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Liminar em habeas corpus:uma construção jurisprudencial

Liminar em habeas corpus:uma construção jurisprudencial

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Trata-se da possibilidade de concessão de liminar em habeas corpus, mesmo sem previsão legal, pela construção jurisprudencial sedimentada, bem como do recurso cabível contra decisão que denega a liminar.

Devido ao destacado papel dado pela constituição ao habeas corpus como remédio heroico de proteção do direito à liberdade de locomoção. E devido à urgência e importância do instituto, o habeas corpus tem um procedimento simplificado, visando a rápida solução da controvérsia fazendo cessar a coação ilegal à liberdade o mais rápido possível, mas mesmo tratando-se de procedimento simplificado e conciso, é possível a concessão de liminar, logo de plano mesmo sem previsão legal a respeito.

“O trâmite do habeas corpus já é célere o suficiente para permitir o julgamento do mérito, independentemente da liminar. Entretanto, em alguns casos, a medida antecipatória realmente se torna indispensável. Ilustrando, ser preso preventivamente, quando as provas dos autos indicam ter o agente atuado em legítima defesa, contrariando o disposto pelo art. 3314 do CPP, requer liminar para liberar o detido ou para impedir a prisão do acusado.” [1]

A urgência inerente à ação de habeas corpus e à importância do direito protegido, leva ao direito de preferência de tramitação.

“O writ of habeas corpus, por sua própria natureza constitucional voltada à proteção da liberdade corpórea do indivíduo, que sem justa causa é objeto de constrangimento ilegal ou ameaça de coação injurídica, reclama a adoção de medida processual pronta e rápida.

Em razão dessa celeridade reclamada quanto aos procedimentos desse remédio heroico é que a ação penal de habeas corpus difere das demais formas de provocação da atividade judicante do Estado-juiz, uma vez que ela tem, relativamente àquelas, preferências de conhecimento e de julgamento.” [2]

É instrumento tão importante que ao tomarem contatos com casos em que vislumbrem a coação ilegal à liberdade de locomoção o julgador, seja ele juiz, desembargador ou ministro, pode conceder de ofício a ordem de habeas corpus no curso do processo, sem que haja sequer requerimento, conforme letra do art. 654, §2º do Código de Processo Penal.

“Os juízes e tribunais pode de ofício conceder HC quando verificarem, no curso de um processo, que alguém sofre ou está na iminência de sofrer uma coação ilegal. Neste sentido estabelece o art. 654 do CPP.

Art. 564 O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.

(...)

§2º Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício a ordem de habeas corpus quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.” [3]

Ressaltando, ainda, que a concessão da ordem de ofício pelo juiz não gera julgamento ultra ou extra petita.

“Deve ser observado e asseverado que não existe vínculo ou subordinação entre a concessão do mandamus de ofício na hipótese de impetração do writ e do julgamento ultra ou extra petita. O juiz ou tribunal tem plena liberdade na outorga ex officio, podendo, para tanto, distanciar-se da postulação e da própria causa petendi posta em juízo pelo autor da ação mandamental.” [4]

Questão interessante é o histórico da possibilidade de concessão de medida liminar em habeas corpus, ressaltando, que para nós, trata-se de tutela preventiva, ou tutela de urgência, não tendo previsão legal, contudo, faz parte da própria cultura jurídica a concessão de medida liminar na ação de habeas corpus, devido à urgência da situação de coação ilegal e importância do direito de locomoção.

“A possibilidade de concessão de liminar em habeas corpus, viabilizando a pronta cessação do constrangimento apontado pelo impetrante, não se encontra prevista em lei. Trata-se de criação jurisprudencial, hoje consagrada no âmbito de todos os tribunais brasileiros.

A primeira liminar ocorreu no Habeas Corpus 27.200, impetrado no Superior Tribunal Miliar por Arnoldo Wald em favor de Evandro Moniz Corrêa de Menezes, dada pelo Ministro Almirante de Esquadra José Espíndola, em 31 de agosto de 1964; logo, em pleno regime militar.” [5]

A jurisprudência para autorizar a concessão de medida liminar, chega a fazer um paralelo como o mandado de segurança, que também é remédio heroico constitucional, que visa a proteção de direito patrimoniais que teriam menor relevância que o direito de locomoção, o qual tem legalmente autorizada a possibilidade de concessão de medida liminar.

“Adotando o mesmo posicionamento, José Ernani de Carvalho Pacheco, trazendo inclusive à colação do Acórdão unânime do STF, no HC n. 41.296/GO, no qual foi relator o Ministro Gonçalves de Oliveira, exata que:

Muito embora a legislação a ela não se refira, vai a jurisprudência e a doutrina afirmando a possibilidade de concessão de liminar em sede de habeas corpus, [...] Se no mandado de segurança pode o Relator conceder a liminar até em casos de interesses patrimoniais, não se compreenderia que, em casos em que está em jogo a liberdade individual ou as liberdades públicas, a liminar, no habeas corpus preventivo, não pudesse ser concedida.” [6]

Nas palavras de Tourinho Filho “uma das mais belas criações da nossa jurisprudência foi a de liminar em pedido de habeas corpus, assegurando de maneira mais eficaz o direito de liberdade.” [7]

Embora a concessão de medida liminar não tenha previsão legal, hoje tem previsão nos regimentos internos de vários tribunais, como é o caso do artigos 191 e 21 do Regimento Interno do STF, do art. 34 do Regimento Interno do STJ, bem como art. 248 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. [8]

Contra a decisão que concede ou nega a liminar não existe recurso, contudo, nos casos em que a liminar é negada muitas vezes é impetrado novo habeas corpus perante a instância superior visando a concessão da liminar, passando a se utilizar o a ação de habeas corpus como espécie de recurso.

Ainda, em tese contra a decisão monocrática que indefere a liminar seria possível o agravo interno, a fim, de colegializar a decisão.

“Deferida ou indeferida a liminar, não cabe recurso. Afinal, logo em seguida, o feito segue à mesa para apreciação da turma ou câmara. Para contornar essa ausência de recurso, alguns interessados impetram habeas corpus no Tribunal (quando o juiz negou) para obter, de pronto, o que não conseguiu em primeiro grau.” [9]

Este cenário fez com que o STF editasse a súmula 691, consagrando que não cabe ao STF conhecer de habeas corpus contra decisão Tribunal Superior que em habeas corpus indefere a liminar, contudo, quando patente o constrangimento ilegal, acabam por conceder a ordem de ofício.

Súmula 691.  "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de "habeas corpus" impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus" requerido a tribunal superior indefere a liminar."

A referida Súmula é criticada por Aury Lopes Júnior posto que a imposição de aguardar o julgamento do habeas corpus após a negativa da liminar, pode gerar uma espera de meses e até anos para apreciação definitiva do mandamus que permitira o recurso ao Tribunal Superior, deixando o jurisdicionado em situação difícil.

“Com isso, pretende a Súmula impedir novo HC ajuizando após a denegação de medida liminar em habeas corpus. Negada uma liminar, a vale a Súmula, não caberia novo HC para outro tribunal enquanto não fosse julgado o mérito no tribunal de origem.

Infelizmente, a aplicação da Súmula tem feito com que, diariamente, os impetrantes e pacientes de habeas corpus sofram com a demora no julgamento do mérito e o impedimento de buscar, no Tribunal Superior, o reconhecimento da ilegalidade. Ainda que alguma relativização ao rigor da Súmula já tenha sido feita, a regra é sua aplicação.

A situação gerada é bastante problemática e não é raro que o paciente tenha que ajuizar um novo habeas corpus no Tribunal Superior, não para ver reconhecida a ilegalidade que está sendo submetido, mas apenas para obter um peculiar mandamento: a ordem de que o tribunal de origem julgue, sem mais demora, o mérito do HC originário, que, após a denegação da liminar, aguarda meses, às vezes anos para ser julgado. Só assim o impetrante poderá prosseguir, ingressando com novo HC no Tribunal Superior.

A Súmula continua em vigor, ainda que seu rigor tenha sido atenuado, pelo STF, nos caso em que a ilegalidade é flagrante.” [10]

Assim, na prática há flexibilização onde de maneira ilógica os Tribunais têm decidido por não se conhece da ação de habeas corpus, mas conceder a ordem de ofício, fazendo cessar a coação ilegal.

CONCLUSÕES

Assim, conforme demonstrado a concessão de medida liminar em habeas corpus é uma importante criação pretoriana, que se mostra compatível com o modelo constitucional de processo, privilegiando os princípios da tutela jurisdicional adequada e da razoável duração do processo, dando vida a tais princípios mesmo com ausência de previsão legal infraconstitucional a respeito.

Ademais mostra-se ainda, que no sistema recursal do habeas corpus há um sério problema com a recorribilidade da decisão que denega liminar em habeas corpus., ainda mais com o teor da Súmula nº. 691 do STF, embora hajam flexibilizações pontuais para concessão da ordem de ofício, mesmo que a ação não seja conhecida.

BIBLIOGRAFIA

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, 11 ed. – São Paulo: Saraiva, 2014

MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus (Antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição e jurisprudência atualizada, 9 ed. – Barueri: Manole, 2013

NUCCI, Guilherme de Souza. Habeas Corpus, 2 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, volume 1,  35 ed. – São Paulo: Saraiva, 2013


[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Habeas Corpus, 2 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.151

[2]MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus (Antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição e jurisprudência atualizada, 9 ed. – Barueri: Manole, 2013, p. 69

[3] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, 11 ed. – São Paulo: Saraiva, 2014, p.p. 1382-1383

[4] MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus (Antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição e jurisprudência atualizada, 9 ed. – Barueri: Manole, 2013, p. 395

[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Habeas Corpus, 2 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 149

[6] MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus (Antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição e jurisprudência atualizada, 9 ed. – Barueri: Manole, 2013, p. 398

[7] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, volume 1,  35 ed. – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 679

[8] MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus (Antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição e jurisprudência atualizada, 9 ed. – Barueri: Manole, 2013, p.p. 399-401

[9] NUCCI, Guilherme de Souza. Habeas Corpus, 2 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 151

[10] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, 11 ed. – São Paulo: Saraiva, 2014, p.p. 1385-1386


Autor

  • Diego dos Santos Zuza

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    Advogado e sócio de Zoboli & Zuza Advogados Associados. Formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo; Especialista de Direito Penal e Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo; Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Advogado atuante nas áreas de Direito Penal, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito de Família e Direito do Trabalho.

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