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PEC da Bengala: alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 88/2015

PEC da Bengala: alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 88/2015

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A lei complementar a ser editada pode prever idade diferente de 75 anos para aposentadoria compulsória? Poderá regulamentar o assunto em relação a quais funcionários públicos? Terá aplicação em âmbito nacional?

É fato público e notório que o Congresso Nacional publicou no dia 08 de maio de 2015, no Diário Oficial da União, a Emenda Constitucional nº 88. A referida Emenda é resultado da chamada PEC da Bengala, que pretendia aumentar a idade limite para aposentadoria compulsória de 70 para 75 anos.

Pois bem, tendo sido aprovada, a mesma conferiu nova redação ao art. 40, §1º, II, da CF e acrescentou o art. 100 ao ADCT.

Vejamos a redação atual dos referidos dispositivos:

“Art. 40. (...) § 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (...)

II - compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar;”

“Art. 100. Até que entre em vigor a lei complementar de que trata o inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, nas condições do art. 52 da Constituição Federal.”

Primeiramente, importante destacar que a redação anterior do art. 40, §1º, II, da CF, apenas exprimia o seguinte: “compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição”.

Desse modo, observe-se que a atual regra mantém a aposentadoria compulsória no patamar dos 70 anos de idade. Contudo, esta idade pode ser elevada aos 75 anos “na forma da lei complementar”. Mais adiante voltaremos a esta delegação da regulamentação por meio de lei complementar.

Pois bem, atento ao fato de que a lei complementar pode demorar a ser editada, o Congresso Nacional imprimiu efeitos imediatos à nova regra do art. 40, §1º, II, por meio da inclusão no ADCT do art. 100.

Este último dispositivo aumentou, por força própria, a idade limite para aposentadoria compulsória para alguns cargos específicos, quais sejam: “Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União”. Nesse sentido, além dos Ministros do STF e do TCU, também serão beneficiados pela nova regra os Ministros do STJ, TST, STM e TSE.

Com relação ao TSE, recorde-se o detalhe de que os seus membros exercem mandatos temporários, compondo-se de 03 (três) Ministros do STF, 02 (dois) Ministros do STJ e 02 (dois) advogados, sendo estes escolhidos por nomeação do Presidente da República, dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal (art. 119 da CF).

Dito isto, percebe-se que a EC nº 88/2015 somente produz efeitos imediatos quanto a estas autoridades. Todos os demais cargos públicos permanecem jungidos à regra da aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade.

Aqui começa o impasse a respeito da referida lei complementar que poderá ser editada para regulamentar o aumento da aposentadoria compulsória aos 75 anos de idade.

Primeiramente, sob a nossa ótica, a técnica utilizada pelo constituinte reformador foi de desconstitucionalizar matéria que antes era regulamentada diretamente pela Constituição Federal.

A partir de agora (e é exatamente isso o que a emenda diz), norma infraconstitucional, seguindo os parâmetros delineados pela Carta Magna, poderá criar situações e especificidades a respeito do aumento de idade para a aposentadoria compulsória.

A nosso ver, a nova norma possibilitou que lei complementar possa aumentar para 75 anos. Porém, deixa-nos a dúvida se essa mesma lei poderia criar limite inferior. Ou seja, poderia a lei afirmar que a aposentadoria compulsória passa a ser de 71, 72, 73 ou 74 anos de idade? Ou apenas poderia aumentar a idade se fosse exatamente para os 75 anos?

Acreditamos que, na medida em que a Constituição deixa de regulamentar uma matéria em seu próprio texto e passa a delegar à norma infraconstitucional, esta teria espaço para atuar dentro dos parâmetros delineados; ou seja, poderemos continuar com o limite de 70 anos (caso a lei não seja editada), ou a lei complementar poderá aumentar até 75 anos de idade. Esta me parece ser a baliza hermenêutica mais adequada.

Aliás, a lei complementar até poderia criar regras de transição para o aumento da idade limite. Exemplo: aposentadoria compulsória aos 71 anos de idade para aqueles que se encontrarem no serviço público até 2020; 72, de 2021 a 2025; 73, de 2026 a 2030; 74, de 2031 a 2035; e, a partir de 2036, 75 anos de idade.

Vamos adiante. A lei complementa também poderia criar idades limites para cargos específicos, desde que respeitados os princípios da impessoalidade, moralidade, razoabilidade, proporcionalidade etc.

Inclusive, foi exatamente isso que fez a inclusão do art. 100 ao ADCT: o constituinte reformador entendeu que Ministros de Tribunais Superiores e do TCU (especificamente) já podem ser submetidos à regra de 75 anos de idade. Houve predileção para estes cargos. Nada impede, portanto, que outros cargos venham a ser contemplados com o teto máximo, com um teto inferior a 75 anos, ou que permaneçam com o teto de 70 anos.

Superado este tópico, agora surge um outro problema de maior gravidade: a quem compete editar a referida lei complementar? Pouco se fala a respeito e cogita-se que a competência seria apenas da União.

Com a devida vênia, ousamos discordar parcialmente.

Com relação aos servidores públicos federais – os quais são regidos pela Lei nº 8.112/90 –, certamente será a União que irá editar a referida norma, alterando e fazendo as modificações que acharem pertinentes quanto ao art. 186 desta lei: 

“O servidor será aposentado: (...) II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço”.

Apenas um detalhe interessante: o que antes era tratado em lei ordinária, reproduzindo norma constitucional, a Carta Magna passou a determinar que a regulamentação se desse por lei complementar – a qual possui quórum de aprovação maior e demanda um maior consenso em torno do tema no Parlamento.

De todo modo, dito isto, acreditamos que a mesma lei não poderá ser seguida para os servidores das demais esferas da nossa Federação.

Os Estados e Municípios são autônomos e regem-se pelas suas próprias normas (Constituições Estaduais, Leis Orgânicas e leis estaduais e municipais), devendo obediência apenas à Constituição Federal.

Vejamos o que diz o art. 18 da CF: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”

Com relação aos Estados e Municípios, vejamos os dispositivos que inauguram os referidos capítulos na Carta Magna:

“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.”

“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: (...)”

Observa-se, então, que os Estados e Municípios possuem regras próprias para disciplinar a sua dinâmica/realidade local e os seus servidores.

Ressalvadas as leis nacionais (que irradiam efeitos sobre todos os entes federados – art. 22 da CF), as demais leis têm aplicação e efetividade dentro das esferas políticas da sua edição. No caso, alguns Estados e Municípios podem entender pela edição de lei complementar para regulamentar o aumento da idade limite para a aposentadoria compulsória, outros não.

Esta conclusão, aliás, é decorrência justamente da norma incerta no art. 100 do ADCT. O Congresso Nacional decidiu por bem aumentar imediatamente a idade limite apenas para os Ministros de Tribunais Superiores e do TCU – são órgãos federais. Se o constituinte reformador quisesse, poderia tê-lo feito também para os Desembargadores dos Tribunais de Justiça (órgão de cúpula dos Estados), mas não o fez. Quanto a estes, apenas os Estados podem regulamentar a matéria.

Aqui mais um detalhe: o locus adequado de uma norma que irradia efeitos para todos os entes federados é justamente a Constituição Federal – exatamente como fazia a regra anterior. Todavia, ao delegar a matéria para norma infraconstitucional, a Carta Magna possibilita que cada ente, de acordo com as suas realidades locais, regulamente do modo que entender melhor.

Nesse sentido, chegamos à conclusão de que não necessariamente o limite de idade deve ser aumentado para 75 anos (pode ser entre 70 e 75), inclusive diferenciando cargos com limite maior ou menor, bem como que a lei complementar, a ser editada pela União, terá validade apenas para os servidores federais. Assim, caso os Estados e Municípios também queiram regulamentar a matéria, deverão fazê-lo por norma própria.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA NETO, Gentil Ferreira de. PEC da Bengala: alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 88/2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4345, 25 maio 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39352. Acesso em: 16 abr. 2024.