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O impacto do modelo gerencial no combate à corrupção

O impacto do modelo gerencial no combate à corrupção

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O Estado brasileiro tem mecanismos para combater a corrupção e melhorar a transparência de suas instituições. A reforma administrativa promovida pelo modelo gerencial auxilia neste campo.

Nas últimas décadas, o Brasil tem presenciado grande turbulência no que diz respeito à corrupção pública. Escândalos envolvendo agentes do Estado são frequentes na mídia nacional e internacional. O resultado é a indignação dos brasileiros. Assim, um dos maiores problemas enfrentados pela coletividade é justamente o de garantir uma administração honesta e eficiente.


A CORRUPÇÃO E O DIREITO ADMINISTRATIVO

O Direito Administrativo é um ramo autônomo do direito que teve origem na França, no Século XVIII, com a Revolução Francesa de 1789. Carvalho Filho (2009, p.8) define o ramo do Direito Administrativo como: “o conjunto de normas e princípios que, visando sempre ao interesse público, regem as relações jurídicas entre as pessoas e órgãos do Estado e entre este e as coletividades a que devem servir”. Meirelles (2002, p. 38), por sua vez, destaca: “conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”.

Na mesma perspectiva conceitual, a palavra corrupção provém do latim corruptione e conforme Rocha (1996, p.172) significa corrompimento, suborno, decomposição. Portanto, a corrupção, genericamente, seria a decomposição da relação político-civil, ou seja, o desvio da proteção do bem comum em prol de um agente ou grupo de agentes.Portanto, os atos de corrupção estão diretamente relacionados com o ramo do Direito Administrativo, ora que conforme bem destaca Rose-Ackerman (1987, apud PEREIRA 2004) a corrupção é sintoma de que algo está errado na Administração do Estado.

A corrupção surge da divergência de interesses: enquanto o Estado busca aperfeiçoar o bem-estar social, o agente público busca alcançar enriquecimento pessoal por meio dos benefícios do suborno. Logo, cria-se uma desarmonia entre os elementos que compõe o instituto do Direito Administrativo, quais sejam: Estado, coletividade, agente público, atividade pública e princípios jurídicos.

Um dos efeitos da corrupção é a ofensa ao princípio da moralidade na Administração Pública, isto porque configura uma séria afronta jurídica à própria Constituição Federal, art. 37, caput.  No julgamento da ADI nº 3.853, a Ministra Carmem Lúcia expõe seus fundamentos no voto acerca da obrigatoriedade do principio da moralidade em toda a República:(...) também obriga a todos, na forma republicana de governo, o principio da moralidade pública. Ao direito do cidadão ao governo ético impõe-se ao juiz, ao administrador e ao legislador o dever da moralidade pública, que há de repassar e informar todos os seus atos.

O princípio da moralidade deve informar a atuação de todo agente a serviço do Estado. Portanto, a corrupção é um problema que se revela pelos seus efeitos na própria estrutura da Administração Pública. O fato é que sempre haverá desrespeito a no mínimo um princípio constitucional da Administração quando houver corrupção.


 O HISTÓRICO BRASILEIRO

O motorista que oferece “um cafezinho” para o guarda não multá-lo. O fiscal que cobra uma "ajuda" do comerciante. O ministro que compra apoio político. Nas últimas décadas, o assunto corrupção tem se tornado frequente nos meios de comunicação brasileiros, no entanto, não é fenômeno recente. Sarmento afirmou (1999 apud COSTA, 2005, p. 2): “A corrupção nos setores públicos é um dos males que assolam as nações contemporâneas, mas que no Brasil tem assumido conotações surpreendentes e desalentadoras”.

O histórico de atos de corrupção no Brasil origina-se desde os tempos da construção do Estado. A estrutura caótica do Estado à época do Brasil colônia somada ao nepotismo e aos salários pouco atrativos aos funcionários régios, resultou em claros desvios de dinheiro público. A corrupção era tolerada pela coroa Portuguesa, desde que as irregularidades não atentassem contra as receitas régias e fossem obtidas de forma discreta.

Bueno (2006, PP. 56, 9, 10, 34 e 64) revelou que o primeiro Ouvidor-Geral do Brasil, Pero Borges, foi acusado de corrupção. Acrescentou que o primeiro bispo do Brasil, D. Pero Fernandes Sardinha, foi acusado de corrupção. E o mais impressionante, porém, é a frase de Tomé de Sousa, o primeiro Governador-Geral do Brasil: “Todo homem é fraco e ladrão”.O sistema imperial também é identificado como corrupto e despótico. O início do “Brasil-República” com a política dos governadores e o coronelismo são elementos sempre destacados como abuso de poder.

Conforme publicado pelo site Museu da Corrupção – MUCO na linha do tempo:"A ideia de corrupção individual entrou no Brasil no governo de Getúlio Vargas, e se estendeu a Juscelino Kubitschek, que foi o primeiro presidente da história do Brasil que usou e abusou dos cofres públicos para o seu maior projeto: a construção de Brasília. Durante as campanhas eleitorais de 1950, um caso tornou-se famoso e até hoje faz parte do anedotário da política nacional: “a caixinha do Adhemar”. Adhemar de Barros, político paulista, era conhecido como “um fazedor de obras”, seu lema era “Rouba, mas faz””. A caixinha era uma forma de arrecadação de dinheiro e troca de favores. A transação era feita entre os bicheiros, fornecedores, empresários e empreiteiros que desejavam algum benefício político.Com os governos militares, o estado cresceu e com ele as formas de corromper."

O advento da Constituição de 1988 não trouxe mudanças no panorama nacional. Apesar de expressamente elencar os princípios da Administração Pública, quais seja legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, muitos foram os escândalos de corrupção, como o do famoso “mensalão” ou do “propinoduto”. Isto porque apesar de sacramentar os princípios da administração pública, segundo Bresser Pereira (1996) a Constituição Federal manteve privilégios herdados do modelo patrimonialista.

A filósofa russo-americana Ayn Rand descreve bem a insatisfação popular diante dos abusos cometidos pelos atos de corrupção ao dizer:"Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que a sociedade está condenada."

O sentimento expresso há aproximadamente 93 anos pela filósofa está totalmente atualizado com a visão do povo brasileiro.

Diante das mazelas trazidas pela corrupção ao longo dos anos, somente uma modernização radical da administração pública poderia recuperar a estrutura e a credibilidade do Estado. Conforme observou Hélio Beltrão (1984, p. 12, apud Bresser Pereira, 1996): “existe entre nós uma curiosa inclinação para raciocinar, legislar e administrar tendo em vista um país imaginário, que não é o nosso; um país dominado pelo exercício fascinante do planejamento abstrato, pela ilusão ótica das decisões centralizadas...” Portanto, como se extrai da declaração, é fundamental reconhecer o problema e trabalhar na solução de maneira prática e concreta. Caso contrário, se trabalharmos com um país imaginário a nossa capacidade de agir sobre a realidade diminui radicalmente.


CORRUPÇÃO SOB A ÓPTICA DOS MODELOS ADMINISTRATIVOS

DA ADMINISTRAÇÃO PATRIMONIALISTA

O modelo patrimonialista é baseado nos moldes de Estados Absolutistas, em que o Estado funcionava como extensão do poder soberano e o patrimônio do Monarca Absoluto se misturava com o patrimônio público. Desta forma, não havia distinção entre a administração dos bens públicos e particulares. A res publica não se difere da res principis.Na visão patrimonialista o governante é um senhor que tudo pode. Neste contexto firmam-se máximas como: The King can no do wrong (o Rei nunca erra) e a frase do Rei Sol, Luis XIV, L’Etat c’est moi (o Estado sou eu).

Este modelo de administração propiciava uma confusão entre os cargos públicos e o próprio grau de parentesco e afinidades do governante. Logo, favorecia o clientelismo, a troca de favores, a prevalência de interesses privados em detrimento do interesse público e a corrupção.

Neste período, os poderes estatais estavam misturados. Desta forma, tanto a administração, como o legislativo e o judiciário eram exercidos pelas mesmas pessoas.

A história brasileira é rica em exemplos de casos de patrimonialismo. Neste particular, podemos citar o art. 99, da Constituição Imperial de 1824: “A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma” (NOGUEIRA, 2001, p. 23). Esse artigo constitucional demonstra claramente a teoria da irresponsabilidade absoluta (The King can do no wrong). No mesmo contexto, o Art. 102 da Constituição Imperial de 1824 dispunha:O Imperador é o chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado. São suas principais atribuições: […] II – nomear Bispos e prover os benefícios Eclesiásticos; III – nomear magistrados; IV – prover os mais empregos civis e políticos (NOGUEIRA, 2001, p. 24).

Extrai-se do artigo exposto que o Imperador tinha a competência de preencher os cargos públicos, o que facilitava as trocas de favores e clientelismo.

No modelo patrimonialista a corrupção e a falta de confiança nos administradores públicos eram características inerentes. Entretanto, com o surgimento do sistema capitalista e do regime democrático, o patrimonialismo torna-se inaceitável. Por isso, havia a necessidade de assegurar controles rígidos nos processos públicos. Nesta seara surge, então, o modelo burocrático.

 DA ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA

O modelo burocrático surge na metade do século XIX como forma de alterar o modelo patrimonialista adotado anteriormente. A Administração Pública Burocrática inspirou o modelo do texto original da Constituição Federal de 1988. Como sustenta Bresser Pereira (1997, p.11), este modelo surge no Brasil a partir de 1930:"A administração burocrática clássica, baseada nos princípios da administração do exército prussiano foi implantada nos principais países europeus no final do século passado, nos Estados Unidos no início deste século, e, no Brasil, na década de 30, com a reforma administrativa promovida por Joaquim Nabuco e Luís Lopes Simões."

Não é burocrática no sentido pejorativo, mas, sim, porque é uma forma de conceber a organização do Estado de modo hierarquizado/centralizado. Pressupõe a crença de que o Estado é indispensável para intervir na sociedade, ou seja, o Estado deve atuar, obrigatoriamente, para reduzir as desigualdades. Logo, o Estado é intervencionista.

Este modelo tem como principal objetivo o controle sobre o processo de tomada de decisão. Ele é autorreferente, porque se preocupa com a organização do Estado e não com o cidadão. Adota procedimentos rígidos, sendo definido para a contratação de pessoal e compra de bens e serviços.

O novo modelo inovou ao estabelecer distinção entre a coisa pública e a privada. Os princípios orientadores foram introduzidos no país por intermédio da criação, em 1936, do Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP, os quais eram o profissionalismo, a ideia de carreira, a hierarquia funcional, a impessoalidade, o formalismo e o poder racional-legal.

Neste sentido, Weber (2004, p.200) destaca que na administração burocrática a posição do funcionário tem natureza de dever de fidelidade à administração, a qual se adere a finalidades impessoais e funcionais. Daí decorre que, o administrador burocrático é visto como uma pessoa imparcial e objetiva que tem como meta cumprir a missão do seu cargo. Em tese não existe lugar para o nepotismo na administração burocrática.

A hierarquia é bem definida. Ela é configurada por um sistema de mando e subordinação das autoridades, ou seja, cada superior tem sob suas ordens subordinados que lhe devem obediência. Segundo Weber (2004, p.199), a hierarquia está monocraticamente organizada, ora que existe apenas um chefe para cada subordinado, em vez de comissões.

A administração pública burocrática foi adotada, especialmente, porque era uma alternativa para combater a corrupção e o nepotismo existentes na administração patrimonialista. Entretanto, o novo molde administrativo adotado entra em crise por não ser capaz de alcançar plenamente seus objetivos. Neste diapasão, Bresser Pereira (1997, p.10) menciona:A crise da administração pública burocrática começou ainda no regime militar, não apenas porque não foi capaz de extirpar o patrimonialismo que sempre a vitimou, mas também porque esse regime, ao invés de consolidar uma burocracia profissional no país, através da redefinição das carreiras e de um processo sistemático de abertura de concursos públicos para a alta administração, preferiu o caminho mais curto do recrutamento de administradores através das empresas estatais. Esta estratégia oportunista do regime militar, que resolveu adotar o caminho mais fácil da contratação de altos administradores através das empresas, inviabilizou a construção no país de uma burocracia civil forte, nos moldes que a reforma de 1936 propunha. A crise agravou-se, entretanto, a partir da Constituição de 1988, quando se salta para o extremo oposto e a administração pública brasileira passa a sofrer do mal oposto: o enrijecimento burocrático extremo. As consequências da sobrevivência do patrimonialismo e do enrijecimento burocrático, muitas vezes perversamente misturados, serão o alto custo e a baixa qualidade da administração pública brasileira.

O modelo burocrático foi um avanço em relação ao modelo patrimonialista, em que predominava a corrupção, o nepotismo e o empreguismo. Entretanto, este regime não foi suficiente para alcançar a atuação eficiente da Administração Pública e combater as mazelas políticas.

O sistema burocrático perde sua força com o crescimento populacional, à medida que não consegue programar totalmente as diretrizes do modelo e colocar fim aos privilégios oriundos da forma patrimonialista. Ademais, a rigidez dos procedimentos administrativos tornou inviável que o sistema da administração pública fosse eficiente. Portanto, fez-se necessária uma reestruturação na administração pública, surge nesse momento o modelo gerencial.

DA ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL

A administração pública gerencial emergiu na segunda metade do século XX motivada, consoante aponta Moreira Neto (1998, p. 41-42), pela crise do Estado e como resposta à insatisfação do modelo administrativo burocrático.Maria Sylvia Di Pietro (1999, p. 73) explica os objetivos que se pretendeu alcançar com a reforma administrativa:Reformar o Estado significa melhorar não apenas a organização e o pessoal do Estado, mas também as finanças e todo o seu sistema institucional-legal, de forma a permitir que o mesmo tenha uma relação harmoniosa e positiva com a sociedade civil. A reforma do Estado permitirá que seu núcleo estratégico tome decisões mais corretas e efetivas, e que seus serviços – tanto os exclusivos, quanto os competitivos, que estarão apenas indiretamente subordinados na medida que se transformem em organizações públicas não estatais – operem muito eficientemente.

No Brasil um dos primeiros trabalhos que identifica a transição do modelo burocrático para o gerencialismo é o Decreto-Lei nº 200 de 1967, no governo Castelo Branco. O decreto dispunha sobre a descentralização administrativa, enfatizando a figura da criação de entes estatais, como as autarquias, fundações e empresas estatais. O Decreto-Lei nº200 constitui um marco na tentativa de superação da rigidez burocrática.

Depois do Decreto-lei nº 200/67, houve um plano de privatização no sentido de adotar o modelo gerencial – ficou conhecido como a Lei de Desburocratização (anos 90). Os planos básicos dentro dessa lei: a promoção do ajuste fiscal (equilíbrio das contas públicas), a liberalização do comércio, privatizações, quebra de monopólios e desregulamentação.Posteriormente, no início de 1980, no governo militar do Presidente João Batista Figueiredo, é criado o Ministério da Desburocratização que objetivou revitalizar e dar celeridade aos trâmites processuais.

Com o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso a reforma administrativa torna-se tema central de debates. Inicialmente há a criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), posteriormente, criam-se várias agências, ocorrem privatizações e por derradeiro publica-se a Emenda Constitucional nº19/98.

As principais características da administração pública gerencial são que as medidas administrativas são orientadas para obtenção de resultados, incentiva-se a criatividade e a inovação. Ademais, como descreve Moreira Neto (1998, p.37-38) “passa a considerar o usuário do serviço prestado pelo Estado como o “dono” do serviço, e não apenas o seu destinatário”. Logo, este modelo é orientado para o cidadão.

O modelo gerencial surgiu com o objetivo de preencher as lacunas e suprir as necessidades da sociedade, entre as quais o controle dos gastos públicos e melhoria na qualidade dos serviços públicos. O Estado se mostrou incapaz de atuar na sua plenitude com todas as atividades a ele impostas, portanto, suas atividades foram reduzidas ao mínimo essencial: exercício do poder de polícia, atividade jurisdicional e legislativa, manutenção da previdência e outras de caráter social. Logo, tentou-se adotar a teoria do Estado subsidiário, ou seja, o Estado só iria desempenhar as tarefas que os particulares não conseguissem ou não quisessem realizar.

A EC19/98 adotou a reforma administrativa e incluiu o princípio da eficiência no texto da CF/88. Aduz daí que, este princípio é grandemente valorizado por este modelo. Incluiu a ideia do contrato de gestão.

Em termos gerais, enquanto a administração pública burocrática valorizava a supervisão, a utilização de regras rígidas e a auditoria de procedimentos, a Reforma Gerencial enfatizou o controle dos resultados, a competição administrada e a participação da sociedade no controle das organizações e políticas do Estado. Enquanto a Administração Burocrática tem características de centralização e autoritarismo, a Administração Gerencial está alicerçada na ideia de uma sociedade democrática. Está evolução de modelos administrativos delineia a concepção de Estado, conforme descreve Bresser Pereira (1997, p. 12):

"Aos poucos foram-se delineando os contornos da nova administração pública: (1) descentralização, do ponto de vista político, transferindo recursos e atribuições para os níveis políticos regionais e locais; (2) descentralização administrativa, através da delegação de autoridade para os administradores públicos transformados em gerentes crescentemente autônomos; (3) organizações com poucos níveis hierárquicos ao invés de estruturas piramidais; (4) organizações flexíveis ao invés de unitárias e monolíticas, nas quais as idéias de multiplicidade, de competição administrada e de conflito tenham lugar; (5) pressuposto da confiança limitada e não da desconfiança total; (6) controle por resultados, a posteriori, ao invés do controle rígido, passo a passo, dos processos administrativos e (7) administração voltada para o atendimento do cidadão, ao invés de auto-referida."

Nesta seara, a Reforma Gerencial baseou-se em um modelo que implicava mudanças estruturais e de gestão.


 REFLEXOS DO MODELO GERENCIAL NO DIREITO ADMINISTRATIVO

O modelo gerencial trouxe inovações para o instituto do Direito Administrativo. O principal foco em relação à gestão é alcançar resultados. Neste sentido, a ênfase é o uso eficaz da informação, a criação de indicadores de desempenho e a avaliação dos serviços prestados. Conforme bem destaca Mazza (2012, p. 104), a “eficiência foi um dos pilares da Reforma Administrativa que procurou implementar o modelo de administração pública gerencial voltada para um controle de resultados na atuação estatal.”

Com a inserção do princípio da eficiência no art. 37, caput, da Constituição Federal, o cidadão passou a ter o direito de questionar a qualidade das obras e atividades públicas, exercidas diretamente pelo Estado ou por entes terceirizados. Sobre o tema, explica Hely Lopes Meireles (2002, p. 60):"Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros."

O desenvolvimento da máquina do Estado caminhou no sentido de haver uma evolução da administração pública burocrática para a administração pública gerencial. Neste sentido, houve um desprendimento de métodos muito burocráticos. Isto exigiu uma revisão do aparato prestador dos serviços públicos e da relação gestor público e usuário. A transição do modelo burocrático para o modelo gerencial deslocou o foco de interesse administrativo do Estado para o cidadão, da mesma forma que a transição do modelo patrimonialista para o burocrático já havia deslocado o foco do interesse do Monarca para o Estado.

O Estado não administra para o Rei, como na Administração Patrimonialista, nem para o próprio Estado, como no caso da Administração Burocrática. O enfoque da Administração Gerencial é o cidadão e os interesses públicos que lhe são confiados pela ordem jurídica e social.

Os gestores públicos não podem se considerar como senhores da coisa pública seguindo o parâmetro adotado no modelo patrimonialista. Por isso que de acordo com o art. 70, § único da Constituição de 1988, todo aquele que administra dinheiro, bem ou valores públicos tem o dever de prestar contas:Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigação de natureza pecuniária.

A população, por sua vez, deve sair do polo passivo (ser apenas representada) para o polo ativo (participar na definição de gastos e aplicação de recursos). O público usuário precisa se convencer de que pode e deve exigir que a prestação de serviço público seja eficiente e de qualidade. O usuário do serviço prestado do Estado é o “proprietário” do serviço e não apenas o seu destinatário.

Diante de tantos abusos e impunidade, muitos cidadãos se tornaram indiferentes ao processo orçamentário e a punição de gestores desonestos. Por isso, para que a sociedade se mobilize contra a corrupção, é preciso que cada indivíduo seja estimulado e provocado. Oportuno, citar as palavras de Bertolt Brecht:"O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio; depende das decisões políticas.O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais."

No processo de mobilização social é fundamental que a população esteja constantemente informada sobre os acontecimentos. As notícias devem ser transmitidas pelos meios de comunicação disponíveis, como boletins informativos, jornais, programas de rádio e, se possível, pelas emissoras de televisão regionais e nacionais. À medida que as fraudes vão sendo comprovadas e informadas para a população, cria-se um sentimento de repulsa ao comportamento das autoridades corruptas e, ao mesmo tempo, estimulam a continuidade das investigações.

Os cidadãos devem frequentar as sessões públicas da Câmara Municipal e cobrar dos representantes providências no sentido de interromper os atos ilícitos e de punir os culpados. É importante, também, estimular o debate organizado e promover audiências públicas de esclarecimento à sociedade.

A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, estabelece os seguintes objetivos firmados no seu art. 3º:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Para que os fins do Estado sejam cumpridos e que o direito a uma sociedade justa e sem desigualdade seja alcançado é necessário que todos (gestor público e usuário) trabalhem juntos com zelo e honestidade. Democratizar a gestão pública e fiscalizar os próprios gestores é uma forma de minimizar as barreiras da corrupção.

Antes de fixar as despesas ou distribuir as receitas é essencial definir quais as reais deficiências ou necessidades da população. Todavia, a ingerência de ideologias clientelistas na definição dos gastos públicos, implicou no crescimento das desigualdades sociais, ora que o modo de gerir a coisa pública ao longo dos anos era de acesso quase que exclusivo da elite dominante e sem participação da população. Neste diapasão surgiu no Brasil no final da década de 80 o orçamento participativo. O orçamento participativo é um instrumento que permite o cidadão-usuário debater e definir os destinos de sua cidade.

Para Sánchez (2002, apud Fosenca, 2010), o orçamento participativo “[...] configura uma nítida ruptura com o clientelismo na política brasileira, principalmente com a tradição política fortemente marcada pelo patrimonialismo e pelo autoritarismo burocrático”.

Para Souza (2001), em seu artigo “Construção e consolidação de instituições democráticas papel do orçamento participativo”, o orçamento participativo tem sido visto como um exemplo de instrumento de promoção do “bom governo” ou da boa governança urbana. Acrescenta ainda que “é uma das poucas alternativas capazes de transformar os investimentos públicos de favores em direitos e diminuir o desequilíbrio do poder decisório”.

Santos (2002, apud Fonseca, 2010) cita três princípios fundamentais articulados ao orçamento participativo, a saber:(1) Participação aberta a todos os cidadãos, sem nenhum status especial atribuído a qualquer organização, inclusive às comunitárias; (2) Combinação de democracia direta e representativa, cuja dinâmica institucional atribui aos próprios participantes a definição das regras internas; e (3) Alocação dos recursos para investimentos baseada na combinação de critérios gerais e técnicos, ou seja, compatibilização das decisões e regras estabelecidas pelos participantes com as exigências técnicas e legais da ação governamental, respeitando também os limites financeiros, cuja implementação cabe ao Executivo.

Porto Alegre implantou o programa de orçamento participativo no ano de 1989. A experiência desta cidade serve de modelo para diversas cidades brasileiras. Santos (2002, apud Fonseca, 2010) menciona que este novo modelo de gestão rompe com a tradição autoritária e patrimonialista das políticas públicas e recorre à participação direta da população em diferentes fases. No que tange a estas fases, Souza (2006, apud Fonseca, 2010) elenca:

1ª etapa (Primeira Rodada): exposições didáticas do governo em cada subunidade espacial, a fim de atrair e esclarecer novos participantes; perguntas e críticas dos participantes; falas dos representantes do Estado; eleição de delegados [...].

2ª etapa (Rodadas Intermediárias): governo presta informações técnicas, discussão e escolha das prioridades de investimentos em cada localidade.

3ª etapa (Segunda Rodada): eleição dos [...] conselheiros, que comporão, ao lado de representantes do Estado (sem direito a voto), da federação de associações de moradores e do sindicato dos municipários, o conselho do orçamento participativo; entrega dos documentos com as prioridades de investimentos.

4ª etapa (Elaboração da peça orçamentária): elaboração da matriz orçamentária pelos técnicos do governo; posse de novos conselheiros; conselheiros discutem e deliberam sobre a matriz orçamentária; peça orçamentária final é elaborada e enviada à Câmara de Vereadores para apreciação e votação.

Para que o projeto de gestão participativa seja bem sucedido é fundamental a utilização de uma metodologia adequada. É neste sentido que a divisão eficaz das fases possibilita sua aplicação, propiciando aos participantes maior clareza e dinamismo.

Desta feita, o orçamento participativo é um modelo de gestão pública que auxiliar no combate a corrupção. Isto porque, o cidadão participa na gestão estatal, aumentando o controle das ações da administração pública e dos gestores públicos. Logo, existe uma corresponsabilização entre governo e sociedade sobre a gestão do bem público.Pode-se concluir no sentido de que é plenamente possível reduzir os atos de corrupção e seus efeitos danosos. O modelo gerencial é apto a nortear as relações estabelecidas pelo Direito Administrativo.

Somente com uma base sólida, com fulcro não apenas na legislação e doutrina do Direito Administrativo, mas também com base nas inovações trazidas pelo modelo gerencial que será possível desenvolver a capacidade de articular compromissos e alianças em torno de projetos políticos representativos para a maior parte da sociedade – o bem comum. Além de construir/implementar compromissos de acordo com os valores democráticos e constitucionais, reforçando assim as instituições públicas para combater ações arbitrárias e corruptas.


CONCLUSÃO

A corrupção sempre foi um tema árduo a ser tratado em nossa sociedade, estando intimamente ligada ao ramo do Direito Administrativo. Normalmente, é associada a um ato ilegal, no qual dois agentes, um corrupto e um corruptor, travam uma relação de interesses com o objetivo de promover benefício próprio.

Percebe-se com base no que foi exposto, que os atos de corrupção estiveram presentes ao longo da formação da Administração Pública, que evoluiu numa perspectiva de três modelos básicos: patrimonialista, burocrática e gerencial.Nos moldes do patrimonialismo, a Administração Pública tinha como objetivo atender aos interesses da classe dominante, ou seja, predominava a corrupção, o nepotismo, e o patrimônio público se confundia com o privado.

A Administração Pública Burocrática surgiu, inicialmente, para combater a corrupção e o nepotismo existentes no modelo Patrimonialista. O patrimônio público e o privado distinguiam-se claramente. O foco era desenvolver um método de organização racional e eficiente. Sendo que, o controle das atividades estava em primeiro plano não se preocupando com a ineficiência promovida. Entretanto, com o crescimento populacional e a exigência de técnicas administrativas criativas e dinâmicas, os moldes burocráticos ser tornaram inviáveis.

O modelo gerencial, objeto de nosso estudo, sucedeu o modelo burocrático. Este novo modelo constitui-se como instrumento hábil a ser aplicado na estrutura estatal para fins de coibir os atos corruptos. Por preconizar a liberdade conjugada com a avaliação de resultados, o gerencialismo vem guiando intervenções na atuação administrativa.

No Brasil, a herança deixada pelos colonizadores portugueses deve ser compreendida como um fenômeno histórico que deixou vícios e condutas antiéticas no desenvolvimento do Estado. Colhem-se, hoje, os frutos plantados no passado, sendo certa a reprodução moderna de muitas condutas antigas. O prejuízo provocado pela corrupção abrange a instabilidade da Administração Pública, da economia e da democracia.

Todavia, o Estado tem capacidade de adotar procedimentos visando uma política anticorrupção. Neste sentido, a reforma gerencial defende a tese de que se requer mais do que leis para combater a corrupção, requer-se uma sociedade composta de cidadãos probos e que participem das decisões do Estado. Somente através de um processo educativo de conscientização voltado para o pleno exercício da cidadania é que será possível alcançar resultados práticos.

Após a análise desenvolvida, conclui-se que um Estado corrupto é necessariamente um Estado ineficiente. Isto porque a Administração Pública se distancia da adequação entre os meios e os fins administrativos, ou seja, o interesse público não é atingido. Ademais, estabelece um desequilíbrio entre os elementos que compõe o ramo do Direito Administrativo, quais sejam o Estado, a coletividade, o interesse público, o agente público e a atividade pública.

É percebido que a maioria dos cidadãos e boa parcela da sociedade desejam ver extirpado este problema. Desta feita, para controlarmos os atos corruptos é fundamental o controle preventivo e repressivo. O combate à corrupção é de complexidade razoável e de solução não tão fácil de alcançar, ora que envolve questões culturais.

Neste panorama, o instituto da Administração Pública Gerencial que enfatiza resultados, incentiva o desenvolvimento de ideias dinâmicas e que preza pelo princípio da eficiência contribui para que haja uma evolução do ramo do Direito Administrativo e o combate à corrupção.


REFERÊNCIAS

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MESQUITA, Isabella Regina Serra Brito. O impacto do modelo gerencial no combate à corrupção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4877, 7 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35907. Acesso em: 23 abr. 2024.