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Riscos da compra e venda de imóvel financiado desafiam o senso comum

Riscos da compra e venda de imóvel financiado desafiam o senso comum

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Compromisso de compra e venda condicionado a aprovação de financiamento imobiliário por instituição financeira implementa um novo risco ao negócio jurídico e possibilita um desdobramento que não é de conhecimento geral.

Resumo: Analisa-se o risco de condicionar o compromisso de compra e venda de imóvel à aquisição de financiamento imobiliário perante instituições financeiras (ex: vendas financiadas pela Caixa Econômica Federal no âmbito do SFH).


Na praxe do mercado imobiliário tem sido cada vez mais comum a celebração de compromisso de compra e venda com cláusula condicional de financiamento. A opção por esta forma de negociação decorre de dois fatores:

  1. facilidade para se obter um financiamento habitacional por meio dos programas governamentais vinculados à lei do SFH (lei 4.380/64);

  2. dificuldade de se encontrar compradores que disponham de recursos para realizar pagamento à vista, sendo por isso, necessário que recorram à uma instituição financeira para fazê-lo.

Aqueles que pretendem vender são intitulados “compromissários vendedores” porque assinam promessa de compra e venda com os pretensos compradores, estes doravante denominados de “compromissários compradores”. Esse compromisso de vender tem tratamento jurídico ABSOLUTAMENTE distinto da compra e venda que se pratica hodiernamente, transferindo para os compromissários vendedores um risco que inexiste na compra e venda pura e simples (sem condições, com pagamento imediato).

Para a realização do negócio jurídico de compra e venda condicionada a financiamento, é necessário que haja implemento do “elemento acidental”, qual seja, o evento futuro e incerto essencial para implementação do direito que o contrato visa. Com efeito, o negócio apenas se realizará caso os compromissários compradores logrem êxito na aprovação do financiamento. A não obtenção deste, ao contrário do que muitos pensam, NÃO CONSTITUI INADIMPLEMENTO CONTRATUAL, tão somente hipótese de ausência de implementação da condição entabulada, ensejando à rescisão do contrato sem ônus para ambas as partes.

Diz o Código Civil (CC/02) que inadimplemento decorre de CULPA, confira:

“Art. 408. Incorre de pleno direito, o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.”

E ainda:

“Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.”

A negativa de financiamento é evento que independe da vontade dos compromissários compradores, porquanto a aprovação do crédito pela entidade financeira é ato de terceiro estranho à relação contratual e condição para realização do negócio. Sem ela inexiste direito a ser resguardado pelos compromissários vendedores. Confira os arts. 121 e 125, CC/02)[1]:

“Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”

“Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta não se verificar, não se terá adquirido o direito a que ele visa.”

Nesse sentido, a Primeira Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) negou provimento a recurso dos compromissários vendedores que visava impor à consequência da mora aos compromissários compradores pela não obtenção de financiamento, ou seja, imposição de multa moratória e perdas e danos, esclarecendo que

3. O arrependimento pressupõe a manifestação livre e soberana da parte, que mercê de sua própria conveniência, opta por não concluir a avença. A vontade daquele que se arrependeu é condição essencial e inafastável para admitir-se a incidência da primeira hipótese da aplicação da lei de arras. Quem efetivamente não pode, quem induvidosamente não tem condições de prosseguir, à evidência não se arrepende: sucumbe ante uma situação fática, que surge como um obstáculo intransponível. Ninguém pode ser obrigado a fazer coisas impossíveis.

(AC 3621295, DJe 20.03.1996)

O entendimento acima demonstra que a praxe de mercado consistente na retenção do sinal/arras pelo não pagamento por parte do adquirente por fato alheio a sua vontade é ato abusivo do compromissário vendedor. Isso ocorre porque o comprador não incide em mora se não obteve o financiamento porque sua negativa pela instituição financeira decorre de risco natural da compra e venda condicionada (ou impura), qual seja, condicionar o êxito do negócio a aprovação do crédito do comprador por instituição financeira não vinculada a promessa de compra e venda.

Idêntica conclusão chegou a Segunda Turma do TJDF ao analisar caso similar, consignando que

Não concluído o negócio ajustado entre as partes por fato de terceiro (não aprovação de financiamento imobiliário pela CEF), não se há de falar em perda do sinal dado em arras.”

( AC 19980110598666APC, DJe 26.10.2004)

Fica muito claro que no Direito Civil inadimplemento decorre de CULPA e somente nos casos que ela existe se cogita aplicação dos efeitos do inadimplemento. Ou seja, se o financiamento é aprovado e o compromissário comprador DESISTE do pacto ou por qualquer outro ato culposo o negócio deixa de se concretizar na forma estabelecida no compromisso de compra e venda há ensejo à rescisão do contrato - aplicando-se os efeitos da mora.

Inadimplemento é sinônimo de mora (art. 394, CC/02) que segundo a doutrina majoritária civilista pode ser absoluta ou relativa. Nesta, assiste direito a parte interessada pedir judicialmente o cumprimento do contrato, além de cobrar o valor de eventual cláusula penal ou perdas e danos que possam decorrer desse inadimplemento, vide art. 461, CPC[2] cumulado com arts. 394, 395, 403 e 404, do CC/02[3]. Naquela (mora absoluta) inexiste meios de ilidir o inadimplemento ante a impossibilidade de se cumprir o contrato (art. 394, Parag. único, CC/02), restando à parte inocente pedir em juízo seja declarada a resolução do negócio por inadimplemento culposo, estipulando-se indenização por perdas e danos ou a incidência da cláusula penal.


Conclusões

  1. na compra e venda com cláusula condicional, há o implemento de um novo risco para o negócio jurídico que deve ser avaliado pelo vendedor, qual seja: da não realização do negócio jurídico SEM direito de ser indenizado caso seja negado crédito ao compromissário comprador pela instituição financeira, sendo tal fato inerente à natureza do negócio;

  2. na venda condicionada, cabe ao vendedor se precaver de demandar um documento formal comprovando a aprovação do financiamento pela instituição financeira, pois apenas implementada tal condição tornar-se-á exigível o cumprimento do contrato e imputável o inadimplemento aos compradores.


Notas

[1] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm, consulta realizada às 11:12 de 25.06.2014.

[2] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm, consulta realizada no dia 25.06.2014 às 18:15 horas.

[3] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm, consulta realizada às 18:20 horas de 25.06.2014.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Marcus Thiago Sanna. Riscos da compra e venda de imóvel financiado desafiam o senso comum. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7299, 26 jun. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38781. Acesso em: 19 abr. 2024.