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Inflacionismo penal - apontamentos sobre os malefícios do Direito Penal Máximo.

Análise das correntes que advogam o direito penal máximo e mínimo

Inflacionismo penal - apontamentos sobre os malefícios do Direito Penal Máximo. Análise das correntes que advogam o direito penal máximo e mínimo

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Apresentam-se a finalidade das sanções penais e a compreensão de sua existência, bem como sua condição atual de executoriedade.

O Direito Penal é um instrumento de proteção a bens jurídicos de grande importância social. Consiste num órgão controlador e fiscalizador das relações sociais, desta forma deve acompanhar os anseios das populações que variam constantemente, tendo em vista a complexidade e a dinâmica dos homens.

Sendo assim, uma vez que apareçam novos bens jurídicos a serem tutelados, os quais acompanham o desenvolvimento e as mudanças sociais, surge a possibilidade, bem como a necessidade da expansão daquele instrumento para que a tutela estatal seja suficiente a efetivar proteção dos direitos humanos resguardados.

Para tanto, o Direito Penal pode fazê-lo “com a introdução de normas penais novas com o intuito de promover sua efetiva aplicação com toda firmeza, isto é verificam-se processos que conduzem a normas já existentes”. Trata-se do punitivismo para acompanhar o avanço expansionista.

Em poucas palavras de Bitencourt resume o que será tratado aqui:

A violência indiscriminada está nas ruas, nos lares, nas praças, nas praias e também no campo. Urge que se busquem meios efetivos de controla-la a qualquer preço. E para ganhar publicidade fala-se em criminalidade organizada – delinquência econômica, crimes ambientais, crimes contra a ordem tributária, crimes de informática, comércio exterior, contrabando de armas, tráfico internacional de drogas, criminalidade dos bancos internacionais - , enfim crimes de colarinho branco. Essa é, em última análise, a criminalidade moderna que exige um novo arsenal instrumental para combatê-lo, justificando-se, sustentam alguns, inclusive o abando de direitos fundamentais, que representam históricas conquistas do Direito Penal ao logo dos séculos.


I – Causas Geradoras da Expansão

Por ser um instituto bastante antigo, o Direito Penal já passou por muitas mudanças para ser compatível com os anseios das sociedades que tutela. São diversos os motivos que geraram essas mudanças, tais como ocorrências de guerras, mudanças na formas de governos, alterações de sistemas econômicos, etc. E para, ora, se verifica se seria possível o implemento de um Direito Penal mais rigoroso, é necessário ater-se ao contexto atual de mudanças sofridas pelo instituto.

Com a Revolução Industrial, houve muitas mudanças na estrutura social predominante. As sociedades, que antes eram praticamente rurais, migraram para as  cidades e passaram a realizar atividades laborais voltadas para a produção.

Neste momento, também houve a evolução dos meios tecnológicos e de comunicações, que ampliou a competitividade, o que levou diversos indivíduos à marginalidade e à delinquência, especialmente a patrimonial. Com isto, a sociedade pós-industrial passou a sofrer de uma enorme insegurança, uma vez que as classes marginalizadas passaram a ser vistas como fonte de riscos pessoais e patrimoniais.

Ainda, os avanços tecnológicos contribuíram para aumentar o medo das “sociedades de riscos”, já que atreladas a eles surgiram novas formas delituosas, realizadas por meio da informática e da Internet.

Também não se deve deixar de mencionar os resultados negativos dos excessos praticados pelos meios de telecomunicações, os quais fomentaram as incertezas quanto aos reais riscos que ameaçavam os indivíduos, por meio da divulgação de notícias com demasiado sensacionalismo. Assim, repercutia um idéia maior de perigo que os realmente existentes.

A imprensa, notadamente a sensacionalista, figura como parte integrante das agências penais, etiquetando os criminosos e criando na sensação de alarde social, de total insegurança. Notícias de âmbito regional são “nacionalizadas” de maneira mítica, como forma de legitimar toda a ação policialesca estatal e inquinar o sentimento de revolta contra os criminosos. Como consequência, tais ações reproduziriam a  crença no sistema penal como único meio eficaz de combate à  criminalidade, logrando, entre outros efeitos, a criação de demanda às agências internacionais de controle, a deterioração dos valores ligados aos direitos humanos e suas garantias e a promoção de fratura artificial da sociedade ( bem versus mal).

Assim foram os movimentos da Lei e Ordem, que remontam suas origens na década de 60, como meio de combate à contracultura e reivindicação dos princípios familiares éticos, morais e cristãos da sociedade, apontando, novamente o crime como patologia social e o criminoso como o causador desta. Neste momento, houve o implemento de um Direito Nacional Simbólico, que procurava dar uma satisfação à sociedade quando os índices de criminalidade aumentam.

Os movimentos de Lei e Ordem eram opostos ao abolicionismo penal, porquanto estimulavam um maior severidade das penas, bem como defendiam a essencialidade delas para com o funcionamento social. E, para que fosse possível reprimir violentamente as condutas criminosas, o Estado utilizou-se da mídia como instrumento de legitimidade das suas ações, inculcando no senso comum a idéia de perigo constante e iminente, que só podeia ser afastado pela efetiva ação estatal, o que legitimou a “ flexibilização” direitos fundamentais e o recrudescimento do sistema pena material.

Assim, o Direito Penal de ultima ratio  ganhou novos contornos, tornando-se extremamente simbólico e, quiçá, de prima ratio. Acerca do tema, pontifica Bitencourt: “todo esse estardalhaço na mídia e nos meios políticos serve apenas como discurso legitimador do abandono progressivo das garantias fundamentais do direito penal da culpabilidade, com a desproteção de bens jurídicos individuais determinados, a renúncia dos princípios da responsabilidade, da presunção da inocência, do devido processo legal etc., e a adoção da responsabilidade objetiva, de crimes de perigo abstrato, [...]. Na linha de ‘lei e ordem’, sustentando a validade de um Direito Penal Funcional, dota-se um moderno utilitarismo penal, isto é, um utilitarismo dividido, parcial, que visa somente à máxima utilidade da minoria, expondo-se consequentemente, às tentações de autolegitimação e a retrocessos autoritários, bem ao gosto de um Direito Penal Máximo, cujos fins justificam os meios e a sanção, como afirma Ferrajoli, deixa de ser ‘pena’ e passa a ser ‘taxa’ “.

No Brasil o movimento repercutiu por meio do Golpe Militar de 1964, cuja função era um controle social voltado para eliminação do crime através de agências repressivas, em virtude da ideologia da Segurança Nacional, que, pela visão bifacetada da Guerra Fria forçava pelo Estado de Exceção.

Ainda, o aumento da velocidade dos meios tecnológicos diminuiu as distâncias físicas presentes entre diferentes Estados, o que viabilizou uma maior integração entre povos e culturas, e trouxe o processo da globalização econômica. E. como consequência, foram eliminadas as barreiras alfandegárias, que permitiu um trânsito mais efetivo de pessoas, capitais, serviços e mercadorias.

Junto a essas mudanças, também surgiram novas formas de criminalidade, dentre as quais se destaca a econômica que, num aspecto geral, tem como finalidade a obtenção de lucros, apesar de também colocar em risco bens juridicamente tutelados. E a esta modalidade delitiva se tem atribuído os maiores resultados de danos causados à sociedade.

Assim, “faz tempo que a investigação criminológica já demonstrou que a criminalidade econômica, objetivamente, supera a criminalidade tradicional contra o patrimônio, tanto no grau de lesividade social, como na produção de danos materiais e imateriais.(...)”.

Dentre os novos delitos também se destaca a modalidade conhecida por macrocriminalidade, que é representada por crimes como o terrorismo. O narcotráfico ou a criminalidade organizada, esta última sendo especialmente voltada para o tráfico de moedas, de armas, de pessoas para prostituição ou de crianças para adoção, além de outros legalmente previstos pelo ordenamento.

Outrossim, as formas contemporâneas de criminalidade podem ser chamadas de criminalidade organizada, criminalidade internacional ou ainda, criminalidade dos poderosos, sendo que esta última advém do fato de que tais crimes são cometidos por pessoas favorecidas social e economicamente, e possuidoras de elevado status social.

Tudo isso torna evidente a clara mudança quanto aos estereótipos dos autores modernos, já que, antes, os criminosos eram predominantemente ligados aos delitos patrimoniais (roubo, furto, etc) e pertenciam às classes economicamente desfavorecidas, bem como possuíam um grau de instrução bastante inferior e não tinham especificação para atividade laboral. Entretanto, hoje os delitos de ordem econômica são praticados pelas classes favorecidas.

Outro importante fator que fomentou a criminalidade nesse contexto histórico foram os movimentos de imigrantes interestatais, que ainda hoje ocorrem com grande frequência, principalmente nas nações europeias.

Ocorre que, os estrangeiros que mudam de seus países com o objetivo de crescimento econômico, influenciado pelo sistema capitalista, sofrem com as diferenças culturais existentes entre seu país de origem e o lugar onde estabelecem seu novo domicílio. E ainda que, a similaridade das formas de vida e de costumes seja um evidente característica da globalização, os países ainda possuem aspectos e crenças peculiares, aos quais os estrangeiros se apegam e sofrem ao terem que se desvincularem delas para melhor se adaptarem ao seu novo habitat.

Tem-se ainda que grande parte dos países desenvolvidos não reconhecem os estrangeiros que vão em busca de melhores condições de vida. Os imigrantes são tratados de forma desigual, muitos nem são reconhecidos como cidadãos, além de sofrerem uma forte discriminação social.

Nesse sentido, leia-se:

As sociedades pós-industriais, com efeito, tendem a integração  supranacional, mas se atomizam em seu interior; sofrem um processo crescente de desvertebração. Por outro lado,  as formas de vida são cada vez mais homogêneas; mas existem sérios indícios de que, em tensão com o anterior, os grupos humanos tendem a agarrar-se a certos elementos culturais. A tensão entre integração e atomização, homogeneização e diversidade ou multiculturalidade é desde logo criminógena: produz violência.

Finalmente, os fatores que modificaram o perfil das sociedades, assim como desencadearam novas formas de criminalidade, também fizeram com que surgissem novos grupos de marginais.

Os criminosos modernos praticam crimes com habitualidade e profissionalidade, o que tem gerado uma insegurança constante entre os cidadãos. A frequência com que eles atuam os traz a uma instabilidade social permanente, tendo em vista que, assim como um réu reincide, a vítima não está ilesa após uma agressão. Logo, aqueles que sofrem danos por atos ilícitos não têm garantias de que ficaram livres de os sofrerem novamente.

Essa insegurança foi fator determinante para que repercutisse o ideal social pela obtenção de um meio eficaz para garantir a volta da segurança pata que pudessem se sentir livre ou ao menos mais protegido contra ameaças a sua vida e a seu patrimônio. Para tanto, as sociedades se apoiam no poder de controle do Estado, com a crença de que este órgão soberano possa conter os riscos que as  assombram. É nesse sentido que se pode falar do papel simbólico exercido pelo Direito Penal.


II- O Direito Penal Simbólico e a volta do Punitivismo

O Direito Penal é usado pelas sociedades como aparato para que se se sintam mais seguras contra o aumento da criminalidade e das condutas consideradas ofensivas à sociedade. Esta fortemente influenciada pela mídia, defende a atuação máxima desse ramo do Direito, visando não apenas a garantia de segurança, como também a aplicação de punições para satisfazer seu ideal de vingança contra crimes cometidos.

Por isto, o poder punitivo tem seguido os seguintes caminhos: As punições a crimes já previstos pelo ordenamento jurídico (como ocorre em muitos países no combate dos delitos ligados ao tráfico de entorpecentes) ou o legislador tipifica novas formas de delitos, antes não juridicamente condenáveis (como condutas de mera comunicação, tais quais os delitos que instigam o ódio racial). Num geral, ocorre a ampliação da punição, ou seja, o Direito Penal Simbólico tem se utilizado do punitivismo para alcançar seus fins.

Nesta esteira de raciocínio é que se manifesta Manuel Cancio Meliá, acerca do punitivismo no atual contexto:

Neste sentido, se parece evidente, no que se refere a realidade do Direito Positivo, que a tendência atual do legislador é a de reagir com ‘firmeza’ dentro de uma gama de setores a serem regulados, no marco da ‘luta’ contra a criminalidade, isto é, com um incremento das penas previstas. Um exemplo, tomado do Código Penal Espanhol são as infrações relativas ao tráfico de drogas ou entorpecentes e substâncias psicotrópicas: a regulamentação contida no texto de 1995 duplica a pena prevista na regulação anterior, de modo que a venda de uma dose de cocaína _ considerada uma substância que produz ‘grave dano à saúde”, ensejando a aplicação de tipo qualificado – supõe uma pena de três a nove anos de privação de liberdade (frente à, aproximadamente, um a quatro anos do Código anterior), potencialmente superior, por exemplo à pena de homicídio culposo grave ( um a quatro anos) (...).

Ocorre que, o Direito Penal tem se ampliado gradativamente para tutelar situações que antes não eram amparadas pelo Direito (administratização) ou para tornar as punições mais severas. Em consequência disso, o princípio da ultima ratio, que determina a intervenção apenas subsidiária do direito, vem sendo mitigado, como já ocorreu em épocas anteriores (movimentos da Lei e da Ordem)


III-A Administrativização do Direito Penal

O Processo de Administrativização, define-se pela proteção de bens supra individuais, como meio ambiente, organização de trânsito de veículos automotores, setor tributário, entre outros. O princípio da lesividade serve como base para diversas críticas doutrinárias sobre.

A exigência da lesividade ao bem jurídico penalmente tutelado, consubstanciada na efetiva lesão ou no perigo concreto ou idôneo de dano ao interesse jurídico, é própria de um Direito penal decorrente do Estado democrático de Direito, pois restringe ao máximo o poder punitivo estatal, reconduzindo o Direito penal a sua verdadeira função, a de exclusiva proteção dos bens jurídicos mais importantes da vida em coletividade.

Para os estudiosos, já que se trata de ilícito que não produz riscos relevantes, não há que se falar em ofensividade da conduta, necessária para aplicação de pena. Eles defendem que muitas das sanções impostas, resultantes da ampliação do Direito penal, deveriam, na verdade ser reconduzidas à esfera punitiva do Direito Administrativo.

Em síntese, para eles, a administrativização do Direito penal pode provocar o esquecimento de sua função precípua, que consiste na proteção somente dos bens jurídicos indispensáveis para o desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade. O motivo é que eles posicionam-se a favor de um Direito penal mínimo e que respeite as garantias individuais.

No entanto, em que pese a proposta dos academicistas de “devolução” do “novo” Direito penal para o administrativo, dificuldades não podem deixar de ser observadas, um vez que a opção político-jurídica pelo Direito penal tem gerado vantagens relevantes quando se vislumbra a sensação de segurança dada pelo Estado à população.

A sociedade moderna “de riscos”, marcada pela insegurança, provocou no Estado uma mudança em seu foco, de modo a que ele passa a atuar como “Estado Vigilante” ou “Estado da prevenção”. O Direito penal atua com prevenção cognitiva para neutralizar delitos, para evitar a ocorrências de outros riscos, o que manifesta claramente a administrativização do instituto.

A ideia de neutralização foi praticamente abandonada dos fins do Direito Penal no último século, pela sua vinculação com o positivismo criminológico. No entanto, os Estados Unidos nunca deixou de focar suas discussões político-criminais sobre esta medida administrativa do Direito Penal.

Atualmente, é perceptível que a política criminal estadunidense busca a segregação de pessoas que possam significar riscos à sociedade. Essa medida tem estado relacionada aos crimes de terrorismo, praticados por autores guiados por fundamentos étnico-religiosos. Não obstante a neutralização encontra-se em sintonia com a evolução ideológica da política criminal das sociedades modernas em geral, que está ligada à elevadíssima sensibilidade ao risco e a obsessão pela segurança que mostram amplos grupos sociais.

Uma vez verificado que o maios número de delitos que atingem a sociedade são praticados por um pequeno número de indivíduos, que o  fazem com habitualidade e profissionalidade, o que muitos estudos apresentam é que a segregação dos criminosos reduziria os danos sociais. Uma vez que, não se pode olvidar que, além do efeito coativo, a pena produz um resultado empírico, tal seja, o afastamento do indivíduo da coletividade, que impede, enquanto ele estiver sob a custódia do Estado, a reincidência.

Ademais, a medida ainda poderia servir para a diminuição de gastos do estado, visto que seriam reduzidos os investimentos com a segurança, num aspecto geral. Nesse sentido, leia-se:

A premissa maior da teoria da teoria de neutralização seletiva é a de que é possível identificar um número relativamente pequeno de delinquentes (high risk offenders), concernente aos quais cabe determinar que têm sido responsáveis pela maior parte dos fatos delitivos e predizer, a partir de critérios estatísticos, que eles seguirão fazendo o mesmo. Desse modo, se entende que a neutralização ou incapacitação de tais delinquentes – isto é, sua retenção em prisão pelo máximo período possível – provocaria uma radical redução do número de de fatos delitivos e, por extensão, importantes benefícios ao menor custo. Expresso em termos contábeis: segregar 2 anos 5 delinquentes cuja taxa previsível de delinquência é de 4 delitos por ano, gera economia para a sociedade de 40 delitos e lhe custam  anos de prisão. Em contrapartida, se esse mesmo custo de  10 anos de prisão se emprega para segregar 5 anos 2 delinquentes, cuja taxa prevista de delinquência é de 20 delitos por ano, a “economia” social é de 200 delitos; e assim sucessivamente.

A Neutralização pode se manifestar de várias formas, sendo mais utilizada a medida de segurança, consistente na privação da liberdade vigiada, melhor definida no capitulo II deste trabalho.


IV – Críticas à expansão do Direito Penal

Num breve resumo, a intervenção estatal, que é feita por meio do ordenamento jurídico penal é fruto do medo da violência que assola as sociedades modernas, na medida em que, quase sempre, é mais fácil procurar um paliativo legislativo do que enfrentar as profundas causas que geram a criminalidade.

E quando se observa a tendência legislativa brasileira na seara criminal é que surgem diversas críticas. São expressivas as de Bitencourt:

Tradicionalmente as autoridades governamentais adotam uma política de exacerbação e ampliação dos meios de combate à criminalidade, como solução de todos os problemas sociais, políticos e econômicos que afligem a sociedade. Nossos governos utilizam o Direito Penal como uma panaceia de todos os males (direito penal simbólico), defendem graves transgressões de direitos fundamentais e ameaçam bens jurídicos constitucionalmente protegidos, infundem medo, revoltam a ao mesmo tempo fascinam uma desavisada massa carente e desinformada. Enfim, usam arbitrariamente e simbolicamente o direito penal para dar satisfação à população e, aparentemente apresentar soluções imediatas e eficazes ao problema da segurança e da criminalidade.

Ainda, sobre a ampliação da tutela penal na tentativa de conter as inseguranças sociais, o autor Paulo Queiroz tece a seguinte crítica:

O Estado não pode intervir quão violentamente na vida dos cidadãos a pretexto de infundir um sentimento de segurança jurídica, pois a intervenção penal, por encerrar as mais contundentes e lesivas manifestações sobre liberdade das pessoas, não pode ter lugar senão em situações de absoluta necessidade e adequação. O direito penal não pode se valer, enfim, de simbolismos que, iludindo os seus destinatários por meio de uma solução barata, e, não raro, demagógica (a edição de leis penais ou o aumento de seu rigor), as raízes dos problemas sociais subjacentes a toda manifestação delituosa, sobretudo quando se sabe que a intervenção penal é a intervenção sintornatológica e não etiológica, que atinge os problemas sociais em suas consequências e não em suas causas. Daí se dizer que mais leis penais, mais juízes, mais prisões, significa mais presos, mas não necessariamente menos delitos (JEFFERY).

E dentre as diversas preocupações acerca acerca das mudanças que têm ocorrido neste ramo do Direito está a  aproximação a uma terceira velocidade do Direito Penal, enumerada por Silva Sanchéz e definida por um rigor que abandona princípios básicos protegidos pela Constituição Federal, que limitam o poder estatal e garantem os direitos humanos. Se trata do Direito Penal do Inimigo, foco de Günther Jakobs, autor alemão que discute os pontos positivos e negativos da tendência.

Isto porque o percurso dessa expansão pode terminar com um Direito que pune inimigos e não cidadãos e que se caracteriza pela desproporcionalidade das penas.

Enfim, a caminhada expansionista do sistema jurídico penal pode ser ainda objeto de diversas pesquisas pois não se sabe ainda qual será o resultado desta dinâmica e seria um equívoco se chegar a uma conclusão, esgotando-se o trabalho a um breve esboço sobre o tema.


O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

Originalmente as prisões foram criadas como alternativas mais humanas aos castigos corporais e à pena de morte. Já, num segundo momento, estas deveriam atender as necessidades sociais de punição e proteção enquanto promovessem a reeducação dos infratores. Mas, sabemos que tem sido utilizadas para servir a propósitos muito diferentes daqueles originalmente visados.

Segundo dados oficiais (CNJ/DPN), o Brasil tinha 422.373 presos, número que subiu 6,8% (451.219) em 2008 e 4,9% (473.626) em 2009.Atualmente, o país conta com uma população carcerária em torno de 500.000 presos – seguindo esse ritmo, estima-se que em uma década dobra a população carcerária brasileira. O Brasil é a terceira maior população carcerária do mundo, só fica atrás dos Estados Unidos (2,3 milhões de presos) e da China (1,7 milhões de presos).

Dos quase 500 mil presos, 56% já foram condenados e estão cumprindo pena e 44% são presos provisórios que aguardam o julgamento de seus processos: A capacidade prisional é de cerca de 320 mil presos. Assim, o déficit no sistema prisional gira em torno de 180 mil vagas; Há cerca de 500 mil mandatos de prisão já expedidos pela justiça que não foram cumpridos. Cerca de 10 mil pessoas são detidas mensalmente: O índice de punição de crimes é inferior a 10%. Isso mostra que se a polícia fosse mais eficiente, o poder público não teria onde colocar tantos presos e a superlotação seria maior; Quase 60 mil pessoas se encontram encarceradas em delegacia, pois as penitenciárias e cadeiões não comportam e não dispõem de infra-estrutura adequada; A construção de novas prisões custa em média, cerca de R$ 25.000 por vaga; Em termos de manutenção das vagas existentes, cada preso custa, em média R$ 1.500 por mês aos cofres públicos.

A população carcerária brasileira compõe-se de 93,4% de homens e 6,60% de mulheres. Em geral, são de jovens com idade entre 18 e 29 anos, afrodescendente, com baixa escolaridade, sem profissão definida, baixa renda, muitos filhos e mãe solteira (no caso das mulheres). Em geral, praticam mais crimes contra o patrimônio (70%) e tráfico de entorpecentes (22%); a média das penas é de 4 anos.

As prisões no Brasil, segundo o relatório da ONG Human Rights Watch  (sobre violações dos direitos humanos no mundo), estão em condições desumanas, são locais de tortura (física e psicológica), violência, superlotação. Vive-se uma situação de pré-civilização no sistema carcerário. Constata-se péssimas condições sanitárias (v.g. um chuveiro e um vaso sanitário para vários detentos) e de ventilação; colchões espalhados pelo chão (obrigando os detentos a se revezarem na hora de dormir); superpopulação (falta de vagas, inclusive em unidades provisórias); má alimentação; abandono material e intelectual; proliferação de doenças nas celas; maus tratos; ociosidade; assistência médica precária; pouca oferta de trabalho; analfabetismo; mulheres juntas com homes, já que a oferta de vagas para mulheres é muito baixa; homens presos em conteiners; há desproporcionalidade na aplicação das penas; mantém-se prisões cautelares sem motivação adequadas e por mais tempo que o previsto; falta Defensoria Pública eficaz, pois muitos presos que já poderiam estar soltos continuam presos, já que não têm dinheiro para contratar um bom advogado; contudo, quando se observa a realidade das mulheres em estabelecimentos prisionais, as dificuldades são ainda maiores, pois o estado não respeita as especificações femininas, como por exemplo, a falta de assistência médica durante a gestação, de acomodações destinadas à amamentação e na quase ausência de berçários e creches.

Segundo Cezar R. Bintecourt, eminente penalista, as deficiências apresentadas nas prisões são muitas:

a)Segundo dados do InfoPen, um único médico é responsável por 646 presos, cada advogado público é responsável por 1.118 detentos; cada dentista, por 1.368 presos;  e cada enfermeiro, por 1.292 presos. Todavia, a Resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determina que para grupo de 500 presos exista um médico, um enfermeiro, um dentista e um advogado. O descumprimento da lei não está apenas na assistência dos presos. Segundo a legislação cada detento deveria ter cela individual e área mínima de 6 metros quadrados. Mas a realidade é outra, pois nos cárceres há um verdadeiro amontoamento de presos, depósitos humanos, onde ficam apenas contidos, segregados.

No Brasil, a (alta) taxa de reincidência criminal, se situa em torno de 70% (ante 16% na Europa). Como não há reeducação ( aprimoramento humano e profissional), quando voltam ao convívio social, geralmente se enveredam novamente para o crime. Se torna um ciclo, pois quanto mais gente se prende, mais potenciais presos se está formando, mas com o diferencial de que a cadeia o “aprimorou” para o crime (escolas do crime). Assim, quando o preso sai da cadeia, vamos nos deparar com alguém mais perigoso, embrutecido e, obviamente, sem nenhuma condição de acesso ao mercado de trabalho. O estigma de  cometer um delito acompanha o ex-detento por toda a vida e geralmente chega ao ouvido dos futuros patrões, inviabilizando a possibilidade de trabalho. A falta de oportunidades reserva basicamente uma única opção ao ex-presidiário; voltar a infringir a lei quando retorna ao convívio social. È como se a sociedade o empurrasse para o mundo do crime. Há um preconceito de toda a sociedade. Isso tudo, sem dúvida, torna muito pouco provável a reabilitação. Triste realidade. Todavia, é preciso oferecer pesperctivas de futuro ao preso, caso contrário, as penitenciárias vão seguir inchadas de reincidentes.

Apesar de ser uma exigência para a ressocialização, as atividades laborais e os cursos profissionalizantes, estão longe de ser uma realidade. Estudos mostram que aproximadamente 76% dos presos ficam ociosos. Em todo país, apenas 17% dos presos estudam na prisão – participam de atividades educacionais de alfabetização, ensino fundamental, ensino médio e supletivo. Todavia, trabalhar ou estudar na prisão diminui as chances de reincidência em até 40%. Dar um tratamento digno ao preso, propiciando-lhe trabalho  e educação, além da inserção no mercado de trabalho, é uma forma de combater o crime. Por isso, as empresas e o governo precisam incentivar a criação de oportunidades de trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário, de modo a concretizar ações de cidadania, promover a ressocialização e consequente redução de reincidências.

Por conta deste quadro polêmico que atinge todos os estados brasileiros, para enfrenta-lo, o Conselho Nacional de Justiça apresentou algumas soluções: promoveu mutirões, passou a estimular os juízes criminais a reduzirem os números das prisões provisória, a aplicarem penas alternativas e permitirem o monitoramento eletrônico de presos. No entanto, apesar dos sucessivos esforços e avanços, os resultados dessas iniciativas ficaram abaixo das expectativas. É dizer, o  sistema prisional continua em crise. Mas não é só. O mais grave é que este problema só tende a se agravar.

Sem embargo, há um consenso entre os estudiosos de que: é preciso evitar que as pessoas precisem ir à cadeia. Uma solução adotada em alguns países, como no Reino Unido (que representa um dos menores índices de presos no mundo), por exemplo, é reservar as prisões somente para os criminosos considerados perigosos que oferecem risco à sociedade, como o homicida ou quem comete crime sexual, ampliando, assim, a utilização de penas e medidas alternativas ( à prisão), com acompanhamento (e fiscalização) dos condenados pelo Estado e sociedade. Com certeza, as possibilidades de recuperação de quem cometeu um delito considerado leve ou médio são comprovadamente muito maiores quando o condenado não cumpre sua pena em regime fechado. Além disso, as chances de a pessoa reincidir são menores – em torno de 12%. Outro fator positivo é que, embora a aplicação de penas e medidas alternativas, de acordo com a legislação vigente, não represente um esvaziamento imediato dos presídios, impede o agravamento da superpopulação carcerária. Sob um ponto de vista econômico, o governo gasta mais de US$ 1,5 bilhão por ano para manter a população carcerária, sendo que o custo mensal da manutenção do preso com uma pena alternativa gira em torno de R$ 70 por mês.

Sabemos que no país já existe esforço para aplicar e conscientizar sobre a importância e necessidade das penas alternativas, mas, ainda assim, continuam sendo a exceção. O crimes de menor gravidade, inclusive contra o patrimônio, são punidos com prisão, havendo grande mistura entre os detentos. Com isso, as penitenciárias se tornam as verdadeiras escolas do crime. Na verdade, quando os juízes justificam a não substituição em nome do temor, da gravidade do delito, risco à sociedade, etc. estão demonstrando a falta de estrutura do Judiciário ( do Estado como um todo) na fiscalização do cumprimento das penas alternativas. Sem dúvida é mais cômodo e barato pagar um carcereiro para cuidar de um cadeado do que investir nas centrais de atendimento, na capacitação de funcionários e no exercício da cidadania. Como construir e manter cadeia não dá voto e prestígio aos governantes, eles não estão nem aí com a desgraça prisional.

A aplicação da pena alternativa deve ser a regra. A prisão deve ficar no lugar que lhe cabe: o de exceção. Não adianta insistir no erro, ou seja, acreditar que sanções mais rigorosas, menos benefícios, ampliação do número de vagas prisionais, resolverá o problema. É exatamente isso que está levando o sistema prisional ao colapso, a falência total, a uma verdadeira bomba relógio prestes a explodir. Pois há muito se chegou à conclusão de que o problema da prisão é a própria prisão.

Desde o princípio do século XVIII as prisões são veementemente criticadas, denunciando que a prisão foi “o grande fracasso da justiça penal”, por uma série de defeitos, entre eles, segundo Foucault: a) as prisões não diminuem a taxa de criminalidade; b)provocam a reincidência; c) não podem de deixar de fabricar delinquentes, mesmo porque lhes são inerentes o arbítrio, a corrupção, o medo, a incapacidade dos vigilantes e a exploração (dentro dela nascem  e se desenvolvem as carreiras criminais); d) favorecem a organização de um meio de delinquentes, solidários entre si, hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades futuras; e) as condições dadas aos detentos libertados condenam-os fatalmente a reincidência; f) a prisão fabrica indiretamente delinquentes, ao fazer cair na  miséria à família do detento.

No início da década de 70, se colocaram sérias críticas à perspectiva retributiva e em relação à eficácia das instituições totais, em especial ao cárcere ( e seu sustento operativo: “ideologia do tratamento ressocializador”, assente na crença do potencial regenerador de todo o ser humano) e ao tratamento através da pena privatiza de liberdade. Adveio então, por parte da doutrina, duas propostas político criminais: de um lado, um setor advogou na defesa do regresso às teses retributivas e na aplicação de doutrinas “just deserts” (recebimento da punição merecida), com o inevitável endurecimento das penas/punição, de outro lado, propôs-se uma mudança de orientação nas políticas penais, numa direção à alternativas ao cárcere ( devendo ser a prisão somente estipulada para os criminosos de alta periculosidade e que tenham reiteradas condutas – cárcere como última cartada)., bem como ao desenvolvimento da perspectiva vitimológica, orientada à reparação dos  danos causados às vítimas e a reconciliação do infrator com a vítima e com a sociedade, onde se insere, por exemplo, a justiça restaurativa.

É dizer, esse movimento crítico objetivava a reformulação do sistema prisional, levando a busca de alternativas à prisões e a pena alternativa de liberdade e foi fortemente marcado pelos trabalhos da Escola de Chicago e de Teoria Crítica ou Radical que se desenvolveram na Universidade de Berkeley ( onde foi criada a Union of Radical Criminologists), na Califórnia (EUA) e o movimento inglês, organizado em torno da National Deviance Conference (NDC), encabeçada por Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young (The new criminology: for a social theory of desviance, 1973 e Critical Criminology, 1975).  Nos Estados Unidos alguns grupos religiosos ( sobretudo os Quaker e Mennonitas) se unem à corrente da esquerda radical americana para contestar o papel e os efeitos das instituições regressivas e para encontrar uma alternativa ao uso estendido da pena.

O movimento crítico americano encontra eco na Alemanha ( Escola de Frankfurt) e em outros países europeus com os trabalhos de Michel Foucault (Vigiar e Punir: o nascimento da prisão, 1975), Françoise Castel, Robert Castel e Anne Lovell ( A sociedade psiquiátrica avançada: o modelo americano, 1979), Nils Christie ( Limites da dor,  1981) e Louk Hulsman (Penas Perdidas: o sistema penal em questão, 1982). Também podemos citar Escola de Bolonha, em que avultam os nomes a quem se devem vários trabalhos de criminologia radical, como o de D. Melossi, M. Pavarini, F. Bricola e A. Baratta. Na Holanda, com a criação do Instituto de Justiça Criminal, em Amsterdã, dirigido por H. Bianchi, e que passa a ser o  centro da política criminal holandesa. Nos países de língua portuguesa merecem destaque os estudos de Boaventura de Souza Santos ( a lei dos oprimidos: a construção e reprodução da legalidade em Pasárgada, 1977), Roberta Lyra Filho ( Criminologia dialética, 1972) e Juarez Cirino dos Santos (Criminologia radical, 1981). Outro importante trabalho foi publicado em 1974, por Martinson, no artigo intitulado: Qué funciona? Preguntas y respuestas acerca de la reforma de la prision?, onde  indicou que, salvos algumas exceções isoladas, os efeitos reabilitadores, que hão sido relatados a muito tempo, não tiveram o efeito desejado. Podemos ressaltar que, com a criminologia moderna (crítica), três tendências distintas começaram a se delinear: o neo-realismo de esquerda, a teoria  do direito penal mínimo e o abolicionismo.

Sem embargo, hoje em dia, uns são adeptos do Direito Penal Máximo, vêem na pena de prisão a solução para o problema do crime. De outra banda, temos o grupo do direito Penal Mínimo, cujos componentes entendem que a cadeia deve servir somente para aqueles que cometem crimes de extrema gravidade, sendo a liberdade a regra, admitindo-se excepcionalmente o cerceamento de liberdade individual. Podemos ainda acrescer que, dentro desse universo, existem opiniões extremadas para ambos os lados, tal qual o grupo dos abolicionistas, os quais gostariam de ver a sociedade livre do Direito Penal, ou então os adeptos do Direito penal do Terror, simpáticos a pena de morte, regime disciplinar diferenciado e a prisão perpétua, onde “bandido bom é bandido morto” ou então “ este deve apodrecer na cadeia”. Como se situar dentro deste contexto? Como as opiniões extremadas não são as soluções, é melhor continuar com o Direito Penal. Todavia, cremos que, apesar dos dois sistemas terem suas virtudes e imperfeições, o Direito Penal Mínimo á a melhor solução, pelo menos a curto e médio prazo. A prisão, consequência por excelência dos sistemas penais, só deve se voltar para casos excepcionais, crimes mais graves e intoleráveis, não solucionáveis por via distinta e o direito pena l precisa se restringir e justificar ao máximo sua intervenção.

Nessa linha e raciocínio, Juarez Cirino dos Santos, partidário do Direito Penal Mínimo, afirma:  O SISTEMA PENAL PRECISA SER REDUZIDO,

[...]os objetivos do sistema prisional de ressocialização e correção estão fracassando há 200 anos, e muito pouco está sendo feito para mudar a situação. Prisão nenhuma cumpre estes objetivos, no mundo todo. O Problema se soma ao fato de que não há políticas efetivas de tratamento dos presos e dos egressos. Fora da prisão, o preso perde o emprego e os laços afetivos. Dentro da prisão, há a prisionalização, quando o sujeito, tratado como criminoso, aprende a agir como um. Ele desaprende as normas o convívio social, para aprender as regras da sobrevivência na prisão, ou seja a violência e a malandragem. Sendo assim, quando retorna para a sociedade e encontra as mesmas condições anteriores, vem à reincidência. A prisão garante a desigualdade social em uma sociedade desigual, até porque pune apenas os miseráveis. Por isso defendo o desenvolvimento de políticas que valorizem o emprego, a moradia, a saúde a educação dos egressos. A criminologia mostra que não existe resposta para o crime sem políticas sociais capazes de construir uma democracia real que oportunizem aos egressos condições de vida [...]

O eminente criminologo propõe três eixos principais que precisam ser trabalhados para resolver o problema: descriminação, despenalização e desinstitucionalização, que incluem políticas sociais, penas alternativas efetivas, reintegração de egressos e avaliação de crimes “insignificantes”:

...sobre a descriminação, é necessário se reduzir as condenações por crimes classificados como “insignificantes’. Temos crimes que entram no princípio da insignificância e que enchem as prisões. A despenalização refere-se “ a uma atitude democrática dos juízes”. Na criminalidade patrimonial, por exemplo, cujos índices são grandes, poderia ser estabelecido que, se o ano tem até um salário mínimo, não há significância e, portanto, não há lesão de bem jurídico, não se aplica a pena. Já a desinstitucionalização envolve o livramento condicional. Os diretores de prisão costumam relatar que um preso que não teve bom comportamento não merece o livramento condicional. A questão é muito subjetiva. Por isso se ele já cumpriu dois terços da pena, ele deve merecer o benefício. Há ainda a remissão penal, quando a cada três dias de trabalho o preso tem um dia de redução de pena. Mas a justiça entende que este trabalho deve ser produtivo, e não inclui o artesanal. E se a prisão não tiver o trabalho produtivo? E não poderia ser a proporção de um dia de trabalho para reduzir um dia de pena? Outra alternativa é o preso pagar a vítima ou seus descendentes valores que variam de um a 300 salários-mínimos. O valor varia de acordo com o que o preso poderia pagar. A vítima não está interessada na prisão ou punição do sujeito, mas em uma forma de compensação...

Criminologos contemporâneos a muito apontam a exclusão socioeconômica como o leitmotiv da criminalidade (será que fica evidente que no Brasil há uma justiça para ricos e outra para pobres?). A revolta contra a exclusão é o desejo de ser incluído. Assim, a resposta eficaz para o problema da criminalidade é a democracia real, porque nenhuma política criminal substitui políticas públicas de emprego, salário digno, moradia, saúde, lazer, escolarização, etc. No dizer de Radbruch “Não temos que fazer um direito penal melhor, mas sim algo melhor do que o direito penal”.

Todavia, diante da realidade em que se apresenta – e sabedores de que a democracia real está longe de ser  alcançada-, devemos buscar alternativas que possam ao menos amenizar o problema da criminalidade, Mas para isso devemos para de ser hipócritas e admitirmos o fracasso da pena de prisão e a falência do atual sistema.                      


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MEDEIROS, Diego. Inflacionismo penal - apontamentos sobre os malefícios do Direito Penal Máximo. Análise das correntes que advogam o direito penal máximo e mínimo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4463, 20 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42628. Acesso em: 24 abr. 2024.