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Natureza jurídica da licença ambiental e suas implicações

autorização administrativa x licença administrativa

Natureza jurídica da licença ambiental e suas implicações: autorização administrativa x licença administrativa

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A complexidade ambiental não permitiria afirmar que a atividade de concessão da licença se trate de uma simples verificação de cumprimento, por parte do empreendedor, de requisitos pré-estabelecidos.

RESUMO: A natureza jurídica da licença ambiental ainda gera celeumas no meio jurídico, havendo quem se posicione pelo caráter de autorização administrativa e os que a compreendem como licença administrativa. Diante de suas consequências, esta discussão ultrapassa o aspecto teórico, sobretudo na hipótese de extinção deste ato administrativo, mediante a revogação ou cassação da licença ambiental. O objetivo deste estudo é fornecer subsídios teóricos acerca do tema e auxiliar os operadores do direito a compreender a importância desta distinção.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Autorização Administrativa. Licença Administrativa. Natureza Jurídica Licença Ambiental.

SUMÁRIO: 1- INTRODUÇÃO; 2- CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E PREVISÃO LEGAL DA LICENÇA ADMINISTrATIVA; 3- DISTINÇÃO DOS INSTITUTOS: ALVARÁ X LICENÇA ADMINISTRATIVA X AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA; 4- LICENÇA X LICENCIAMENTO AMBIENTAL: CONCEITO E PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO; 5- NATUREZA JURIDICA DA LICENÇA AMBIENTAL E SUAS IMPLICAÇÕES: AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA X LICENÇA ADMINISTRATIVA; 6 - CONCLUSÃO.


1- INTRODUÇÃO

Hely Lopes Meireles[1] classifica os atos administrativos em cinco espécies quanto ao objeto a que se destinam: atos normativos, ordinatórios, negociais, enunciativos e punitivos.

Seguindo a classificação do célebre administrativista, a licença ambiental é espécie de ato administrativo negocial ou de consentimento estatal, por se tratar de manifestação de vontade da Administração Pública, que permite certa faculdade ao particular, visando criar, modificar, resguardar ou extinguir direitos para si ou para seus administrados, devendo ser realizado nas condições impostas ou consentidas pelo Poder Público.

A questão que gera acirradas discussões acerca da licença ambiental diz respeito a sua natureza jurídica, havendo uma cisão entre os doutrinadores quanto ao caráter de autorização ou de licença.

 Importante ressaltar que esta dicotomia não se resume a controvérsia meramente teórica, longe disso, possui enorme relevância, diante das consequências de tal distinção, sobretudo, na hipótese de extinção deste ato, como será adiante pormenorizado.

De prólogo, em primeira abordagem e precedendo o tema central desta resenha, é oportuno tecer breves considerações acerca da licença administrativa e do licenciamento ambiental, sua definição, previsão normativa, terminologia e procedimento.


2- CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E PREVISÃO LEGAL DA LICENÇA ADMINISTrATIVA

O conceito de licença administrativa é abordado pelos grandes autores do Direito Administrativo, sem maiores divergências doutrinárias.

Hely Lopes Meirelles[2] conceitua licença nos seguintes termos:

 "Licença é o ato administrativo vinculado e definitivo pelo qual o Poder Público, verificando que o interessado atendeu a todas as exigências legais, faculta-lhe o desempenho de atividades ou a realização de fatos materiais antes vedados ao particular, como, por exemplo, o exercício de uma profissão, a construção de um edifício em terreno próprio”.

Já Celso Antônio Bandeira de Mello[3] afirma que "Licença é o ato vinculado, unilateral, pelo qual a Administração faculta a alguém o exercício de uma atividade, uma vez demonstrado pelo interessado o preenchimento dos requisitos legais exigidos".

Nos termos já enunciados, a natureza jurídica da licença administrativa é de ato administrativo negocial ou de consentimento estatal, por se tratar de manifestação de vontade da Administração Pública, visando criar, modificar, resguardar ou extinguir direitos para si ou para seus administrados, desde que realizadas as condições impostas ou consentidas pelo Poder Público.

Não obstante ser ato unilateral, a bilateralidade pode ser defendida se entendermos a provocação do Poder Público como uma manifestação de vontade do administrado, já que, apesar da manifestação de vontade do administrado beneficiado pelo ato não ser requisito para a formação do mesmo, faz-se necessária a provocação do Poder Público para a sua expedição.

Aspecto da maior importância da licença administrativa é seu caráter vinculado, atributo que a discrimina de alguns atos administrativos. Na autorização, por exemplo, há espaço para discricionariedade da Administração quando provocada para sua concessão. Por sua vez, na licença, quem provocar o ente competente e integralizar os requisitos elencados na legislação ostenta direito subjetivo à concessão da mesma, eis que ausente a análise de conveniência e oportunidade. 

Em decorrência do caráter vinculado do ato, quem tiver preenchido os requisitos legais e tiver negada a licença pelo Poder Público, como regra, pode manejar Mandado de Segurança, já que maculado direito líquido e certo e constatada ilegalidade ou abuso de poder.

Em decorrência desse caráter vinculado, a licença ostenta o atributo da definitividade, segundo o qual, uma vez concedida, só poderá ser anulada, cassada ou revogada se comprovada ilegalidade em sua expedição, descumprimento das condições impostas pelo Poder Público ou se suceder interesse público incompatível com o ato concedido.

Como exemplo, poder-se-ia imaginar a concessão de uma licença ambiental para a construção de empreendimento hoteleiro, onde não fossem cumpridas as condicionantes impostas na licença, sucedendo a revogação do ato pelo Poder Publico.

Curiosamente, o ordenamento jurídico pátrio não possui nenhum dispositivo legal que conceitue ou defina as licenças administrativas. Enquanto os institutos da concessão e da permissão possuem uma lei própria que os conceitua e regula, a licença administrativa é prevista em diversas leis em todas as esferas governamentais, não havendo definição legal do que seja licença, sendo seu conceito, portanto, construção doutrinária.

Exemplificando alguns diplomas legislativos onde há, pelo menos, menção a licença administrativa, citamos, na esfera federal, a Lei nº 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano; a Lei 6938/81, que dispõe sobe a Política Nacional de Meio Ambiente e a Resolução CONAMA 237/97, que dispõe sobre licenciamento ambiental. Na esfera estadual, citamos as resoluções dos Conselhos Estaduais do Meio Ambiente que regulam o licenciamento ambiental, e.g., a Resolução COEMA 04/2012 do Estado do Ceará, que dispõe sobre a atualização dos procedimentos, critérios, parâmetros e custos aplicados aos processos de licenciamento e autorização ambiental no âmbito da Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Estado do Ceará - SEMACE.


3 – DISTINÇÃO DOS INSTITUTOS: ALVARÁ X LICENÇA ADMINISTRATIVA X AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Avançando no objeto deste estudo é prudente delinear algumas terminologias e distinções, a fim de aprofundarmos a temática sob retina.

De proêmio, é salutar esclarecer o significado técnico de termo comumente utilizado no meio jurídico, que corriqueiramente é confundido com outros institutos: o alvará.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro[4], define o alvará em sua clássica obra de Direito Administrativo:

 "Alvará é o instrumento pelo qual a Administrativa Pública confere licença ou autorização para a prática de ato ou exercício de atividade sujeitos ao poder de polícia do Estado. Mais resumidamente, o alvará é o instrumento de licença ou da autorização. Ele é a forma, o revestimento exterior do ato; a licença e a autorização são o conteúdo do ato".

 Diógenes Gasparini[5] complementa o conceito da célebre autora: "alvará é a fórmula segundo a qual a Administração Pública expede autorização e licença para a prática de ato ou o exercício de certa atividade material.".

Arrematando esta tríade de conceituados administrativistas, citamos José dos Santos Carvalho Filho[6], para quem alvará é o instrumento, meio ou fórmula através do qual a Administração Pública expede autorização ou licença. Ou seja, tecnicamente, o alvará é a forma dos atos administrativos da licença e da autorização, os quais somente se concretizam e passam a existir na esfera jurídica com a expedição daquela formalidade.

Em síntese, enquanto a autorização e a licença absorvem o conteúdo e a matéria; o alvará, repita-se, é a forma pela qual se manifesta a vontade do ente estatal.

Em segunda abordagem, é de fundamental importância distinguir licença administrativa de autorização administrativa. A despeito da aparente semelhança, destacadamente pelo fato de ambos serem atos unilaterais e representarem meios pelos quais a Administração Pública exerce seu poder de polícia, para eventualmente permitir determinado comportamento ou atividade do administrado, os mesmos devem ser discernidos, principalmente aos olhos do operador do Direito.

A licença é ato vinculado, portanto tem conteúdo declaratório, ou seja, a lei define tudo que o interessado deve cumprir para fazer jus à mesma. Assim, a Administração Pública não cria o direito, apenas reconhece um direito subjetivo preexistente, quando se preenchem seus requisitos legais. Tais características conferem, como regra, atributos de permanência ou definitividade a licença, razão pela qual se diz, corriqueiramente, que gera direito adquirido, conceito que, como veremos adiante, terá mitigações.

Por sua vez, a autorização é um ato discricionário e precário, podendo ser revogada ad nutum. Aqui a Administração Pública faculta ao administrado o uso privativo de bem público, o desempenho de atividade material ou a prática de determinado ato. O interessado não é titular de direito subjetivo ainda que preencha todos os requisitos legais e, seguindo critérios de conveniência e oportunidade, a Administração Pública concederá ou não a autorização.

O Poder Público, se achar conveniente e oportuno, constituirá esse direito, ao contrário da licença onde se declara o direito. Por isso se confere à autorização, corretamente, o status de ato constitutivo.

Por ser discricionária a concessão de uma autorização, a Administração Pública possui a mesma discricionariedade na hora de revê-la. Assim, a autorização administrativa é ato administrativo precário, discricionário e constitutivo.


4- LICENÇA X LICENCIAMENTO AMBIENTAL: CONCEITO E PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

A análise, ainda que breve, do iter exigido a concessão da licença ambiental é um dos pré-requisitos ao escorreito entendimento de sua natureza jurídica. De proêmio, deve-se atentar para a peculiaridade de que a obtenção da licença ambiental não é um ato administrativo isolado em si, mas um procedimento constituído, como regra, de três fases: Licença Prévia (LP), Licença Instalação (LI) e Licença Operação (LO).

O fundamento constitucional da exigibilidade da licença ambiental e dos estudos de impacto que lhe são inerentes encontram-se fundamentalmente no artigo 225 da Carta Magna de 1988:

Artigo 225 CF/1988:

“ §1º - Para assegurar a efetividade desse direito incumbe ao Poder Público:

IV – Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.”

Em patamar infraconstitucional, a Resolução 237/97 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), tece maiores detalhes acerca do licenciamento ambiental, listando em um de seus anexos quais seriam as atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente. Ademais, descreve todas as premissas elementares daquele procedimento, razão pela qual transcrevemos alguns de seus dispositivos mais relevantes à compreensão da temática em epígrafe:

Art. 1º - Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições:

I – Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.”

“Art. 2º - A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis.”

“Art. 8º - O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:

I – Licença Prévia (LP) – concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade, aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação.

Nos termos dos preceitos legais acima transcritos, a concessão da licença prévia exige que o interessado realize estudos de impacto ambientais, podendo ser exigido o EIA – estudo de impacto ambiental e o RIMA – relatório de impacto ambiental, regulamentados tanto na Resolução CONAMA 237/97, como, mais detalhadamente, na Resolução CONAMA 01/86, senão vejamos::

Resolução CONAMA 01/86

Art. 1º - ...

III – Estudos Ambientais: são todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da licença requerida, tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco.”    

Art. 2º - Para os fins desta resolução, são adotadas as seguintes definições:

I – Relatório ambiental simplificado (RAS): os estudos relativos aos aspectos ambientais, relacionados a localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentados como subsídio para a concessão de licença prévia requerida e alterada entre outras as informações relativas ao diagnóstico ambiental da região de inserção do empreendimento, sua caracterização e identificação dos impactos ambientais e medidas de controle, de mitigação e de compensação.”

Destaque-se que o responsável pela realização do EIA- estudo de impacto ambiental- e o seu conseqüente RIMA – relatório de impacto ambiental - não é o órgão público e, sim, o interessado que arcará com os custos desses estudos, nos termos do art. 8º da RES 01/86:

Resolução CONAMA 01/86

 Art. 8º : Correrão por conta do proponente do projeto todas as despesas e custos referentes à realização do estudo de impacto ambiental, tais como: coleta e aquisições dos dados e informações, trabalhos e inspeções de campo, análises de laboratório, estudos técnicos e científicos e acompanhamento e monitoramento dos impactos, elaboração do RIMA e fornecimento de pelo menos 5 (cinco) cópias.”

O Poder Público, com a análise desses estudos, delibera por autorizar o início da instalação da atividade. Assim, concedida a licença prévia, o administrado pode requerer a licença de instalação nos termos do inciso II do artigo 8º da Resolução 237/97 do CONAMA:

Art. 8º - ...

II – Licença Instalação (LI) – autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante.”

Concedida a licença de instalação, após cumpridas as exigências legais e esgotado seu objeto, o interessado pode requerer a licença de operação:

Art. 8º - ...

III – Licença Operação (LO) – autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.”        

O Art. 18 da Resolução CONAMA 237/97 estabelece os prazos das licenças ambientais, aspecto de considerável relevância no diagnóstico de sua natureza jurídica, como será adiante pormenorizado:

Resolução CONAMA 237/97

“Art. 18 – O órgão ambiental competente estabelecerá os prazos de validade de cada tipo de licença, especificando-os no respectivo documento, levando em consideração os seguintes aspectos:...”

I – O prazo de validade da Licença Prévia (LP) deverá ser, no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de elaboração dos planos, programas e projetos relativos ao empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 5 (cinco) anos.

II – O prazo de validade da Licença de Instalação (LI) deverá ser, no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de instalação do empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a 6 (seis) anos.

III – O prazo de validade da Licença Operação (LO) deverá considerar os planos de controle ambiental e será de, no mínimo, 4 (quatro) anos e, no máximo, 10 (dez) anos.”

Estribados nestes breves comentários dos tópicos anteriores acerca do conceito, natureza jurídica, previsão legal e procedimento de obtenção da licença ambiental, é chegado o momento de examinar o tema central relacionado a sua natureza jurídica.


 5- NATUREZA JURIDICA DA LICENÇA AMBIENTAL E SUAS IMPLICAÇÕES: AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA X LICENÇA ADMINISTRATIVA

A natureza jurídica do licenciamento ambiental ainda é tema que gera divergências no meio jurídico, destacadamente entre os doutrinadores, persistindo duas correntes: os que entendem que se trata de autorização administrativa e quem defende sua natureza de licença administrativa.

Esta dicotomia sobeja o aspecto meramente conceitual, influenciando diretamente aspectos de extrema relevância. Exemplo disto são as consequências da cassação ou revogação da licença ambiental, principalmente se ponderarmos o instituto do direito adquirido ou, sob outro prisma, o direito a indenização do particular em face do ente administrativo licenciador.

Destaque-se que há relevantes fundamentos sustentando a corrente que escuda a natureza jurídica de autorização e, a despeito de ser posição minoritária, é capitaneada por Paulo Afonso Leme Machado, consagrado autor de Direito Ambiental.

Seus defensores notabilizam o lapso temporal de duração das licenças ambientais, onde tal ato deve ser reavaliado ao longo do tempo e, na hipótese de renovação, deve-se observar a legislação correspondente do novo pedido.

Nesse velejar, Paulo Leme Machado[7] fundamenta sua percepção no fato de que se a natureza jurídica fosse de licença, a mesma deveria ser permanente, gerando direito adquirido. Longe disso, terminado o lapso temporal pré-determinado, ela deve se submeter a eventuais novas regras.

Destarte, quem defende sua essência de autorização ambiental justifica tal posicionamento porque ela não é permanente, tem lapso temporal de duração, não gera direito adquirido, e a continuidade da atividade está condicionada a uma renovação com base em regras que aparecerão no futuro.

Nessa linha de pensamento, se a licença ambiental for entendida como uma autorização, será ato discricionário, podendo ser revogada a qualquer momento e estando sujeita a alterações ditadas pelo interesse público de acordo com a conveniência e oportunidade.

Paulo Affonso Leme Machado[8] considera sinônimos os termos licença e autorização:

Licença e autorização – no Direito brasileiro – são vocábulos ‘empregados sem rigor técnico’. O emprego na legislação e na doutrina do termo ‘licenciamento’ ambiental não traduz necessariamente a utilização da expressão jurídica licença, em seu rigor técnico.

(...)

Empregarei a expressão ‘licenciamento ambiental’ como equivalente a ‘autorização ambiental’, mesmo quando o termo utilizado seja simplesmente ‘licença’(in Direito ambiental brasileiro, 17. ed., Ed. Malheiros, São Paulo, 2009, p. 275).

Em arremate a sua concepção, Paulo Affonso Leme Machado[9] cita que o artigo 170, parágrafo único, da CF/88, utiliza a expressão ?autorização, e a Lei 6.938/81, se refere a pedido de renovação de licença (art. 10, parágrafo 1º) e a licenciamento e revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras (art. 9º, IV), dando a entender que a natureza jurídica da licença ambiental é de autorização, caso contrário não haveria necessidade de renovação.

Sem desmerecer os autores que defendem a posição divergente, a corrente que sustenta a natureza jurídica de licença, defendida por Paulo Bessa Antunes e José Afonso da Silva revela-se, em nosso entendimento, mais coerente.

Paulo Bessa Antunes[10] assevera que os efeitos no decorrer da validade da licença ambiental são efeitos de licença e o lapso temporal pré-estabelecido decorre do princípio da prevenção, característico do Direito Ambiental, ou seja, cuida-se de uma licença com peculiaridades como o prazo de duração. Enquanto seu prazo de duração está em vigência, existiria direito adquirido a essa atividade da forma que ela foi licenciada.

Sustentam, ainda, os defensores dessa corrente, a exemplo de Daniel Roberto Fink[11] e Hely Lopes Meireles[12], que preenchidos os requisitos previstos em lei, a Administração Pública não pode negar a concessão da licença, diante de seu caráter de ato vinculado, resultado de um direito subjetivo do interessado.

Jose Dos Santos Carvalho Filho[13], fazendo uma ponderação entre os dois entendimentos, assevera que, na realidade, não há atos inteiramente vinculados ou discricionários, mas uma situação de preponderância de maior ou menor liberdade deliberativa do seu agente. 

Em verdade, ousamos sustentar que a licença ambiental constitui-se de espécie de ato administrativo, que reúne características das duas categorias acima estudadas, constituindo-se em ato com características sui generis.

Por um lado, sua natureza jurídica fugiria da essência de uma licença, por não ter definitividade. Outrossim, a complexidade ambiental não permitiria que a atividade de concessão da licença se trate de uma simples verificação de cumprimento, por parte do empreendedor, de requisitos precisos e pré-estabelecidos.

Noutro giro, a licença ambiental não deve ser compreendida como uma simples autorização, onde a Administração Pública apenas analisaria a conveniência e oportunidade do empreendimento em relação ao meio ambiente.

Arrimando essa linha de pensamento, vaticina o artigo 19 da resolução 237/97:

Art. 19 – O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer:

I – Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais.

II – Omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença.

III – Superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem se manifestando em relação a natureza jurídica do licenciamento ambiental. No Recurso em Mandado de Segurança (RMS) 29.976-PA[14], o Ministro Relator Benedito Gonçalves proferiu seu voto nos seguintes termos:

A recorrente não cumpriu todas as exigências constantes da Notificação da Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Pará n. 528/DIPI/CODAP/DMA/2008 [...] O impetrante não demonstrou, através de prova pré-constituída, o direito líquido e certo à renovação da licença ambiental.

No RMS 25.488-MT[15], o Ministro Mauro Campbell Marques, relator do caso, em outra importante decisão do STJ manifestou-se no seguinte sentido:

A suspensão do cadastro, no caso, encontra amparo não só na necessidade genérica de preservação do meio ambiente (art. 225 CF vigente) – na medida em que as atividades que envolvem a extração e comercialização de madeira são potenciamente lesivas ao patrimônio ambiental –, mas também na norma específica do art. 19 da Resolução Conama n. 237/97.

Se há a possibilidade de o órgão ambiental competente suspender ou cancelar uma licença ambiental já expedida, caso ocorra alguma das hipóteses do incisos do art. 19 da Resolução CONAMA 237/97,24 isto mostra mais uma vez que a licença ambiental não é ato vinculado e definitivo. Neste caso, acaba por se aproximar a uma autorização. Contudo, apenas poderá ser revogada nas hipóteses dos incisos e não pelo livre juízo de conveniência e oportunidade do administrador.

O Ministro Edson Vidigal no AgRg[16] na Suspensão de Liminar 96-AM assim posicionou-se:

(...) a licença ambiental, ao contrário do seu paradigma tradicional do Direito Administrativo, não gera direito à preservação da situação vigente à época de sua concessão. Vale dizer, não possui carga de definitividade, estando sujeita a prazos de validade, e ainda, a revisão por interesse relevante ligado à proteção do meio ambiente ou da saúde pública (Lei n. 6.938/81, arts. 9º, IV, e 10, §1º, e Resolução CONAMA n. 237/97, art.19). Pode-se afirmar, portanto, que o licenciamento ambiental está sujeito ao princípio rebus sic stantibus, podendo haver alteração, cassação ou invalidação da licença, em caso de modificação das condições originais que o ensejaram ou de constatação de incompatibilidade com o regramento invocado como supedâneo para o seu deferimento.


CONCLUSÃO

A natureza jurídica da licença ambiental ainda gera acirradas controvérsias no meio jurídico, havendo quem entenda seu caráter de autorização administrativa e os que a compreendem como licença administrativa.

 Esta querela ultrapassa o aspecto teórico, diante das consequências de tal distinção, sobretudo, na hipótese de extinção deste ato administrativo, mediante a revogação ou cassação da licença ambiental.

Por um lado, a complexidade ambiental não permitiria afirmar que a atividade de concessão da licença se trate de uma simples verificação de cumprimento, por parte do empreendedor, de requisitos pré-estabelecidos. Noutro giro, a licença ambiental não deve ser compreendida como uma simples autorização, onde a Administração Pública apenas analisaria a conveniência e oportunidade do empreendimento em relação ao meio ambiente.

Há relevantes fundamentos nos dois posicionamentos, entretanto, fazendo uma ponderação entre os dois entendimentos, e considerando que não há atos inteiramente vinculados ou discricionários, mas uma situação de preponderância de maior ou menor liberdade deliberativa do seu agente, sustentamos que a licença ambiental constitui-se de espécie de ato administrativo, que reúne características das duas categorias citadas estudadas, constituindo-se em ato com características sui generis, prevalecendo as características de licença ambiental.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.       MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 1999

2.       MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., 1999

3.       MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2006

4.       DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005

5.       GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 87

6.       CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2009.

7.       MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

8.       MACHADO, Paulo Affonso Leme . op. cit.., 2009, pag. 275.

9.       MACHADO, Paulo Affonso Leme. op. cit., 2009.

10.    ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 294

11.    ALONSO, Hamilton; DAWALIBI, Marcelo; FINK, Daniel Roberto. Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.10.

12.    MEIRELES, Hely Lopes. Direito de Construir. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, 9ª ed..

13.    CARVALHO FILHO, op. cit.., 2009.

14.    RMS n. 29.976-PA, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 03 de set. 2009.

15.    RMS n. 25.488-MT, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 1º de set. 2009.

16.    AgRg na SL n. 96-AM, Rel. Ministro Edson Vidigal, 15 de set. 2004.


Notas

[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 1999

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 1999 P. 102.

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. P.103.

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005. P.88.

[5] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. P. 87.

[6] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2009.

[7] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

[8] MACHADO, Paulo Affonso Leme . op. cit.., 2009, pag. 275.

[9] MACHADO, Paulo Affonso Leme. op. cit., 2009.

[10] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 294

[11] ALONSO, Hamilton; DAWALIBI, Marcelo; FINK, Daniel Roberto. Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.10.

[12]  MEIRELES, Hely Lopes. Direito de Construir. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, 9ª ed..

[13] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2009.

[14] RMS n. 29.976-PA, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 03 de set. 2009.

[15] RMS n. 25.488-MT, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 1º de set. 2009.

[16] AgRg na SL n. 96-AM, Rel. Ministro Edson Vidigal, 15 de set. 2004.


Autor

  • Paulo Henrique Carneiro Fontenele

    Procurador Federal. Ex-Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Ex-Procurador Autárquico da Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Estado do Ceará (SEMACE). Pós-graduado em Direito do Estado. Pós-graduando em Direito Administrativo. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC)<br>

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONTENELE, Paulo Henrique Carneiro Fontenele. Natureza jurídica da licença ambiental e suas implicações: autorização administrativa x licença administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4674, 18 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34531. Acesso em: 24 abr. 2024.