio econômico: pela disciplina, pelo fomento e pela atuação direta.

Como já se registrou, o Poder Público interfere na atividade econômica, em primeiro lugar, traçando-lhe a disciplina, e o faz mediante a edição de leis, de regulamentos e pelo exercício do poder de polícia. De fato, o Estado exerce competências normativas primárias e edita normas decisivas para o desempenho da atividade econômica, algumas com matriz constitucional, como, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor (art. 5° , XXXII), a lei de remessa de lucros (art. 172), a lei de repressão ao abuso do poder econômico (art. 173, § 4° ), entre outras. Exerce, ademais, competências normativas de cunho administrativo, editando decretos regulamentares, resoluções, deliberações, portarias, algumas em domínios relevantíssimos como a política de crédito e a de câmbio. Por fim, desempenha, também, o poder de polícia, restringindo direitos e condicionando o exercício de atividades em favor do interesse coletivo (e.g., polícia ambiental, sanitária, fiscalização trabalhista).

De outra parte, o Estado interfere no domínio econômico por via do fomento, isto é, apoiando a iniciativa privada e estimulando determinados comportamentos. Assim, por exemplo, através de incentivos fiscais, o Poder Público promove a instalação de indústrias ou outros ramos de atividade em determinada região. Do mesmo modo, a elevação ou redução da alíquota de impostos – notadamente os que têm regime excepcional no tocante aos princípios da legalidade e anterioridade (CF, arts. 150, § 1º e 153, § 1º), como IPI, imposto sobre a importação, IOF – é decisiva na expansão ou retração de determinado segmento da economia. Igualmente relevante, no fomento da atividade econômica, é a oferta de financiamento público a determinadas empresas ou setores do mercado, mediante, por exemplo, linha de crédito junto ao BNDES.

Por fim, o Estado interfere, ainda, na ordem econômica [14], mediante atuação direta. Aqui, todavia, é necessário distinguir duas hipóteses: (a) a prestação de serviços públicos; e (b) a exploração de atividades econômicas. Não há necessidade, nesta instância, de percorrer, com maior grau de detalhamento, aspectos orgânicos e funcionais da Administração Pública. Basta o registro de que os serviços públicos podem ser prestados diretamente, pelos órgãos despersonalizados integrantes da Administração, ou indiretamente, por entidades com personalidade jurídica própria.

Na prestação indireta abrem-se duas possibilidades: pode o Estado constituir pessoas jurídicas públicas (autarquias e fundações públicas – as chamadas "fundações autárquicas") ou privadas (sociedades de economia mista e empresas públicas) e, mediante lei (CF, art. 37, XIX), outorgar a tais entes a prestação do serviço público, seja de educação, água, eletricidade ou qualquer outro. Ou pode, por outro lado, delegar à iniciativa privada, mediante contrato ou outro ato negocial, a prestação do serviço. Serve-se aí o Estado de figuras jurídicas como a concessão e a permissão. Mais recentemente, têm sido concebidas diferentes formas de delegação, identificadas genericamente como terceirização, que incluem espécies negociais como a franquia e o contrato de gestão, entre outros [15]. O caput do art. 175 provê sobre o tema:

"Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos".

A exploração da atividade econômica, por sua vez, não se confunde com a prestação de serviços públicos, quer por seu caráter de subsidiariedade, quer pela existência de regras próprias e diferenciadas. De fato, sendo o princípio maior o da livre iniciativa, somente em hipóteses restritas e constitucionalmente previstas poderá o Estado atuar diretamente, como empresário, no domínio econômico. Tais exceções se resumem aos casos de:

a) imperativo da segurança nacional (CF, art. 173, caput);

b) relevante interesse coletivo (CF, art. 173, caput);

c) monopólio outorgado à União (v. g., CF, art. 177).

Como se viu em tópico anterior, a reserva de atividades econômicas à exploração direta e monopolizada da União foi substancialmente alterada e flexibilizada. E, quando não se trate de monopólio, o Estado deverá atuar diretamente no domínio econômico sob o mesmo regime jurídico das empresas privadas, como deflui do § 1° do art. 173 da Carta Federal [16].

IV- O novo perfil do Estado e o surgimento das agências reguladoras

A constatação de que o Estado não tem recursos suficientes para todos os investimentos necessários e que, além disso, é geralmente um mau administrador, conduziu ao processo de transferência para o setor privado da execução de ampla gama de serviços públicos. Mas o fato de determinados serviços públicos serem prestados por empresas privadas concessionárias não modifica a sua natureza pública [17]: o Estado conserva responsabilidades e deveres em relação à sua prestação adequada. Daí a privatização haver trazido drástica transformação no papel do Estado: em lugar de protagonista na execução dos serviços, suas funções passam a ser as de planejamento, regulação e fiscalização. É nesse contexto histórico que surgem, como personagens fundamentais, as agências reguladoras.

É bem de ver que a relação direta que se tem feito entre as agências reguladoras e serviços públicos executados por particulares é apenas histórica, já que nada impede a existência de agências para regulação de atividades puramente privadas, como instrumento de realização da disciplina jurídica do setor. Quanto aos serviços públicos, as funções transferidas para as agências reguladoras não são novas: o Estado sempre teve o encargo de zelar por sua boa prestação. Ocorre, todavia, que, quando os serviços públicos eram prestados diretamente pelo próprio Estado ou indiretamente por pessoas jurídicas por ele controladas (como as sociedades de economia mista e as empresas públicas), estas funções não tinham visibilidade e, a rigor, não eram eficientemente desempenhadas [18]. Agora, todavia, a separação mais nítida entre o setor público e o setor privado revigora esse papel fiscalizador [19].

Quanto às atividades econômicas propriamente ditas, o art. 174 da Constituição de 1988 já previra a função reguladora a ser desempenhada pelo Estado. Não obstante, muito antes, entre as décadas de 30 e de 70, surgiram alguns órgãos estatais com funções reguladoras, como por exemplo, o Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Estes órgãos resistiram ao longo do tempo, mas viram frustrada sua efetiva atuação reguladora porque, à exceção do CADE, nasceram subordinados, decisória e financeiramente, ao Poder Executivo, fosse à Presidência da República, ou mesmo a algum Ministério [20].

Recentemente, por força de modificações introduzidas por Emendas à Constituição de 1988, passou-se a ter previsão expressa, em sede constitucional, de órgãos reguladores para os setores de telecomunicações (nova redação dada ao art. 21, XI [21], da Constituição Federal, pela EC 8/95) e de petróleo (o inciso III [22] do § 2º do art. 177 da Constituição ganhou nova redação com a EC 9/95). Tais reformas possibilitaram não só a introdução de órgãos reguladores, aos quais a legislação infraconstitucional sabiamente dotou de autonomia, mas também a expansão da atividade regulatória para outras áreas.

Até o início de 2002, haviam sido criadas no país as seguintes agências: a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, prevista na Lei 9.472, de 16.07.97; a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, instituída pela Lei 9.427, de 26.12.96; a Agência Nacional do Petróleo – ANP, que foi instituída pela Lei 9.478, de 6.08.97; a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Lei 9.782, de 26.01.99); a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS (Lei 9.961, de 28.01.2000), a Agência Nacional de Águas – ANA (Lei 9.984, de 17.07.2000), e as recentes Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, ambas criadas pela Lei nº 10.233, de 5.06.2001 [23]. A Comissão de Valores Mobiliários, que para muitos já era uma agência reguladora, recebeu da Lei nº 10.411 de 26.02.2002 maior grau de autonomia, incluindo mandatos estáveis para seus dirigentes.

No âmbito dos Estados-membros, também foram criadas agências reguladoras. Em alguns deles, como o Rio de Janeiro, foi feita a opção pela criação de um único órgão regulador, abrangendo uma pluralidade de áreas de atuação [24]. Assim surgiu a Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro (ASEP-RJ) criada pela Lei estadual 2.686, de 13.12.97. Também no Estado do Ceará instituiu-se, pela Lei estadual 12.786, de 30.12.97, um órgão único, a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (ARCE), uma autarquia especial vinculada à Procuradoria-Geral do respectivo Estado. Da mesma forma, no Estado do Rio Grande do Sul, foi criada pela Lei estadual 10.931, de 9.01.97, a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (AGERGS). Espírito Santo [25], Mato Grosso [26], Minas Gerais [27], Pará [28], Rio Grande do Norte [29], Santa Catarina [30] e Sergipe [31] igualmente criaram uma única agência para regulação dos serviços públicos estaduais em geral.

Já em outros Estados, como São Paulo e Bahia, fez-se a opção por agências especializadas, no âmbito de cada um dos setores dos serviços concedidos, a exemplo do modelo federal. O processo de especialização em São Paulo teve início com a Lei Complementar estadual nº 833, de 17.10.97, que criou a Comissão de Serviços Públicos de Energia (CSPE), autarquia vinculada à Secretaria de Estado de Energia, com a finalidade de regular, controlar e fiscalizar a qualidade do fornecimento de tais serviços públicos, os preços, tarifas e demais condições de atendimento aos usuários, coibindo abusos e discriminações [32]. Na Bahia, a Lei estadual nº 7.314, de 19.05.98, criou a Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transporte e Comunicações da Bahia (AGERBA).


Parte II: As agências reguladoras

V. A estrutura jurídica das agências reguladoras

As agências reguladoras foram introduzidas no Brasil sob a forma de autarquias e, conseqüentemente, com personalidade jurídica de direito público. Estão sujeitas, assim, ao mandamento do art. 37, XIX da Constituição [33] e sua criação somente poderá se dar mediante lei específica [34]. O mesmo quanto à sua extinção, pois ato administrativo não poderia destruir o que se construiu por norma de hierarquia superior [35]. As agências, todavia, são autarquias especiais [36], dotadas de prerrogativas próprias e caracterizadas por sua autonomia em relação ao Poder Público.

A instituição de um regime jurídico especial visa a preservar as agências reguladoras de ingerências indevidas, inclusive e sobretudo, como assinalado, por parte do Estado e de seus agentes. Procurou-se demarcar, por esta razão, um espaço de legítima discricionariedade, com predomínio de juízos técnicos sobre as valorações políticas. Constatada a necessidade de se resguardarem essas autarquias especiais de injunções externas inadequadas, foram-lhes outorgadas autonomia político-administrativa e autonomia econômico-financeira.

No tocante à autonomia político-administrativa, a legislação instituidora de cada agência prevê um conjunto de procedimentos, garantias e cautelas, dentre as quais normalmente se incluem: (i) nomeação dos diretores com lastro político (em âmbito federal [37] a nomeação é feita pelo Presidente da República, com aprovação do Senado [38]); (ii) mandato fixo de três [39] ou quatro [40] anos; e (iii) impossibilidade de demissão dos diretores, salvo falta grave apurada mediante devido processo legal [41].

A imposição legal de requisito para a exoneração de dirigente de agência reguladora pelo Chefe do Poder Executivo estadual foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal. Apreciando medida liminar requerida no âmbito de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul, o STF suspendeu dispositivo de lei estadual que condicionava a destituição de Conselheiro da AGERGS à decisão da Assembléia Legislativa, fundado em aparente afronta à separação de poderes. Mas deixou claro que tal decisão se dava sem prejuízo das restrições à demissibilidade dos Conselheiros, pelo Governador do Estado, sem justo motivo [42].

Ainda no que se refere à autonomia político-administrativa, as leis instituidoras das agências também previram, como regra, que os dirigentes estarão impedidos de prestar, direta ou indiretamente, qualquer tipo de serviço às empresas sob sua regulamentação ou fiscalização, inclusive controladas, coligadas ou subsidiárias [43], ao longo de determinado período (normalmente doze meses) subseqüente ao término de seus mandatos. É o que se convencionou chamar de "quarentena". Durante tal período é assegurada ao ex-dirigente a remuneração equivalente à do cargo de direção que exercera, admitindo-se que continue a prestar serviço à Agência ou a qualquer outro órgão da Administração Pública, em área atinente à sua qualificação profissional, desde que isso, naturalmente, não frustre a finalidade de impedir que se beneficie de relações e informações para favorecer sua atuação privada ou a de outrem [44]- (45).

Com isto, procurou-se criar um estatuto jurídico próprio para os dirigentes destas autarquias especiais, diverso do aplicável aos demais agentes administrativos. Em âmbito federal, o tema foi objeto de sistematização levada a efeito pela Lei nº 9.986, de 18.07.2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das agências reguladoras. No art. 1º, o novo diploma estabelece que as agências terão suas relações de trabalho regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e legislação trabalhista correlata, em regime de emprego público. Como se vê, a lei se beneficia da extinção da obrigatoriedade do regime jurídico único, operada pela EC nº 19/98, na nova redação dada ao art. 39 da Constituição.

No geral, a lei endossa as linhas de entendimento que se haviam cristalizado na doutrina, prevendo: (i) nomeação de conselheiro ou diretor, pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, atendidos os requisitos da nacionalidade brasileira, reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos (art. 5º); (ii) quarentena, com o impedimento ao ex-dirigente, terminado o mandato, de prestar qualquer tipo de serviço no setor público ou nas empresas integrantes do setor regulado pela agência (art. 8º); (iii) estabilidade: os conselheiros e diretores somente perderão o mandato em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar (art. 9º) [46].

No que toca à autonomia econômico-financeira, por sua vez, procura-se conferir às agências reguladoras, além das dotações orçamentárias gerais [47], a arrecadação de receitas provenientes de outras fontes, tais como taxas de fiscalização e regulação, ou ainda participações em contratos e convênios, como ocorre, por exemplo, nos setores de petróleo e energia elétrica [48].

As leis instituidoras de cada uma das agências, seja no âmbito federal [49] ou estadual [50], cuidaram de estabelecer taxas de fiscalização ou regulação do serviço público objeto de delegação como uma das importantes fontes de receita dessas autarquias. A doutrina debate acerca da natureza desse recolhimento, alguns defendendo que se cuida de taxa propriamente dita e outros que se trata de preço contratual, cobrado pelo Poder Concedente dos delegatários. Salvo nas hipóteses em que o Estado é o titular do bem ou do serviço que passa a ser utilizado ou prestado pelo particular, cobranças destinadas a custear o serviço de fiscalização dificilmente poderão deixar de ter natureza tributária.

VI- Função reguladora e as diferentes atividades das agências

Embora a etimologia sugira a associação da função reguladora com o desempenho de competências normativas, seu conteúdo é mais amplo e variado. Ainda quando se aproxime, eventualmente, da idéia de poder de polícia administrativa – poder de direcionar as atividades privadas de acordo com interesses públicos juridicamente definidos [51] –, a regulação contempla uma gama mais ampla de atribuições, relacionadas ao desempenho de atividades econômicas e à prestação de serviços públicos, incluindo sua disciplina, fiscalização, composição de conflitos e aplicação eventual de sanções. Às agências reguladoras, no Brasil, tem sido cometido um conjunto diversificado de tarefas, dentre as quais se incluem, a despeito das peculiaridades de cada uma delas, em função da diversidade de textos legais, as seguintes [52]:

a) controle de tarifas, de modo a assegurar o equilíbrio econômico e financeiro do contrato;

b) universalização do serviço, estendendo-os a parcelas da população que deles não se beneficiavam por força da escassez de recursos;

c) fomento da competitividade, nas áreas nas quais não haja monopólio natural;

d) fiscalização do cumprimento do contrato de concessão;

e) arbitramento dos conflitos entre as diversas partes envolvidas: consumidores do serviço, poder concedente, concessionários, a comunidade como um todo, os investidores potenciais etc.

Segundo a elaboração desenvolvida por Diogo de Figueiredo, a função reguladora é na verdade um híbrido de atribuições de natureza variada, inclusive fiscalizadoras e negociadoras, mas também normativas, gerenciais, arbitradoras e sancionadoras. Ela se vale de um complexo de funções clássicas – administrativas, normativas e judicantes –, variando apenas o método decisório. No domínio da função reguladora devem predominar as escolhas técnicas, preservadas das disputas partidárias e das complexidades dos debates congressuais, mais apropriados às escolhas político-administrativas [53]. Em uma tentativa de sistematização, inspirada pela clássica divisão de funções no âmbito do Estado, é possível classificar as atividades das agências reguladoras em executivas, decisórias e normativas.

a) Atividade executiva e os limites do controle exercido pelo Poder Executivo e pelo Tribunal de Contas

A atividade executiva, de parte a própria auto-administração da agência, envolve a implementação das políticas públicas e diretrizes ditadas pelo legislador, bem como a concretização e individualização das normas relativamente ao setor público ou privado regulado. É nesse espaço de atuação que estão compreendidos os atos de fiscalização, bem como os de natureza sancionatória, em caso de descumprimento do regramento aplicável. Embora seja o domínio próprio de uma entidade integrante da Administração Pública, o desempenho da atividade executiva pelas agências envolve complexidades jurídicas que vêm sendo enfrentadas pela doutrina.

A primeira delas diz respeito aos conflitos de atribuições entre as diferentes agências e entre elas e órgãos ou entidades da Administração Pública já existentes. Apenas alguns exemplos. A Lei nº 9.472/97, art. 19, XIX, e.g., conferiu à ANATEL competência para exercer o controle, a prevenção e a repressão de infrações à ordem econômica, nada obstante as atribuições da Secretaria de Defesa Econômica do Ministério da Justiça e do Conselho Nacional de Defesa Econômica – CADE. Por sua vez, a Lei nº 9.961/00, art. 4º, XXII, outorgou à ANS competência para autorizar modificações na estrutura societária das empresas do setor (v.g., art. 4º, XXII, da Lei da ANS), a despeito da existência de entidade que já detém atribuição análoga.

Uma outra questão que se põe no exercício da função executiva das agências é a sua relação com as diretrizes políticas expedidas pela Chefia do Poder Executivo ou por agentes que dele recebem delegação. Por força de lei, as agências deverão implementar políticas traçadas pelos órgãos da Administração direta. A Lei da ANP (Lei nº 9.478/97) prevê que o Conselho Nacional de Política Energética (art. 7º, I) deverá fixar tais diretrizes; a Lei da ANEEL (Lei nº 9.427/96) atribui ao próprio Ministério das Minas e Energia essa competência (art. 2º); a Lei da ANATEL (Lei nº 9.472/97) determina que a agência envie ao Ministério das Telecomunicações relatórios periódicos, além de submetê-la a auditorias operacionais levadas a cabo pelo Ministério referido (art. 19, incisos XXIX, XXX).

Por outro lado, as mesmas leis registram que as agências não mantêm vínculo hierárquico ou decisório com a Administração direta ou com qualquer órgão governamental (art. 8º, § 2º da Lei da ANATEL, art. 1º, parágrafo único, da Lei da ANS), sequer havendo previsão de recurso hierárquico impróprio, contra suas decisões, dirigido à Administração direta [54]. Ao contrário, o que se extrai das diversas normas que cuidaram do assunto é que as agências reguladoras funcionam como última instância administrativa para julgamento dos recursos contra seus atos (art. 19, XXV, da Lei nº 9.472/97; art. 15, VII, § 2º da Lei nº 9.782/99; art. 3º, V, Lei nº 9.427/96).

Assim, não será possível o controle administrativo pela via do recurso hierárquico impróprio, sendo em princípio inadmissível que as decisões tomadas pelas agências possam ser revistas ou modificadas por algum agente político (Ministro ou Secretário de Estado) [55]. O controle do Executivo sobre as agências reguladoras limita-se, como regra, à escolha de seus dirigentes, sob pena de se ofender a autonomia que lhes é assegurada pelas leis instituidoras [56]. A subordinação seria incompatível com a implementação eficiente da regulação de atividades que mobilizam interesses múltiplos do Estado, como empresário, arrecadador de tributos ou agente social. Mas a questão não é tão simples.

É que se couber às agências a determinação integral das políticas públicas do setor regulado, pouco restará ao Chefe do Executivo em termos de competência decisória, valendo lembrar que é ele quem detém a legitimidade democrática, recebida nas eleições, para exercer a função administrativa. É possível mesmo vislumbrar um cenário no qual a multiplicação das agências, cada qual dotada de completa independência em relação ao Executivo, acabaria por esvaziar o espaço decisório que lhe cabe constitucionalmente. Como se vê, os parâmetros dessa relação ainda deverão ser fixados.

A terceira questão que envolve o exercício da função executiva pelas agências diz respeito ao controle de suas contas e gastos. A Constituição de 1988 esteve atenta ao assunto e, embora não tenha sido totalmente feliz no seu intuito de reequacionar o tratamento da matéria, o fato é que o controle externo das contas e gastos públicos foi minudentemente regulado no Texto Constitucional, competindo ao Poder Legislativo efetuá-lo, com auxílio do Tribunal de Contas (arts. 70 e 71, CF). É bem de ver que a nova Carta alargou consideravelmente essa atividade fiscalizatória externa, seja por permitir exame por outros ângulos que não o da estrita legalidade, seja pela ampliação do controle a todos aqueles que venham a deter recursos públicos. O parágrafo único do art. 70, na redação que lhe deu a Emenda Constitucional nº 19, de 4.06.98, assim dispõe:

"Art. 70. (...)

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária."

O reverso dessa nova e abrangente configuração está em que a fiscalização externa, para a qual desempenha papel relevante o Tribunal de Contas, não se pode afastar das pautas constitucionais, conforme vem decidindo reiteradamente o Poder Judiciário, inclusive em pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal [57]. Cabe ainda acentuar que o modelo de fiscalização delineado na Constituição Federal é aplicável aos Estados e Municípios. Disto resulta que as atribuições cometidas ao Tribunal de Contas da União e, conseqüentemente, os balizamentos à sua atuação, condicionam igualmente o controle a ser desempenhado pelos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios (CF, art. 75).

Avançando no tema, converge a doutrina em que são basicamente três os campos em que se desenvolve a atuação dos Tribunais de Contas: a) auditoria financeira e orçamentária; b) julgamento das contas dos administradores e responsáveis por bens e valores públicos; e c) emissão de parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Executivo [58]. Portanto, em consonância com os ditames constitucionais, é próprio da fiscalização externa examinar as contas das entidades da administração direta e indireta, aos ângulos da legalidade, legitimidade e economicidade. É essencial, todavia, para que se abra a possibilidade de fiscalização, tratar-se efetivamente de uso de dinheiro público, quando então até as pessoas privadas estarão sujeitas à prestação de contas. Neste ponto, não há maior divergência, assim na jurisprudência [59] como na doutrina [60].

Assim sendo, escapa às atribuições dos Tribunais de Contas o exame das atividades dessas autarquias especiais quando elas não envolvam dispêndio de recursos públicos. Isto se dá, por exemplo, quando o Tribunal de Contas objetiva obter informações a respeito de deveres dos concessionários, atividades que, a par de não envolverem dispêndio de dinheiro público, constituem a razão da criação da própria agência reguladora [61]. Não lhe caberá avançar a atividade fiscalizadora sobre a atividade-fim da agência reguladora, sob pena de violação do princípio da separação de Poderes.

Este, portanto, o limite da atribuição do Tribunal de Contas [62]. Nada, rigorosamente nada, no texto constitucional o autoriza a investigar o mérito das decisões administrativas de uma autarquia, menos ainda de uma autarquia com as características especiais de uma agência reguladora. Não pode o Tribunal de Contas procurar substituir-se ao administrador competente no espaço que a ele é reservado pela Constituição e pelas leis. O abuso seria patente. Aliás, nem mesmo o Poder Legislativo, órgão que é coadjuvado pelo Tribunal de Contas no desempenho do controle externo, poderia praticar atos dessa natureza [63].

b) Função decisória e limites do controle exercido pelo Poder Judiciário

Ao lado do exercício de funções puramente administrativas, as agências reguladoras também exercem competências decisórias, resolvendo conflitos em âmbito administrativo entre os agentes econômicos que atuam no setor e entre eles e os consumidores. A Lei da ANATEL, e.g., prevê que ela comporá administrativamente os conflitos de interesse entre as prestadoras dos serviços de telecomunicações (art. 19, XVII); a Lei da ANEEL atribui a essa agência o poder de dirimir divergências entre os delegatários, bem como entre eles e seus consumidores (art. 3º, V); a Lei da ANP contém previsões nessa mesma linha (art. 18).

O exercício dessa função decisória merece atenção especial. Como referido, as agências reguladoras costumam ser autorizadas por lei a dirimir tanto controvérsias nas quais o poder concedente é parte – hipótese em que se instaura um contencioso administrativo normal, com a possibilidade de recurso ao Judiciário em seguida –, quanto as que se instaurem entre dois ou mais particulares, sejam concessionários ou empresas do setor, seja entre essas empresas e seus usuários, exercendo a função decisória tal como um árbitro [64].

Pois bem: qual o espaço de revisão judicial dessas decisões? Ou, de forma mais ampla, qual o espaço de controle jurisdicional das agências em geral? Como se sabe, o sistema brasileiro é o da jurisdição una, vale dizer, vige o princípio da inafastabilidade do acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, CF). A princípio, portanto, não é possível impedir que as decisões das agências reguladoras sejam submetidas à apreciação judicial. De outra parte, o controle judicial do ato administrativo, consoante doutrina tradicional, seria limitado aos aspectos de legalidade, não alcançando o mérito da decisão administrativa. Cabe revisitar essas idéias.

O conhecimento convencional no sentido de não ser possível exercer controle de mérito sobre os atos administrativos tem cedido passo a algumas exceções qualitativamente importantes, geradas no âmbito do pós-positivismo e da normatividade dos princípios. Nesta nova realidade, destacam-se princípios com reflexos importantes no direito administrativo, dentre os quais o da razoabilidade, da moralidade e da eficiência. À luz desses novos elementos, já não é mais possível afirmar, de modo peremptório, que o mérito do ato administrativo não é passível de exame. Isso porque verificar se alguma coisa é, por exemplo, razoável – ou seja, se há adequação entre meio e fim, necessidade e proporcionalidade – constitui, evidentemente, um exame de mérito.

Em suma: a doutrina convencional em tema de controle dos atos administrativos, aí incluídos os das agências reguladoras, não perdeu a validade, mas sofre exceções importantes. Sem embargo, no tocante às decisões das agências reguladoras, a posição do Judiciário deve ser de relativa autocontenção, somente devendo invalidá-las quando não possam resistir aos testes constitucionalmente qualificados, como os de razoabilidade ou moralidade, já mencionados, ou outros, como os da isonomia e mesmo o da dignidade da pessoa humana. Notadamente no que diz respeito a decisões informadas por critérios técnicos, deverá agir com parcimônia, sob pena de se cair no domínio da incerteza e dos subjetivismo.

c) Função normativa: algumas controvérsias.

Por fim, além de funções executivas e decisórias, praticamente todas as leis que organizaram agências reguladoras conferiram-lhes funções normativas de largo alcance, sendo esta certamente a mais polêmica das questões que envolvem as agências [65]. A dificuldade está em que, embora em alguns casos seja possível dizer que a lei apenas atribui um espaço discricionário amplo aos agentes administrativos, em outros há verdadeira delegação de funções do Legislativo para a agência, transferindo-se quase inteiramente a competência para disciplinar determinadas questões.

O problema aqui, naturalmente, é o confronto dessas disposições com o princípio da legalidade, que, embora passe por ampla reformulação, continua a funcionar como uma das mais importantes garantias individuais, nos termos do art. 5º, II, da Constituição. É verdade que a doutrina tem construído em torno do tradicional princípio da legalidade uma teorização mais sofisticada, capaz de adaptá-lo à nova distribuição de espaços de atuação entre os três Poderes. Com efeito, o crescimento do papel do Executivo, alimentado pela necessidade moderna de agilidade nas ações estatais e pela relação cada vez mais próxima entre ação estatal e conhecimentos técnicos especializados [66], acabou por exigir uma nova leitura do princípio, e nessa linha é que se admite hoje a distinção entre reserva absoluta e reserva relativa de lei, de um lado, e, de outro, entre reserva de lei formal ou material.

Fala-se de reserva legal absoluta quando se exige do legislador que esgote o tratamento da matéria no relato da norma, sem deixar espaço remanescente para a atuação discricionária dos agentes públicos que vão aplicá-la. Será relativa a reserva legal quando se admitir a atuação subjetiva do aplicador da norma ao dar-lhe concreção. De parte isso, também é possível distinguir a (a) reserva de lei formal da (b) reserva de lei material. Haverá reserva de lei formal quando determinada matéria só possa ser tratada por ato emanado do Poder Legislativo, mediante adoção do procedimento analítico ditado pela própria Constituição, que normalmente incluirá iniciativa, discussão e votação, sanção-veto, promulgação e publicação. A Constituição contempla, de outra parte, atos normativos que, embora não emanados diretamente do Legislativo, têm força de lei. Dizem-se, assim, atos materialmente legislativos, gênero onde se situam espécies normativas como as medidas provisórias e as leis delegadas.

Nada obstante toda essa construção, cujo propósito evidente já é atenuar a rigidez da noção original do princípio da legalidade (inicialmente associado apenas a atos expedidos pelo Poder Legislativo), permanece válida a concepção tradicional no direito constitucional brasileiro [67] de que é vedada a delegação de funções de um Poder a outro [68] fora das hipóteses constitucionais [69]; ou, ao menos, de que a delegação, ainda que possível, não pode ser "em branco", isto é, desacompanhada de parâmetros ou diretrizes obrigatórias.

Essa última flexibilização do princípio da legalidade, que acaba por admitir a delegação, desde que acompanhada de standards, já foi implicitamente aceita pelo Supremo Tribunal Federal [70]. O mesmo Tribunal, porém, em outro julgamento, suspendeu a eficácia de dispositivo da Lei da ANATEL que conferia à agência poderes normativos para dispor sobre o procedimento licitatório de outorga do serviço de telefonia de forma diversa da prevista na lei geral de licitações [71].

A grande dificuldade que envolve a discussão sobre o poder normativo das agências reguladoras, portanto, diz respeito ao seu convívio com o princípio da legalidade. É preciso determinar os limites dentro dos quais é legítima a sua flexibilização, sem que se perca sua identidade como uma norma válida e eficaz. É neste território que se opera a complexa interação – ainda não totalmente equacionada – entre a reserva legal, de um lado, e fenômenos afetos à normatização de condutas, como o poder regulamentar, a delegação legislativa e a polêmica figura da deslegalização [72], entendida como a retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias do domínio da lei, para atribuí-las à disciplina das agências.


Conclusão

Transformações do Estado; Desregulação e legitimidade democrática

O Estado moderno, o direito constitucional e o direito administrativo passaram nas últimas décadas por transformações profundas, que superaram idéias tradicionais, introduziram conceitos novos e suscitaram perplexidades ainda não inteiramente equacionadas. Nesse contexto, surgem questões que desafiam a criatividade dos autores, dos legisladores e dos tribunais, dentre as quais se incluem, em meio a diversas outras:

a)a definição do regime jurídico e das interações entre duas situações simétricas: o desempenho de atividades econômicas privadas pelos entes públicos e, especialmente, a realização por pessoas privadas de atividades que deixaram de ser estatais, mas continuaram públicas ou de relevante interesse público;

b)o difícil equilíbrio entre diferentes demandas por parte da sociedade, envolvendo valores que se contrapõem ou, no mínimo, guardam entre si uma relação de tensão, como: (i) eficiência administrativa, (ii) participação dos administrados e (iii) controle da Administração Pública e suas agências pelos outros órgãos de Poder e pela sociedade;

c)a superação do caráter axiomático e absoluto do princípio da supremacia do interesse público, em um universo jurídico no qual se verificou a ascensão dos direitos fundamentais e foram desenvolvidas novas fórmulas doutrinárias, como a teoria dos princípios. Direitos e princípios passam, assim, a ser valorados à vista do caso concreto, de acordo com sua dimensão de peso específico, à luz de critérios como o da razoabilidade-proporcionalidade e o da dignidade da pessoa humana.

O surgimento de centros de poder como os das agências reguladoras – cujas características são a não eletividade de seus dirigentes, a natureza técnica das funções desempenhadas e sua autonomia em relação aos Poderes tradicionais – desperta, naturalmente, a discussão acerca da legitimidade política no desempenho de tais competências. Este deficit democrático tem sido objeto de ampla reflexão pela doutrina [73], que aponta alguns aspectos que, idealmente, seriam capazes de neutralizar suas conseqüências. Dentre eles, invocam-se os seguintes: o Legislativo conserva o poder de criar e extinguir agências, bem como de instituir as competências que desempenharão; o Executivo, por sua vez, exerce o poder de nomeação dos dirigentes, bem como o de traçar as políticas públicas para o setor específico; o Judiciário exerce controle sobre a razoabilidade e sobre a observância do devido processo legal, relativamente às decisões das agências. Ressalte-se que em tempos de liberdade de imprensa, de organização da sociedade e de existência de uma opinião pública esclarecida e atuante, sobreleva a importância do dever de motivação adequada, do dever de argumentativa e racionalmente demonstrar-se o acerto das ponderações de interesse e das escolhas realizadas.

Este, portanto, o ambiente no qual se vem discutindo a atuação do Estado no plano econômico, o papel das agências e o surgimento do direito da regulação. Em desfecho dos apontamentos aqui alinhavados, é possível compendiar as idéias desenvolvidas nos capítulos precedentes nas proposições enunciadas a seguir:

A.O Estado brasileiro, ao longo da década de 90, sofreu um conjunto amplo de reformas econômicas, levadas a efeito por emendas à Constituição e por legislação infraconstitucional, e que podem ser agrupadas em três categorias: a extinção de determinadas restrições ao capital estrangeiro, a flexibilização de monopólios estatais e a desestatização.

B. Tais transformações modificaram as bases sobre as quais se dava a atuação do Estado no domínio econômico, tanto no que diz respeito à prestação de serviços públicos como à exploração de atividades econômicas. A diminuição expressiva da atuação empreendedora do Estado transferiu sua responsabilidade principal para o campo da regulação e fiscalização dos serviços delegados à iniciativa privada e das atividades econômicas que exigem regime especial.

C. É nesse contexto que surgem as agências reguladoras, via institucional pela qual se consuma a mutação do papel do Estado em relação à ordem econômica. As agências são autarquias especiais, que desempenham funções executivo-administrativas, normativas e decisórias, dentro de um espaço de competências deferido por lei, cujos limites ainda não estão pacificados na doutrina e na jurisprudência. No exercício de suas atribuições, cabem às agências encargos de grande relevância, como zelar pelo cumprimento dos contratos de concessão, fomentar a competitividade, induzir à universalização dos serviços, definir políticas tarifárias e arbitrar conflitos entre o poder concedente, os concessionários e os usuários.

D. Naturalmente, o desempenho de tarefas dessa natureza e significado exige que as agências sejam dotadas de autonomia político-administrativa – referente à investidura e permanência de seus diretores nos cargos – e autonomia econômico-financeira, materializada na arrecadação de recursos próprios suficientes. Nessa linha, as leis instituidoras têm introduzido mecanismos destinados a preservá-las de ingerências externas inadequadas, tanto por parte dos interesses privados quanto pelos próprios órgãos e entidades estatais.

E. A demarcação do espaço institucional de atuação das agências reguladoras enfrenta tensões de ordens diversas. De um lado, a tradição personalista de ingerência do Poder Executivo. De outro, a desconfiança que nos últimos anos se desenvolveu no Brasil em relação ao abuso no exercício de competências normativas delegadas. E, por fim, há ainda o avanço do ativismo judicial em relação ao mérito das decisões administrativas, fruto da democratização e da doutrina pós-positivista, com o reconhecimento de normatividade aos princípios.

F. Uma das mais intrincadas questões afetas às agências reguladoras e ao direito da regulação é sua compatibilização com o princípio da reserva legal, que ainda hoje é da essência do modelo democrático. Para além dos temas recorrentes, como o poder regulamentar e as delegações legislativas, há a questão específica da chamada deslegalização, que contrasta com os conceitos tradicionais ao contemplar a transferência de competências normativas primárias para uma entidade da Administração.

G. Estas tensões institucionais entre Poderes e entidades são próprias das democracias em geral, e mais especialmente daquelas de consolidação mais recente, como é o caso do Brasil. As agências reguladoras, no entanto, tornaram-se peças fundamentais no ambicioso projeto nacional de melhoria da qualidade dos serviços públicos e de sua universalização, integrando ao consumo, à cidadania e à vida civilizada enormes contingentes mantidos à margem do progresso material.

H. Se este projeto fracassar, será um longo caminho de volta.


Notas

2. A terminologia pré-modernidade, modernidade e pós-modernidade é empregada em Norbert Reich, Intervenção do Estado na economia (reflexões sobre a pós-modernidade na teoria jurídica), RDP 94/265.

3. No modelo liberal clássico, o Estado tinha três papéis a cumprir, consoante página clássica de Adam Smith (The nature and causes of the wealth of nations (The Works of Adam Smith, vol. IV, Londres, 1811, p. 42: 1º) o dever de proteger a sociedade da violência e da invasão por outros Estados; 2º) o dever de estabelecer uma adequada administração da justiça; 3º) o dever de realizar obras públicas e prestar certos serviços públicos que são economicamente desinteressantes para os particulares. Sobre o tema, v. também Alberto Venancio Filho, A intervenção do Estado no domínio econômico, 1968.

4. Sobre o tema, inclusive com exemplos ilustrativos, v. Luís Roberto Barroso, A crise econômica e o direito constitucional, RF 323/83. Veja-se também Raymundo Faoro, Os donos do poder, 1979, vol. I, p. 343.

5. Não se deve perder de vista, todavia, o fato de que as sociedades capitalistas periféricas, de industrialização tardia, dependem intensamente do Poder Público. As razões são muitas, mas uma delas, conquanto intuitiva, não costuma ser destacada. É que na maior parte dos países industrializados e desenvolvidos, o processo de acumulação de capitais que ensejou o impulso vital do modelo privatista ocorreu em uma época em que a exploração do trabalho se operava em níveis infracivilizados. Homens, mulheres e crianças trabalhavam em jornadas de até 14 horas, sem direitos sociais de qualquer ordem: salário mínimo, repouso remunerado, férias, gratificações etc. Os países em desenvolvimento, cujo processo de industrialização foi mais tardio, não puderam desfrutar dessas "facilidades". Daí a necessidade de intervenção do Estado, atuando, paradoxalmente, como agente do capitalismo, porque só ele detinha o capital.

6. Caio Tácito, O retorno do pêndulo: serviço público e empresa privada. O exemplo brasileiro, RDA 202/1, p. 3.

7. Além da simbologia radical da queda do muro de Berlim, não é irrelevante observar que mesmo os países de tradição social-participativa, como Reino Unido e França, viveram uma inequívoca redefinição do papel do Estado. Como assinala Marcos Juruena Villela Souto (Desestatização, privatização, concessões e terceirizações, 2000, p. 4): "Na Inglaterra a privatização foi uma opção mais filosófica, consistente em definir que não cabe ao Estado produzir riqueza, gerar lucros e exercer atividades econômicas. Este papel deveria caber à iniciativa privada, que o faria com maior eficiência. (...) Buscou-se ainda, libertar o Governo das pressões sindicalistas e corporativas"; e, quanto ao processo francês de privatização, o mesmo autor observa que teve este como uma de suas grandes preocupações "democratizar o patrimônio público constituído pelas estatais, através de um sistema de venda pulverizada das suas ações, permitindo ao pequeno poupador particular influir na condução dos negócios do país. (...) Tinha-se em mente, também, dar vida ao setor privado como força motriz do crescimento econômico, retirando o Estado do setor industrial competitivo".

8. Sobre as possíveis formas de desestatização, v. Marcos Juruena Villela Souto, Desestatização, privatização, concessões e terceirizações, 2000, p. 14 e ss.

9. Nesse período foram editados os seguintes diplomas normativos: Lei nº 8.078, de 11.09.90 (Código de Defesa do Consumidor); Lei nº 9.394, de 20.12.96 (Lei de Diretrizes e Bases); Lei nº 9.656, de 03.06.98 (Lei dos Planos e Seguros Privados de Saúde); Lei nº 9.870, de 23.11.99 (anuidades escolares); Lei nº 10.167 de 27.12.00 (banimento à publicidade de cigarros); Lei complementar nº 109 de 29.05.01 (disciplina a previdência privada); Resolução BACEN nº 2.878, de 26.07.01 (procedimentos a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral).

10. Lei nº 9.605, de 12.02.98 (Lei do Meio Ambiente e dos Crimes Ambientais)

11. Lei nº 8.158, de 08.01.91 (já revogada; instituía normas para a defesa da concorrência); Lei nº 8.884, de 11.6.94 (Lei de Defesa da Ordem Econômica); Lei nº 9.021, de 30.03.95 (implementação do CADE).

12. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 1996, p. 365.

13. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 1996, p. 434-5.

14. Para uma análise ampla da atuação do Estado na ordem econômica, v. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição, 1990.

15. A respeito do tema, consulte-se Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Parcerias na Administração Pública, concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, 1999.

16. A EC 19/98 deu nova redação ao § 1º do art. 173 da Constituição Federal, tendo reiterado a sujeição das empresas públicas, sociedades de economia mista, bem como suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ao regime jurídico próprio das empresas privadas, "inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários".

17. Precisa, nesse passo, a observação de Gustavo Binenbojm, As agências reguladoras e o estatuto jurídico de seus dirigentes – Controvérsias constitucionais e procedimentos possíveis, in Livro de teses do XXV Congresso Nacional dos Procuradores do Estado, p. 219: "A desestatização de serviços públicos e atividades econômicas de relevante interesse coletivo não importa, todavia, a sua despublicização. Ao contrário, a transferência ou devolução da execução destas tarefas à iniciativa privada exige antes a republicização dos mecanismos de controle do Estado sobre elas". No mesmo sentido, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Agência Nacional de Vigilância Sanitária: natureza jurídica, competência normativa, limites de atuação, RDA 215/71, p. 72.

18. Sergio Nelson Mannheimer, Agências estaduais reguladoras de serviços públicos, RF 343/221, p. 225, anota que "quando o Estado é o prestador do serviço, ocorrem distorções no papel fiscalizador do Estado, uma vez que não se sente ele estimulado a denunciar as próprias falhas ou deficiências".

19. Como acentua Juan Carlos Cassagne, "el fenómeno de la privatización al abarcar la transferencia al sector privado de la gestión de los servicios públicos que antes prestaban empresas estatales, ha generado la correlativa necesidad de regular esas actividades para proteger los intereses de la comunidad" (La intervención administrativa, 1994, p. 151).

20. Pedro Dutra, Órgãos reguladores: futuro e passado, Revista de Direito Econômico, jul./dez. de 1996, p. 60.

21. O dispositivo passou a ter a seguinte redação: "Art. 21. Compete à União:... XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais".

22. O referido § 2º assevera em seu inciso III que a lei disporá sobre "a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União".

23. Está sendo discutida a criação de uma agência na área de defesa do consumidor e da concorrência e outra na área de aviação civil.

24. Marcos Juruena Villela Souto denomina estas agências de "multisetoriais", vale dizer, sem especialização, com competência para todos os serviços (Desestatização, privatização, concessões e terceirizações, 2000, p. 285).

25. Agência Estadual de Serviços Públicos do Estado do Espírito Santo (AGES), Lei estadual nº 5.721 de 19.8.98.

26. Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Estado de Mato Grosso (AGER/MT), Lei estadual nº 7.101, de 14.01.99).

27. Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Minas Gerais (ARSEMG), Lei estadual nº 12.999, de 31.07.98.

28. Agência Estadual de Regulação e Controle de Serviços Públicos, Lei estadual nº 6.099, de 30.12.97.

29. Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado do Rio Grande do Norte (ASEP-RN), Lei estadual nº 7.463, de 2.03.99.

30. Agência Catarinense de Regulação e Controle (SC/ARCO), Lei estadual nº 11.355, de 18.01.00.

31. Agência Reguladora de Serviços Concedidos do Estado de Sergipe (ASES), Lei estadual nº 3.973, de 10.10.98.

32. Marcos Juruena Villela Souto, Desestatização, privatização, concessões e terceirizações, 2000, p. 288.

33. Como anota Diogo de Figueiredo Moreira Neto, com a nova redação dada ao inciso XIX do art. 37 pela Emenda Constitucional 19/98, "corrige-se impropriedade técnica do inciso original, passando-se a distinguir a lei de criação de uma autarquia, como desdobramento institucional do próprio Estado, à qual são outorgadas determinadas competências, da lei de autorização para instituir empresa pública, sociedade de economia mista e fundação, às quais são delegadas atribuições específicas" (Apontamentos sobre a reforma administrativa, 1999, p. 63).

34. Não assim, porém, quanto à criação de subsidiárias das entidades da administração indireta, como já deixou claro o Supremo Tribunal Federal: "Pela falta de plausibilidade jurídica da argüição de inconstitucionalidade por ofensa aos incisos XIX e XX do art. 37, da CF, o Tribunal indeferiu medida cautelar requerida em ação direta em face dos arts. 64 e 65 da Lei 9.478/97. Afirmando o caráter genérico da autorização legislativa para a criação de subsidiárias de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação pública a que se refere o inciso XX, do art. 37, da CF, o Tribunal entendeu que a Lei atacada atende a esse permissivo constitucional por nela haver a previsão para essa finalidade (art. 64), afastando-se, portanto, a alegação de que seria necessária a autorização específica do Congresso Nacional para se instituir cada uma das subsidiárias de uma mesma entidade" (STF, ADIn-MC 1.649-DF, Inf. STF 90/2, Rel. Min. Maurício Corrêa).

35. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 1997, p. 102.

36. Como observa Hely Lopes Meirelles, "autarquia de regime especial é toda aquela a que a lei instituidora conferir privilégios específicos e aumentar sua autonomia comparativamente com as autarquias comuns, sem infringir os preceitos constitucionais pertinentes a essas entidades de personalidade pública" (Direito administrativo brasileiro, 1993, p. 315).

37. Nos Estados-membros tais funções são exercidas, respectivamente, pelo Governador e pela Assembléia Legislativa. Assim se passa, por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro, assim dispondo o art. 7°, caput, da Lei estadual n° 2.686/97: "Art. 7° O Conselho Diretor da Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro – ASEP/RJ será formado por 05 (cinco) Conselheiros indicados pelo Governador do Estado, e por este nomeados uma vez aprovados, após audiência pública e por voto secreto, pela Assembléia Legislativa, cabendo a um deles a Presidência do Conselho, também por indicação do Governador do Estado".

38. E. g., quanto à ANATEL, o art. 23 da Lei 9.472/97 assim dispõe: "Os conselheiros serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de sua especialidade, devendo ser escolhidos pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal".

39. O mandato de três anos foi previsto para os diretores da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, nos termos do art. 6º da Lei 9.961, de 28.01.2000.

40. Relativamente à ANEEL, o caput do art. 5º da Lei 9.427/96 dispõe: "O Diretor-Geral e os demais Diretores serão nomeados pelo Presidente da República para cumprir mandatos não coincidentes de quatro anos...". Também assim quanto à ASEP-RJ, o art. 11 da Lei estadual n° 2.686/97.

41. Nesse sentido, dispõe o caput do art. 26 da Lei 9.472/9, relativamente à ANATEL: "Os membros do Conselho Diretor somente perderão o mandato em virtude de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar". Já o art. 8º da Lei 9.427/96 prevê que "a exoneração imotivada de dirigente da ANEEL somente poderá ser promovida nos quatro meses iniciais do mandato, findos os quais é assegurado seu pleno e integral exercício. Parágrafo único. Constituem motivos para a exoneração de dirigente da ANEEL, em qualquer época, a prática de ato de improbidade administrativa, a condenação penal transitada em julgado e o descumprimento injustificado do contrato de gestão". No Estado do Rio de Janeiro, o art. 13 da Lei estadual n° 2.686/97 incorporou algumas inovações relativamente à ASEP-RJ: "Art. 13. Uma vez nomeado, o Conselheiro só perderá o cargo por decisão judicial irrecorrível, condenação penal definitiva por crime doloso punido com pena igual ou superior a 02 (dois) anos de reclusão ou ainda por decisão da maioria dos membros da Assembléia Legislativa em processo de iniciativa do Governador do Estado ou do próprio Conselho Diretor, em que lhe seja assegurada ampla defesa".

42. "Por aparente ofensa ao princípio da separação dos Poderes (CF, art. 2º), o Tribunal deferiu o pedido de medida liminar para suspender, até decisão final da ação, a eficácia do art. 8º da Lei estadual 10.931/97 ("O conselheiro só poderá ser destituído, no curso de seu mandato, por decisão da Assembléia Legislativa."), na redação que lhe deu o art. 1º da Lei estadual 11.292/98, assim como na sua redação original. Ademais, o Tribunal, considerando que o vazio legislativo decorrente da suspensão desta norma, que é a única forma de demissão prevista na referida Lei, seria mais inconstitucional do que a própria norma impugnada, declarou, por maioria, que a suspensão cautelar do art. 8º se dava sem prejuízo das restrições à demissibilidade, pelo Governador do Estado, sem justo motivo, conseqüentes da investidura a termo dos conselheiros da AGERGS, conforme o art. 7º da Lei 10.931/97 – que condiciona a posse dos conselheiros à prévia aprovação de seus nomes pela Assembléia Legislativa, cujo pedido de suspensão liminar fora indeferido na assentada anterior –, e também sem prejuízo da superveniência de legislação válida. Vencido em parte o Min. Marco Aurélio, que se limitava à suspensão de eficácia do mencionado art. 8º, por entender que o STF estaria atuando como legislador positivo ao declarar que o conselheiro não seria demissível ad nutum, ou seja, que o seu afastamento só poderia ocorrer mediante justa motivação" (STF, ADIn-MC 1.949-RS, Inf. STF 171/2, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

43. Quanto à ANATEL, o art. 30 da Lei 9.472/97 dispõe: "Até um ano após deixar o cargo, é vedado ao ex-conselheiro representar qualquer pessoa ou interesse perante a agência. Parágrafo único. É vedado, ainda, ao ex-conselheiro utilizar informações privilegiadas obtidas em decorrência do cargo exercido, sob pena de incorrer em improbidade administrativa". Relativamente à ANEEL, o art. 9º da Lei 9.472/96 dispõe: "O ex-dirigente da ANEEL continuará vinculado à autarquia nos doze meses seguintes ao exercício do cargo, durante os quais estará impedido de prestar, direta ou indiretamente, independentemente da forma ou natureza do contrato, qualquer tipo de serviço às empresas sob sua regulamentação ou fiscalização, inclusive controladas, coligadas ou subsidiárias". Já a Lei 9.478/97, que instituiu a ANP, dispôs em seu art. 14: "Terminado o mandato, ou uma vez exonerado do cargo, o ex-diretor da ANP ficará impedido, por um período de doze meses, contados da data de sua exoneração, de prestar, direta ou indiretamente, qualquer tipo de serviço a empresa integrante da indústria do petróleo ou de distribuição". No mesmo sentido dispõe o art. 9º da Lei estadual 2.686/97, quanto à Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro – ASEP-RJ.

44. O § 1º do art. 9º da Lei 9.472/96 assim dispõe: "Durante o prazo da vinculação estabelecida neste artigo, o ex-dirigente continuará prestando serviço à ANEEL ou a qualquer outro órgão da Administração Pública direta da União, em área atinente à sua qualificação profissional, mediante remuneração equivalente à do cargo de direção que exerceu". Também assim o § 1º do art. 14 da Lei 9.478/97 no que toca à ANP: "Durante o impedimento, o ex-diretor que não tiver sido exonerado nos termos do art. 12 poderá continuar prestando serviço à ANP, ou a qualquer órgão da Administração direta da União, mediante remuneração equivalente à do cargo de direção que exerceu".

45. No entanto, em sede doutrinária há quem espose entendimento diverso. É o que sustenta Marcos Juruena Villela Souto: "A lei deve prever que os dirigentes não devem manter, durante o mandato e na quarentena, qualquer vínculo com o concedente, concessionário ou associação de usuários, não devendo deles receber qualquer remuneração. Devem, pois, ser licenciados ou ter seus contratos de trabalho suspensos, sem remuneração, e não ‘postos à disposição’ da agência, conservando seus vencimentos, sob pena de restar mantido o vínculo e a potencialidade de interferência da fonte pagadora" (Agências reguladoras, RDA 216/125, p. 140).

46. A constitucionalidade de diversos dispositivos dessa lei encontram-se suspensos por decisão liminar do Min. Marco Aurélio, na ADIn 2.310, proposta pelo Partido dos Trabalhadores – PT e pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT. A decisão ainda não foi publicada. No site do STF colhe-se a informação de que a decisão liminar encontra-se pendente de ratificação do Plenário, devido a pedido de vista, e que o Ministro Moreira Alves suscitou a preliminar de suspensão do julgamento, até que seja apreciada a ADIn 2.135, que tem por objeto a constitucionalidade das alterações operadas pela EC n° 19/98.

47. Sobre a questão, v. Marcos Juruena Villela Souto (Agências reguladoras, RDA 216/125, p. 143), ao referir-se às receitas provenientes das taxas de regulação ou fiscalização: "A agência, com isso, não depende de recursos orçamentários, mas em compensação, se submete à crítica de ser custeada pelo sujeito fiscalizado". Há previsão expressa de dotações orçamentárias em algumas das leis instituidoras das agências reguladoras federais como, v. g., o art. 49 da Lei 9.472/97, relativamente à ANATEL: "Art. 49. A agência submeterá anualmente ao Ministério das Comunicações a sua proposta de orçamento, bem como a do FISTEL, que serão encaminhadas ao Ministério do Planejamento e Orçamento para inclusão no projeto de lei orçamentária anual a que se refere o § 5º do art. 165 da Constituição Federal". Também assim, quanto à ANEEL, o art. 11, II, da Lei 9.427/96, e quanto à ANP, o art. 15, II, da Lei 9.478/97. Nos Estados-membros a possibilidade é idêntica, como o fez o art. 5º, II, da Lei estadual 2.686/97, com relação à ASEP-RJ.

48. Como prevêem, respectivamente, os arts. 15, III, da Lei 9.478/97, e 11, V, da Lei 9.427/96; e, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, relativamente à ASEP-RJ, o art. 5º, V, da Lei 2.686/97.

49. Como por exemplo, com relação à ANATEL, fez o art. 51 da Lei 9.472/97, ao dar nova redação ao art. 6º da Lei 5.070/66: "Art. 6º As taxas de fiscalização a que se refere a alínea f do art. 2º são as de instalação e de funcionamento. § 1º Taxa de fiscalização de instalação é a devida pelas concessionárias, permissionárias e autorizatárias de serviços de telecomunicações e de uso de radiofreqüência, no momento da emissão do certificado de licença para o funcionamento das estações. § 2º Taxa de fiscalização de funcionamento é a devida pelas concessionárias, permissionárias e autorizatárias de serviços de telecomunicações e de uso de radiofreqüência, anualmente, pela fiscalização do funcionamento das estações". Quanto à ANEEL, os arts. 12 e 13 da Lei 9.427/96 dispõem sobre a taxa de fiscalização de serviços de energia elétrica.

50. No Estado do Rio de Janeiro, A Lei 2.686/97, em seu art. 19, instituiu a taxa de regulação de serviços públicos concedidos. No Estado do Rio Grande do Sul, a Lei 11.073/97 instituiu a taxa de fiscalização e controle dos serviços públicos delegados.

51. Caio Tácito, Serviço de utilidade pública. Autorização. Gás Liquefeito de Petróleo, in Temas de direito público, 1997, p. 1236.

52. Sobre a sistematização adotada, v. Sergio Nelson Mannheimer, Agências estaduais reguladoras de serviços públicos, RF 343/221, p. 226-8.

53. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Direito da regulação, 2002.

54. Em geral, a não previsão de cabimento do recurso hierárquico autoriza a conclusão de que ele não é cabível. Como ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello: "O controle administrativo ou tutela administrativa, segundo generalizada lição doutrinária, exerce-se nos limites da lei. Não se presume. Existirá quando, como e na forma prevista em lei". (Curso de direito administrativo, 1999, p. 147).

55. Marcos Juruena Villela Souto, Agências reguladoras, RDA 216/125, p. 148.

56. Neste sentido, v. também Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 1997, p. 480.

57. STF, RTJ 147/507 e 154/457. Em ambos os arestos a Corte Suprema entendeu inconstitucional a atribuição de controle prévio aos Tribunais de Contas, sob o argumento de que essa competência não lhes havia sido conferida pela Constituição Federal.

58. Eduardo Domingos Bottalo, Competência dos Tribunais de Contas na Constituição de 1988, RDP 89/216.

59. "Compreende a delicadeza da missão confiada pela Carta ao Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Congresso Nacional no exercício do controle externo do emprego de recursos públicos (...)" (STF, RTJ 156/848, MS nº 21.636-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio).

60. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição Federal de 1988, vol. 2, 1990/92, p. 125; Pinto Ferreira, Comentários à Constituição brasileira, vol. 3, 1992, p. 388. Mais analiticamente, mas apenas reiterando o consenso doutrinário, Regis de Oliveira correlaciona a fiscalização a ser exercida pelos Tribunais de Contas com as despesas públicas e com o patrimônio público: "Quer me parecer, em primeiro lugar, no que tange ao controle contábil, (sic) significa um mero controle técnico, ou seja, a contabilidade, entrada e despesa, numericamente relacionadas sem maior novidade... A fiscalização financeira opera-se em relação a gastos e receitas públicas fazendo-se através desse instrumento da contabilidade esse possível controle (...) O controle operacional quer me parecer dar uma idéia de modus procedendi da despesa pública e portanto é possível controlar-se a forma pela qual se chega a uma despesa, a uma receita, seja na coleta do dinheiro ou seja no gasto que se efetue; fala também o preceito em controle patrimonial, controle que deve estabelecer-se entre os bens, as coisas que pertencem ao Poder Público (...)" (Regis Fernandes de Oliveira, Fiscalização financeira e orçamentária, RDP 96/213, grifo acrescentado).

61. Sobre o assunto relativo aos limites da fiscalização das Cortes de Contas sobre as agências reguladoras, e, mais especificamente sobre a ASEP-RJ, v. Luís Roberto Barroso, Natureza jurídica e funções das agências reguladoras de serviços públicos – Limites da fiscalização a ser desempenhada pelo Tribunal de Conta do Estado (parecer), Boletim de Direito Administrativo nº 6, 1999, pp. 367-374.

62. Sobre os vários aspectos das atribuições dos Tribunais de Contas, v. Luís Roberto Barroso, Tribunais de Contas: Algumas incompetências, RDA 203/131.

63. A matéria, neste ponto, é objeto de consenso doutrinário. No sentido do texto, Ricardo Lobo Torres, O Tribunal de Contas e o controle da legalidade, economicidade e legitimidade, RILSF 121/265, p. 270 (grifo acrescentado): "O aspecto político do controle se estende também ao Tribunal de Contas, que, sobre exercer fiscalização idêntica à do Congresso quanto à legalidade e economicidade da gestão financeira, precisa dotar as suas decisões do mesmo conteúdo e extensão dos atos administrativos que controla, sem, todavia, substituir as decisões da política econômica pelas de suas preferências. Há que distinguir entre o controle dos objetivos das decisões políticas, vedado à Corte de Contas, e o controle das contas dos órgãos políticos ou das premissas constitucionais (legalidade e economicidade) das decisões políticas, plenamente compatível com a estrutura democrática do País". E também Walter Ceneviva, Direito constitucional brasileiro, 1989, p. 173: "A competência não constitui intromissão ofensiva da independência dos outros poderes, mas, cumprida na forma da Lei Maior, corresponde a mecanismo qualificado para o equilíbrio e para a interdependência que lhes impede ou dificulta a superposição de um em relação aos outros".

64. Veja-se, por exemplo, o que dispõe o art. 3º, incisos VI e VII, da Lei da ANEEL: "Art. 3º. Além das incumbências prescritas nos arts. 29 e 30 da Lei nº 8.987, de 3 de fevereiro de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica, compete especialmente à ANEEL: (...) VI – fixar critérios para cálculo do preço de transporte de que trata o § 6º do art. 15 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, e arbitrar seus valores nos casos de negociação frustrada entre os agentes envolvidos; VII – articular com o órgão regulador do setor de combustíveis fósseis e gás natural os critérios para fixação de preços de transporte desses combustíveis, quando destinados à geração de energia elétrica, e para arbitramento de seus valores, nos casos de negociação frustrada entre os agentes envolvidos."

65. A Lei que institui a ANS, por exemplo, outorga uma série de competências normativas à agência, dentre as quais a de normatizar os conceitos de doenças e lesões preexistentes (art. 4º, IX), estabelecer normas para ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (art. 4º, VI), estabelecer critérios, responsabilidades, obrigações e o procedimento para a garantia de direitos assegurados pela Lei de Planos e Seguros de Saúde (Lei n° 9.656/98) (art. 4º, XI), dentre inúmeras outras. A Lei Geral de Telecomunicações, por seu turno, confere poderes a ANATEL para expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações em regime publico e privado (art. 19, VI e X), para citar um exemplo apenas. E disposições como estas se repetem, via de regra, em relação a todas as demais entidades.

66. Sobre o tema, veja-se Clèmerson Merlin Clève, Atividade legislativa do poder executivo, 2000.

67. A Constituição de 1967/69 dispunha textualmente: "Art. 6º (...) Parágrafo único. Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições; quem for investido na função de um deles não poderá exercer a de outro". Não obstante a textualidade do dispositivo, ocorreram no regime constitucional anterior inúmeras delegações legislativas, copiosamente exemplificáveis. Algumas já vinham de longe, mas não foram questionadas. Confirme-se. Pela Lei nº 1779, de 22.12.52, criou-se a autarquia Instituto Brasileiro do Café, à qual se cometeram diversas atribuições de cunho normativo, inclusive quanto ao trânsito do café entre a produção e o escoamento, fixação de quotas etc. Semelhantemente se passara com o açúcar desde o Decreto nº 22.779, de 01.06.33. Mais recentemente, foi também por via de delegação que se submeteu a disciplina de todo o setor monetário e financeiro às resoluções do Banco Central do Brasil e do Conselho Monetário Nacional, com fulcro na Lei nº 4.595, de 31.12.64. Também no setor de comércio exterior, sucessivos diplomas legais, desde a Lei nº 3.244, de 1957, repassaram a órgãos do Executivo vastíssimas competências de cunho normativo.

68. Confira-se, a propósito, o seguinte excerto de trabalho doutrinário do Ministro Carlos Mario da Silva Velloso: "no Direito Constitucional clássico, anotam os autores, a regra é a indelegabilidade, como corolário, aliás, da doutrina da separação de poderes teorizada por Montesquieu. Locke, no Segundo Tratado de Governo Civil, deixa expresso que nenhum poder pode delegar atribuições, porque o poder é exercido por delegação do soberano, e quem age por delegação não pode delegar o que não lhe pertence, o que se enuncia na máxima latina: delegata potestas delegari non potest". (Delegação legislativa – A legislação por associações, RDP 90/179, p. 180).

69. Nessa linha, CF/88, ADCT: "Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todo os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I. ação normativa; (...)"

70. Com efeito, o STF já admitiu a delegação legislativa, desde que, porém, com a fixação de standards, nos seguintes termos: "O legislador local, como se vê, instituiu e nomeou uma vantagem remuneratória, delegando, porém, ao Executivo – livre de quaisquer parâmetros legais –, a definição de todos os demais aspectos de sua disciplina – a qual, acrescente-se, se revelou extremamente complexa –, incluídos aspectos essenciais como o valor de cada ponto, as pontuações mínima e máxima e a quantidade de pontos atribuíveis a cada atividade e função. Essa delegação sem parâmetro, contudo, penso eu, é incompatível com o princípio da reserva de lei formal a que está submetida a concessão de aumentos aos servidores públicos (CF, art. 61, § 1º, II, a)." (STF, RE n.º 264289/CE, Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14.12.01).

71. STF, ADIn 1668, Rel. Min. Marco Aurélio de Mello, DJ 23.10.97.

72. Sobre o tema da deslegalização, vejam-se: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Direito da regulação, 2002, e as dissertações de mestrado de Alexandre Santos de Aragão, A função e a posição das agências reguladoras no Estado contemporâneo, mimeografado, 2001, pp. 450 ss. e Patrícia Ferreira Batista, Transformações do direito administrativo contemporâneo: constitucionalização e participação na construção de uma dogmática administrativa legitimadora, mimeografado, 2001, onde averbou com rigor técnico: "Tradicionalmente, nos países que se inspiraram no modelo francês, o conteúdo deste princípio (o da legalidade) foi associado à idéia da vinculação positiva à lei: à Administração somente é lícito fazer aquilo que a lei expressamente autoriza. Entretanto, com a superação do Estado liberal e a crise da lei formal, desapareceram as condições que justificavam a tese da vinculação positiva à lei. A deslegalização, por meio da qual se abre ao poder regulamentar o trato de matérias antes atribuídas ao poder legislativo, é uma das provas da insuficiência daquela tese para a realidade contemporânea. Desenvolveu-se, assim, a teoria da vinculação da Administração Pública ao Direito, especialmente aos princípios e regras do ordenamento constitucional. Subsiste, de qualquer forma, a regra da vinculação positiva à lei para aquelas matérias submetidas, pelo constituinte, à reserva de lei e para as atividades administrativas de natureza gravosa, passíveis de limitar ou extinguir direitos subjetivos dos administrados".

73. Veja-se, a propósito, Alexandre Santos de Aragão, A função e a posição das agências no Estado contemporâneo, cit., p. 238-9: "Todavia, a adoção de um modelo multiorganizativo ou pluricêntrico de Administração Pública traz riscos à legitimidade democrática da sua atuação. Em outras palavras, uma das suas maiores vantagens – a distância dos critérios político-partidários de decisão, assegurada, sobretudo, pela impossibilidade do Chefe do Poder Executivo (eleito) exonerar livremente os seus dirigentes (nomeados) – é também um dos seus maiores riscos".


Para uma reflexão ideológica acerca do papel do Estado após o colapso dos projetos socialistas, v. o texto "O Estado que nunca foi" publicado como prefácio ao livro de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Direito da Regulação.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras. Constituição, transformações do Estado e legitimidade democrática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3209. Acesso em: 19 mar. 2024.