Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/37481
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A indefinição jurídica sobre o início da vida humana

desinteresse legislativo versus aborto

A indefinição jurídica sobre o início da vida humana: desinteresse legislativo versus aborto

Publicado em . Elaborado em .

Não se pode fechar os olhos para o fato de que há um grande número de mulheres que morrem todos os anos por conta de abortos mal sucedidos.

Quando uma pessoa sofre um delírio, se chama loucura. Quando muitas pessoas sofrem um delírio, isso se chama religião.”

Robert M. Pirsig

RESUMO: O trabalho propôs analisar a indefinição do início da vida humana no ordenamento jurídico brasileiro e sua aplicação em uma possível legalização da prática abortiva, apontando algumas teorias biológicas existentes sobre o tema, além de analisar a legislação pátria a respeito. Para tanto, serviram como parâmetro o Código Civil, mais precisamente o art. 2º, o Código Penal, mais precisamente o art. 124, a Lei nº 9.432/97 (Lei de Transplante de Órgãos) e a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (ADPF 54). No que concerne à prática do aborto, buscou-se demonstrar que além de possível, é necessária uma releitura do crime de aborto nos moldes da atual sociedade brasileira, no sentido de permitir a sua prática seguindo determinados aspectos clínicos e legais, e que tal medida não é tomada, muito provavelmente, por conta do desinteresse legislativo. Ao final do presente estudo, chegou-se à conclusão de que a discussão a respeito do início da vida humana legalmente definido ainda será bastante debatido, em virtude de ser um tema espinhoso e envolver questões morais e religiosas. Contudo, no que tange à legalização do aborto, é urgente que seja legalizado e regularizado a fim de que muitas mulheres tenham sua saúde preservada.

Palavras-chave: aborto, legislação, concepção, nidação

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO.CAPÍTULO I-1 - Breve histórico...2 -  Teorias sobre o início da vida humana.2.1 - Teoria da fecundação ou concepção.2.2 - Teoria da nidação.2.3 - Teoria da atividade neural..2.4 - Teoria natalista..CAPÍTULO II . 3 - A legislação brasileira sobre o tema.3.1 - Código Civil..3.1.1 - Vida e personalidade civil.3.2 - A vida intrauterina e o Código Penal.3.3 - O conceito de morte da Lei nº 9.434/97 e a ADPF 54.3.4 - Afinal, por que não há legislação?.CAPÍTULO III .4 - Aplicação prática: aborto.CONSIDERAÇÕES FINAIS.REFERÊNCIAS..


Introdução

O questionamento de quando se inicia a vida humana existe desde que o homem se entende como ser pensante, e as respostas a esse questionamento sempre foram mais profundamente ligadas ao misticismo e a subjetivismos do que a critérios científicos e técnicos.

Na antiguidade, por exemplo, Platão defendia que a vida se iniciava somente após o nascimento da pessoa. Já Aristóteles, seu pupilo, discordava de Platão, e pensava que a vida tinha seu início desde que a mulher era fecundada pelo homem. 

A teoria aristotélica para o início da vida humana perdurou por muito tempo, sendo aceita inclusive por filósofos como São Tomas de Aquino e Santo Agostinho. No ano de 1588, o Papa Sixto 5º condenou o aborto, em qualquer tempo, com a pena de excomunhão. Entre uma desavença e outra dentro da própria Igreja sobre o tema, acabou-se por firmar, com Pio 9º no ano de 1869, que a vida definitivamente se iniciava no momento da concepção. E esse é o posicionamento da Igreja Católica até os dias de hoje.

Aliás, as religiões cristãs, junto com o hinduismo, são das grandes religiões a afirmar que a vida começa no momento da fecundação e a equiparar qualquer aborto ao homicídio. No judaísmo, por exemplo, admite-se o aborto, inclusive no momento do parto, nos casos em que há risco de vida para a mãe[1]. No mesmo sentido é o islamismo. Tal postura demonstra que a noção de vida e a estima que dá-se a ela transmutam-se de acordo com as sociedades, culturas e épocas.

Até certo tempo atrás, apenas os hábitos experimentados por cada cultura, e mais fortemente os dogmas religiosos, é que davam as respostas ao debate de quando se inicia a vida humana. Nos dias de hoje a ciência tem muito mais a dizer sobre o tal fato, coisa que em tempos passados era difícil, seja por questões de desenvolvimento técnico e científico, seja pela força opressora que a religião impunha à ciência.

Voltando os olhos para o Direito, mais precisamente o pátrio, em nosso inflacionado ordenamento jurídico tem-se definições para quase tudo, desde um simples cheque até o distante e infinito espaço sideral[2]. Apesar disso, o fator originário de toda atividade humana até hoje não foi alvo de uma definição jurídico-legislativa.

Frise-se que o fim da vida é definido pela legislação pátria no art. 3º da Lei 9.434/97[3]. Mas por que não o início dela?

Certo é que definir o início da vida não é tarefa das mais fáceis. Contudo, a resposta para esse questionamento está mais ligada a questões morais e éticas do que à própria capacidade científica. Com isso não se está querendo dizer que o início da vida humana já é clinicamente definida, longe disso. O debate sobre o tema existe e, mesmo entre médicos e pesquisadores, não a consenso. O que se procurará demonstrar nesse trabalho é a possibilidade de se adotar alguma das teorias existentes, ou mesmo se é realmente necessário adotar um critério biológico para tal definição.

O presente trabalho tem como objetivo analisar a falta de uma definição jurídico-legislativa do momento em que se inicia a vida humana, mostrando algumas das teorias que poderiam ser adotadas, suas vantagens e desvantagens no que concerne à prática do aborto.

No primeiro capítulo será feito um apanhado histórico, mostrando como os povos antigos pensavam a respeito do tema, passando pela idade média e toda a influência da igreja católica, até chegar às técnicas da medicina atual.

Ainda no primeiro capítulo, o trabalho apresentará algumas das principais teorias sobre o início da vida humana, notadamente a teoria da fecundação, a teoria da nidação, a teoria neurológica e por fim a teoria natalista.

No segundo capítulo, analisar-se-á a legislação brasileira a respeito do tema. O Código Penal, o Código Civil, a Lei 11.105/2005, conhecida como Lei de Biossegurança e a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (ADPF 54), que julgou o aborto de fetos anencefálicos, servirão como parâmetros para mostrar a posição atual da legislação brasileira a respeito do início da vida humana.

Posteriormente, tentar-se-á demonstrar as benesses que uma definição legislativa do início da vida humana traria ao ordenamento jurídico, e consequentemente à sociedade, no tocante a uma possível legalização da prática do aborto.

Em síntese, o presente trabalho tentará fazer uma análise sobre o histórico da definição do momento em que tem início a vida humana, mostrando as teorias sobre o tema, além de analisar a legislação pátria nesse tocante, mostrando as visões das áreas civil, penal e da Lei de Biossegurança juntamente com o julgamento da ADPF 54, concluindo com algumas considerações de ordem prática para uma possível regulamentação da interrupção da gravidez.


Capítulo I

1  - Breve histórico

A definição do momento em que a vida humana tem o seu início é alvo de estudos e divagações desde que o homem começou a questionar sobre a sua existência. 

Começando por Hipócrates, filósofo grego e reconhecido como o pai da medicina. Hipócrates buscava retirar o caráter místico da forma como se tratavam os enfermos, introduzindo a observação do doente e posterior combate do mal através de seus opostos. Acreditava que a vida começava no momento da concepção, defendendo que qualquer medicamento que pudesse fazer mal à vida do nascituro não poderia ser ministrado à gestante.

No livro A República[4], de Platão, o filósofo sustentava a ideia que as mulheres que chegassem aos 40 anos de idade e engravidasse deveriam abortar, pois, dizia ele, que o casal tinha o dever de gerar filhos para o Estado durante determinado período de tempo. Mas, caso esse período de tempo restasse ultrapassado, no caso os 40 anos de idade da mulher, o aborto era a solução. Para o filósofo, a vida se iniciava quando a alma adentrava no corpo do ser humano, o que ocorria após o nascimento. Com base nesse pensamento, em tempos de hoje, Platão seria defensor da teoria natalina, segundo a qual a vida se inicia após o nascimento.

Já para Aristóteles, discípulo de Platão, a vida se iniciava quando o feto ainda estava no ventre materno, mais precisamente quando o feto dava o seu primeiro movimento, o que ocorria nos bebês do sexo masculino por volta do quadragésimo dia de gestação, e nos do sexo feminino em torno do nonagésimo dia de gestação. E, como é sabido, em tempos tão longínquos, a medicina ainda não era capaz de determinar o sexo do bebê antes do nascimento[5]. Portanto, Aristóteles defendia que o aborto poderia ser praticado até o quadragésimo dia de gestação.

Nesse viés, Aristóteles elaborou a teoria da animação imediata[6], onde tenta explicar que a alma se juntará ao corpo, algumas semanas após a concepção, defendendo a tese que o feto tinha sim vida, afirmando, como já dito, que o início se daria com os primeiros movimentos do bebê no útero materno. A teoria de Aristóteles foi difundida por São Tomás de Aquino e Santo Agostinho que acabou sendo recepcionada pelo catolicismo, tendo seu ápice no papado de Sixto 5º, que condenava à pena de excomunhão aquelas que praticassem o aborto. 

Baseado nos Concílios de Lerida e Constantinopla, o Papa Sixto 5º fez valer a Bula Effraenatame, condenando qualquer tipo de aborto e impondo penas rígidas aos que dele fizessem uso. Os condenados às penas do crime de aborto só poderiam ser absolvidas pela Santa Sé. Importante destacar que neste documento, a Bula Effraenatame, por óbvio, não se fez qualquer distinção entre feto com potencialidade de vida e o feto sem potencial de vida.[7] 

Gregório 9º, que sucedeu o Sixto 5º no mais alto posto da Igreja Católica (e a bem da verdade, o mais alto posto de todo o mundo naquela época), desconsiderou a ideia do seu antecessor, que considerava o início da vida no momento da concepção, e definiu então que o embrião ainda não formado não poderia ser considerado um ser humano, diferenciando, assim, aborto de homicídio.

Nessas idas e vindas em relação ao aborto, a Igreja Católica teve sua opinião mudada pelo menos três vezes, e foi quando em 1869, no papado de Pio 9º a igreja assumiu novamente a posição imposta pelo vaticano de condenação ao aborto, e que perdura até os tempos atuais.

Em meados do século XVI, o médico inglês William Harvey, foi pioneiro nos estudos intensivos e detalhados do sistema reprodutor através de experiências que fazia com animais. Publicou, no ano de 1651, seus estudos em De generatione animalium, onde chegou a conclusão de que todos os seres se desenvolvem a partir de uma estrutura indiferenciada, semelhante a um ovo. Por conta de suas descobertas, Harvey é tido como a linha que separa ciência do folclore, uma vez que foi um dos primeiros cientistas a utilizar o método experimental como prova para o conhecimento, extinguindo as superstições e a observação casual inconclusiva.

Mas a concretização dos estudos sobre a reprodução, de maneira realmente aprofundada, deu-se com a invenção do microscópio. No início do século XVII, um dos inventores do microscópio, Anton van Leuwenhoek, interessou-se pelo estudo do esperma, e veio a descobrir, posteriormente, os espermatozoides. No entanto, a sua recém descoberta, os espermatozoides, foi encarada como parasitas encontrados no sêmen, chegando a ser denominados de vermes espermáticos.  A descoberta do espermatozoide fez surgir no meio científico diversos debates sobre a sua verdadeira função e importância para a reprodução.

Como se nota, filósofos, cientistas, médicos, biólogos, pesquisadores, enfim, uma gama de profissionais de áreas distintas já se debruçou sobre o tema no intuito de chegar a uma resposta que fosse unânime. Contudo, até hoje não se conseguiu tal unanimidade.


2  - Teorias sobre o início da vida humana              

Após uma breve explanação sobre a visão do início da vida humana no passado, e o posterior desenvolvimento de novas tecnologias aptas a ajudar no deslinde dessa questão tão espinhosa, necessário se faz a apresentação das principais teorias sobre o início da vida humana. Nesse tópico abordar-se-á algumas das diversas teorias biológicas sobre o início da vida humana, explicando, da maneira mais clara possível, seus fundamentos.

As teorias hora apresentadas são biológicas, não jurídicas, mas poderiam ser aplicadas pelo direito para criar uma definição legal de quando se inicia a vida humana. Seus aspectos e fatos que ensejariam uma possível adoção, ou não, pelo Direito serão tratados a seguir.

2.1  – Teoria da fecundação ou concepção

De maneira sucinta, segundo essa teoria, a vida humana se inicia tão logo ocorra a fecundação do óvulo pelo espermatozoide. Numa análise um pouco mais atenta, a teoria da fecundação sustenta que no momento em que o gameta masculino vence a parede ovular e o material genético dos pais se une formando um DNA totalmente novo, aí está presente uma nova vida.

Essa teoria, inclusive, foi a base do raciocínio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510 (ADI 3510), que tentou a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei 11.105/05 (Lei de Biossegurança). Em sua petição, o então Procurador da República e autor da referida ADI, Dr. Cláudio Fonteles, citando o Dr. Dernival da Silva Brandão, especialista em Ginecologia e Membro Emérito da Academia Fluminense de Medicina, diz: 

 O embrião é o ser humano na fase inicial de sua vida. É um ser humano em virtude de sua constituição genética específica própria e de ser gerado por um casal humano através de gametas humanos – espermatozoide e óvulo. Compreende a fase de desenvolvimento que vai desde a concepção, com a formação do zigoto na união dos gametas, até completar a oitava semana de vida. Desde o primeiro momento de sua existência esse novo ser já tem determinado as suas características pessoais fundamentais como sexo, grupo sanguíneo, cor da pele e dos olhos, etc. É o agente do seu próprio desenvolvimento, coordenado de acordo com o seu próprio código genético. O cientista Jérôme Lejeune, professor da universidade de René Descartes, em Paris, que dedicou toda a sua vida ao estudo da genética fundamental, descobridor da Síndrome de Dawn

(mongolismo), nos diz: Não quero repetir o óbvio, mas, na verdade, a vida começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos se encontram com os 23 cromossomos da mulher, todos os dados genéticos que definem o novo ser humano estão presentes. A fecundação é o marco do início da vida. Daí para frente, qualquer método artificial para destruí-la é um assassinato. (grifo)

Contudo, existe uma observação a ser feita nesse pensamento. Existem teromas[8], que são um tipo de tumor de células germinais derivado de células pluripotentes, que apesar de terem um DNA diferente do corpo da mãe, nunca serão capazes de originar um novo ser humano. Portanto, ter um material genético diferente do da mãe não garante que aquela célula seja uma vida em potencial, que dirá um ser humano.

Não bastasse, no âmbito jurídico, é de se notar o trecho extraído do voto do Ministro Ayres Britto no julgamento dessa mesma ADI:

Não que a vedação do aborto signifique o reconhecimento legal de que em toda gravidez humana já esteja pressuposta a presença de pelo menos duas pessoas: a da mulher grávida e a do ser em gestação. Se a interpretação fosse essa, então as duas exceções dos incisos I e II do art. 128 do Código Penal seriam inconstitucionais, sabido que a alínea a do inciso XLVII do art.5º da Magna Carta Federal proíbe a pena de morte (salvo “em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”).

Apesar do posicionamento anteriormente referido, do Dr. Dernival da Silva Brandão, existem cientistas que defendem que a fecundação não se dá num momento exato, um momento particular. Assim, a fecundação não ocorre no momento em que o espermatozoide entra no óvulo. A fecundação ocorre em um período de tempo, que dura em torno de 12 horas. Portanto, não há um momento exato e que se afirme que o óvulo foi fecundado. A fecundação é um processo, e como tal, não ocorre instantaneamente.

Outro problema encontrado, quando se pensa na adoção da teoria da fecundação, é no que diz respeito a alguns métodos contraceptivos.

A pílula pós-coital, comumente conhecida como pílula do dia seguinte, é um tanto controvertida. Analisando sua composição, vê-se que ela é composta por dois comprimidos que com altas doses de hormônio (50 microgramas de estrogênio e 250 microgramas de progestogênio)9. Os comprimidos liberam esses dois hormônios sintéticos na corrente sanguínea. O estrogênio e o progestogêneo diminuem o nível de outro hormônio no organismo feminino, o FSH (hormônio folículo estimulante). O FSH é responsável, dentre outras coisas, pelos movimentos da trompa que liberam o óvulo e o empurram em direção ao útero. Sem FSH, a trompa sossega, o óvulo estaciona e não encontra o espermatozoide. Para maior garantia, as pílulas agem também na mucosa que reveste o útero, o endométrio. Os hormônios provocam uma descamação nessa mucosa, o que impede que o óvulo fecundado fixe-se nas paredes do útero.

E tudo depende de em que momento do ciclo menstrual a mulher está e também do intervalo de tempo entre o ato sexual e o efetivo momento em que a mulher fez uso da pílula pós-coital.

Agora, analisando os fatos, se o óvulo realmente tiver sido fecundado durante, a pílula pós-coital estaria, nesse caso, agindo como abortivo e não contraceptivo. Ao fazer uso desse medicamento, totalmente legalizado e de uso liberado pelas agências reguladoras, estar-se-ia cometendo aborto? Segundo a teoria da concepção, sim, o aborto é evidente. No entanto, esse não é o posicionamento tanto da legislação quanto das agências reguladoras brasileiras.

O dispositivo intrauterino, comumente conhecido como DIU, é outro método contraceptivo que, se levar-se em consideração a teoria da fecundação, seria considerado abortivo em determinadas circunstâncias.

Existem dois tipos de DIU, os não medicados e os medicados, sendo o último o mais utilizado. Enquanto o DIU não medicado (ou inerte) é composto apenas por uma matriz de polietileno, o DIU medicado (ou ativo) é composto por uma matriz (corpo) de polietileno, que contém substâncias (metais ou hormônios) que exercem ação bioquímica local, aumentando a eficácia dos DIUs medicados, os mais utilizados são os que contêm cobre (Cu) ou progesterona[10].

Como se vê, é muito difícil que ocorra a fecundação do óvulo em mulheres que fazem uso do DIU, pois sua ação bioquímica, através de hormônios ou metais, age matando os espermatozoides, impedindo que o mesmo encontre o óvulo.

Contudo, apesar de difícil, a fecundação pode ocorrer, e nesse caso, o uso DIU não permitirá a fixação do óvulo fecundado na parede uterina, condição indispensável ao desenvolvimento do óvulo. Nessa situação, onde a mulher engravida usando o DIU, devido à grande concentração de hormônios ou metais no útero, o óvulo não se fixa na parede uterina, desenvolvendo-se nas trompas. Esse tipo de gravidez é considerada pela medicina como de alto risco. E a probabilidade de o óvulo fecundado vir a ser inutilizado é muito grande, face à ação do DIU. No caso do DIU, bem como no caso da pílula póscoital, a legislação brasileira não veda a sua utilização.

Pois, partindo-se de todos os posicionamentos acima, é de se notar que a teoria da concepção não é a adotada no país, embora o Código Civil aponte que a personalidade civil da pessoa natural comece a partir do nascimento com vida (esse ponto será tratado em tópico oportuo). Para o Código Penal, por exemplo, o ser humano só assim o é considerado a partir da nidação, que vem a ser a fixação do embrião no útero. 

2.2  – Teoria da nidação              

 Para a teoria da nidação, a vida tem início quando o óvulo fecundado se prende à parede do útero materno, tendo, desta forma, condições para se desenvolver de maneira satisfatória.

A nidação ocorre entre o 5º e o 15º dia de gestação, e é talvez o momento mais crucial para a viabilidade do ovo ou zigoto. Durante o deslocamento do óvulo fecundado da trompa até a parede uterina, o óvulo sofre grande multiplicação celular, o que pode fazer com que o organismo da gestante o reconheça como um corpo estranho e, consequentemente, expulseo do organismo[11]. Pesquisas médicas indicam que apenas 1 em cada 3 óvulos fecundados consegue fixar-se no útero.

De acordo com seus fundamentos, a teoria da nidação justifica o uso da pílula pós-coital como método realmente contraceptivo, coisa que, como demonstrado anteriormente, não acontece com a teoria da fecundação. Melhor explicando, como na teoria da nidação a vida só teria início a partir do momento em que o óvulo se fixa na parede uterina, a pílula pós-coital não seria considerada abortiva, já que sua ação ocorre antes da fixação, ou até mesmo impedindo essa fixação do óvulo no útero. A pílula pós-coital tem efeito até 72 horas após a fecundação do óvulo, e a nidação, como já dito, ocorre entre o 5º e o 15º dia de gestação.

Essa teoria é defendida por grande parte dos ginecologistas, sob o argumento de que, caso o embrião fertilizado não chegar a ser implantado no útero, não poderá ter desenvolvimento. O maior nome da pesquisa genética no Brasil, Dra. Mayana Zatz, defende que não há vida se o óvulo não se fixar no útero. Isso vale tanto para a fertilização natural como para a artificial, ou fertilização in vitro. Portanto, como os óvulos fertilizados e não implantados no útero não teriam condição de se desenvolverem, não teriam, assim, condição humana, não podendo ser tutelados pelo direito como se assim o fossem.

Outro argumento a favor da teoria da nidação é o fenômeno da gravidez gemelar. Nas palavras de Ângela Mara Piekarski Ribas, em seu artigo intitulado Direito à Vida sob uma ótica contemporânea, publicado no sítio eletrônico Âmbito Jurídico:

O argumento científico que dá base à teoria da nidação é a segmentação do indivíduo, que consiste no fato de os gêmeos monozigóticos, que possuem o mesmo código genético, separaremse no momento da implantação do zigoto no útero, ou ao menos, obrigatoriamente, antes que se finde a nidação. Desse modo, só se poderia cogitar de um ser humano quando presente a característica da unicidade e, até que se ultrapassasse essa fase de segmentação, não haveria como reconhecer ambos os seres como uma pessoa.

De fato, um dos fatores que dá ao ser humano sua condição humana é a individualidade. Se se considerar que a vida teria início, por exemplo, na fecundação, os gêmeos univitelinos seriam duas pessoas detentoras de uma única vida, já que a duplicação do óvulo fertilizado ocorre, por óbvio, depois da fertilização. 

Seguindo no pensamento de Ângela Maria Piekarski,

Para fins de cometimento do aborto, a vida intrauterina se inicia com a fecundação ou constituição do ovo ou zigoto, ou seja, a concepção. Entretanto, tendo-se em vista a ausência de proibição de comercialização, no país, do DIU e das pílulas anticoncepcionais do "dia seguinte", que impedem a implantação do zigoto no útero, devese aceitar, para fins penais, sob pena de considerar tais práticas como abortivas, o posicionamento de que a vida se inicia com a implantação do ovo no útero materno (nidação).

A teoria da nidação parece ser mais aceita no âmbito científico do que a teoria da concepção. E no campo do Direito, conforme se verá adiante, principalmente no âmbito penal, a teoria da nidação é também mais aceita do que a teoria concepcionista. Claro, há divergências quanto a isso, mas o posicionamento majoritário da doutrina é no sentido da teoria da nidação.

2.3  – Teoria da atividade neural

Conhecida também como teoria da formação rudimentar, essa teoria sustenta, basicamente, a ideia de que a vida humana se inicia no momento em que tem início a atividade neural. Assim, no momento em que a crista neural se faz presente no feto, e junto com ela as primeiras sinapses, terminações e atividade neurológica, ali está começando a vida.

Neste sentido, tanto a Medicina quanto o Direito reconhecem de forma pacifica que o fim da vida se dá com o término das atividades neurais. Então, de forma análoga, é possível conceber o início da vida com o surgimento das atividades neurais, pondo um fim nas discussões jurídicas a cerca do início da vida. 

Contudo, um dos problemas dessa teoria é que os estudiosos do tema não chegaram a um consenso de quando, de fato, a atividade neural tem seu início. Alguns defendem que ela começa na 8ª semana de gestação, outros defendem que somente na 20ª semana de gestação.

Embora não haja esse consenso, essa teoria poderia facilmente ser adotada, bastando, para tanto, que uma possível lei que regulamente o aborto trate do tema o aborde sem cravar uma data específica.

Explicando melhor: há quem defenda que a atividade cerebral tem início na 8ª semana de gestação. Para afirmar tal fato, de que a atividade neural se inicia na 8ª semana de gestação, só se pode fazê-lo mediante análises, experimentos e exames. E do outro lado, do lado daqueles que afirmam que a atividade neural tem início lá pela 20ª semana de gestação, também o fazem pelos mesmos meios, embora, provavelmente, por exames ou critérios diferentes. Assim sendo, bastaria que uma possível legislação atinente ao tema condicionasse a existência de atividade neural à exame comprobatório, onde cada caso seria único, como de fato o é. O legislador deveria, desse modo, de acordo com a teoria em questão, vincular a o início da vida, e consequentemente a prática abortiva, a exame clínico que comprovasse a existência de atividade neural. Isso, é claro, se o legislador não preferir adotar um meio termo, um período entre a 8ª e a 20ª semanas, o que seria mais viável tanto prático quando economicamente.

Infelizmente, nas pesquisas e estudos para a realização desse trabalho, não foi possível encontrar uma fonte que informasse que exame ou procedimento clínico é utilizado para aferir, diretamente, a existência ou ausência de atividade neural num feto logo em suas primeiras semanas. Há exames mais comuns que podem atestar, indiretamente, a existência de atividade neural no feto, como é o caso da ultrassonografia, que pode detectar toda a movimentação, atividade cardíaca e formação do feto.

Contudo, como exposto acima, as afirmações de que a atividade neural se inicia na 8ª ou na 20ª semana de gestação são pautadas em exames comprobatórios, pois tais não podem ser pautadas em “achismos”. No Direito pátrio, mais recentemente, essa teoria foi usada como corolário para julgamento da ADPF 54, que julgou a possibilidade de interrupção da gestação de fetos anencéfalos, e será tratada a seguir em tópico específico. Além da referida ADPF, o Supremo Tribunal também usou do mesmo raciocínio no julgamento da ADI 3510, sobre a constitucionalidade do art. 5º da lei de biossegurança. É pacífico, portanto, naquela mais alta Corte do judiciário brasileiro, a posição de que a vida se inicia juntamente com as atividades neurais.

2.4  – Teoria natalista

 Essa teoria diz que somente há vida após o parto, e que necessariamente o nascido precisa apresentar sinais vitais, como choro ou movimentos próprios, e o mais peculiar de todos os sinais, a respiração. Simples assim. Só é vivo aquele que tem sinais vitais fora do organismo materno. Sem tais sinais, o indivíduo é apenas um natimorto.

Tal teoria foi bastante aceita na antiguidade, onde não se cogitava falar em vida intrauterina. Só era vivo aquele já parido pela mãe.

Atualmente, essa teoria não é mais aceita no que concerne ao início da vida humana, já que a ciência aponta como vivo aquele que ainda está no ventre materno. Além disso, o Direito também já conhece o feto como ser humano, atribuindo-lhe proteção jurídica. O Direito atual está pautado na dignidade humana e reconhece a humanidade no feto.

Contudo, essa teoria é aceita no tocante à personalidade jurídica da pessoa, e isso será abordado em tópico pertinente. 


Capítulo II

3  - A legislação brasileira sobre o tema

 De fato, a legislação pátria não tem uma definição legal de quando se inicia a vida humana. Não há definição temporal ou critério clínico, nada. Mas alguns diplomas legais dão conceitos ou ideias que podem levar a um ou outro raciocínio sobre o início da vida.

 O Código Civil, por exemplo, faz um misto entre a teoria da concepção e a teoria natalista. O Código Penal dá pistas de adotar a teoria da nidação. Já a Lei 9.434/97, que regula os procedimentos para o transplante de órgãos, apesar de não definir a vida, define a morte, e ao fazer isso adota a teoria da atividade neural. E nesse sentido também é o julgamento da ADPF 54, onde o Supremo Tribunal Federal decidiu pela possibilidade do aborto de fetos anencéfalos. Toda essa legislação e posicionamentos serão tratados a seguir.             

3.1  – Código Civil              

O Código Civil, em seu art. 2º, dispõe apenas que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Se se for analisar friamente a parte final do referido artigo, poder-se-ia dizer que o Código Civil brasileiro adotou a teoria da fecundação, teoria essa já explicada em tópico anterior. Quando o artigo diz “desde a concepção”, notadamente está assumindo que a vida humana tem início desde o momento em que o óvulo é fecundado pelo espermatozoide. Mas o referido artigo 2º trata da personalidade civil, e não da vida. E, mesmo a capacidade civil estando visceralmente ligada à vida, ambas não se confundem.             

3.1.1  – Vida e personalidade civil

Embora a lei ponha a salvo os direitos do nascituro desde a concepção, esses direitos não poderão, de fato, serem gozados se o nascituro não nascer com vida. Parece algo redundante e confuso, mas não.

A personalidade civil da é uma criação do Direito para que o indivíduo seja considerado pessoa e, portanto, tenha direitos e obrigações. Tal atributo tem início diante do nascimento com vida, fato que pode ser comprovado, dentre outros meios, através da respiração. A personalidade civil perdura por toda a vida e somente se extingue com a morte. Até o nascimento com vida, o nascituro é detentor de o que se chama expectativa de direitos.

Assim, ao dispor o Código que a capacidade civil se inicia com o nascimento com vida, não se está negando a existência da vida intrauterina de um feto ou mesmo diminuindo-lhe o valor, de forma alguma. Vida é uma coisa e capacidade civil é outra.

Da mesma forma que o início da vida, o início da personalidade jurídica também é alvo de teorias, sendo duas basicamente, a teoria natalista e a teoria concepcionista. Do mesmo modo, há quem defenda que a personalidade jurídica comece já na concepção, que são uma minoria, como é o caso de Rubens Limongi França, Francisco Amaral, Renan Lotufo e Maria Helena Diniz. Do outro lado, há os que defendem que a personalidade jurídica se inicia com o nascimento com vida, é o caso de Silvio Rodrigues, San Tiago Dantas, Caio Mario da Silva Pereira e Sílvio de Salvo Venosa.

A doutrina é pacífica, embora não unânime, em asseverar que a capacidade civil se adquire com o nascimento com vida, assumindo desse modo a teoria natalista no que concerne à capacidade civil.

Há quem argumente que a Lei de Biossegurança (11.105/2005), ao dispor que só é permitida, nos estudos científicos, a utilização de embriões inviáveis, estaria conferindo personalidade jurídica ao embrião viável, protegendo-lhe. Isso é um erro, e será debatido aqui em tópico próprio.

Analisando o tema, no art. 4º do Código Civil Brasileiro de 1916, que teve sua redação mantida no art. 2º do código atual, assim aponta João Luiz Alves (1917, p.25):

(...) é preciso reconhecer que, subordinada à cláusula do nascimento com vida, a personalidade desde a concepção não terá outra significação que não seja a de criar, como na teoria do código, uma expectativa de direito. Que importa fazer que o ente apenas concebido tem personalidade, se, mais tarde, nascendo sem vida, não adquiriu direitos? A importância da controvérsia está na solução a dar em caso de sucessão. Não tem, pois, alcance prático a fixação do início da personalidade no ato da concepção. Os efeitos jurídicos surgem no ato do nascimento, com ou sem vida: no primeiro caso, opera-se a aquisição de direitos, que se transmitem pela morte posterior do recém-nascido; no segundo caso, nenhum direito se adquire. Para que dar lhe então existência de direito, a que a própria lei só assegura efeitos após o nascimento? Bem andou, portanto o código em fixar o início da personalidade humana no ato do nascimento com vida.

Determinar se o nascimento de uma criança deu-se ou não com vida pode ser um fato essencial para o direito sucessório. Contudo, como anotado pelo brilhante jurista João Luiz Alves, será que é realmente necessário resguardar direitos ao nascituro, se a ele não são dados os efeitos antes do nascimento com vida? É uma questão a ser pensar, pois, na facticidade, o nascimento com vida é condição sine qua non para que os efeitos de qualquer direito recaiam sobre a pessoa, que só assim pode ser denominada, juridicamente, quando adquiri personalidade jurídica. Embora a lei preveja casos em que o nascituro seja sujeito de direitos, como a tutela e a herança, ele ainda não é pessoa, na acepção jurídica da palavra.

Atualmente o Direito vive uma fase de humanização, onde toda e qualquer forma de se tutelar direitos, principalmente os de caráter íntimo e personalíssimo, é válida e bem-vinda. E não seria diferente no caso do nascituro. É pacífico o pensamento de que a vida intrauterina deve ser resguardada e os direitos daquele ser humano que ainda está por nascer têm de ser garantidos.

Fazendo uma analogia, a proteção jurídica aos direitos do nascituro funciona, a grosso modo, como uma cautelar, que visa a garantir resultados futuros caso o nascituro venha de fato a nascer.

Caso o recém-nascido tenha, aparentemente, sido natimorto, há formas de se provar se ele realmente veio a ter vida extrauterina. O método mais utilizado é a análise do sistema respiratório, mais precisamente os pulmões.

Alguns dos exames mais utilizados são a Docimasia Hidrostática de Galeno e a Docimasia Histológica[12]. Na Docimasia Hidrostática, basicamente, o pulmão é retirado do recém-nascido e colocado em recipiente com água. Naturalmente, o pulmão do recém-nascido é mais denso que a água. Contudo, o pulmão que chegou a respirar vai sobrenadar no recipiente com água em virtude do ar encontrado nos alvéolos pulmonares, enquanto aquele pulmão que não respirou descerá ao fundo. Já a Docimasia Histológica consiste na análise microscópica do pulmão do recém-nascido. O pulmão que chegou a respirar tem aspecto semelhante à de um pulmão adulto, com alvéolos dilatados e sangue nos vasos capilares, enquanto que o pulmão que não respirou tem aspecto de pulmão fetal, sem cavidades alveolares.

Frise-se que nesse tópico, especificamente, está-se tratando da personalidade jurídica. Cá não se está a discutir sobre a existência ou não da vida propriamente dita, mas tão apenas o momento que em o sujeito se torna vivo para os efeitos civis, ou seja, quando ele adquire a personalidade jurídica.

3.2  – A vida intrauterina e o Código Penal

 Como visto no tópico anterior, no direito civil, talvez a maior ponto de aplicabilidade para uma definição jurídica do início da vida humana seja no que tange ao direito das sucessões. Neste tópico, entra-se no ramo do Direito onde a vida é o bem jurídico maior, o ramo do Direito onde a vida encontra a sua tutela máxima, que é o direito penal. É aqui onde se encontram tipificados os crimes de homicídio, infanticídio e o aborto, todos protegendo a vida humana.  Para não fugir ao tema proposto por esse trabalho, analisar-se-á apenas o crime de aborto, que tem como principal condição a vida intrauterina.

 Diferentemente do que se viu no tópico abordando o direito civil, onde a vida jurídica propriamente dita se inicia com o início da personalidade jurídica, portanto após o nascimento com vida, o direito penal tutela de forma clara a vida intrauterina. Assim, por óbvio, não é preciso que a indivíduo seja nascido para que as abas do direito penal lhe protejam. Dentro do ventre materno ele já possui proteção.

 Começando pela acepção da palavra aborto. A palavra aborto vem do latim abortus, que, por sua vez, deriva do termo aborior. Este conceito é usado para fazer referência ao oposto de orior, isto é, o contrário de nascer. Como tal, na medicina, o aborto é a interrupção do desenvolvimento do feto durante a gravidez, desde que a gestação ainda não tenha chegado às vinte semanas. Após a 20ª semana, a interrupção da gravidez antes do seu ciclo completo tem o nome de parto prematuro. A medicina faz uma diferenciação entre os termos aborto e abortamento. Para a Medicina, abortamento é o processo de perda do produto conceptual, enquanto que aborto é o próprio produto da do abortamento, incluídos aí o feto, a placenta, cordão umbilical e todo o produto oriundo da concepção.

 A leitura da definição da palavra aborto acima descrita, contudo, não é totalmente correta no campo jurídico, levando-se em consideração a sua parte final. A definição referida diz respeito tão somente ao aborto natural. Para fins de delito penalmente punível, o aborto deve ser provocado (tanto por terceiro quanto pela própria gestante, com ou sem consentimento desta), e para isso, não importa se o aborto ocorreu antes ou depois da 20ª semana. Em qualquer tempo, juridicamente falando, a interrupção da gravidez provocada é aborto, não tendo de se falar em parto prematuro. Nesse sentido, lecionam os legistas

Coelho e Jarjura (2008, p. 144-154) que “aborto é a interrupção da prenhes, com a morte do produto, haja ou não expulsão, qualquer que seja o seu estado evolutivo, desde a concepção até o parto.”.

 Continuando, a definição, tanto morfológica quanto legal, a palavra aborto traz que aborto pressupõe vida, vida essa intrauterina. Mas essa vida deve ser, no rigor da palavra, intrauterina? Melhor dizendo, o óvulo fecundado que se encontra, por exemplo, ainda nas trompas de falópio ou o óvulo fecundado fora do corpo da mãe, como na fertilização in vitro, estaria acobertado pelo direito penal ou apenas o óvulo/zigoto já fixado na parede uterina, e, portanto, intrauterino?

 O Código Penal, na redação do artigo 124, traz que aborto consiste em “provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque.”. Como visto, o texto legal não faz qualquer diferenciação entre o óvulo que apenas foi fecundado e o óvulo já fixado na parede uterina.

 Na doutrina, há autores que defendem que o a tipicidade do crime de aborto está necessariamente ligada ao óvulo/zigoto já fixado no útero materno e, portanto, com potencial de desenvolvimento viável.

Para o professor Damásio de Jesus (2007, p.430), expoente brasileiro no direito penal, aborto “É a interrupção da gravidez com a consequente morte do feto.” (2007, p.430). Essa explicação é bastante simples e é a conceituação predominante na doutrina (claro, com as firulas de cada autor). A definição dada pelo ilustre jurista não faz nenhuma menção à condição do óvulo estar ou não fixado no útero.

Já Heleno Cláudio Fragoso (1981, p.116), ensina que aborto seria "pois, a interrupção do processo fisiológico da gravidez desde a implantação do ovo no útero materno até o início do parto.". (grifo nosso)

 Fernando Capez (2008, p.124), ao falar sobre o feto que veio a nascer, mas logo em seguida vem a óbito em virtude das práticas abortivas, diz que "embora o resultado morte tenha se produzido após o nascimento, a agressão foi dirigida contra a vida humana intrauterina, com violação desse bem jurídico.". (grifo)

 Na mesma esteia de Fragoso e Capez, Rogério Greco (2009, p. 247) assevera que:

 A vida tem início a partir da concepção ou fecundação, isto é, desde o momento em que o óvulo feminino é fecundado pelo espermatozoide masculino. Contudo, para fins de proteção por intermédio da lei penal, a vida só terá relevância após a nidação, que diz respeito à implantação do óvulo já fecundado no útero materno, o que ocorre 14 dias após a fecundação. Assim, enquanto não houver nidação não haverá possibilidade de proteção a ser realizada por meio da lei penal. Temos a nidação como termo inicial para a proteção da vida, por intermédio do tipo penal do aborto. Portanto, uma vez implantado o ovo no útero materno, qualquer comportamento dirigido finalisticamente no sentido de interromper a gravidez, pelo menos à primeira vista, será considerado aborto (consumado ou tentado). Se a vida, para fins de proteção pelo tipo penal que prevê o delito de aborto, tem início a partir da nidação, o termo ad quem para esta específica proteção se encerra com o início do parto. (grifo)             

Como se nota, embora haja divergência de posicionamento entre autores, o que é corriqueiro, a doutrina majoritária entende que para se falar em aborto é necessário que o óvulo já esteja fixado na parede uterina. Assim, o óvulo fecundado, mas que ainda se encontra nas trompas, não faz jus à proteção do código penal no que concerne ao aborto.

 Veja-se o caso da pílula pós-coital e do DIU, tratados anteriormente, onde não há criminalização alguma sobre o uso desses métodos contraceptivos. Ambos os métodos podem agir de maneira a não permitir a fixação do óvulo fecundado no útero materno. Se não há vedação à utilização desses métodos, claro está que a legislação penal brasileira é adepta da teoria da nidação a respeito do início da vida humana. Se não se pune os artifícios que impedem de fixação do óvulo fecundado na parede uterina, e o aborto é a criminalização de qualquer método ou maneira que venha há ceifar a vida intrauterina, logo o crime de aborto só pode ocorrer a partir da nidação.

 Há também o caso da gestação ectópica, conhecida também como gestação tubária, onde a gravidez se desenvolve na trompa e não no útero, em virtude de anomalias, inflamações uterinas ou o uso de determinados medicamentos. Nesse tipo de gestação, a viabilidade do feto é quase nula e, em contrapartida, as complicações para a gestante são altas, ocorrendo sangramentos vaginais intensos por conta da ruptura dos tecidos tubários. O normal é que esse tipo de gestação nem venha a se desenvolver e a mulher nem saiba que está/esteve gestante, pois a gravidez costuma morrer e é absorvida pelo organismo. Contudo, essa gravidez pode vir a persistir, e nesse caso, necessário se faz uma cirurgia abdominal para remover a gravidez. Como visto, é uma situação deveras perigosa para a mulher. Nesses casos, onde há necessidade de uma cirurgia para retirar o embrião, está-se diante de um aborto terapêutico, caso o embrião esteja vivo, pois se morto estiver, não há de se falar em aborto. O aborto terapêutico, ou aborto necessário, é uma das modalidades de aborto não puníveis pelo Código Penal, e está expresso em seu art.128. Nos casos em que há risco à vida ou à saúde da gestante, pode-se fazer o aborto em embrião/feto.

3.3  – O conceito de morte da Lei nº 9.434/97 e a ADPF 54

Em 1997, após aprovação no Congresso Nacional, entrou em vigor a Lei nº 9.434/97, conhecida com Lei de Doação de Órgãos. A referida lei legisla sobre a remoção e doação de órgãos e tecidos humanos.

Repetindo-se o que aqui já foi bastante dito, não há definição legal do momento em que se inicia a vida humana, contudo é de se trazer à baila o outro lado, o antônimo, a face contrária à vida, ou seja, a morte. E para esse fato, a morte, o ordenamento jurídico pátrio tem uma definição legal, e encontra-se na lei em comento. 

Em seu artigo 3º, dispõe a lei 9.434/97 que “A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.” (grifo)

Como pode ser observado da leitura do art.3º acima transcrito, a doação post mortem de órgãos e tecidos deve ser precedida de laudo que constate a morte encefálica do doador, laudo esse registrado por dois médicos não participantes da equipe de remoção e transplante, e seguindo critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.

A resolução de que trata o art.3º é a resolução CFM nº 1.480/97, que já em suas considerações iniciais traz: “CONSIDERANDO que a parada total e irreversível das funções encefálicas equivale à morte, conforme critérios já bem estabelecidos pela comunidade científica mundial;”. (grifo)

O legislador, ao adotar que a doação de órgãos post mortem deve ser feita mediante laudo que comprove a morte encefálica do doador, considerou que não há vida sem atividade cerebral, e esse é justamente o conceito trazido pela teoria da atividade neural, já abordado anteriormente.

Além do legislador, o Conselho Federal de Medicina, segundo critérios pacíficos na comunidade médica mundial, considera que a parada das funções encefálicas equivale à morte, corroborando com a ideia de que sem atividade cerebral não há que se falar em vida.

 Para se constatar a morte cerebral, de acordo com a Resolução do CFM, devem ser observados parâmetros clínicos, quais sejam o coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e apneia. Além disso, devem ser feitos exames complementares para constatação de morte encefálica, que devem demonstrar de forma inequívoca ausência de atividade elétrica cerebral, ou ausência de atividade metabólica cerebral, ou ausência de perfusão sanguínea cerebral.

Apesar de opiniões contrárias, a teoria mais lógica de definição do início da vida humana é a teoria da atividade neural, tendo-se como base a definição que a lei brasileira dá à morte. Se se tem que o fim da vida, ou seja, a morte, ocorre com o fim da atividade cerebral, o mais racional e lógico que se pode concluir é que o início da vida ocorre quando se inicia a atividade neural.

Na mesma esteia do conceito de morte apresentado pela Lei nº 9.434/97, é o julgamento da ADPF 54 pelo Supremo Tribunal Federal, ocorrido em 2012. Em tal julgamento, o STF decidiu por liberar as gestantes de fetos anencélos a interromperem a gestação, se assim o quiserem, sem estarem cometendo o fato típico criminalmente punível do aborto.

Anencefalia é uma má formação congênita que faz com que o embrião não desenvolva a caixa craniana, e logicamente o cérebro, ou, quando há algo que se assemelhe ao cérebro, é totalmente desorganizado e não cumpre as funções básicas que um indivíduo precisa. 

O Ilustre Ministro Carlos Ayres Britto, uma das mais brilhantes mentes jurídicas desse país, assim diz em seu voto na referida ADPF: 

A segunda intelecção é mais discursivamente sutil:  inexiste o crime de aborto naquelas específicas situações de voluntária interrupção de uma gravidez que tenha por objeto um “natimorto cerebral”. Um ser padecente de “inviabilidade vital” (expressões figurantes da mesma resolução nº 1.752/04, do Conselho Federal de Medicina, ali empregadas no plural para os casos de anencefalia fetal). Quero dizer: o crime deixa de existir se o deliberado desfazimento da gestação não é impeditivo da transformação de algo em alguém. Se o produto da concepção não se traduzir em um ser a meio caminho do humano, mas, isto sim, em um ser que de alguma forma parou a meio ciclo do humano. (...) Uma crisálida que jamais, em tempo algum, chegará ao estádio de borboleta. O que já importa proclamar que se a gravidez “é destinada ao nada” sua voluntária interrupção é penalmente atípica.

 Em toda a extensão do seu voto, Ayres Britto é enfático ao se posicionar que não existindo atividade cerebral não há de se falar em existência de vida. Sustenta o Ministro que a interrupção terapêutica da gestação de feto anencéfalo é fato típico, mas não configura uma prática punível. Para tanto, utiliza o exemplo das duas excludentes de ilicitude previstas no Código Penal, quais sejam a gravidez resultante de estupro e a gravidez que põe em risco a saúde da gestante, que visam proteger a saúde mental e física da gestante, respectivamente. Na acertada visão do Ministro, a interrupção da gestação de um feto anencéfalo visa proteger a integridade psíquica e física da gestante. Mental porque, da mesma forma que uma gestação resultante de estupro, obrigar uma mulher a prosseguir com a gestação de um feto anencefálico só geraria trauma e dor, pois aquela mulher está carregando em seu ventre a morte e não a vida. Física porque a gestação de feto anencéfalo é extremamente perigosa para a gestante. Como bem alerta o Doutor Thomaz Gollop, médico  e professor de Ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, em entrevista ao Doutor Drauzio Varella[13], o líquido da bolsa das águas tem um sistema extremamente dinâmico, sendo formado pela urina do feto e consumido pela deglutição também do feto. O feto anencéfalo praticamente não deglute líquido nenhum, pois tem menos reflexo que um feto normal, fazendo com que o líquido vá se acumulando dentro do útero, distendendo-o excessivamente. Além disso, o fenômeno físico do parte exige um crânio, coisa que o anencéfalo não possui, pois sem o crânio o feto fica em uma posição anômala, geralmente sentado, o que dificulta o parte. Também os ombros do feto anencéfalo são maiores que o normal, embora ainda não se saiba o motivo de tal fato. Juntando-se esses fatores, o útero da mulher pode não se contrair posteriormente, levando a uma série de hemorragias.  Diante do exposto, resta evidente que tanto a Lei 9.434/97 quanto o STF, em julgamento da ADPF 54, estão de acordo com a teoria da atividade neural.

3.4  - Afinal, por que não há legislação?

 Como pôde ser observado até aqui, a legislação brasileira é bastante confusa no que concerne à definição jurídica do início da vida humana. Tem-se legislação adotando desde a teoria concepcionista, como é o caso do Código Civil, passando pelo Código Penal e a teoria da nidação, chegando até a Lei 9.434/97 e a teoria da atividade neural. E, dentre os problemas que essa desuniformização pode gerar, o maior deles talvez seja a insegurança jurídica. Um tema tão importante sobre o qual não há legislação, não há súmulas, enfim, sem dúvida pode gerar tremenda insegurança.

 Mas por que motivo será que tal definição nunca foi feita pelo legislativo brasileiro? Falta de base científica? Ideologia? Estratégia política? Nesse tópico, o presente trabalho tentará analisar os possíveis motivos da não definição legislativa do início da vida humana no Brasil.

 Para começar, traz-se a baila a composição da população brasileira atualmente. Segundo dados do último censo realizado, no ano de 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, a população evangélica no Brasil saltou de 6% no ano 2000 para 22% em 2010. Isso significa um crescimento assombroso em tão curto período de tempo. A continuar nessa toada, o Brasil deixará de ser um país notadamente católico para se tornar um país evangélico muito em breve. Mas ainda assim, o Brasil ainda é o maior país católico do mundo, com 123,3 milhões, cerca de 64,6% da população, de acordo dados do censo.

 Bem, sabe-se que os dogmas religiosos, em sua maioria esmagadora, são definitivamente contra a prática do aborto, e isso não é diferente na religião católica ou nas diversas igrejas evangélicas. Um parlamentar que ousasse elaborar um projeto de lei que visasse definir o momento do início da vida humana, e também sobre a legalização do aborto, estaria fadado a desagradar parcelas importantes de sociedade, e isso não seria interessante politicamente.  Melhor explicando, suponha-se que um parlamentar elabore um projeto de lei que determine que o início da vida humana se dá no momento da nidação, por exemplo. Como bem explicado anteriormente, tanto a Igreja Católica quanto as evangélicas defendem que a vida se inicia no exato momento da fecundação do óvulo pelo espermatozoide, ou seja, o parlamentar autor do suposto projeto lei estaria desagradando uma enorme parcela da população brasileira e, assim sendo, deixaria de receber vultuosa quantidade de votos na eleição seguinte. E se a suposta lei definir como o momento inicial da vida o instante da fecundação? Novamente estaria desagradando outra parcela da população, a parcela que entende não estar ao alcance do homem definir tal fato, e nessa parcela inserem-se tanto católicos quanto evangélicos ou pessoas sem religião, não em sua totalidade, óbvio. Fato é que parlamentar nenhum teria interesse em tomar frente em empreitada tão cheia de riscos políticos, seja por convicção própria ou, principalmente, interesse político.  Além da ser politicamente arriscado, outro fator que dificulta a definição jurídica do início da vida humana é a divergência que a ciência tem sobre o fato. Todas as teorias apresentadas anteriormente tem seus fundamentos e podem muito bem ser adotadas, contudo, a verdade é que não há um pensamento uno sobre o tema e isso acaba emperrando o Direito quando se fala em legislação sobre o início da vida humana, isso se o que se pretenda for uma definição biológica.

 Pois bem, base científica para se definir juridicamente o início da vida humana existe, embora não seja pacífica. Quaisquer das teorias apresentadas no início desse trabalho, bem como algumas outras existentes, podem servir, contanto, é claro, que tenham fundamento científico. Mas será que é realmente necessário uma determinação da biologia do momento em que se inicia a vida humana para que, por exemplo, o aborto seja autorizado?

 Quando se reflete sobre o bem jurídico vida, tudo leva a crer que esse bem é absoluto, não podendo ser atacado de forma alguma sem que sanções sejam impostas. Nem tanto. O próprio ordenamento jurídico brasileiro dá oportunidades em que o bem jurídico vida pode ser sacrificado, seja em detrimento de outra vida ou não. A legítima defesa e o estado de necessidade são exemplos de que uma vida pode ser ceifada sem maiores prejuízos punitivos ao agente do fato, bem como a pena de morte em caso de guerra declarada a inimigo estrangeiro, onde a ordem e a segurança pública estão colocados acima da vida, ou mesmo no caso de interrupção de gestação decorrente de estupro, onde a saúde mental da mãe prevalece em detrimento da vida do feto.

 O que esses exemplos mostram é que o bem jurídico vida não é absoluto, pois se fosse, nenhum dos exemplos acima seria possível. E não sendo o bem jurídico vida absoluto, a interrupção da gestação poderia muito bem acontecer mesmo que o feto tenha vida, bastando para isso que se queira (entenda-se por "se queira" como sendo a vontade do legislador), que se opte, como nos casos acima citados. E, novamente, volta-se ao fato de que nenhum legislador quer assumir tal risco.

 Ocorre que se tem a falsa impressão de que o início da vida, juridicamente, depende de uma posição da biologia, e isso não é correto. Melhor dizendo, vida biológica e vida jurídica são conceitos diferentes. O problema reside em se buscar a vida jurídica pela vida biológica. Não que seja errado buscar essa harmonia (e até seria o ideal), mas é que a vida biológica é só mais um critério, e não necessariamente o mais acertado e nem o único possível, para se definir a vida jurídica. E seja como for, a adoção do critério biológico é, por si só, uma escolha política, e não biológica. As descobertas biológicas só têm valor jurídico se uma decisão política atribuir esse valor a elas. A biologia não tem valor jurídico por si mesma, é necessário que o mundo do Direito assim o queira.


Capítulo III

4  - Aplicação prática: aborto

 Sem dúvida, definir juridicamente o momento em que se dá o início da vida humana, dentre outras aplicações, acarretaria uma possível legalização da prática de aborto no país. É o que se tentará demonstrar nesse tópico.

 Infelizmente, a prática abortiva é um problema de saúde pública no Brasil e assim deveria ser tratada. O Dr. Drauzio Varella alerta[14] sobre a atual situação do aborto no Brasil:

 Desde que a pessoa tenha dinheiro para pagar, o aborto é permitido no Brasil. Se a mulher for pobre, porém, precisa provar que foi estuprada ou estar à beira da morte para ter acesso a ele. Como consequência, milhões de adolescentes e mães de família que engravidaram sem querer recorrem ao abortamento clandestino, anualmente.

 (...) Conciliar posições díspares como essas é tarefa impossível. A simples menção do assunto provoca reações tão emocionais quanto imobilizantes. Então, alheios à tragédia das mulheres que morrem no campo e nas periferias das cidades brasileiras, optamos por deixar tudo como está. E não se fala mais no assunto.

 (...) Não há princípios morais ou filosóficos que justifiquem o sofrimento e morte de tantas meninas e mães de famílias de baixa renda no Brasil. É fácil proibir o abortamento, enquanto esperamos o consenso de todos os brasileiros a respeito do instante em que a alma se instala num agrupamento de células embrionárias, quando quem está morrendo são as filhas dos outros. Os legisladores precisam abandonar a imobilidade e encarar o aborto como um problema grave de saúde pública, que exige solução urgente.

 No Brasil, uma em cada cinco mulheres entre 18 e 40 anos de idade já fez ao menos um procedimento abortivo, e metade delas teve que ser internada em decorrência da prática. Os dados são da maior pesquisa já realizada no país sobre o tema, feita por dois cientistas brasilienses, Marcelo Medeiros e Débora Diniz. O trabalho inclusive recebeu o maior prêmio das Américas na área de pesquisas sobre saúde, o Fred L. Soper à Excelência em Literatura sobre Saúde. A pesquisa foi feita pelo método de cédula, para que a mulher não se sentisse constrangida em responder de forma honesta, e chegou-se à relação de 1/5 o número de mulheres que já fizeram aborto. A pesquisa foi  publicada na revista Ciência & Saúde Coletiva no ano de 2010. Por critérios legais e práticos, a pesquisa restringiu-se apenas à mulheres entre 18 e 40 anos. Imagine-se se fossem incluídas aí as adolescentes entre 14 e 17 anos de idade, que representam parcela significativa do número de mulheres com vida sexual ativa e que estão em idade fértil. Isso poderia aumentar o número obtido na pesquisa.

 Dados do Sistema Único de Saúde, o SUS, dão conta de que entre os anos de 1995 e 2007 foram realizados 3,1 milhões de curetagens no país. É uma média de 258 mil procedimentos anuais. Se se levar em conta que esses são números oficiais e que estão aí excluídas as mulheres que não chegam a precisar de atendimento hospitalar, ou mesmo as que precisando não o buscam, o número é assustador. E é justamente isso que diz o Instituto Alan Guttmacher, que realiza pesquisas sobre o aborto em todo o mundo, e aponta que no Brasil são realizados cerca de 1.000.000 (um milhão) de abortos anualmente. Repita-se, o aborto é um problema de saúde pública.

 Infelizmente, tanto o legislativo quanto o executivo nacionais fazem de conta que o problema não existe e ficam inertes diante da situação. O legislativo por não se dar conta de que o Código Penal é ineficaz e o executivo por não promover políticas públicas para um melhor planejamento familiar e atendimento médico descente.

 Por partes. Primeiramente, convém analisar a conjuntura do ordenamento penal brasileiro. O Código Penal data da década de 40 do século passado e hoje não mais satisfaz os anseios da população. Se na época em que foi feito o Código Penal a sociedade demonizava o aborto e o clamor era por condenar tal prática, hoje já não mais. Não se está aqui a dizer que a sociedade atual consente com a prática abortiva e que massivamente a aceita. Não. O que aqui se está a dizer é que atualmente a sociedade é mais tolerante e que o tema precisa ser revisto pelo legislativo. O Código Penal é totalmente ineficaz no que tange ao crime de aborto porque contam-se nos dedos o número de mulheres realmente presas pelo crime em relação à quantidade de abortos realizados. E prever punições mais severas não vai coibir a prática, pois as mulheres, quando precisarem, vão abortar e isso é um fato. Pelos dados trazidos acima, imagine processar e encarcerar todas essas um milhão de mulheres, bem como médicos e enfermeiras que colaboraram com a realização do aborto.

 Por tanto, poder-se-ia adotar uma legislação atinente a definir o momento em que se inicia a vida humana, que poderia, além de regulamentar a prática do aborto, trazer aplicações em outras áreas do Direito. Nos Estados Unidos, por exemplo, o estado do Kansas aprovou lei que define a concepção como marco inicial da vida humana, seguindo a tendência de outros estados como Arkansas, Carolina do Norte, Illinois, Missouri e outros. Nos Estados Unidos, desde 1973, o aborto é permitido, em função do caso Roe vs Wade.

 No Uruguai, em 2012, foi aprovada a legalização do aborto até a 12ª semana de gestação. A mulher que optar por realizar o aborto é auxiliada por uma gama de profissionais, como ginecologistas, psicólogos e assistentes sociais, a fim de auxiliá-la na decisão. Depois que a lei entrou em vigor, o número de abortos diminuiu, muito provavelmente em virtude da orientação profissional de psicólogos e assistentes sociais. 

 Alguns países europeus também usam o critério temporal para permitir o aborto, variando o tempo de gestação entre 90 dias e 24 semanas, como é o caso da Holanda, Bélgica, Reino Unido, Suécia, Portugal, Itália, França e Áustria. Importante salientar que na França e na Alemanha a lei regulamentadora do aborto partiu de iniciativas femininas, por meio de manifestos assinados pelas próprias mulheres admitindo que realizaram aborto (quando este ainda era proibido), contando com pouco mais de 300 mulheres.

 No Brasil, no mês de março de 2013, o CFM enviou à Comissão do Senado responsável pelo projeto de reforma do Código Penal documento no qual defende a legalização do aborto até a 12ª semana de gestação, seguindo tendência mundial.

 Pelo que aqui foi exposto, nítido está que legislar sobre o momento em que tem início a vida humana e também sobre a prática abortiva é possível, sendo que se se puder conciliar ambos num mesmo sentido, ou seja, se ambos tiverem o mesmo marco, um final e outro inicial (aborto e início da vida, respectivamente) seria muito bem-vindo. Resta saber se o legislativo brasileiro teria coragem de fazê-lo. Como dito anteriormente no ponto 3.4 deste trabalho, a classe dos políticos brasileiros é, em sua maioria, covarde e não quer se indispor com seu eleitorado. Nenhum político quer tomar a frente de qualquer projeto que possa macular sua imagem frente ao eleitor (como se o envolvimento em esquemas de corrupção já não fosse o bastante).

  As consequências da covardia legislativa são sofridas pelas mulheres brasileiras, obrigadas a recorrer aos métodos quase que medievais para realizar o aborto. Veja-se o que diz o Dr. Dráuzio Varella[15]:

 A técnica desses abortamentos geralmente se baseia no princípio da infecção: a curiosa introduz uma sonda de plástico ou agulha de tricô através do orifício existente no colo do útero e fura a bolsa de líquido na qual se acha imerso o embrião. Pelo orifício, as bactérias da vagina invadem rapidamente o embrião desprotegido. A infecção faz o útero contrair e eliminar seu conteúdo.

 O procedimento é doloroso e sujeito a complicações sérias, porque nem sempre o útero consegue livrar-se de todos os tecidos embrionários. As membranas que revestem a bolsa líquida são especialmente difíceis de eliminar. Sua persistência na cavidade uterina serve de caldo de cultura para as bactérias que subiram pela vagina, provoca hemorragia, febre e toxemia.

 A natureza clandestina do procedimento dificulta a procura por socorro médico, logo que a febre se instala. Nessa situação, a insegurança da paciente em relação à atitude da família, o medo das perguntas no hospital, dos comentários da vizinhança e a própria ignorância a respeito da gravidade do quadro colaboram para que o tratamento não seja instituído com a urgência que o caso requer.

 A leitura do trecho acima é de provocar ânsia. A não ser que a mulher seja de uma classe econômica mais abastada, onde ela é levada a clínicas com condições descentes para realizar o procedimento, esse é o panorama dos abortos clandestinos no Brasil, com abortos feitos na clandestinidade e de forma perigosa para a saúde e vida da gestante.

 O mais correto é a adoção, dessa vez por parte do Poder Executivo, de políticas públicas para o planejamento familiar, fornecendo educação sexual nas escolas e promovendo propagandas nos meios de comunicação.  Quando se fala em legalização do aborto, a primeira coisa que se pensa daqueles que a defendem é que são a favor do aborto. Por mais controverso que pareça, não. De forma alguma, ninguém é a favor do aborto. As pessoas que defendem a legalização do aborto são a favor de a mulher poder escolher se quer ou não aquela gestação naquele momento, e não que ela seja obrigada, sendo dada a opção de interrompê-la, por vários motivos, seja mesmo psicológico ou até financeiro, o que atualmente é denominado de aborto social ou econômico. Como já dito, as mulheres, proibidas ou não, vão abortar e isso é um fato. Portanto, deve-se dar condições iguais às mulheres, sejam ricas ou pobres, de poder realizar o aborto da forma menos traumática possível, seja esse trauma físico ou psicológico. Uma lei para tratar desse fato é imprescindível.


Considerações finais

 O presente trabalho tentou abordar da forma mais clara e objetiva a realidade brasileira no que diz respeito à falta da definição jurídico-legislativa do início da vida humana e, junto a isso, uma possível legalização da prática abortiva. Além do histórico do tema, foram trazidas quatro relevantes teorias sobre o início da vida humana (existem outras) e explicou-se o conceito de cada uma, bem como os prós e contras que cada teoria poderia trazer se fosse adotada. Aliado a isso, analisou-se também a legislação brasileira a respeito do tema em debate e viu-se que cada seguimento do direito acaba abarcando, indiretamente, todas as teorias apresentadas.

 Primeiramente, a possibilidade de se definir o momento inicial da vida humana serviu tão somente para um exercício de reflexão, e as pesquisas e estudos realizados para tal levaram à conclusão de que o tema ainda será bastante debatido e por muito tempo, muito mesmo. São inúmeras questões envolvidas, morais e éticas, religiosas, ideológicas, enfim. E, também como explicado, mesmo que a ciência chegue a um consenso desse marco inicial da vida humana, ainda assim as discussões não cessariam. Cada pessoa, lógico, tem seu íntimo, suas próprias convicções e tentar fazer com que uma pessoa mude aquilo que pensa, principalmente em tema tão espinhoso, é tarefa quase impossível. Mas impossível apenas no campo da discussão, pois no campo jurídico seria sim possível por fim ao impasse, tanto é que em determinados estados dos Estados Unidos o início da vida humana já é definido legalmente.  Se esse singelo trabalho monográfico pudesse lançar mão de uma das teorias trazidas para ser utilizada, dentro da sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, essa teoria seria a da atividade neural, pura e simplesmente por uma questão de lógica. Primeiramente porque é pacífico na legislação e na medicina, não só brasileira mas mundial, de que a morte é definida pela cessação das atividades cerebrais. Assim, nada mais lógico do que encarar o início da vida conjuntamente com os início das atividades neurais. Segundo porque o Supremo Tribunal Federal, tanto no julgamento da ADI 3510, que tratou sobre a constitucionalidade do art. 5º da Lei 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) quanto no julgamento da ADPF 54, que tratou sobre o aborto de fetos anencéfalos, posicionou-se no sentido de que se não há atividade cerebral não há de se falar em vida, liberando, respectivamente, as pesquisas com células-tronco embrionárias (nos termos da lei 11.105/2005) e o aborto em gestações de fetos anencéfalos.

 Só para lembrar, definir legalmente esse momento está nas mãos unicamente do poder legislativo e isso independe de uma resposta da biologia. Afinal, o Direito faz suas presunções em outros temas, como no caso da citação por edital, em que pelo bem-estar do andamento processual, supõe-se que o réu tomou ciência da ação contra ele movida; ou no caso do estupro presumido quando a jovem é menor de 14 anos de idade, onde, apenas pelo critério da idade, presume-se que o homem agiu com culpa exclusiva, podendo ser levado à cela sem que se considere outros fatos. Esses dois exemplos vêm só para ilustrar que o Direito já faz suas próprias presunções e que definir o momento inicial da vida humana viria apenas a ser mais uma. Como já dito, necessário é que o Direito tome para si a responsabilidade de definir o tema, mesmo sem o auxílio da biologia. 

 Segundo, e talvez o mais importante, seja o outro tema trazido pelo trabalho, que é o aborto e a realidade brasileira sobre esse problema de saúde pública. É preciso que se tenha em mente, e que também a sociedade evolua nesses sentido, de que o aborto existe e que, mesmo proibidas, as mulheres irão continuar abortando. Portanto, proibir não é o caminho. O caminho correto é o da educação e do planejamento familiar, viabilizados pelo Estado, para que o número de mulheres que engravidam em hora inoportuna diminua e para que nos casos que ocorram possa ser dada à mulher a liberdade de escolher se prossegue ou não com a gestação. Se optar por continuar, que assim seja, isso é o desejado. Mas se por um acaso o melhor para o momento seja interromper a gravidez, que assim seja também, com acompanhamento psicológico e social, bem como condições hospitalares para o procedimento.

 Não se pode fechar os olhos para o fato de que há um grande número de mulheres que morrem todos os anos por conta de abortos mal sucedidos. Já se têm ótimos resultados em outros países, inclusive com o vizinho Uruguai, em que depois de uma legislação no sentido de liberar e viabilizar a prática abortiva no sistema público de saúde o número de abortamentos e o número de óbitos de mulheres em decorrência dessa prática diminuíram bastante.  À luz de todo o pensamento exposto neste trabalho, para finalizar, trazse aqui um trecho do editorial do jornal Folha de São Paulo, de 15 de abril de 2007, que diz:

"Nem a ciência nem a religião podem dar uma resposta satisfatória e universal sobre quando começa a vida -se na concepção, ao longo do desenvolvimento fetal ou no nascimento. A única alternativa é deixar que o direito estabeleça o ponto, que será necessariamente arbitrário. O conjunto dos cidadãos e cidadãs tem toda a legitimidade para fazêlo."  

 Apesar de este trabalho dizer que a teoria mais lógica e plausível que poderia ser adotada pelo legislativo pátrio seja a da atividade neural, o trecho acima trazido não poderia ser mais claro. Sim, qualquer critério utilizado hoje para se definir o momento inicial da vida seria arbitrário, pois de fato ainda não há resposta ao questionamento. Mas o conjunto de cidadãos e cidadãs, entenda-se legislativo, tem legitimidade para definir esse momento através de algum critério (claro, buscando, dentro dos limites, o mais racional possível) até que a ciência possa dar uma resposta final, se é que esse dia chegará.  


Referências:

PLATÃO. A República. Rio de Janeiro: Editora Best Seller, 2002. Tradução de Enrico Corvisieri. 

BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro. Legislação Federal. sítio eletrônico internet - planalto.gov.br

F, Gary Cunningham, Willians Obstetries,USA: Copyright, 2005. 22 ª Ed.Traduzido do inglês para o espanhol por Dr. Bernardo Rivera Muñoz, Dr. Félix Garcia Roig, Dr. José Rafael Blengio Pinto e Dra. Ana Maria Pérez-Tamayo Ruiz.

BRASIL. Ministério da Saúde/ Secretaria de Atenção à Saúde/ Departamento de Regulação, Avaliação e Controle/Coordenação Geral de Sistemas de Informação – 2010.

DE JESUS, Damásio E. Código Penal Anotado. 18ª edição. São Paulo: Editora Saraiva 2007.

COELHO, Carlos Alberto de S., JUNIOR, José Jarjura Jorge, Manual técnicooperacional para os Médicos-Legistas do Estado de São Paulo,.São Paulo:CREMESP, 2008.

ALVES, João Luiz. Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil. 1.Ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia., 1917.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte especial. 8ª ed. São Paulo:Saraiva, 2008. v.II.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, Parte especial (arts. 121 a 160 CP). 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, V. II. 6ª ed. revista, ampliada e  atualizada. Niterói: Impetus, 2009.

BRASIL, Lei nº 9.434 de 04 de fevereiro de 1997. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9434.htm>. Acessado em 23/01/2013

NARLOCH, Leandro. Vida: o primeiro instante. Revista Super Interessante, novembro de 2005. Disponível em: <http://super.abril.com.br/ciencia/vidaprimeiro-instante-446063.shtml>. Acessado em 07/11/2012

COELHO, André. Início da vida: uma questão biológica? Filósofo Grego. Disponível em: <http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com.br/2009/03/inicio-davida-uma-questao-biologica.html>. Acessado em 11/11/2012

SAMPAIO, Antônio Vasconcelos. A Vida para o Direito. Direito Positivo. Disponível em:<http://www.direitopositivo.com.br/modules.php?name=Artigos&file=display&jid=310>.  Acessado em 01/12/2012 <http://ofundodaproveta.wordpress.com/tag/teoria-da-fecundacao/> Acessado em 20/11/2012

VARELLA, Drauzio. Pílula do dia seguinte. Disponível em:<http://drauziovarella.com.br/mulher-2/pilula-do-dia-seguinte/>. Acessado em 20/11/2012

REGIS, Arthur Henrique de Pontes. Início da vida humana e da personalidade jurídica: questões à luz da Bioética. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 617, 17 mar. 2005 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6462>. Acesso em 25/03/2013.

RIBAS, Ângela Mara Piekarski, O Direito à Vida sob uma ótica contemporânea.Âmbito Jurídico. Disponível  em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2986>. Acessado em 21/11/2012

<http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Manual_Oncologia_2010.pdf>Acessado em 07/12/2012

<http://www.unifesp.br/dgineco/planfamiliar/anticoncepcao/diu_content.htm>Acessado em 08/12/2012

<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1997/1480_1997.htm>Acessado em 08/12/2012

<http://hermes.ucs.br/camva/dcsc/sscosta/mrncn.html>  Acessado      em 10/12/2012

SILVA, Fernando Duarte Leopoldo e. Aspectos Médicos e Jurídicos do aborto.

São Paulo,  2008.  Disponível  em:<http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1201>  Acessado  em 13/12/2012 

<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1997/1480_1997.htm>Acessado em 23/01/2013

ANDRADE, Ana Marisa Carvalho de. Considerações jurídicas acerca do início da vida humana. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3221, 26 abr. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21637>. Acessado em 25/03/2013.

BETTENCOURT,  Estevão Tavares. Revista Pergunte e Respondemos, nº 413, outubro, 1996. Disponível em: <http://agnusdei.50webs.com/div136.htm>. Acessado em 21/04/2013

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-64362-17-abril-1969-405718-publicacaooriginal-1-pe.html> Acessado em 26/04/2013

MARIZ, Renata. Estudo sobre o aborto no Brasil é premiado. 2012. Disponível em:<http://www.feminismo.org.br/livre/index.php?option=com_content&view=article &id=99994311:estudo-sobre-aborto-no-brasil-e-premiado&catid=133:direitossexuais-e-reprodutivos&Itemid=540>. Acessado em 02/05/2013

FORMENTI, Lígia. CFM vai apoiar o direito de a mulher abortar até a 12ª semana de gestação. O Estado de S.Paulo. 21 de março de 2013. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,cfm-vai-apoiar-o-direito-dea-mulher-abortar-ate-a-12-semana-de-gestacao-,1011266,0.htm>. Acessado em 06/05/2013


Notas

[1] "Se a mulher está tendo dificuldade no parto, deve-se cortar o feto dentro dela e retirar parte por parte porque sua vida tem precedência sobre a vida do feto. Uma vez que sua parte maior tenha emergido, não a toque porque não se pode por de lado uma vida pela outra" (mishná Oholot 7:6 ).

[2] O Brasil é signatário do Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes. Foi promulgado pelo Decreto 64.362 de 1969 e publicado no DOU em 22/04/1969.

[3] Assim dispõe o art. 3º da Lei 9.434 / 97: "A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.

[4] Em A República, num diálogo entre Aristóteles e Gláuco, Platão assevera: “A mulher parirá para a cidade dos vinte aos quarenta anos; o homem gerará para a cidade até os cinqüenta e cinco anos. (...) Porém, quando para um e outro sexo houver passado a idade da procriação, deixaremos os homens livres de se ligarem a quem quiserem, exceção feita às filhas, às mães, às netas e às avós. Igual liberdade terão as mulheres em relação aos homens, exceto com seus avós, com seus pais, com seus filhos e com seus netos. Conceder-lhes-emos esta liberdade após haver-lhes recomendado que tomem todas as precauções possíveis para que nenhum filho fruto dessas uniões veja a luz do dia, e, se houver algum que abra caminho à força para a vida, que os enjeitem, pois a cidade não se encarregará de alimentá-lo.”. Pode-se dizer, então, com base nessa passagem da obra, que Platão defendia o aborto para as mulheres que ficassem grávidas e estivessem acima dos quarenta anos.

[5] NARLOCH, Leandro. Vida: o primeiro instante. Superinteressante. Novembro, 2005.

[6] "O seu raciocínio não é claro, mas parece defender a animação mediata: o embrião humano teria primeiramente um princípio vital meramente vegetativo; depois seria animado por um princípio vital vegetativo e sensitivo, e só posteriormente por um princípio (anima) vegetativo, sensitivo e intelectivo ou por uma alma humana propriamente dita.". BETTENCOURT,  Estevão Tavares. Revista Pergunte e Respondemos, nº 413, outubro, 1996

[7] Id.

[8] Os teratomas, dentre outros tumores embrionários, são assim definidos pelo Manual de Oncologia, do Ministério da Saúde: ''Tumores Embrionários - são os teratomas (podem ser benignos ou malignos, dependendo do seu grau de origem embrionária, derivados de células primitivas totipotentes queantecedem o embrião tridérmico diferenciação), seminomas, coriocarcinomas e carcinoma de células embrionárias. São tumores malignos." (grifo). Ministério da Saúde. Manual de Oncologia, 2010, p.10.

9 ALDRIGHI, José Mendes. Pílula do dia seguinte. Disponível em:  http://drauziovarella.com.br/mulher-2/pilula-do-dia-seguinte/anticonceptiva.

[10] http://www.anticoncepcao.org.br/html/manual/manual.htm

[11] CUNNINGHAN, Gary. Willians Obstetries, pag. 52, 2005. El desprendimiento de la zona pelúcida permite a las citocinas y hormonas producidas por el blastocisto influir de manera directa sobre la receptividad del endométrio (Lindhard et al,. 2002). Se han acumulado pruebas de que el blastocisto secreta IL – aα e IL-βy que esas citocinas pueden influir de manera directa em el endométrio. Se há demonstrad que los embriones secretan gonadotropina coriônica humana (hCG), que pudiese influir em la receptividad endometrial (Licht et al., 2001; Lobo et al., 2001). Se cree que el endométrio receptivo receptivo responde com la produción del factor inhibidos de la leucemia y el factor estimulante de colônias I, que aumentan la producción de proteasas por el trofoblasto, que fragmentan las proteínas de la matriz extracelular endometrial seleccionadas y permiten la invasión por el trofoblasto. Asi, la „segmentación‟ del embrión es um paso crítico hacia el embarazo exitoso, ya que permite el vínculo de las células del trofoblasto com las epiteliales del endométrio y el paso das hormonas producidas por el trofoblasto hacia la cavidad uterina.

[12] Alexandra Feijó (1999), em seu trabalho intitulado Morte do Recém Nascido: Causas Naturais, diz: "Docimasia hidrostática de Galeno - baseia-se no fato de que consequente à constituição diversa do pulmão que não respirou e do que respirou, é também diversa a densidade deles. É a mais conhecida e praticada. Se processa em quatro fases: 1ª fase: põe-se na água comum em temperatura ambiente todo o aparelho respiratório. Observa-se então se as vísceras flutuam inteiramente ou a meia água ou se vão ao fundo, anotando-se o resultado. 2ª fase: mantido o bloco dentro da água, separam-se os pulmões pelo seu hilo dos demais órgãos apensos e verifica-se, se vão ao fundo, flutuam de todo ou a meia água. 3ª fase: de cada pulmão separam-se sempre dentro d'água, os respectivos lobos e destes cortam-se alguns fragmentos registrando-se como se comportam na massa líquida. 4ª fase: tomam-se algumas porções dos fragmentos pulmonares e, sempre dentro d'água, comprimem-se entre os dedos e de encontro a parede do vaso, anotando-se se surgem bolhas finas de gás misturadas com sangue, e se depois desta compressão tais fragmentos flutuam ou vão para o fundo. Se tiver havido flutuação sempre, desde a 1ª fase à última com saída de líquido espumoso sanguinolento, de bolhas finas, a conclusão é de que o infante respirou. Se a flutuação tiver sido a meia água, deduzir-se-á a existência de respiração parcial podendo, entretanto subsistir dúvidas. Caso tenham os órgãos ido para o fundo do vaso, a dosimasia é negativa, permitindo dizer que não houve respiração (vida extra-uterina). (...) Docimasias Histológicas - essa prova consiste no estudo microscópico do pulmão, após prévia inclusão pelos processos comuns da técnica histológica. O pulmão que respirou tem aspecto estrutural idêntico ao do pulmão de adulto, isto é, dilatação uniforme dos alvéolos com achatamento da células epiteliais, desdobramento das ramificações brônquicas e afluxo de sangue nos vasos capilares que se apresentam aumentados de volume, ao passo que o que não respirou apresenta os caracteres do pulmão fetal, isto é, sem cavidades alveolares e células endoteliais cilíndricas ou cúbicas. Esta prova é importante para casos duvidosos."

[13] Disponívele em: http://drauziovarella.com.br/audios-videos/abortos-no-brasil/

[14] Disponível em: http://drauziovarella.com.br/mulher-2/gravidez/a-questao-do-aborto/

[15] Id. 


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIOS, Stefano da Silva. A indefinição jurídica sobre o início da vida humana: desinteresse legislativo versus aborto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4288, 29 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37481. Acesso em: 24 abr. 2024.