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A questão das janelas para mudança de partido por detentores de mandato eletivo a ser aprovada na Reforma Política: uma defesa da democracia

A questão das janelas para mudança de partido por detentores de mandato eletivo a ser aprovada na Reforma Política: uma defesa da democracia

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Recentemente, o Congresso Nacional aprovou a criação de uma “janela” de 30 dias de exceção nas regras da fidelidade partidária e permitirá assim que deputados, vereadores e detentores de mandatos políticos mudem de partido sem perder seus mandatos.

Recentemente, o Congresso Nacional aprovou a criação de uma “janela” de 30 dias de exceção nas regras da fidelidade partidária. O período ocorrerá logo após a promulgação da PEC da reforma política, e permitirá assim que deputados, vereadores, e outros detentores de mandatos políticos eleitos mudem de partido sem perder seus mandatos. 

A reforma política em si foi votada após um clamor popular para que sejam rediscutidas as eleições, apresentando propostas ao sistema político, retomando o debate para a democracia brasileira tematizando aspectos como os partidos e o sistema partidário, reorganização dos poderes, financiamento de campanhas público e/ou privado, sistema de voto em lista aberta e/ou fechada.

Sendo que no tocante a esta questão das ‘janelas’ para mudança de partido sem perder o direito ao mandato político, é justo dizer que o mandato eletivo propriamente dito, eleva o candidato eleito a uma função social, é a procuração para que se venha representar o povo, podendo-se afirmar que os representantes diante do mandato, devem exercer sua representação de forma democrática, compreendendo assim o ato de representar todas as classes sociais, sem exclusões, pensando o país de uma forma global.[1]

Corroborando, com a função do mandato eletivo e determinando seu exercício na função representativa, pode-se delimitar que o exercício dos mandatos políticos é uma outorga que o povo repassa a seus representantes devendo estes ser intermediários da vontade do povo, sendo assim um modo em que o povo governa.

Antes de adentrar ao tema, citamos as palavras de José Nepomuceno da Silva[2] Por primeiro, impõe-se desfazer um equívoco na elaboração da mídia quando fala que o mandato é do partido e não do candidato. Não é bem isto. O mandato, na verdade, é do povo, seu outorgante, que detém o poder do sufrágio e do voto, no comando da República (CF/ 88, art. 14, caput). É mesmo inconcebível negar a origem e titularidade do mandato popular. Quem o faz, nega a própria soberania popular, que os constituintes de 88 erigiram, com outros, como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito. Pois.

A soberania popular é a qualidade máxima do poder extraída da soma dos atributos de cada membro da sociedade estatal encarregado de escolher os seus representantes no governo através do sufrágio universal e do voto direto, secreto e igualitário (LAMMÊGO BULOS, CF anotada. 5ª ed. Saraiva, 2003, p. 480).

O autor da proposta de criação desta ‘janela’ tema deste ensaio, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), argumenta em defesa da proposta no sentido de que é facultado ao detentor de mandato eletivo se desligar do partido pelo qual foi eleito nos trinta dias seguintes à promulgação da Emenda à Constituição, sem prejuízo do mandato, não sendo essa desfiliação considerada para fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do acesso ao tempo gratuito de rádio e televisão, Restando claro que os parlamentares foram eleitos por voto preferencial, é certo que este deve ter garantido o exercício livre e independente da função a qual foi eleito.

Tal argumento já foi defendido em entrevista para a Folha de São Paulo pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffolli que defende a migração partidária sim, haja vista que muitas vezes, nas palavras do ministro, esta é uma válvula de escape para que uma panela de pressão interna não exploda, é da política brasileira essa mudança, e mais que isso, a nosso ver, é um exercício da democracia.

Sendo que o Ministro ainda fez defesa de uma proposta melhor, a criação de uma janela para a mudança de partido, um mês antes da eleição, de forma que o detentor do mandato político tenha exercido grande parte de sua legislatura ou governo dentro da agremiação a qual foi eleito e apenas mude na data limite, sendo este um grande avanço, se o Congresso converter tal idéia em dispositivo da Reforma.

Cumpre informar que hoje em dia, conforme se dispõe em resolução do Tribunal Superior Eleitoral nº 22.610, de 25.10.2007, alterada pela Resolução nº 22.733, de 11.3.2008, que disciplina o processo de perda de cargo eletivo e de justificação de desfiliação partidária. De acordo com a resolução, o partido político interessado pode pedir, na Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

Conforme o § 1º do art. 1º da Resolução-TSE nº 22.610/2007, considera-se justa causa a incorporação ou fusão do partido, a criação de novo partido, a mudança substancial ou o desvio reiterado do programa partidário e a grave discriminação pessoal. Podem formular o pedido de decretação de perda do cargo eletivo o partido político interessado, o Ministério Público Eleitoral e aqueles que tiverem interesse jurídico, de acordo com a norma. O TSE é competente para processar e julgar pedido relativo a mandato federal. Nos demais casos, a competência é do Tribunal Eleitoral do respectivo estado.[3]

Sendo que em julgamento, em outubro de 2007, que o STF proferiu sobre a fidelidade partidária, por maioria (oito votos), decidiu “que a infidelidade partidária levará a perda de mandato”, em se tratando de eleitos pelo sistema proporcional, vereadores, deputados estaduais e deputados federais que trocaram de partido a partir do dia 27 de março de 2007.  De acordo com o julgamento apresentado pelo Tribunal Superior Eleitoral, a mudança imotivada de filiação  partidária de parlamentar conduz à cassação do mandato, seguindo-se que o mandato permanecerá com o partido político pelo qual o parlamentar disputou o pleito eleitoral.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria “infidelidade partidária gera perda de mandato”, foi de que o mandato pertence ao partido, com a possibilidade da perda de mandato quando o parlamentar, eleito por uma agremiação, passa a compor outro partido, com ressalvas que os parlamentares terão amplo direito de defesa para argumentarem os motivos que os levaram a mudar de legenda, regra válida anteriormente julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral.[2]

Ressaltando que se deve, mesmo na legislação atual, conceder o direito constitucional à ampla defesa ao detentor do mandato eletivo.

Alberto Rollo[3] afirma que não há na Constituição Federal e nem em qualquer lei de regência da espécie, dispositivo prevendo sanção de perda de mandato para o parlamentar infiel. A Constituição não descreveu o tema fidelidade partidária, salvo para prescrever que o estatuto partidário deve estabelecer normas sobre a matéria (art. 17 § 1º).

O autor acima mencionado, ainda considera que a respeito do cabimento da sanção de cassação de mandato como conseqüência de infidelidade partidária, fazendo uma retrospectiva da história, enfocando essa punição contra os parlamentares à época da Ditadura Militar, na qual as liberdades civis não eram valorizadas. Para ele, não se deve repetir os excessos do passado, de modo a alcançar a exigência da fidelidade com a falsa posição de suprema cura de todos os males políticos existentes no país.  A existência de fidelidade partidária era tida como entrave à evolução dos costumes políticos nacionais. Decorrido esse tempo, vê-se crescer uma ânsia em atribuir novamente à infidelidade a sanção de perda de mandato.  É necessário observar que dependendo da infração defendida em cada estatuto partidário, a punição aos seus filiados deverá se resguardar em conformidade com a Lei nº 9.096/1995 e com a Constituição Federal.

Tal disposição da ‘janela’ a ser votada na Reforma Política, vem para justificar tais mudanças de partido, haja vista que as regras do jogo mudaram, portanto, se abre a justa possibilidade das mudanças, respeitando a continuidade do mandato eletivo, sendo que o eleitor terá a chance nas eleições de aprovar ou não a mudança de agremiação do parlamentar.

Entendemos que a proposta é um avanço para a democracia, pois o parlamentar deve ter garantido o exercício livre e independente da função para a qual foi eleito pelo povo e ter a opção de escolher outros caminhos caso a regra do jogo mude, como é o que ocorreu com a Reforma Política, sendo que defendemos também, que seja inserido na Constituição o que já existe em resolução do TSE, podendo o parlamentar mudar de partido sem perder o mandato nos casos de “grave discriminação pessoal” e de “desvios reiterados do programa” praticados pelo partido, situação que já justifica a nosso ver, a saída da Senadora Marta Suplicy do PT. Pois não é possível que um parlamentar esteja descontente com os rumos de um partido ou de um governo, se veja preso dentro de uma agremiação.

Ou seja, discutir reforma política é isso, encontrar caminhos, apontar soluções e, sobretudo, avançar na busca de uma democracia consolidada, que respeite o poder de decisão de eleitores e eleitos. É o que defendemos.


[1] PINTO, Djalma. Direito Eleitoral: Improbidade Administrativa e responsabilidade fiscal. 3ªEd. São Paulo: Atlas, 2006, p.81.

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de direito Constitucional Positivo. 29ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.409.

[3] TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL – Fidelidade Partidária, disponível em: http://www.tse.jus.br/partidos/fidelidade-partidaria

[4] REIS, Sebastiana Clara Pinto. Reforma política na agenda do Congresso Nacional. Trabalho final (especialização) - Curso de Ciência Política, Universidade do Legislativo Brasileiro (Unilegis) e Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), 2008. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/161570

[5] ROLLO, Alberto. Reforma política, uma visão prática. São Paulo: IGLU, 2007.


Autor

  • Fernando Rubinelli

    Advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil, foi Professor-Assistente de Direito Administrativo (2011-2012), Direitos Difusos e Coletivos (2013) e de Direito Processual Penal (2014) na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, foi Assessor Jurídico da Prefeitura Municipal de Diadema (2010-2012) e Assessor Jurídico Parlamentar na Câmara dos Deputados (2012-2015) e na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo - ALESP (2015), é Vereador (2017-2020), Membro da Comissão de Justiça da Câmara Municipal de Mauá.

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