Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/34255
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Da competência e demais aspectos processuais e materiais da pequena empreitada no âmbito da Justiça do Trabalho

Da competência e demais aspectos processuais e materiais da pequena empreitada no âmbito da Justiça do Trabalho

Publicado em . Elaborado em .

Processamento e julgamento da empreitada na justiça brasileira, em especial na Justiça do Trabalho, tendo em vista o disposto no artigo 652, alínea a, III, da CLT e a competência desde a EC 45/2004.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Da ampliação da competência material da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional nº. 45/2004; 3. Da pequena empreitada; 4. Considerações Finais; 5. Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar as questões que envolvem o processamento e julgamento do contrato de empreitada na justiça brasileira, em especial na Justiça do Trabalho, visto que apesar da disposição em lei sobre a competência para julgar os litígios que envolvem a pequena, média ou grande empreitada, é comum ainda que se tenham decisões de juízes declinando de ofício sua competência para julgamento. A competência ex ratione materiae (material) da Justiça do Trabalho está disciplinada nos artigos 114 da CF/88 e 652 da CLT.


2. DA AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº. 45/2004

No direito do trabalho, a competência não é definida pelo ramo do direito ou pela natureza das normas legais aplicáveis para a solução do caso concreto, mas pela pretensão deduzia em juízo, através da lide descrita na petição inicial. Assim, a competência material na Justiça do Trabalho para processar e julgar a demanda é definida pela natureza dos pedidos e causa de pedir.

Neste sentido, Leite (2014, p. 195) analisa que “a competência material da Justiça do Trabalho depende exatamente daquilo que o autor leva para o processo [...], mesmo se a decisão de mérito que vier a ser prolatada envolver a aplicação de normas de direito civil ou de outros setores do edifício jurídico”. [1]

Antes da publicação da Emenda Constitucional nº. 45/2004, o cenário constitucional da competência material da Justiça do Trabalho era inteiramente diferente, limitando-se a conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, conforme antiga redação do caput do artigo 114 da CF/88, isto é, as relações de emprego e excepcionalmente, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho.

Dentre as ampliações trazidas pela EC nº. 45/2004, destaca-se a competência da Justiça do Trabalho para em regra processar e julgar as ações oriundas das relações de trabalho, em detrimento apenas das relações de emprego, conforme estipulava a redação anterior, retirando do caput do artigo 114 da CF/88 o trecho “trabalhadores e empregadores” incluindo “ações oriundas de relação de emprego”.

Nesse sentido, cumpre destacar a lição de Schiavi (2014, p. 205):

Com a EC n. 45/04, houve uma alteração no eixo central da competência da Justiça do Trabalho, pois, o que antes era exceção, ou seja, apreciar as controvérsias que envolvem a relação de trabalho, agora passou a ser regra geral. A Justiça do Trabalho brasileira, seguindo o que já ocorre em alguns países, passou a ser o ramo do judiciário encarregado de apreciar praticamente todas as controvérsias que envolvem e circundam o trabalho humano, o que é salutar, pois favorece a efetividade e aplicabilidade da legislação social e facilita o acesso daqueles que vivem do próprio trabalho ao Judiciário Trabalhista. [2]

Sobre a ampliação trazida pela EC nº. 45/2004 é de suma importância trazer a posição de Almeida (2014, p. 31):

 A alteração da competência Justiça do Trabalho exige do direito processual do trabalho, que é único (não existe um direito processual do trabalho voltado para a solução de conflitos decorrentes da relação de emprego e um direito processual do trabalho em foco na solução de conflitos resultantes de relação de trabalho distinta da relação de emprego), o estabelecimento das condições necessárias para a concretização do direito decorrente das relações de trabalho e não apenas da relação de emprego (relação de trabalho subordinado). [3]

Havendo assim uma ampliação do conceito tradicional, já superado, dos sujeitos e das relações passíveis de apreciação pela Justiça do Trabalho brasileira, fortalecendo-a como instituição moderna e eficiente no cumprimento de seu dever, além de ressaltar sua importância social e jurídica.

As medidas foram adotadas com base no fato de que nem toda relação de trabalho corresponde a uma relação de emprego, mas toda relação de emprego corresponde a uma relação de trabalho. Sendo a relação de trabalho gênero da qual a relação emprego é espécie.

Seja como trabalhador autônomo, liberal, avulso, freelancer, eventual ou qualquer outra espécie desse gênero, cujo rol está cada vez mais amplo em razão das transformações do mercado e do Direito do Trabalho, o vínculo empregatício nunca será presumido, devendo ser preenchidos os elementos caracterizadores da definição da figura do empregado, isso é pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e a subordinação jurídica, conforme disposto no artigo 3º da CLT, bastando à ausência de apenas um único desses elementos legais para que se tenha uma relação de trabalho ao invés de uma relação de emprego.


3. DA PEQUENA EMPREITADA

Apesar da ampliação e modificações trazidas EC nº. 45/2004, já detinha a Justiça do Trabalho, desde a promulgação da CLT em 1963, a competência para conciliar e julgar os dissídios resultantes do contrato de empreitada em que o empreiteiro seja operário ou artífice (art. 652, alínea a, inciso III da CLT), situação corriqueira de relação de trabalho, denominada pela doutrina e jurisprudência como pequena empreitada.

Neste sentido, Leite (2014, p. 239) percebe que “o critério da competência aqui adotado pelo legislador consolidado é, a um só tempo, em razão da matéria (contrato de empreitada) e em razão da pessoa (empreiteiro operário ou empreiteiro artífice)” [4]. Como artífice é compreendido o operário, obreiro ou artesão que trabalha em determinados ofícios, sendo usado também para a figura do inventor (FERREIRA, 1995, p. 64). [5]

Tem-se na empreitada um contrato civil no qual a pessoa física ou jurídica do empreiteiro “obriga-se a executar obra ou serviço certo de maneira escrita ou verbal, enquanto o dono da obra se compromete ao pagamento do preço estabelecido, objetivando apenas o resultado do trabalho contratado” (TRT 6ª Região, 0000175-92-2010-5-06-0311 (RO), Juiz Relator José Luciano Alexo da Silva, DJ em 09/02/2011, DP em 22/02/2011). Enquanto na pequena empreitada, haverá um trabalhador autônomo ora, operário ou artífice que em troca de contraprestação pecuniária prestará um determinado serviço com pessoalidade, não podendo haver, por conseguinte a prestação através de pessoa jurídica.

Denota-se que o inciso III, do artigo 652, alínea a da CLT, não estipulou os requisitos necessários para se qualificar e diferenciar a pequena empreitada da grande e média.

Tanto é, que tramita perante a Câmara dos Deputados o projeto de Lei nº. 6.671 de 2002, que visa modificar o dispositivo e incisos do artigo 652 da CLT que trata da competência dos juízes do trabalho, sendo destacado em relação à pequena empreitada, o seguinte:

Art. 652. Compete ao juiz do trabalho [...] IV – empreiteiro e subempreiteiro, ou qualquer destes e o dono da obra, nos contratos de pequena empreitada, sempre que os primeiros concorrerem pessoalmente com seu trabalho para a execução dos serviços, ainda que mediante o concurso de terceiros (BRASIL, 2014, s/p.). [6]

O referido processo de lei, encontra-se sem movimentação desde o ano de 2004, não tendo sido até a presente data apreciado pelo Plenário da Câmara. Cabendo assim à doutrina e a jurisprudência definir os elementos caracterizadores da pequena empreitada, o que vem apresentando posicionamentos diversos.

Sobre o tema, ensina com propriedade Martins (2011, p. 723):

Será considerado pequeno operário aquele que trabalha diretamente com seus subordinados. Se apenas dirigir o serviço não será considerado pequeno empreiteiro, mas empresário. O trabalhador necessariamente deverá ser pessoa física, não podendo, portanto, ser pessoa jurídica. Não poderá ter um número muito grande de empregados, sob pena de ser considerado verdadeiro empregador, empresa. O ideal seria que tivesse apenas duas ou três pessoas que o ajudassem, mas esse critério não é preciso para o distinguir do verdadeiro empresário, pois não há disposição em lei e determinado o critério para considerá-lo pequeno empreiteiro ou não. O vulto da obra também deve ser pequeno, ou seja: construir um muro, pintar uma parede, fazer pequenas reformas em uma casa etc. [7]

Enquanto o professor Schiavi (2014, p. 230) assevera que:

No nosso sentir, o conceito de pequena empreitada previsto no artigo 652, da CLT se refere ao trabalhador pessoa física. Esta modalidade contratual não se reporta ao vulto econômico da empreitada, pois o referido inciso III não vincula a empreitada ao valor do serviço,tampouco à sua duração, e sim, ao fato do empreiteiro ser operário ou artífice. [8]

 Mais adiante, assim justifica o seu posicionamento (2014, p. 230):                                   

Mostra-se perigosa a interpretação no sentido de que o empreiteiro pode estar acompanhado de outros trabalhadores e até constituir pessoa jurídica, sob consequência de se aplicar por analogia o conceito de pequena empreitada para outras espécies de prestação de serviços por pessoa jurídica ou até para microempresas. Além disso, a pequena empreitada é espécie do gênero relação de trabalho e, portanto, somente é admissível a pequena empreitada se o empreiteiro prestar serviços de forma pessoal. Não importa, a nosso ver, se o contrato de empreitada tem elevado vulto financeiro, ou se perdurará meses ou anos, o importante é que o empreiteiro trabalhe com pessoalidade, de forma autônoma, sem a ajuda de outros trabalhadores. [9]

Apesar das divergências doutrinárias apontadas, notam-se alguns elementos comuns levantados para dirimir a definição quanto ao tratar-se de pequena empreitada ou não. Na pequena empreitada o empreiteiro atua de maneira pessoal, na qualidade de operário ou artífice, sendo vedada a prestação através de pessoa jurídica.

Havendo divergência se para a realização da obra a pequena empreitada admite a assistência de alguns poucos ajudantes, bem como, se deve ser considerado o valor econômico do serviço, bem como o prazo para sua execução.

Deste modo, incontroverso que se a empreitada for executada por uma pessoa jurídica ou por uma pessoa física aliada a um valor de contrato elevado ou com um número elevado de trabalhadores ou grande prazo para execução da obra, não há como nessa hipótese se tratar de uma pequena empreitada, cabendo o julgamento à Justiça Cível Comum.

Destacando que o espírito do legislador ao prever a competência da Justiça do Trabalho para dirimir questões na qualificação do trabalhador como operário ou artífice, visou à proteção do empreiteiro autônomo mais humilde e hipossuficiente, facilitando o seu acesso á justiça tendo em vista a maior celeridade e sensibilidade desta justiça especializada aos princípios e valores sociais do trabalho, além é claro da possibilidade da parte reclamar pessoalmente seus direitos perante a Justiça do Trabalho (art. 791, CLT), de maneira jus postulandi, sem que exista a necessidade de se fazer representar por intermédio de advogado.

Sobre a pequena empreitada, discorre Delgado (2014, p. 354):

Trata a regra do art. 652, "a", III, da CLT, do empreiteiro pessoa física que, como profissional autônomo, executa, só e pessoalmente (ou, no máximo com algum auxiliar), a empreitada, de valor econômico não elevado". Não se insere nessa excetiva hipótese legal o empreiteiro pessoa jurídica, ou aquele que, sendo pessoa física, leve a termo a obra mediante concurso de distintos auxiliares ou empregados - agindo como se empresário fosse. A intenção legal foi manifestamente protetiva, à luz de uma peculiar (embora recorrente) situação verificada com o trabalhador autônomo mais humilde. [10]

E ainda, assim a lição de Carrion (2014, p. 621), “se o artífice possuir firma devidamente organizada, trata-se de atividade empresarial, mesmo modesta, que escapa á previsão legislativa mencionada. Diversa é a situação do trabalhador autônomo”. [11]

Assim, se tratando de contratação de pessoa física, aonde o labor não se limitava a ser prestado pelo operário ou artífice pessoalmente (intuitu personae) com seus subordinados, ficando exclusivamente a cargo de outros trabalhadores por ele contratados, dirigidos e remunerados, afasta-se também a figura jurídica da pequena empreitada. Assemelhando-se nessas situações a parte contratada não há um operário ou artífice, mas sim a um empresário, detentor de atividade econômica organizada com objeto a prestação de serviços de execução de obras de construção civil.

Distinção e levantamentos que servem para dirimir qual órgão do Poder Judiciário será competente para apreciar e julgar os litígios envolvendo as empreitadas.

Neste sentido, cumpre destacar o julgado do Colendo Tribunal Superior de Trabalho, acerca da matéria:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. CONTRATO DE EMPREITADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. O art. 652, III, da CLT dispõe regra acerca da competência dos juízes do trabalho para conciliar e julgar os dissídios resultantes de contratos de empreitadas em que o empreiteiro seja operário ou artífice. A intenção da CLT foi inquestionavelmente delimitar a figura da empreitada a ser trazida ao Juízo Trabalhista àqueles contratos concernentes a pequenas obras, cujo montante não seja economicamente significativo e cuja realização se faça com o simples concurso do trabalhador empreiteiro. Tratando-se, pois, de contrato de empreitada realizado com o concurso de diversos trabalhadores, não se tipifica a figura objetivada pela CLT, que apenas quis franquear ao profissional simples os mecanismos mais singelos e econômicos de acesso ao Judiciário existentes no processo trabalhista. Desse modo, não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui as razões expendidas na decisão denegatória que assim subsiste pelos seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido (BRASIL, 2011, [s/p]). [12]

Bem como o a jurisprudência recente dos Tribunais Regionais do Trabalho, a seguir transcritos:

  COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CONTRATO DE PEQUENA EMPREITADA. No caso dos autos, em que pese o reclamante tenha sido auxiliado por outros trabalhadores na execução da empreitada, não resta caracterizado o exercício de atividade empresarial pelo autor, pois prestava serviço como operário ou artífice, de forma pessoal ao demandado, o que atrai a incidência do art. 652, a, III, da CLT. Recurso da parte autora provido para declarar a competência desta Justiça Especializada, determinando o retorno dos autos à origem para o regular processamento do feito (RIO GRANDE DO SUL, 2013, [s/p]). [13]

CONTRATO DE EMPREITADA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A competência da Justiça do Trabalho nos contratos de empreitada limita-se às ações em que é parte o empreiteiro na qualidade de operário ou artífice, mesmo que trabalhe com auxiliares. No caso, demonstrado que o empreiteiro agiu na qualidade de empresário, meramente dirigindo a prestação do serviço, não cabe falar em competência da Justiça do Trabalho. Recurso ordinário do reclamante a que se nega provimento (RIO GRANDE DO SUL, 2012, [s/p]). [14]

CONTRATO DE EMPREITADA. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Ante o contido nos arts. 114, inc. IX, da Constituição da República e 652, inc. III, da CLT, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar lide envolvendo pequena empreitada. Ausente a pessoalidade inerente à relação de trabalho e considerando a ocorrência de empreitada de média envergadura e substancial repercussão econômica, a competência para processar e julgar a lide é da Justiça Comum Estadual. (SANTA CATARINA, 2012, [s/p]). [15]

Sendo incontroverso, que seja qual for à modalidade de empreitada contratada, em especial a pequena empreitada de competência da Justiça do Trabalho, não será discutido o reconhecimento de vínculo de emprego e por consequência as verbas trabalhistas e efeitos jurídicos advindos dessa contratação, mas sim o saldo e as parcelas pecuniárias decorrentes do contrato de empreitada, pois trata-se de um relação de trabalho, em razão da ausência concomitante de todos os pressupostos fáticos-jurídicos elencados no artigo 3º da CLT.

Nesse particular, cumpre destacar o posicionamento de Delgado (2014, p. 354), conforme explicita:

Não tendo sido essa contudo, a visão jurisprudencial hegemônica acerca da questão: configurada a pequena empreitada, atribuem-se ao trabalhador empreiteiro, na Justiça Especializada, os direitos inerentes ao contrato civil formado (preço, épocas de pagamento, etc.), sem extensão de direitos e normas laborais. É que o art. 652 da CLT é norma típica e estrita de Direito Processual do Trabalho, fixando competência (no caso, a chamada competência imprópria da Justiça do Trabalho), não se referindo a aspectos de Direito Material do Trabalho. De todo o modo, sempre que a lei quis estender regras e vantagens empregatícias (como contidas na CLT) a trabalhador não empregado (como o avulso, por exemplo), fê-lo expressamente. [16]

Exceto, é claro, nas situações em que se tem na verdade um vínculo de emprego mascarado por uma empreitada meramente artificial e fraudulenta, cabendo prevalecer o princípio da primazia da realidade sobre a forma, aplicando-se o artigo 9º da CLT aonde serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na CLT, devendo ser reconhecido em juízo o vínculo empregatício e direitos trabalhistas decorrentes desta contratação, não podendo o empregador de má-fé ser beneficiado por sua conduta ilícita.

Especificadamente sobre a empreitada fraudulenta, assim já se manifestou o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:

CONTRATO DE EMPREITADA. DESCARACTERIZAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO CONFIGURADO. Configura-se a pequena empreitada quando o empreiteiro, pessoa física, na condição de profissional autônomo, executa com liberalidade a empreitada de valor econômico não elevado. O objeto do contrato é um resultado específico e delimitado, concernente a uma obra certa, consoante se infere do art. 610 e ss. do Código Civil. No caso de autos, porém, verifica-se que o autor executava serviços de manutenção e reparação predial na empresa tomadora, em caráter permanente e de forma subordinada, tornando evidente que o pseudo contrato de empreitada tinha por único escopo mascarar o liame empregatício subjacente, em franca fraude trabalhista (art. 9º da CLT). Destarte, uma vez descaracterizada a relação jurídica de aparência civilista, mantém-se incólume a conclusão monocrática que reconheceu o vínculo empregatício entre as partes litigantes nos moldes preconizados pelo art. 3º do Texto Consolidado. Recurso patronal improvido.(SÃO PAULO, 2014, [s/p]). [17]

Em relação à incompetência a ser alegada, seja na Justiça Trabalhista, seja na Justiça Cível, “[...] se dá em razão da matéria ou da hierarquia, qualificando-se como questão de ordem pública, do interesse do Estado, sobreponde-se ás pretensões do autor e do réu” (MONTENEGRO FILHO, 2010, p. 179) [18] devendo ser declarada de ofício pelo magistrado, bem como podendo ser alegada, em qualquer tempo e grau de jurisdição pelas partes, independentemente de exceção, não estando sujeita aos efeitos da preclusão (art. 113 do CPC), pois “a competência plena, ou a inexistência de incompetência absoluta, é pressuposto processual de validade da relação jurídica processual. Os atos decisórios praticados por juiz absolutamente incompetente são inválidos” (NERY JUNIOR; NERY, 2003, p. 514). [19]


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nem sempre é fácil a caracterização da pequena empreitada, ainda mais quando existem divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, razão pela qual cabe ao advogado constituído analisar de maneira minuciosa o caso antes do ajuizamento da ação. Tendo em vista que nesses casos , por ser absoluta a incompetência material, todos os atos decisórios praticados serão nulos, pois se trata de vício insanável, sobre o qual não se opera a preclusão.

Deste modo, sendo acolhida a incompetência material suscitada, impõe-se a extinção do processo sem resolução do mérito com a remessa dos autos a juiz competente (art. 113, 2º do CPC), havendo consequentemente um retardamento da prestação jurisdicional, pois os atos decisórios invalidados deverão ser produzidos novamente.

Prolongamento e inefetividade que poderiam ser evitados se fossem observados os critérios para ajuizamento da ação na jurisdição correta. Assim, torna-se relevante a análise de Leite (2014, p. 320):

As competências em razão da matéria, da pessoa e da função , só permitem o exercício da jurisdição pelo juiz que estiver legalmente autorizado a exercê-la. Diz-se, portanto, que todas essas competências são de natureza absoluta, razão pela qual a sua inobservância contamina todos os atos praticados no processo. [20]

Apesar das polêmicas, ante a ausência de definição legal e conceito da pequena empreitada, entendo que não deve ser interpretado restritivamente a disposição contida no inciso III, do art 652 da CLT, para estabelecer a competência da Justiça do Trabalho.

Assim, como critério definidor, além da pessoalidade, isso é que o operário ou artífice não apenas dirija o serviço, mas preste os serviços de forma pessoal, deve ser considerado o vulto da obra pactuada, tanto físico quanto monetariamente bem como o prazo para execução da mesma, apesar de tais disposições não estarem previstas em lei.

Ademais, entendo que ainda a utilização de alguns ajudantes por si só não desnatura tal tipo de contrato, considerando o pequeno vulto econômico da obra contratada, visto que o auxílio de outros trabalhadores (servente, pedreiro, carpinteiro, pintor, etc) muitas vezes é imprescindível para a perfeita realização da obra, ainda que seja de pequena complexidade. Não sendo cabível e sequer razoável exigir nos dias de hoje que o operário ou artífice trabalhe sozinho, independentemente do tamanho ou complexidade do serviço, podendo se valer do auxilio de ajudantes para a execução da obra, se necessário.

Em relação ao número de ajudantes, não há disposição em lei, nem critério preciso sobre qual número é considerado para caracterizar ou não uma pequena empreitada, devendo ser analisado os fatos e as circuntâncias dos fatos, isso é a situação como um todo, já que na falta de normas jurídicas particulares  caberá ao julgador, no exame do caso concreto, aplicar as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, conforme disposto no artigo 335 do CPC.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] [4] [20] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 12ª Ed. São Paulo: LTr, 2014.

[2] [8] [9] SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo, Ltr, 2014.

[3] ALMEIDA, Cleber Lucio de. Direito processual do trabalho. 5ª Ed. rev., atual e ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2014.

[5] FERREIRA, Aurélio B. de Hollanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa.  Editora Nova Fronteira, 1995.

[6] BRASIL. Câmara dos Deputados. PL 6671/2002. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=50588>. Acesso em 12 novembro. 2014.

[7] MARTINS, Sergio Pinto. Comentários CLT. 15ª Ed. São Paulo: Atlas, 2011.

[10] [16] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13ª ed. São Paulo : LTr, 2014.

[11] CARRION, Valentin. Comentários á CLT: legislação complementar : jurisprudência. 39ª Ed. ver. e atual. por Eduardo Carrion São Paulo: Saraiva, 2014.

[12] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento. Recurso de Revista. Contrato de Empreitada. Competência da Justiça do Trabalho. Decisão Denegatória. Manutenção nº AIRR 675006120095210001 67500-61.2009.5.21.0001. Relator: Ministro Mauricio Godinho Delgado. Brasília, DF, 01 de junho de 2011. Dejt. Brasília, 10 jun. 2011. Disponível em:<http://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19505316/agravo-de-instrumento-em-recurso-de-revista-airr-675006120095210001-67500-6120095210001>. Acesso em 13 novembro. 2014.

[13 ]RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Competência da Justiça do Trabalho. Contrato de Pequena Empreitada. nº 0000567-59.2013.5.04.0383 RO. Recorrente: IDAIR PEREIRA - Recorrido: JOELCIR BERGAMASCKI. Relator: Desembargador André Reverbel Fernandes. Porto Alegre, RS, 30 de outubro de 2013. TRT-4. Porto Alegre. Disponível em: <http://trt-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/128650173/recurso-ordinario-ro-5675920135040383-rs-0000567-5920135040383>. Acesso em: 13 novembro. 2014.

[14] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Contrato de Empreitada. Incompetência da justiça do trabalho. n° 0000639-68.2010.5.04.0733 RO. Relator: Desembargador João Alfredo Borges Antunes de Miranda. Porto Alegre, RS, 26 de janeiro de 2012. TRT-4. Porto Alegre, 2012. Disponível em: http://trt.vlex.com.br/vid/-348146846>. Acesso em: 23 novembro. 2014.

[15] SANTA CATARINA. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Acórdão TRT 12ª / Secretaria da 2a Turma / 2012-07-04 nº 0001222-24.2011.5.12.0045 RO. Relator: Des. Lourdes Dreyer. Florianópolis, SC, 21 de junho de 2012. TRT-12. Florianópolis, 2012.Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br;justica.trabalho;regiao.12:tribunal.regional.trabalho;turma.2:acordao:2012-06-21;0001222-24.2011.5.12.0045,01222-2011-045-12-00-6,227286>. Acesso em: 13 novembro. 2014.

[17] SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Contrato de empreitada. Descaracterização. Vínculo de emprego configurado. nº.0002695-66.2010.5.02.0010. Embargante: A.A. FERNANDES & CIA LTDA – EPP. RECORRIDO: JOSÉ RODRIGUES DE MIRANDA. Relatora: Desembargadora Maria Isabel Cueva Moraes, Data da publicação: 04-07-2014. Disponível em: http://www.trtsp.jus.br/ Acesso em: 13 novembro. 2014.

[18] MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de processo civil comentado e interpretado. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010.

[19] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado: e legislação extravagante – 7ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. 

BRASIL. Constituição (1943). Decreto-lei nº 5452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.stj.pt/ficheiros/fpstjptlp/brasil_leistrabalho.pdf>. Acesso em 13 novembro. 2014.

BRASIL. Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Código de Processo Civil. Brasília, DF, 11 jan. 1973. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em: 13 novembro. 2014.


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.