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Implicações dos crimes omissivos na tutela do patrimônio histórico e cultural

o caso dos terminais abandonados no Porto de Santos

Implicações dos crimes omissivos na tutela do patrimônio histórico e cultural: o caso dos terminais abandonados no Porto de Santos

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A aspiração por uma legislação mais moderna, que abranja e abarque de forma integral a tutela ambiental, por vezes, impede o exegeta de instrumentalizar a legislação existente.

Introdução.

O texto legislativo, isolado, realmente não leva a lugar nenhum, contrariamente ao que insinua e advoga o saber convencional. No direito ambiental, devemos enfaticamente rejeitar a tese de que a Lei, como manifesto final do legislador, já nasce adulta, nas palavras de Roscoe Pound, ainda no início do Século XX e com apoio nos alemães, o Direito sempre esteve e sem dúvida sempre estará em processo de vir a ser.

A realidade do fenômeno jurídico nos ensina que a promulgação, como momento formal, nada mais representa que o ponto inicial e uma trajetória, que pode ser curta ou longa, tranquila ou tumultuada, cara ou barata, democrática ou autoritária, efetiva ou inoperante, mas sempre prisioneira da sua implementação.

O Estado, em relação ao meio ambiente, desempenha muitas vezes papéis ambíguos e contraditórios. Com efeito, se, por um lado, o Estado é o promotor por excelência da defesa do meio ambiente na sociedade, ao elaborar e executar políticas públicas ambientais e ao exercer o controle e a fiscalização das atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente, por outro lado, ele aparece, também, em muitas circunstâncias, como responsável direto ou indireto pela degradação da qualidade ambiental, ao elaborar e executar outras políticas públicas - notadamente aquelas relacionadas com o desenvolvimento econômico e social, ao omitir-se no dever que tem de fiscalizar as atividades que causam danos ao ambiente e de adotar as medidas legislativas e administrativas necessárias a garantia do pacto intergeracional constitucionalmente assumido.

Merece destaque a incidência dos crimes omissivos como demonstração inequívoca da expansão do Direito Penal na tutela Ambiental, matéria que foi recepcionada pelo Código Penal somente na reforma de 1984, com a inserção do art. 13, § 2.º, do Código Penal que criou a figura do garantidor. Claro, o dever de garantia incide em diversas oportunidades na omissão, bem como na fiscalização, sendo o particular responsabilizado, bem como o Estado o garantidor por Excelência em matéria ambiental.

No mais, o presente estudo tem como objetivo demonstra o completo abandono dos bens que integral o patrimônio cultural; para tanto trouxemos como case:os galpões dos terminais do porto de Santos (bens tombados), que abandonados pelo Estado, além de terem sido furtados, ainda estão literalmente se decompondo.

Indiscutível, o legislador foi extremamente econômico ao tratar do tema ordenamento urbano e patrimônio cultural; pois, reservou, apenas 4 (quatro) dispositivos legais para tratar de tema extremamente abrangente.

E não é só, a legislação, aparentemente, não tratou das hipóteses dos crimes comissivos por omissão no que diz respeito ao patrimônio cultural. Sim, destacamos o termo aparentemente, pois tais ilícitos comissivos impróprios (ou impuros), precisam da integração do art. 13, § 2°, do Código Penal (postulado normativo aplicativo), para a sua incidência.

Por derradeiro, a partir do caseapresentado – analisamos a legislação existente, com o móbil de apresentar uma possível solução processual ao tratamento sustentável desse patrimônio extremamente importante para as presentes e futuras gerações.


1.A incidência dos crimes omissivos como causa de expansão do direito penal na tutela ambiental.

A expansão do Direito Penal em todas as áreas é uma realidade que vem sendo refreada pela doutrina penalista tradicional. Na esfera da proteção dos direitos supraindividuais, o compromisso Constitucional de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações exige uma alteração de paradigma que seja apto a enfrentar os desafios da modernidade, portanto surgiu a necessidade de um Direito Penal capaz de tratar de bens jurídicos até então equidistantes, como os coletivos e metaindividuais.

Hodiernamente, a sociedade se assenta especialmente no mercado e na informação, cujos os principais detentores são conglomerados de empresas em escala mundial. Não é sem razão que a expressão aldeia global tenha se popularizado.

Igualmente em que pese a tríplice partição dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), surgiu, já há algum tempo, um quarto Poder, que vai além do Poder Estatal, sendo inegável a influência e as relações perniciosas de Poder entre o Estado e as organizações privadas detentoras do novo capital (informação), e, a criação de novos riscos.

Conforme salienta Fernandes (2001):

“Trata-se de um fenômeno hodierno emergente da sociedade pós-moderna, pós-industrial, e que se caracteriza fundamentalmente pela imprevisibilidade, pelo risco, ou, rectius, o aparecimento de novos riscos, a insegurança, a globalização, a integração supranacional, a identificação dos sujeitos-agentes com as vítimas, a identificação da maioria social com a vítima, o predomínio do econômico sobre o político, o reforço da criminalidade organizada, o descrédito nas instâncias de proteção, a maior relevância do crime macrossocial”.

É fato inegável o poder que as empresas têm em todo o mundo, algumas das quais chegam a possuir PIB (produto interno bruto) superior ao de muitos Estados, apenas a título ilustrativo destacamos a General Motors (EUA), que se fosse um país, estaria em 23° lugar, seguida pela Ford Motor (EUA) em 26°, isso num ranking mundial.

Notório, portanto, os extraordinários avanços tecnológicos desenvolvidos e aplicados à vida cotidiana. É claro, também, que junto com esses avanços multiplicam-se e potencializam os riscos da aldeia global.

E como tal devemos admitir a construção de um novo castelo dogmático para assentar a teoria do Direito Penal do Risco, ante a premente necessidade de oferecer contraprestações efetivas a nova criminalidade instalada.

Para tanto destacou Silva Sánchez (2013):

“a delinquência da globalização é econômica, em sentido amplo (ou, em todo caso, lucrativa, ainda que se ponham em perigo outros bens jurídicos). Isso significa que a reflexão jurídico-penal tem pela primeira vez como objetivo essencial de estudo delitos claramente diversos do paradigma clássico (homicídio ou delinquência patrimonial tradicional). Trata-se de delitos qualificados criminologicamente como crimes ofthepowerful; de delitos que têm uma regulação legal insuficientemente assentada; e de delitos cuja dogmática se acha parcialmente pendente de elaboração”.

Portanto, a nova criminalidade globalizada, fruto da sociedade de risco, exige um novo olhar e um novo paradigma jurídico-penal capaz de apresentar uma resposta preventiva aos danos ambientais, ainda que essa seja posição minoritária entre os autores clássicos.

Sim, pois somente fazendo a adequação da nova realidade jurídica imposta é que se pode pretender garantir também a tutela ambiental para as presentes e futuras gerações.

Nesse contexto o modelo de delito de perigo abstrato apresenta-se como técnica legislativa típica que corresponde à essência dos bens jurídicos metaindividuais, e que exige maior eficácia, exatamente pelo adiantamento da punibilidade como objeto simbólico de proteção.

Nessa linha de pensamento, interessa salientar que o objeto de investigação dessa dissertação se sedimenta como expressão da expansão do Direito Penal, tanto que o legislador de 1940, não acolheu como fórmula expressa no Código Penal Brasileiro, porque foi entendido como desnecessário regulamentar a questão dos crimes omissivos.

Sabido, mais, que somente com a reforma que instituiu a nova Parte Geral do Código Penal (Lei n.º 7.209/1984), que foi introduzido o dispositivo (Art. 13, § 2.º). Nada mais interessante que analisar o instituto dos crimes comissivos por omissão também sob a perspectiva histórica positiva, no Brasil, indagando se a proposta de Alcântara Machado era efetivamente errônea, ou incompleta; se melhor seria efetivamente a supressão da previsão legal, como o fez o nosso Código Penal de 1940, deixando à jurisprudência e a doutrina a sua solução; ou se a fórmula proposta por Nelson Hungria era a mais adequada à solução do problema.

Portanto, somente a partir de 1984 que a questão dos crimes omissivos tomou relevância, ao passo que foi erigida a Lei, equiparando à omissão a causa de punibilidade consoante a locução do art. 13 § 2.º do Código Penal.

A partir disso, para solidificar o estudo,  imergimosna análise de casos concretos relacionados aos crimes por omissão contra o patrimônio histórico e cultural (abandono de bens tombados), e, em específico os armazéns do Porto de Santos (existe ilustração fotográfica); e, os presídios que não possuem sistema de tratamento de esgoto, sendo esses resíduos dispensados diretamente em rios e afluentes.

Evidentemente que nas duas hipóteses acima mencionadas ocorreram crimes omissivos contra o meio ambiente (na modalidade omissiva – non facere), porém o crime omissivo é silencioso e a sociedade (e o Estado), aparentemente não percebem a ocorrência desses delitos, seus perigos e sua repercussão; pois a pequena história do crime é sempre recognitiva, e, a sociedade apresenta os seus olhos voltados somente ao futuro.

Partindo desses casos emblemáticos, procuramos no Direito aporte processual e hermenêutico para compatibilizar o texto legal existente com as possíveis soluções de sustentabilidade e efetividade.

Foi dado foco na figura do garantidor (CP, art. 13, § 2.º), que ocupa protagonismo nos crimes omissivos e deverá ser responsabilizado pelo dano; e, o non facere – nessa hipótese, é equiparada ao fazer, a título de apenamento.

Em resumo conclusivo: A investigação, com base processual e hermenêutica, procura apresentar possíveis soluções, dentro da esfera do Direito Penal e Processo Penal, para a salvaguarda efetiva do meio ambiente ecologicamente equilibrado, para tanto, afora do senso comum teórico, busca novas soluções sustentáveis afora das morosas ações civis públicas, que no Caso Rodhia (São Vicente) tramita há mais de 30 (trinta) anos, sendo inexecutável; logo, apontamos a célere execução da sentença penal como ferramenta de efetividade.


2.Tutela penal do patrimônio cultural e urbanístico.

Pontificou com precisão Machado (2014), ao mencionar que “Patrimônio” é um termo que vem do Latim patrimonium. Seu primeiro significado é “herança paterna”, pois está ligado a pater – pai; ou, de forma um pouco mais ampla, “bem de família”, ou “herança comum”;o conceito de patrimônio está ligado a um conjunto de bens que foi transmitido para a geração presente.

O patrimônio culturalrepresenta o trabalho, a criatividade, a espiritualidade e as crenças, o cotidiano e o extraordinário de gerações anteriores, diante do qual a geração presente terá que emitir um juízo de valor, dizendo o que quererá conservar, modificar ou até demolir. Esse patrimônio é recebido sem mérito da geração que o recebe, mas não continuará a existir sem seu apoio. O patrimônio cultural deve ser fruído pela geração presente, sem prejudicar a possibilidade da fruição da geração futura.

No caso o bem jurídico tutelado é a preservação do patrimônio cultural, consoante o destaque dado pelo art. 216 da Carta Magna[1].

A Convenção da UNESCO de 1972 procurou tratar dois tipos de patrimônio, o cultural e o natural, conforme os ensinamentos abaixo trazidos(KISS, 1992 apud MACHADO, 2014, p.1106-7):

“Patrimônio cultural – os monumentos: obras arquitetônicas, esculturais ou de pintura monumentais, elementos ou estruturas de caráter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da História, da Arte ou da Ciência; os conjuntos: grupos de construções, isoladas ou reunidas, que, em razão de sua arquitetura, de sua unidade, ou de sua integração na paisagem, tenham valor universal excepcional do ponto de vista da História, da Arte ou da Ciência; os sítios: obra do homem ou obras conjugadas do homem e da Natureza, assim como as zonas, compreendidos os sítios arqueológicos, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da História, da Arte ou da Ciência. Patrimônio natural – os monumentos naturais constituídos por formações físicas ou biológicas ou por grupos de tais formações que tenham valor universal excepcional do ponto de vista estético ou científico; as formações geológicas e fisiográficas e as zonas estritamente delimitadas constituindo habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da Ciência ou da conservação; os sítios naturais ou zonas naturais estritamente, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista da Ciência, da conservação ou da beleza natural”

Após conceituar o patrimônio cultural na cabeça do art. 216, o constituinte houve por bem em arrolar as diversas maneiras pelas quais o patrimônio cultural poderá se manifestar. O art. 216 se desdobra em 5 (cinco) incisos, sendo que a lista dos bens neles previstos é exemplificativa, admitindo-se a inclusão de outros tipos.

O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação (art. 216, § 1°, da CF).

Para dinamizar nosso trabalho daremos foco, especificamente num meio de promoção e proteção do patrimônio cultural: o tombamento.

Salienta Machado (2014) que não há qualquer vedação constitucional a que o tombamento seja realizado diretamente por ato legislativo federal, estadual ou municipal. Como acentua Pontes de Miranda, “basta para que o ato estatal protetivo – legislativo ou executivo, de acordo com a Lei – seja permitido”. O tombamento concreto de um bem oriundo diretamente da lei pode ficar subordinado somente ao conteúdo dessa lei ou às normas já estabelecidas genericamente para a proteção de bens culturais. O tombamento não e medida que implique necessariamente despesa; e; caso venha o bem tombado a necessitar de conservação pelo Poder Público, o órgão encarregado da conservação efetuará tal despesa, proveniente de seu orçamento.

A responsabilidade administrativa pelas ações ou omissões do Estado, quanto a gestão dos bens públicos tombados, estão bem definidos em lei.

SalientaMachado (2014), que a gestão dos bens públicos tombados está sujeita aos mesmos deveres e direitos que a dos bens privados – art. 17, parágrafo único, do Decreto-lei 25/1937. Segundo essa norma, a punição das autoridades responsáveis por infrações nelas recairá pessoalmente. Contudo, o art. 37, § 6.º, da CF diferencia a responsabilidade pessoal dos agentes públicos, ao dizer que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Assim, a responsabilidade da Administração Pública é objetiva, e a das autoridades responsáveis é subjetiva, pois para ser caracterizada há necessidade de provar o dolo ou a culpa.

Definidas as regras de tutela do patrimônio cultural brasileiro, interessante ressaltar a resposta da legislação penal, imputando ao Estado, a, função de garantidor, frente ao problema comum do abandono de bens culturais.


3.O abandono de bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro e o chamado estado teatral.

A Constituição Federal (arts. 215 e 216) e a legislação infraconstitucional específica (Decreto-Lei 25/37) impõem ao Poder Público a proteção do patrimônio cultural, como a preservação de bens e valores de relevância histórica, artística, estética, turística, paisagística e arquitetônica.

Salienta Mirra (1999) que os Estados e, sobretudo, os Municípios resistem muito em utilizar o tombamento para a proteção desses bens, que, não raras vezes, pertencem aos particulares. Ainda assim, nas hipóteses em que a proteção administrativa sobrevém e o bem acaba por ser tombado, em boa parte dos casos, após a efetivação formal do processo na esfera administrativa, o resultado prático, notadamente quando se trata de imóveis, é o abandono do bem até a sua deterioração, sem providências concretas de conservação.Em todos esses exemplos, em que se constata a omissão de providências administrativas protetivas do meio ambiente e de bens ambientais específicos, surge a questão da superação da inércia da Administração Pública pela via jurisdicional.

Com efeito, diante de omissões dos órgãos administrativos na proteção do meio ambiente, como as acima relatadas, redobra a importância de se cotejar a Legislação Constitucional e infraconstitucional de tutela do patrimônio cultural, e, a sua harmonização com os dispositivos penais da Lei n.° 9.065/1998 em face do art. 13, § 2.º do Código Penal.

É notório que somente com a responsabilização penal da Administração, será superada a questão do abandono do patrimônio cultural. Trazemos como exemplo uma infinidade de imóveis tombados, sejam privados ou públicos, que hodiernamente vem sendo dilapidados, ao contrário do que determina a legislação. Isso, sob os olhos atentos de uma gama difusa de pessoas que se quedam inertes ante a omissão Estatal.

Consoante definimos no capítulo anterior, o Estado, sobretudo como garantidor por excelência dos imóveis tombados por força de lei, tem o dever jurídico de preservar esse patrimônio cultural, garantido o seu acesso e uso para as presentes e futuras gerações.

Quando o Estado permite que um imóvel (tombado), com altíssimo valor cultural, seja deteriorado pelo tempo ou pela ação de terceiros, estando vinculado, por força de lei, a regra do art. 13, § 2°, do Código Penal em conjunto com os artigos 62 ao 65 da Lei 9.065/98 (ante o caso concreto), temos sua atuação como garantidor.

A incidência e efetiva aplicação do Direito Penal, como objeto simbólico, é ferramenta importante na tutela e defesa do patrimônio cultural e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, especialmente no que tange aos crimes omissivos (comuns omissões estatais).

O Direito Penal (ultima ratio), é um ramo do Direito, pelas suas características peculiares, que tem a capacidade de movimentar a máquina Estatal, sobretudo na hipótese em estudo, quebrando-se a inércia. 


4. O poder público como garantidor do patrimônio cultural e urbanístico.

Explica Barros (2006) que nos crimes omissivos impróprios (impuros, espúrios ou comissivos por omissão) o núcleo do tipo é uma ação, mas a tipicidade compreende também a conduta daquele que não evitou o resultado, por atuação ativa. A tipicidade consiste na violação do dever jurídico de impedir o resultado. É o chamando non facere.

O dever jurídico, específica o § 2.° do art. 13 do Código Penal Brasileiro, incumbe a quem:

a.) tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b.) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c.) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Só pode ser autor de crime aquele que tem o dever jurídico, emanado de uma das três situações acima mencionadas. Trata-se de rol taxativo, que não pode ser ampliado a outras hipóteses ali não contempladas, pois é inadmissível a analogia in malam partem. Convém lembrar, porém, que a flexibilização das alíneas b e c conferem ao magistrado o poder de complementar a tipicidade dos crimes omissivos impróprios. Trata-se, como se vê, de tipos penais abertos (BARROS, 2006).

Chama atenção a argumentação de Rieger (2011), quando questiona o princípio da legalidade e os crimes omissivos impróprios, senão vejamos:

“A responsabilização por um delito omissivo impróprio enseja fundadas dúvidas acerca do respeito ao princípio da legalidade e parece violentar a ideia da interpretação restritiva da lei penal. Isso porque, como se observou, esses delitos não estão expressamente previstos na legislação, advindo a responsabilização do sujeito da simples equiparação como crimes comissivos ou, ainda, da combinação de dispositivos legais (o tipo legal do crime comissivo e a norma de extensão que equipara a omissão à ação). Como consequência disso, condutas inicialmente atípicas ou caracterizadoras de um delito de omissão própria tornam-se crimes omissivos impróprios respondendoomitente como se tivesse agido”.

Nesse particular compartilhamos com o entendimento de Juarez Tavares que salienta que os crimes omissivos impróprios são compatíveis com o princípio da legalidade.

Registra que a solução mais adequada, mais consentânea como o princípio da legalidade, seria, sim, a tipificação expressa, mas observa que tal solução só é admitida de lege ferenda, pois implica a tipificação de diversas condutas. No momento, sem essa alteração legislativa, sem novas tipificações, o autor considera necessário combinar conteúdo da posição de garantia com aquelas exigências formais do art. 13, § 2°, do Código Penal. Afora isso, Juarez Tavares considera imprescindível demonstrar que “[...] o sujeito se encontra em situação real de possibilidade de atender ao dever ou, ainda, quando da ingerência, que a conduta anterior, geradora do perigo para o bem jurídico, tenha ela mesmo violado um dever de cuidado (RIEGER, 2011).

Crime contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural – desabamento parcial de bem tombado pela má conservação [...]Possibilidade de configuração do crime por conduta omissiva de quem tinha o dever de agir – Possibilidade de configuração do crime por conduta omissiva de quem tinha o dever de agir – Inteligência do art. 13, § 2.°, do CP - Responsabilidade penal configurada pela demonstração de ciência da ré de que se tratava de bem tombado e de que precisava de obras de manutenção/reparo[2].

A incidência e efetiva aplicação do Direito Penal, como objeto simbólico, é ferramenta importante na tutela e defesa do patrimônio cultural e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, especialmente no que tange aos crimes omissivos (comuns omissões estatais).

O Direito Penal (última razão), é um ramo do Direito, pelas suas características peculiares, que tem a capacidade de movimentar a máquina Estatal, sobretudo na hipótese em estudo, quebrando-se a inércia. 

A quantidade de prédios públicos abandonados por todos Brasil é espantosa, sendo que na cidade de Santos vimos os prédios que eram utilizados como terminais no Porto de Santos (hodiernamente tombados), em verdadeiro estado de abandono.

Esse relevante patrimônio cultural e histórico, protegido por tombamento, é um exemplo clássico de que o Estado, garantidor por excelência, abandonou esses prédios, sem qualquer ônus ou punição, desrespeitando os compromissos de preservação ambiental para as presentes e futuras gerações.

No ano de 2006 (há quase dez anos atrás), foi firmado o contrato n.º DP 41/2006 para a obra de execução dos serviços de restauração do armazém n.º 4 do Centro administrativo integrado do Porto de Santos, no valor de R$ 2.118.798,67 (dois milhões cento e dezoito mil setecentos e noventa e oito reais e sessenta e sete centavos), porém, ao que se observa, com muito pesar é apenas a incidência do crime por omissão contra o meio ambiente.

O Poder Público, na questão que estamos tratando, é o garantidor por excelência, nas hipóteses taxativas descritas na lei – todavia, o crime omissivo parece invisível aos olhos da Administração.


5.Crimes comissivos por omissão na tutela do patrimônio cultural e urbanístico.

Segundo se ensina (MANTOVANI apud RIEGER 2011), enquanto o direito penal da ação reprime o mal, o direito penal da omissão busca, persegue, o bem.

Para conferir dignidade dogmática ao estudo proposto estabelecemos algumas premissas essenciais: a.) por força de lei, o Estado é garantidor por excelência, nos termos do art. 13, § 2.°, do Código Penal; b.) limitando-se, ao caso de bens especialmente protegidos; c.) apontamos o tombamento como bem especialmente protegido por lei, para restringir o estudo; d.) especificamos que o Estado comumente falha com o dever garantia; e.) observamos que as omissões estatais encontram sanções em matéria ambiental penal, por falta de suporte normativo; f.) defenderemos a integração do art. 13, § 2.º, do Código Penal aos tipos descritos nos artigos 62 até 65 da Lei n.° 9.065/98, como forma de tutela penal ambiental, solucionado a questão dos crimes comissivos por omissão contra o patrimônio cultural.

Quando o crime é doloso (eventual ou alternativo), as soluções jurídicas possíveis estão diretamente lançadas no corpo dessa norma; o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive o proprietário do bem especialmente protegido.

A questão apresenta-se complexa quando o delito é omissivo.

Destruir (arruimar, demolir, assolar); inutilizar (tornar inútil, imprestável); e, deteriorar (estragar, corromper, desfigurar) –são tipos autoexplicativos, e, que pressupõe uma conduta ativa.[3]

Quando um desses verbos típicos se conjugam através de uma conduta omissiva, o texto legal, que transcrevemos, silencia a respeito. Salvo, na hipótese de interpretação conjunta com o art. 13 § 2°, do Código Penal, onde, o Ente Estatal, garantidor, não poderá justificar seu estado teatral, e, efetivamente será responsabilizado pelo non facere[4],respondendo, como se tivesse feito, segundo a teoria-normativa da figura do garantidor[5].

Explicam Vladir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas que alteração, consiste na modificação ou desfiguração da aparência, do aspecto ou da estrutura, consistente na sua composição, de edifício ou local protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida. Esta última modalidade constitui uma forma qualificada de desobediência, pressupondo que o agente tenha obtido a autorização para alterar a feição ou estrutura da edificação ou local protegido e não tenha obedecido às regras impostas (FREITAS; FREITAS, 2006) [6]

Nenhum imóvel tombado, sob a tutela do Estado, na especial condição de garantidor, poderá ter alterado seu aspecto ou estrutura, sob a ótica do dolo, vontade livre e consciente de fazer a questão mostra-se simples. Todavia, quando enfrentada sob a vertente do crime comissivo por omissão, iniciam-se as controvérsias.

Se ocorrer a alteração de aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido, sem a autorização judicial, aquele que realizou a ação de alterar responderá pelo ilícito. E quando, essa alteração passa a ocorrer em razão da omissão. Verifica-se, com clareza, que o tipo penal em cotejo silencia completamente nesse particular.

Imaginemos dois exemplos, um nacional e outro internacional. O Estádio do Pacaembu (tombado em 1998), terá sua fachada alterada em razão da poluição de São Paulo, pois a chuva ácida e a ação de sólidos suspensos no ar, alteram a cor do concreto armado, danificando, por conseguinte, seu aspecto original. O exemplo dado encontra paralelo no processo do Taj Mahal na Índia, aonde a quantidade de indústrias que utilizavam como combustível a queima de carvão modificavam o aspecto daquele monumento, alterando a coloração da fachada de mármore branco brilhante. Foi necessário um grandioso processo para fechar e deslocar a maior parte daquelas indústrias para fora do triangulo do Taj, há 80 (oitenta) quilômetros de distância.[7]

Sendo assim, qualquer omissão do Garantidor, que venha a redundar em alteração em aspecto ou estrutura de local especialmente protegido, responderá penalmente conjugando a figura típica do art. 63, da Lei n.° 9.065/1998 cumulado com o postulado normativo integrativo do art. 13, § 2°, do Código Penal[8].

Extremamente importe o enfrentamento dessa questão, face aos postulados constitucionais, infraconstitucionais e os mecanismos de tutela penal ambiental.

Os abusos são incontáveis. Os grandes centros, em sua maioria, cresceram sem uma planificação mais séria, com reduzidas áreas verdes e total desprezo pelas consequências de tal conduta no homem. As cidades litorâneas receberam, e ainda recebem em alguns casos, grandes edifícios sem a necessária estrutura e até mesmo sem sistema de esgoto. Cidades serranas veem condomínios em total desacordo com o local. Tudo é feito em nome de um discutível progresso e com o inconfessado objetivo do lucro a qualquer custo (FREITAS; FREITAS, 2006).

Por todo o Brasil, assistimos a expansão e invasão de conglomerados humanos (formação de favelas)em áreas de especial proteção, como sítios arqueológicos de interesse paleontológico (animais e vegetais de épocas pretéritas – fósseis), geológico (conservação do subsolo e das reservas naturais), e, áreas de preservação permanente.

A perplexidade reside no fato de que a fiscalização e ação estatal agem no sentido de responsabilizar penalmente indivíduo por indivíduo.

O dispositivo em cotejo silencia completamente no que tange a efetivação da figura do crime comissivo por omissão por parte do garantidor, configurando-se somente na hipótese da aplicação da figura equiparada.

A bem da verdade, o Estado, garantidor, quando se omite, e, ocorre a promoção de construção em solo não edificável, ou no seu entorno (formação ou não de conglomerados humanos - favelas), incide no art. 64, da Lei n.° 9.065/98 cumulado com o art. 13, § 2.°, do Código Penal.

Por essa quadra, imperioso destacar, que o estudo apresentado, não busca ampliar e desnaturar a interpretação das normas penais. Ocorre que o Direito Ambiental ostenta tratamento jurídico diverso, pois trata de princípios e normas metaindividuais, portanto, a sua não observância, sobretudo na comum omissão Estatal, trará reflexos para a presente e para as futuras gerações.

Portanto, no que tange a essa sensível área, correta a aplicação da figura do garantidor (CP, art. 13, § 2.°), pois somente através desse postulado normativo integrador, poderemos preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Alerta para o fato de que infelizmente, nem sempre o Estado conjuga, com igual ênfase, atuação legislativa e implementadora. É comum o Poder Público legislar, não para aplicar, mas simplesmente para aplacar, sem resolver, a insatisfação social (BENJAMIN, 2003). Parte da doutrina não comunga com nosso entendimento, porém verifica-se claramente que o Estado não criará normas que minimamente poderão criar ônus (processo-crime), ao Administrador Público, ainda que o resultado seja favorável ao ideário constitucional. É o que chama de Estado teatral.

Rieger (2011), sustenta posição contrária, salientando que com tantas alterações na relação entre homem e natureza, os problemas, em sede de ofensividade, evidenciaram-se: muitas condutas tipificadas na lei ambiental consistem na atuação sem autorização, sem licença ou em desacordo com determinações legais. Ou seja: não é incomum que se busque a responsabilização criminal pela simples inobservância de licenças, determinações legais ou regulamentares, e não pela prática de um ato efetivamente perigoso ou danoso ao meio ambiente. Nesse contexto, verifica-se a pretensão de usar o direito penal como um reforço à organização administrativa e surgem delitos de mera desobediência: nesta forma de ver, o núcleo do crime está em normas administrativas. Assim, o Direito Penal perde sua identidade, passando a ser manipulado exclusivamente em razão de seu caráter simbólico e estigmatizante.


6.Execução judicial em matéria ambiental.

Na execução judicial ambiental, cabe ao legitimado que promoveu a ação civil pública dar continuidade à devida execução.

Se isso não ocorrer, está expresso no artigo 15 da Lei 7.347/85:

“Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-la o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados”.

Logo, não forem tomadas as devidas providências para a execução das obrigações decorrentes da sentença, é dever do Ministério Público promover à execução, sendo que para os outros legitimados, isso é uma faculdade. A doutrina apresenta essa possibilidade para a execução de títulos extrajudiciais (termo de ajustamento de conduta) e para as cautelares sendo que, o Juiz, teria assim condições de apreciar no caso concreto de danos ao meio ambiente, quais as medidas para a efetivação da execução.

Nesse contexto explica Venturi (2000), a funcionalidade da tutela efetiva aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, no âmbito executivo, está condicionada à atuação incisiva do Juiz, que tem o dever de exercer a função estatal, de participação social, ostentando, para tanto, ampla gama de poderes discricionários que necessitam ser adequadamente utilizados, flexibilizando-se, assim, a atuação judicial de acordo com as peculiaridades e imposições que o caso concreto compreende, especialmente quando se está diante de um novo modelo de litigância.

Com a citação do executado para o cumprimento da sentença, existe a necessidade do acompanhamento por parte dos legitimados, quer sejam exequentes ou não, deste cumprimento, observando, se há, assim consonância com aquilo que está disposto no título judicial ou extrajudicial.

Isso se faz necessário, para a posterior avaliação sobre se o caso de extinção da execução pela ocorrência da satisfação da obrigação, nos termos do art. 794, I, do Código de Processo Civil.

Essa avaliação deverá ser feita por perito técnico em matéria ambiental, de confiança do juízo, e poderá ser acompanhada por assistentes técnicos nomeados pelas partes.

Explica Salles (1998) que as situações ambientais, bem como a solução dos problemas a ela relativos, caracteristicamente se prolongam no tempo, exigindo da atividade jurisdicional a capacidade de lidar com fatores contingentes, que não acomodam em limites procedimentais rígidos, devendo primar pela maleabilidade com que responde às várias situações. Essa situação é preponderante nas atividades executivas, nas quais, como foi dito, deve desenvolver-se uma verdadeira implementação da ordem judicial, para que possa promover o inteiro cumprimento da sentença ou do termo de ajustamento em execução.

A solução para a execução ambiental na esfera criminal, em que pese à legislação estar longe do ideal, aproxima-se mais da realidade, e, da tutela de emergência que sempre tutela as questões referentes ao meio ambiente.

Sendo assim, o Código de Processo Penal, disciplina:

“Art. 387. O Juiz, ao proferir a sentença condenatória:

[...]

IV – fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.

[...]”.

Salienta Nucci(2013), há muito, aguarda-se possa o juiz criminal decidir, de uma vez, não somente o cenário criminal em relação ao réu, mas também a sua dívida civil, no tocante à vítima, de modo a poupar outra demanda na esfera civil.

Logo, o Juiz, quando da fixação da sentença, fixará desde já um valor mínimo a título de ressarcimento da vítima; valor esse líquido e certo, para, quando do trânsito em julgado, ser diretamente executado.

Na hipótese que estamos tratando, dos crimes comissivos por omissão contra o patrimônio cultural (art. 62-65, da Lei 9.065/98), conjugados na forma do postulado normativa integrativo do art. 13, § 2°, do Código Penal – um valor pecuniário mínimo para a reparação do dano, dispensando a liquidação de sentença, como ocorre no cível, podendo-se arrastar por anos e anos, verte-se em importante inovação.

Em matéria ambiental, a efetividade da execução do título judicial, pode fazer toda a diferença na conversação e manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Por derradeiro, observa-se maior efetividade na sentença penal ambiental, no que tange a reparação do dano (valor pecuniário líquido e certo) do que naquelas ações destinadas especificamente a esse mister – pois, verificamos a extrema dificuldade de operar a execução das ações civis públicas, que a bem da verdade, ao seu termo, torna-se absolutamente complexas.


Conclusões

Nos dias hodiernos, em razão da expansão do Direito Penal na tutela ambiental e sociedade de risco instalada no meio em que vivemos, observamos, em todas as esferas (administrativa, cível e penal),busca incessante de solução legislativas grandiosas para a resolução do problema ambiental.

Ocorre que nessa busca pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado, nesse labirinto de opiniões e proposições, tem-se observado que a solução premente está sempre na legislação porvir.

A aspiração por uma legislação mais moderna, que abranja e abarque de forma integral a tutela ambiental, por vezes, impede o exegeta, de instrumentalizar a legislação existente.

O protagonismodo momento está na dificuldade em efetivar a execução de títulos judiciais em matéria ambiental. Vejamos o exemplo Paulista. Um conglomerado de pessoas se instalou nas cercanias da represa Billings, que é o maior e mais importante reservatório de água da Região Metropolitana de São Paulo. O reflexo imediato dessas inúmeras moradias foi a contaminação da água com o lançamento de esgoto sem tratamento. O Ministério Público do Estado de São Paulo interpôs a competente ação civil pública, que foi julgada procedente. Porém, não se obteve êxito na medida de remoção das famílias lá instaladas. [9]

Como executar essa sentença? Para onde deslocar essas famílias? A falha do Estado, em razão de sua omissão é notória, pois somente em razão de conduta omissiva é que se permitiu que essas famílias, irregularmente lá se instalassem.

Nessa linha, investigamos se o problema da tutela penal ambiental está na aparente ausência de texto legislativo específico somado as - não comuns - hipóteses de omissão Estatal.

Mais de perto tratamos da questão do patrimônio cultural, onde o legislador foi extremamente econômico ao tratar do tema; pois, reservou, apenas 4 (quatro) dispositivos legais para disciplinar matéria extremamente abrangente.

A legislação, aparentemente, não tratou das hipóteses dos crimes comissivos por omissão no que diz respeito ao patrimônio cultural. Destacamos o termo aparentemente, pois tais ilícitos comissivos impróprios (ou impuros), precisam da integração do art. 13, § 2.°, do Código Penal (postulado normativo aplicativo), para a sua incidência.

Com efeito, diante das omissões dos órgãos administrativos na proteção do meio ambiente, como as acima relatadas, redobra a importância de se cotejar a Legislação Constitucional e infraconstitucional de tutela do patrimônio cultural, e, a sua harmonização com os dispositivos penais da Lei n.° 9.065/1998 em face do art. 13, § 2.º do Código Penal.

É notório que somente com a responsabilização penal da Administração será superada a questão do abandono do patrimônio cultural. Trazemos como exemplo, a infinidade de imóveis tombados, em especial aos terminais do Porto de Santos, que hodiernamente vem sendo dilapidados, ao contrário do que determina a legislação. Isso, sob os olhos atentos de uma gama difusa de pessoas, que se quedam inertes, ante omissão Estatal.

O Estado, sobretudo como garantidor por excelência dos imóveis tombados por força de lei, tem o dever jurídico de preservar esse patrimônio cultural, garantido o seu acesso e uso para as presentes e futuras gerações.

Quando o Estado como o (non facere), permite que um imóvel (tombado), com altíssimo valor cultural, seja deteriorado pelo tempo ou pela ação de terceiros, estando, vinculado, por força de lei, e, erigido, portanto, ao patamar de garantidor, inexoravelmente, incide a regra do art. 13, § 2,°, do Código Penal em conjunto com os artigos 62 usque 65 da Lei 9.065/98 (ante o caso concreto).

A incidência e efetiva aplicação do Direito Penal, como objeto simbólico, é ferramenta importante na tutela e defesa do patrimônio cultural e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, especialmente no que tange aos crimes omissivos (comuns omissões estatais).

Para conferir dignidade dogmática ao estudo proposto estabelecemos algumas premissas essenciais: a.) por força de lei, o Estado é garantidor por excelência, nos termos do art. 13, § 2.°, do Código Penal; b.) limita-se, ao caso de bens especialmente protegidos; c.) apontamos o tombamento como bem especialmente protegido por lei, para dirigir o estudo; d.) especificamos que o Estado comumente falha com o dever garantia; e.) observamos que as omissões estatais encontram sanções em matéria ambiental penal, por falta de suporte normativo; f.) defenderemos a integração do art. 13, § 2.º, do Código Penal aos tipos descritos nos artigos 62 até 65 da Lei n.° 9.065/98, como forma de tutela penal ambiental, solucionado a questão dos crimes comissivos por omissão contra o patrimônio cultural.

Em se tratando dos crimes comissivos por omissão contra o patrimônio cultural (art. 62-65, da Lei 9.065/98), conjugados na forma do postulado normativa integrativo do art. 13, § 2.°, do Código Penal – a execução do título judicial tem menor complexidade, e, maior objetividade e efetividade, pois um valor pecuniário mínimo para a reparação do dano desde logo é fixado, dispensando, portanto, a liquidação da sentença, como ocorre no cível (ACP), podendo esse execução tramitar por anos. Portanto, salutar a inovação trazida pela Lei Processual Penal, e, aplicada na espécie.

Em matéria ambiental, a efetividade da execução do título judicial, pode fazer toda a diferença na conservação e manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Observa-se maior efetividade na execução do título judicial, segundo os postulados do processo penal, no que tange a reparação do dano (valor pecuniário líquido e certo) do que naquelas ações destinadas especificamente a esse mister – pois, verificamos a extrema dificuldade de operar a execução das ações civis públicas, que a bem da verdade, ao seu termo, torna-se absolutamente complexas.

Somente a integração do art. 13 § 2° do Código Penal aos tipos penais especiais descritos na Lei n. 9.065/98, pode impedir a impunidade, no que tange aos crimes comissivos por omissão contra o Patrimônio Cultural, sendo essa uma possível solução processual para conferir sustentabilidade a esses bens especialmente protegidos.


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Notas

[1] Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

§ 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. (Vide Lei nº 12.527, de 2011)

§ 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.

§ 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.(grifos nosso)

[2]BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal nº 2007.001769-7. Relator: Desembargador Torres Marques. Lages, SC, 17 de abril de 2007. Diário Oficial da União. Santa Catarina, 18 abr. 2007.

[3]Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:

I – bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;

II – arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;

Pena: reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.    

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção, sem prejuízo da multa.

[4] Na comarca de Santos, verifica-se com certa facilidade a quantidade enorme de bens imóveis público tombados, que são destruídos, inutilizados e deteriorados, sem qualquer intervenção do Estado ou o que é pior sem qualquer sanção penal a ele (ou seus prepostos), atribuídas.

[5]Art. 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

[6] O Estádio Paulo Machado de Carvalho, conhecido como Estádio do Pacaembu, em São Paulo, SP, inaugurado em 27.04.1940, palco de grandes jogos de futebol, foi tombado pelo órgão estadual através da Resolução SC-5, de 21.01.1998, DO 02.04.1998. Se for realizada alteração em sua fachada, sem autorização do órgão do patrimônio histórico, haverá crime e o objeto material (edificação) será o estádio. Pensemos, agora, em um exemplo relacionado com local de interesse turístico (Lei 6.513, de 20.12.1977): a alteração da estrutura do bondinho do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, RJ, sem a autorização do órgão competente. Freitas e Freitas (2006)

[7]Segundo o peticionário, as fundições, indústrias químicas perigosas e a Refinaria de Mathura são as principais fontes de danos ao Taj. O dióxido de enxofre emitido pela Refinaria Mathura e as indústrias, quando combinado com oxigênio - com o auxílio da umidade - na atmosfera, forma o ácido sulfúrico, chamado "chuva ácida", que tem um efeito corrosivo sobre o mármore branco brilhante. As emissões industriais e da Refinaria, fornos de tijolos, tráfego de veículos e conjuntos de geradores são os principais responsáveis ​​pela poluição do ar ao redor da Zona do Trapézio do Taj (TTZ). A petição afirma que o mármore branco amarelou e enegreceu em alguns lugares. É dentro do Taj que a deterioração é mais evidente. Tonalidade amarelada permeia todo o monumento. Em alguns lugares a tonalidade amarela é ampliada por feias manchas marrons e pretas. A deterioração fúngica é pior na câmara interna, onde estão as sepulturas originais de ShahJahan e Mumtaz Mahal. Segundo o peticionário, o Taj - um monumento de renome internacional – está a caminho da degradação, devido à poluição atmosférica, e é imperativo que medidas preventivas sejam tomadas em breve. O peticionário finalmente buscou orientações apropriadas das autoridades competentes, para que tomassem medidas imediatas para deter a poluição do ar na TTZ e salvar o Taj. (MC Mehta verso União da Índia e outros. WP 13.381, de 1984. Juízes: Kuldip Singh, FaizanUddin. Data do Julgamento: 30.12.1996, Este Acórdão da Suprema Corte da Índia refere-se à poluição da monumental obra Taj Mahal. A decisão encontra-se no sítio: http://judis.nic.in/supremecourt/imgst.aspx?filename=14555. A tradução livre foi feita pela Professora Sandra Almeida Passos de Freitas, com a participação do Professor Vladimir Passos de Freitas).

[8]Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização competente ou em desacordo com a concedida[8]:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

[9] AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MATA ATLÂNTICA. RESERVATÓRIO BILLINGS. LOTEAMENTO CLANDESTINO. ASSOREAMENTO DA REPRESA. REPARAÇÃO AMBIENTAL.1. A destruição ambiental verificada nos limites do Reservatório Billings – que serve de água grande parte da cidade de São Paulo –, provocando assoreamentos, somados à destruição da Mata Atlântica, impõe a condenação dos responsáveis, ainda que, para tanto, haja necessidade de se remover famílias instaladas no local de forma clandestina, em decorrência de loteamento irregular implementado na região.2. Não se trata tão-somente de restauração de matas em prejuízo de famílias carentes de recursos financeiros, que, provavelmente deixaram-se enganar pelos idealizadores de loteamentos irregulares na ânsia de obterem moradias mais dignas, mas de preservação de reservatório de abastecimento urbano, que beneficia um número muito maior de pessoas do que as residentes na área de preservação. No conflito entre o interesse público e o particular há de prevalecer aquele em detrimento deste quando impossível a conciliação de ambos.3. Não fere as disposições do art. 515 do Código de Processo Civil acórdão que, reformando a sentença, julga procedente a ação nos exatos termos do pedido formulado na peça vestibular, desprezando pedido alternativo constante das razões da apelação.4. Recursos especiais de Alberto Srur e do Município de São Bernardo do Campo parcialmente conhecidos e, nessa parte, improvidos. (REspn.° 403190 / SP)


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTEVES, Henrique Perez; BERNARDES, Leonardo. Implicações dos crimes omissivos na tutela do patrimônio histórico e cultural: o caso dos terminais abandonados no Porto de Santos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4521, 17 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44547. Acesso em: 11 maio 2024.