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Da extensão subjetiva da cláusula compromissória arbitral

Da extensão subjetiva da cláusula compromissória arbitral

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Traça-se a relação existente entre a extensão subjetiva da cláusula compromissória arbitral e a configuração de grupo econômico (com empresas controlada e controladora).

1. EXTENSÃO SUBJETIVA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL

Nos termos do artigo 3º da Lei de Arbitragem, a cláusula compromissória é espécie do gênero convenção arbitral, e possui “força de determinar a instauração futura de um juízo arbitral”[1]. Logo, diante de uma cláusula compromissória válida e eficaz, opera-se o seu efeito negativo, que impede o Poder Judiciário de analisar as matérias compreendidas no objeto da referida cláusula.

Dessa forma, não devem ser discutidas questões relacionadas a um contrato que contenha tal cláusula na Justiça Estatal. Segundo Carmona, “a convenção de arbitragem tem um duplo caráter: como acordo de vontades, vincula as partes no que se refere a litígios atuais ou futuros, obrigando-as reciprocamente à submissão ao juízo arbitral; como pacto processual, seus objetivos são os de derrogar a jurisdição estatal, submetendo as partes à jurisdição dos árbitros. Portanto, basta a convenção de arbitragem (cláusula ou compromisso) para afastar a competência do juiz togado, sendo irrelevante estar ou não instaurado o juízo arbitral”[2].

A exceção de arbitragem é amplamente reconhecida em nosso direito, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. NULIDADE DE SENTENÇA ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA “CHEIA”. COMPROMISSO ARBITRAL. PRESCINDIBILIDADE. ATA DE MISSÃO. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA E DAS REGRAS APLICÁVEIS. CONSENTIMENTO EXPRESSO. ARTIGOS ANALISADOS: 5º, 6º E 19 DA LEI Nº 9.307/96.

1. Agravo de instrumento interposto na origem em 10/07/2007, do qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 31/07/2013.

2. Exceção de pré-executividade oposta com o fim de declarar a nulidade de sentença arbitral, ante a ausência de assinatura de compromisso arbitral.

3. A convenção de arbitragem, tanto na modalidade do compromisso arbitral quanto na modalidade de cláusula compromissória, é suficiente e vinculante, afastando definitivamente a jurisdição estatal. (...)”[3]

“PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIREITOS DISPONÍVEIS.

1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência.

2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil.(...)”[4]

A questão da existência de cláusula arbitral e do afastamento da jurisdição estatal sobre as controvérsias existentes relacionadas é matéria de ordem pública (hipótese de incompetência absoluta, ou melhor, falta de jurisdição), inclusive, a Ministra Isabel Gallotti já teve a oportunidade de se posicionar, manifestando, em decisão proferida na Medida Cautelar nº 22.5745, seu entendimento de que a ausência de jurisdição do Poder Judiciário Brasileiro é “tema relativo às condições da ação e, que, portanto, deve preceder ao exame dos requisitos para o deferimento da antecipação de tutela”.

Embora a convenção de arbitragem seja uma imposição da autonomia da vontade das partes, como ensina o Professor Dinamarco, há a possibilidade de se estender esse compromisso a sociedades integrantes de um mesmo grupo econômico, isto porque “a confusão patrimonial eventualmente existente nesses casos seria fator legitimante da desconsideração da personalidade jurídica, legitimando a extensão subjetiva da convenção”[5].

Isto seria possível tendo-se em vista o objetivo da disregard doctrine, que visa coibir o uso da personalidade jurídica para evitar fraudes e abusos. Entretanto, trata-se de instituto muito delicado, que não deve ser aplicado indistintamente.

Entretanto, tal discussão não é pacífica em sede doutrinária, visto que muitos doutrinadores consideram que tal extensão só seria possível se presentes ambos pressupostos consignados no artigo 50 do Código Civil, sendo eles o abuso da personalidade jurídica e a confusão patrimonial.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já decidiu pela extensão da cláusula compromissória arbitral para grupos societários no precedente conhecido como caso Trelleborg[6].

Nos casos da arbitragem processada à luz do art. 7º da Lei de Arbitragem (instituição judicial da arbitragem), havendo determinação na sentença judicial de inclusão no polo passivo da demanda a empresa-mãe de um grupo econômico do qual uma empresa que efetivamente tenha celebrado contrato com cláusula arbitral, as alegações mais comum são as que negam o vínculo direto por cláusula compromissória. 

Entretanto, a jurisprudência tem entendido que quando resta demonstrado nos autos que a empresa controladora de um grupo econômico teve participação ativa no contrato objeto da arbitragem e/ou, quando há transferência de controle de determinada empresa à empresa do grupo que celebrou a cláusula de arbitragem, é possível a instauração de processo arbitral em face da empresa controladora. Segue abaixo ementa de apelação que corrobora com o referido entendimento : 

“Sentença que instituiu Tribunal Arbitral para dirimir conflito entre as partes – Ilegitimidade de parte passiva afastada – Argumento reiteradamente desenvolvido que cai por terra, face às provas dos autos que demonstram à toda evidência o envolvimento nas negociações de que decorreu o litígio instaurado – Inexigibilidade de haver prévio contrato – Art. 1º da Lei 9.307/96 que tem como exigência a capacidade das partes para contratar, o que deve ser entendido como capacidade civil para manter relação jurídica que envolva direitos patrimoniais disponíveis.”

Nesse sentido, ainda que haja a limitação das responsabilidades de cada companhia, vale lembrar que se for demonstrada a confusão entre a personalidade jurídica da empresa controladora e da personalidade jurídica da empresa do grupo que celebrou o contrato com cláusula compromissória, restarão fortes indícios da dominação das atividades da empresa que celebrou o contrato com cláusula compromissória pela empresa controladora.

Ora, restando a evidência de que a empresa controladora foi a responsável por convencionar a cláusula arbitral, mesmo que em nome da outra empresa, haverá a presunção de que a empresa controladora teve a devida ciência tanto da existência e quanto da finalidade da cláusula arbitral, portanto, será cabível sim a extensão subjetiva da cláusula arbitral, ainda que a empresa controladora não seja parte no contrato que convencionou a cláusula compromissória e o resultado será, portanto, a eventual instauração de processo arbitral em face desta.


2. GRUPOS ECONÔMICOS

Grupos Econômico são conjuntos de empresas que atuam em sincronia com o intuito de lograr maior eficiência em sua atividade, unidas por vínculo de coordenação ou subordinação.

Os grupos econômicos surgiram entre 1939 a 1945, durante o pós-guerra, em virtude das grandes transformações sociais que acarretaram verdadeira revolução no campo empresarial, tendo como principal pilar a globalização da economia.

A globalização tem por consequência a interdependência e internalização dos mercados nacionais, revolução tecnológica e um novo modelo de livre mercado, sendo que, neste ambiente, teve-se a necessidade da união das empresas para atenderem às necessidades do desenvolvimento do processo de produção.

Segundo Bulgarelli[7], para que o conjunto de empresas seja caracterizado como grupo econômico não se faz  necessária a existência de atividades próximas, idênticas ou complementares exercidas pelos entes agrupados.

Sendo assim, por um lado a atividade econômica globalizada não pode abrir mão da formação de grupos econômicos, e, por outro os credores não podem ficar sem tutela legal dos seus direitos no caso de abuso da forma empresarial utilizada pelos agentes econômicos.

Portanto, é possível o entendimento de que a configuração de interesse comum em relação a um contrato com cláusula arbitral que tenha sido celebrado entre uma empresa pertencente a um grupo econômico pode reponsabilizar a empresa controladora do referido grupo econômico, havendo a possobilidade de instauração do processo arbitral em face desta.


CONCLUSÃO

Diante do exposto, entende-se que é possível a instauração do processo arbitral em face da empresa controladora de um grupo econômico, pois, ainda que haja a limitação das responsabilidades de cada companhia, se ficar demonstrada (i) a confusão entre a personalidade jurídica da empresa do grupo econômico que celebrou o contrato com cláusula compromissória e a empresa-mãe (controladora), como, por exemplo, a evidência de que a empresa-mãe é detentora integral do capital social da outra empresa, (ii) o domínio das atividades rotineiras da empresa que celebrou o contrato com a cláusula compromissória pela empresa controladora, (iii) a participação efetiva da empresa controladora nas negociações objeto do contrato com cláusula compromissória, (iv) elaboração do contrato e/ou (v) tentativas de acordo havidas após a instauração do litígio.

Assim, é possível concluir que é cabível a extensão subjetiva da cláusula arbitral, para que, ainda que não seja parte do contrato que a convenciona, seja cabível a instauração de processo arbitral em face da empresa controladora. Hando ainda o interesse comum e a atuação da empresa controladora em relação ao contrato celebrado com cláusula compromissória, ficará demonstrada a quebra dos limites do grupo econômico no momento em que a controladora atua em nome da empresa que celebrou o contrato com cláusula compromissória.


BIBLIOGRAFIA

BULGARELLI, Waldírio. Manual das sociedades anônimas. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2001.

Carmona, Carlos Alberto. “Considerações Sobre Cláusula Compromissória e a Eleição de Foro”, in “Arbitragem – Estudos em Homenagem ao Prof. Guido Fernando da Silva Soares, In Memorian”, Atlas, 2007.

Carmona, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo – um comentário à Lei 9.307/96, 3ª Ed., Atlas, 2009.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na teoria Geral dos Processos. São Paulo: Malheiros, 2013.

STJ, Terceira Turma, REsp 1389763/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. em 12.11.2013 – destaque nosso.

STJ, Segunda Turma, REsp 606.345/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, j. em 17.05.2007 – destaque nosso.

Apelação Cível n. 9193203-03.2002.8.26.0000, TJSP, 7º Câmara de Direito Privado, 24 de maio de 2006


Notas

[1] Carmona, Carlos Alberto. “Considerações Sobre Cláusula Compromissória e a Eleição de Foro”, in “Arbitragem – Estudos em Homenagem ao Prof. Guido Fernando da Silva Soares, In Memorian”, Atlas, 2007, p. 36.

[2]  Carmona, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo – um comentário à Lei 9.307/96, 3ª Ed., Atlas, 2009.

[3] STJ, Terceira Turma, REsp 1389763/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. em 12.11.2013 – destaque nosso.

[4] STJ, Segunda Turma, REsp 606.345/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, j. em 17.05.2007 – destaque nosso.

[5] DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na teoria Geral dos Processos. São Paulo: Malheiros, 2013.

[6] Apelação Cível n. 9193203-03.2002.8.26.0000, TJSP, 7º Câmara de Direito Privado, 24 de maio de 2006

[7] BULGARELLI, Waldírio. Manual das sociedades anônimas. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 299.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Aline. Da extensão subjetiva da cláusula compromissória arbitral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4465, 22 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33390. Acesso em: 24 abr. 2024.