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Elemento subjetivo na improbidade administrativa

Art.11 da Lei 8.429/92. Atipicidade da conduta. Ausência de descrição do elemento subjetivo. Violação à ampla defesa

Elemento subjetivo na improbidade administrativa: Art.11 da Lei 8.429/92. Atipicidade da conduta. Ausência de descrição do elemento subjetivo. Violação à ampla defesa

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É inepta a petição inicial de improbidade na qual não haja a descrição das condutas do agente da qual se possa extrair a presença do dolo na suposta ofensa aos princípios da administração pública.

- Do tipo previsto no Art.11, da Lei 8.429/92. Da atipicidade da conduta. Da ausência de descrição do elemento subjetivo necessário para a configuração do ato de improbidade. Violação ao exercício do direito à ampla defesa. -

Tratam os autos de Ação Civil Pública por Prática de Improbidade Administrativa proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo por pretensa violação aos Princípios da Administração Pública, na forma instituída pelo artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa.

Preliminarmente ao mérito, há que se registrar que a configuração do ato de improbidade previsto no art.11, da Lei 8.429/92 imprescinde da descrição dos seus dois elementos, quais sejam o objetivo – conduta - e o subjetivo, revelado na intenção dos agentes.

Na fase preliminar de análise da petição inicial, a fim de verificar se há indícios acerca do cometimento de ato configurador de improbidade, deve o intérprete, em face da aproximação das suas conseqüências com as regras do Direito Processual Penal para o processamento da ação, quando da análise da aceitação da denúncia, na fase de pronúncia, aplicar o princípio in dubio pro societate, de modo que, havendo dúvida, a ação não pode ser ceifada desde o início.

No entanto, do mesmo modo que ocorre no processo criminal, na inicial devem vir, ao menos, a descrição de todos os elementos que compõem o tipo.

CRIMINAL. HC. CONCUSSÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS QUE JUSTIFIQUEM A INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.ORDEM CONCEDIDA.

I. Hipótese em que a inicial atribuiu aos pacientes a prática, em tese, do crime de concussão, tendo sido a denúncia recebida somente em sede de recurso em sentido estrito.

II. Em que pese a inicial apontar fato, em tese, típico, é indispensável que venha acompanhada de elementos indiciários mínimos a justificar a instauração da ação penal. Precedentes.

III. Exordial acusatória que não apresenta nenhum elemento de prova capaz de embasar minimamente os fatos ali narrados, revelando-se temerária a instauração de ação penal para se verificar, somente em juízo, a idoneidade das imputações feitas aos pacientes.

IV. Ausência de justa causa reconhecida, determinando-se o trancamento da ação penal ajuizada em desfavor dos pacientes.

V. Ordem concedida, nos termos do voto do relator.

(HC 143.494/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2011, DJe 27/05/2011)

Neste contexto, em se tratando de ato de improbidade, em face da aplicação do art.11 da lei, além do elemento objetivo, há necessidade de o autor da ação trazer devidamente configurado o elemento subjetivo, ou seja, o ânimo do agente em intencionalmente violar algum dos princípios ali descritos. Deste modo, há que se concluir que não é admitida a responsabilidade objetiva.

A fim de se evitar peças acusatórias lacônicas ou omissas e se privilegiar o direito fundamental indisponível da cidadania, bem como ao pleno exercício do direito de defesa, exige-se que tanto o tipo penal quanto o de improbidade, venha descrito, na exordial, com todos os seus elementos, dentre o quais, em que teria consistido a vontade do agente em praticá-lo, pois, se é verdade que não existe crime/improbidade sem conduta, mais ainda é que não existe conduta sem vontade.

De modo a garantir o pleno exercício do direito de defesa, não ocorrendo surpresas para o réu no decorrer da ação, a petição que inicia o processo de acusação por ato de improbidade, deve conter todos os elementos que configuram o mesmo.

Nos termos do art.11 mencionado, “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições,...”

Neste contexto, seria ato de improbidade aquele que afrontasse princípio regente da Administração Pública, mas que violasse também o dever de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Significa, pois, que, além de infringir os princípios da Administração, o agente o tenha feito com a intenção de agir de forma desonesta, parcial ou de forma desleal. Apenas com a junção destes elementos, é que o ato poderá ser considerado ímprobo.

Assim, sendo o aspecto volitivo uma elementar do tipo, a ação só deve ser processada, quando, ao menos, descrita tal elementar, na petição inicial. Embora, por um lado, pudéssemos concluir que, para o processamento regular da ação não seria necessária prova cabal do elemento subjetivo, no sentido diametralmente oposto, não se pode admitir a ausência total de prova e muito menos a ausência completa de narração a respeito de tal elementar na exordial.

Consoante consignado no § 6º do art.17, da Lei nº 8.429/92 “a ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas”, ou seja, para o processamento da ação, o legislador exigiu, ao menos, um início de prova dos elementos caracterizadores da improbidade, o que se inclui aí, como já registrado, a prova acerca do elemento subjetivo.

Desde o início da ação, o autor deve demonstrar em que teria consistido a má-fé dos agentes na prática do ato, bem como apresentado documentos que contivessem indícios da sua existência ou justificativa acerca da impossibilidade de apresentá-los naquele momento inicial.

Nestes termos, não é possível que a prova do elemento subjetivo seja postergada, quando este não foi apontado pelo autor da ação como necessário para a configuração do ato. Admitir o processamento da ação, para que seja produzida prova neste sentido, significa afrontar os comandos legais acima referidos, bem como o princípio da ampla defesa, prevista no art.5º, LV, da CF, que aqueles visam proteger ao impor tais exigências.

Destarte, uma vez não tendo sido enunciado em que teria consistido o elemento subjetivo, a ação deve ser rejeitada, nos termos do art.17, §8º, da Lei nº 8429/92, pois o ato descrito não poderá ser considerado como improbidade. Evidencia-se não ser possível o seu processamento, pois não seria permitido que, no curso da demanda, o autor, sem ter apontado qualquer fato neste sentido na inicial, começasse a inovar, suscitando questionamentos a respeito da intenção dos agentes na prática do ato.

Embora o julgado, abaixo transcrito, tenha sido proferido em ação penal, o seu conteúdo aplica-se perfeitamente à hipótese ora sob apreciação:

“Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais (essentialia delicti) que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente. Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita.” (HC 84.580, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-8-09, 2ª Turma, DJE de 18-9-09)grifei

No mesmo sentido, a maioria doutrinária, exemplificada aqui na lição de José dos Santos Carvalho Filho (obra Manual de Direito Administrativo, 16ª edição, Editora Lumen Júris, Rio de Janeiro: 2006, pág. 893), para quem o elemento subjetivo do ato de improbidade previsto no art. 11 da Lei n. 8.429/92 é exclusivamente o dolo, afastada a culpa em sentido estrito por ausência de previsão expressa em lei. In verbis:

“O elemento subjetivo é exclusivamente o dolo; não tendo havido na lei referência à culpa, como seria necessário, não se enquadra como ato de improbidade aquele praticado por imprudência, negligência ou imperícia. Poderá, é óbvio, constituir infração funcional e gerar a aplicação de penalidade, conforme a lei de incidência, mas de improbidade não se cuidará.”

É esse o entendimento sufragado maciçamente nas Cortes pátrias, inclusive, encontrando-se PACIFICADO, atualmente, no Superior Tribunal de Justiça, após o julgamento dos Embargos de Divergência em RESP nº 875.163-RS, abaixo transcrito:

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 11 DA LEI 8.429/92). ELEMENTO SUBJETIVO. REQUISITO INDISPENSÁVEL PARA A CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PACIFICAÇÃO DO TEMA NAS TURMAS DE DIREITO PÚBLICO DESTA CORTE SUPERIOR. SÚMULA 168/STJ. PRECEDENTES DO STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NÃO CONHECIDOS.

1. (...)

2. O tema central do presente recurso está limitado à análise da necessidade da presença de elemento subjetivo para a configuração de ato de improbidade administrativa por violação de princípios da Administração Pública, previsto no art.11 da Lei 8.429/92. Efetivamente, as Turmas de Direito Público desta Corte Superior divergiam sobre o tema, pois a Primeira Turma entendia ser indispensável a demonstração de conduta dolosa para a tipificação do referido ato de improbidade administrativa, enquanto a Segunda Turma exigia para a configuração a mera violação dos princípios da Administração Pública, independentemente da existência do elemento subjetivo.

3. Entretanto, no julgamento do REsp 765.212/AC (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 23.6.2010), a Segunda Turma modificou o seu entendimento, no mesmo sentido da orientação da Primeira Turma, a fim de afastar a possibilidade de responsabilidade objetiva para a configuração de ato de improbidade administrativa.

4. Assim, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido de que, para a configuração do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/92, é necessária a presença de conduta dolosa, não sendo admitida a atribuição de responsabilidade objetiva em sede de improbidade administrativa.

5. Ademais, também restou consolidada a orientação de que somente a modalidade dolosa é comum a todos os tipos de improbidade administrativa, especificamente os atos que importem enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11), e que a modalidade culposa somente incide por ato que cause lesão ao erário (art. 10 da LIA).

6. Sobre o tema, os seguintes precedentes desta Corte Superior: REsp 909.446/RN, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 22.4.2010; REsp 1.107.840/PR, 1ª Turma, Rel.Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 13.4.2010; REsp 997.564/SP, 1ª Turma, Rel.Min. Benedito Gonçalves, DJe de 25.3.2010; REsp 816.193/MG, 2ª Turma, Rel. Min.Castro Meira, DJe de 21.10.2009; REsp 891.408/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJe de 11.02.2009; REsp 658.415/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 3.8.2006. No mesmo sentido, as decisões monocráticas dos demais integrantes da Primeira Seção: Ag 1.272.677/RS, Rel. Herman Benjamin, DJe de 7.5.2010; REsp 1.176.642/PR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Dje de 29.3.2010; Resp 1.183921/MS, Rel. Min. Humberto Martins, Dje de 19.3.2010.

7. Portanto, atualmente, não existe divergência entre as Turmas de Direito Público desta Corte Superior sobre o tema, o que atrai a incidência da Súmula 168/STJ: "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado" .

8. Embargos de divergência não conhecidos.

Sobre o ponto, é importante citar o que sustenta Emerson Garcia (Improbidade Administrativa , 2008, p. 266/267):

"No direito moderno, assume ares de dogma a concepção de que não é admissível a imputatio juris de um resultado danoso sem um fator de ligação psíquica que a ele vincule o agente.Ressalvados os casos em que a responsabilidade objetiva esteja expressamente no ordenamento jurídico, é insuficiente a mera demonstração do vínculo causal objetivo entre a conduta do agente e o resultado lesivo. Inexistindo vínculo subjetivo unindo o agente à conduta, e esta ao resultado, não será possível demonstrar "o menosprezo ou descaso pela ordem jurídica e, portanto, a censurabilidade que justifica a punição (malum passionis ob malum actionis )."

A exigência da comprovação do dolo do agente público se justifica na medida em que o art. 11 da Lei 8.429/92, que se refere aos atos atentatórios aos princípios da administração pública, possui caráter de norma aberta, que reclama grande ponderação do intérprete na sua aplicação, sob pena de efetivação de injustiças.

É inepta a petição inicial na qual não haja a descrição das condutas do agente da qual se possa extrair a presença do dolo na suposta ofensa aos princípios da administração pública. O fato, nos moldes em que descrito, seria atípico, faltando, portanto justa causa para o processamento da ação.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONTRERAS, Thiago. Elemento subjetivo na improbidade administrativa: Art.11 da Lei 8.429/92. Atipicidade da conduta. Ausência de descrição do elemento subjetivo. Violação à ampla defesa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4346, 26 maio 2015. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/32899. Acesso em: 19 abr. 2024.