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Da eugenia

Da eugenia

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O trabalho em pauta tem por objetivo trazer uma melhor explicação a respeito dos conceitos de eugenia e neogenia, contextualizando-os, assim como os analisando sob o prisma histórico, religioso, médico, bioético e legal.

RESUMO

O trabalho em pauta tem por objetivo trazer uma melhor explicação a respeito dos conceitos de eugenia, que teve seu desenvolvimento realizado por um estudioso inglês chamado Francis Galton; e a respeito da neogenia, termo que caracteriza as práticas eugênicas em associação ao avanço da engenharia genética, que tem se focado no fim de mapear o genoma humano, para que se façam alterações por meio de uma seleção pré-implantatória dos gametas. Existe também a explanação das diferenças entre a prática da eugenia positiva, que se resume na seleção de caracteres físicos, como a cor dos olhos, da pele, entre outros, e a eugenia negativa, que é caracterizada pela seleção dos gametas para supressão de doenças congênitas, possibilitando a detecção destas mesmo antes do nascimento, e então as eliminando. Posteriormente, há uma situação histórico-evolutiva, que mostra o progresso da eugenia, desde a realização dos ‘’tribunais biológicos’’ nos Estados Unidos da América, em que os juízes sentenciavam a atitude a ser tomada para com aqueles considerados inferiores social e biologicamente, até a prática dos princípios eugênicos pelo governo nazista, na metade do século XX (época do conhecido ‘’holocausto”, trazendo a morte de mais de seis milhões de judeus, além de outras classes que não se encaixavam nos critérios da “raça superior’’ dos nazistas - a raça ariana). Ademais, aborda-se o prisma sociológico e religioso do tema, verificando em que divergem e em que se assemelham, além de propiciar explicações gerais acerca do aborto eugênico. Finalmente, faz-se uma análise axiológica dos aspectos médico-legais, englobando a bioética, que envolve a responsabilidade médica.

Palavras-chave: Neogenia; Biotecnologia; Eugenia; Bioética.

ABSTRACT

The scope of this work is to better explain the concepts of eugenics, which was developed by a British scholar named Francis Galton, and neogenics, a concept adopted to designate the eugenic practices associated with the advancement of genetic engineering, which is working to map the human genome, in order to make changes through a selection that is made before the implant of the gametes. There is also the distinction between so-called positive eugenics, which is nothing more than the selection of physical traits, like skin color, eyes, among others, and negative eugenics, which is the technique of selection of gametes for elimination of congenital diseases, making it possible to detect these diseases even before birth, eliminating it. After this, there is a historical context, which shows the evolution of eugenics, including the holding of ''biological courts'' in the United States of America, where the judges decided what action to take to those considered socially and biologically inferior to the practice of the eugenics’ doctrine by the Nazi government in the mid-twentieth century, the period known as ''Holocaust'' that resulted in the deaths of more than six million Jews, among other classes that did not fit the standards of ''race top'' of the Nazis, who considered it to be, the Aryan race. Furthermore, are addressed the religious and sociological point of the question, checking in what they agree and in what they disagree, also drawing general explanations about eugenic abortion. Finally, we analyze the medicine-legal, bioethics encompassing, involving medical responsibility.

Key words: Neogenic; Biotechnology; Eugenic; Bioethics.

LISTA DE ABREVIAÇÕES

CC = Código Civil

CF= Constituição Federal

CFM= Conselho Federal de Medicina

RA= Reprodução Assistida

STF= Supremo Tribunal Federal

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................10

CAPÍTULO I - DOS ASPECTOS GERAIS DA EUGENIA..................................12

            1.1 Conceito de Eugenia e Neogenia.......................................................12

1.2 Eugenia Positiva e Negativa...............................................................16

1.3 Evolução Histórica..............................................................................21

CAPÍTULO II - DOS ASPECTOS CONTROVERTIDOS DA PRÁTICA DA NEOGENIA............................................................................................,............25

            2.1 Aspecto Religioso Cristão..................................................................25

            2.2 Aspecto Sociológico...........................................................................28

            2.3 Aborto Eugênico.................................................................................31

CAPÍTULO III - ASPECTOS MÉDICO-LEGAIS.................................................34

            3.1 Legislação Vigente no País................................................................34

            3.2 Deficiência do Processo Legislativo...................................................38

            3.3 Bioética...............................................................................................41

 CONCLUSÃO....................................................................................................44

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................46

 GLOSSÁRIO......................................................................................................48

 APÊNDICE ........................................................................................................49

 ANEXO...............................................................................................................50

INTRODUÇÃO

            O primeiro capítulo tem por objetivo o estabelecimento de um paralelo acerca do assunto, trazendo uma visão geral do tema, como o próprio título “Dos Aspectos Gerais da Eugenia’’ esclarece. Tem três subdivisões, constando a primeira dos “conceitos de eugenia e neogenia’’. Neste item, explica-se de uma forma abrangente acerca do que é eugenia, de quem vem a terminologia, e quais são os fins procurados com o uso de suas práticas, além da explanação de como ocorreu esta evolução até que se chegasse ao que se conhece hoje como neogenia (seleção pré-implantatória de gametas). O segundo item traz as diferenças conceituais e práticas do que se ocasionou nominar de ‘’eugenia positiva’’ e ‘’eugenia negativa’’, fazendo a demonstração da linha tênue que as divergem, pois, enquanto a primeira objetiva que as características biológicas sejam selecionadas, características estas como cor dos olhos e altura; a outra traz por escopo a eliminação de possíveis doenças congênitas. O item terceiro abrange a evolução histórica das práticas eugênicas, mostrando que tais idéias já eram espalhadas e levadas adiante, como ocorreu em Esparta, mesmo antes de que tal terminologia fosse criada. Essas ideias também já eram mencionadas em obras de grande relevo, como “A república’’ de Platão. À posterior criação do conceito propriamente dito e melhora da moldagem de sua doutrina, os Estados Unidos adotaram tais práticas e bem como a Alemanha nazista, o que culminou em um dos massacres históricos mais estrondos.
            Já o segundo capítulo, nominado “Dos aspectos controvertidos da eugenia”, é também dividido em três partes menores. Primeiramente, traz à tona o lado religioso cristão, comparando os preceitos bíblicos, nos quais os adeptos professos desta fé pautam-se para tratar da questão, à aplicação da prática, apresentando o resultado destes pensamentos. De um prisma mais científico, o segundo item trata de uma abordagem mais voltada ao aspecto sociológico, o qual abrange os problemas que a limitação do uso das práticas eugênicas pode causar, usando o exemplo de uma possível instabilidade social gerada por uma espécie de discriminação genética. Para a finalização dos aspectos sociológicos e religiosos, apresenta-se um item a respeito do chamado “aborto eugênico”, que tem dado causa a grandes debates no mundo da ciência, e que já vem sendo permitido em alguns casos no Brasil mediante algumas decisões judiciais neste sentido. Um dos casos em que se é permitido o aborto eugênico é quando ocorre uma má formação fetal, como, por exemplo, em situações de fetos sem cérebro. Ainda este ano, o Supremo Tribunal Federal – STF – decidiu a favor da descriminalização do aborto de anencéfalos, liberando, portanto, a interrupção da gravidez neste caso. Segundo o ministro Luiz Fux, do STF, “impedir a interrupção da gravidez sob ameaça penal equivale à tortura”. Por outro lado, diz Cezar Peluso, presidente do STF, que “no caso do extermínio do anencéfalo, encena-se a atuação avassaladora do ser poderoso superior que, detentor de toda força, infringe a pena de morte a um incapaz de prescindir à agressão e de esboçar-lhe qualquer defesa”. Caracterizando, então, uma prática eugenista de seleção. Paira a dúvida, alguém tem esse direito?

            O terceiro e último capítulo, que entitula os “Aspectos médico-legais’’, traz uma análise da legislação, a respeito das práticas do biodireito, vigente no país, especialmente a que trata da eugenia, que é de muita escassez. À exceção de algumas resoluções do Conselho Federal de Medicina, que não são exatamente uma legislação, e sim um dispositivo norteador para as profissões da área, não se encontram dispositivos outros que tratem do assunto no Estado. Este capítulo também é subdividido em três itens, sendo o primeiro chamado “legislação vigente no país’’, o segundo  “deficiência do processo legislativo’’, que demonstra alguns dos fatores que fazem com que haja tantas mazelas na legislação sobre este tema; e o terceiro, finalizando então o capítulo, que aborda a bioética, o qual demonstra a importância de se estudá-la e a disseminar no país, e faz com que sempre se tomem as posições mais ponderadas, o que proporciona uma harmonização entre a ética e os avanços da biotecnologia.

CAPÍTULO I - DOS ASPECTOS GERAIS DA EUGENIA

1.1 Conceito de Eugenia e Neogenia

            O termo ‘’Eugenia’’, foi desenvolvido no ano de 1883 por Francis Galton (1822-1911), um importante antropólogo, meteorologista, matemático e estatístico inglês e significa “bem nascido”. Primo de Charles Darwin, e baseado em suas idéias, criou o conceito de eugenia e pregava a necessidade de se impedir a procriação dos humanos “inferiores” biológica e sociologicamente. Em área de diâmetro oposto, dizia que os casamentos e procriação entre seres humanos considerados superiores deveriam ser incentivados. Galton também foi um dos responsáveis por desenvolver testes de inteligência, no intuito de selecionar homens e mulheres brilhantes que teriam a destinação à reprodução seletiva. Deu ainda à “eugenia” a definição como sendo o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações, sejam físicas ou mentais. Em outras palavras, melhoramento genético. Entendia então, que estes “cruzamentos indesejados” deviam ser evitados, e assim a raça humana poderia ser aperfeiçoada.
            Como se percebe, estas idéias tiveram início na Inglaterra, e foram levadas  para os Estados Unidos da América, onde a disseminação da prática da eugenia aconteceu no início do século XX, fazendo com que cientistas, escondidos sob a desculpa da higienização, cometessem diversas atrocidades, objetivando um melhoramento genético da população, simplesmente desconsiderando tudo o que hoje se entende por dignidade da pessoa humana. Faziam a análise de vários fatores biológicos e sociais dos indivíduos do país, e, desta forma, baseados na doutrina eugênica, selecionavam aqueles que deveriam ser detidos de passarem suas condições genéticas para uma próxima geração, levando-os ao que chamavam de ‘’tribunal biológico’’, em que o juiz baseado em laudos e estudos médicos decidiria que prática deveria ser adotada. Realizavam atos como a esterilização forçada nos indivíduos considerados inferiores, os quais eram chamados de “vermes”, “mestiços” e “subumanos”, além da prisão dos considerados inadequados aos padrões daquela elite pautada na cruel doutrina eugênica.

            Um tempo depois, utilizaram-se dessas mesmas práticas no governo nazista, para a limitação da humanidade a uma “raça pura”, a raça ariana, a qual, segundo os planos de Hitler, seria a raça que reconstruiria toda a Alemanha.

            Com o encerramento da Segunda Guerra Mundial e deposição do governo nazista, adormeceu, aparentemente, o pensamento eugênico. Entretanto, nas seguintes décadas, o processo de aperfeiçoamento acelerado pela qual a ciência foi submetida, de uma forma nunca vista anteriormente, fez com que surgissem novas ciência, a exemplo da engenharia genética, que foi responsável por desenvolver técnicas de manipulação genética em seres humanos, e proporcionou o terreno necessário para que revivessem no coração dos sedentos por uma raça superior aquelas idéias até então apagadas.

             Somente apontar as mazelas causadas pela ideia da eugenia não se é certo, uma vez que avanços extraordinários no mapeamento do genoma humano possibilitaram a detecção e tratamento de doenças as mais diversas, até então sem soluções, por meio deste desenvolvimento eugênico. Houve desenvolvimento, sim, mas, ao mesmo tempo, abriu-se precedentes para que se  gerasse uma discriminação genética, assim como ocorreu nos Estados Unidos e em alguns países europeus. Por essa razão, é necessária muita cautela no que diz respeito ao tema em quesetão. Desta forma, cabe aos países e comissões científicas se reunirem para debaterem acerca do assunto, e analisarem o que há de benéfico na prática e quais seriam os limites para o seu uso, pois do contrário pode se gerar uma catastrófica instabilidade social, o que faria com que os detentores de melhores condições genéticas obtivessem prioridade no mercado de trabalho, e até mesmo em competições esportivas, fazendo com que o esforço e dedicação do atleta ficassem em segundo plano, pois o predominante seriam suas características genéticas.

            É justamente neste aspecto de melhoramentos genéticos feitos em laboratório através do mapeamento do genoma humano, que se pode falar na chamada ‘’neogenia’’, que seria uma evolução das práticas adotadas no passado, se utilizando do conhecimento científico para seu desenvolvimento, como nos ensina José Sebastião de Oliveira e Denise Hammerschmidt:

Não obstante, com a aparição da biotecnologia da engenharia genética e, em particular, com as técnicas de reprodução humana assistida, surge a necessidade de reformular o conceito ‘’clássico’’ de eugenia e reapresentá-lo em outros termos. É o que se conhece como neo-eugenia. É preciso salientar nesse ponto que a neo-eugenia tem à sua disposição estes poderosos meios da biotecnologia da engenharia genética, os quais proporcionam um conhecimento cada vez mais amplo e preciso sobre o genoma humano da espécie dos indivíduos[1]

            Assim, é necessário que o mundo científico esteja embasado pelos padrões da ética, para que não se venha a ferir a dignidade da pessoa humana e reviver idéias cruéis e elitistas, sob o véu de melhoramento nas técnicas de reprodução assistida. E dependendo da evolução da prática, é necessário que a ordem pública intervenha para fiscalizar a maneira como ela está sendo adotada, e se não vai gerar, como dito anteriormente, um preconceito genético, que conseqüentemente resultaria em uma instabilidade social, mesmo que para isto necessite utilizar métodos coercitivos. Por isto, se deve utilizar de um raciocínio moral na tomada de decisões em relação a questões sociocientíficas. Neste sentido, coloca Márcio Andre Guimarães, Washington Luiz Pacheco de Carvalho e Mônica Santos Oliveira:

O raciocínio moral é um tipo de raciocínio informal que é levado em conta na resolução de dilemas sociocientíficos. Seria um erro pensar que somente a informação científica é utilizada para a tomada de decisões e a emissão de julgamentos. Portanto o conhecimento biológico, como no caso da genética, deve subsidiar, mas não é o fator determinante nas tomadas de decisões. Pesquisas recentes sobre a influência do conhecimento do conteúdo no raciocínio informal mostram resultados divergentes, desde nenhuma participação do conhecimento científico até um importante papel deste na elaboração de raciocínio moral.[2]

            Logo, é de suma importância que o raciocínio moral seja considerado pelas autoridades governamentais, e principalmente pelos cientistas que tem contribuído de forma significativa para os avanços na área da engenharia genética, enquadrada no campo da biotecnologia, ao se decidir sobre o futuro das intervenções humanas feitas em laboratórios na seleção pré-implantatória de gametas, que mais especificamente pode ser chamada de neogenia, ponderando acerca da distinção das práticas eugênicas, que podem ser subdivididas em eugenia positiva e eugenia negativa, devido a uma tênue diferença entre ambos, que leva à caracterização desta divisão, e que serão analisadas no próximo tópico.

1.2 Eugenia Positiva e Negativa

            Pode-se classificar os processos eugênicos de dois modos, sendo eles a chamada “eugenia positiva” e “eugenia negativa”. No início, faz-se necessário entender o que é uma ação eugênica em seu sentido estrito, como confirmam Lilian Denise Mai e Emília Luigia Saporiti Angerami:     

A partir do momento em que a eugenia é entendida como sendo a preocupação com a saúde e constituição das futuras gerações, toda e qualquer utilização de meios e conhecimentos científicos em prol do nascimento de uma criança física e mentalmente saudável pode ser considerada uma ação eugênica.[3]


 

            Assim sendo, toda intervenção, tanto no intuito de instigar o casamento entre pessoas com características genéticas superiores (no padrão da sociedade inserida), quanto no de promover intervenções laboratoriais com o uso da crescente evolução científica da biotecnologia, pode ser considerada uma ação eugênica. Todavia, determinado tipo de intervenção tem por objetivo a eliminação de características indesejáveis, enquanto outro objetiva acrescer características que sejam desejadas, consideradas como ideal genético na sociedade. E é justamente neste ponto que se encontra divergências e é possível fazer diferenciação entre determinados tipos de ações eugênicas e outros.

            Eugenia negativa é aquela praticada segundo a doutrina eugênica com o intuito de eliminar características indesejadas, a exemplo do que se fazia nos Estados Unidos da América e na Alemanha, onde se proibia pessoas classificadas como geneticamente inferiores de se reproduzirem com os indivíduos considerados geneticamente superiores, e até mesmo os esterilizando, para que não repassem suas características genéticas para as próximas gerações, utilizando-se do conhecimento de Darwin, que defende em ‘’a origem das espécies’’ o processo de seleção natural, o qual consiste em dizer que as características favoráveis, as quais são hereditárias, tornam-se mais comuns em gerações sucessivas de uma população de organismos que se reproduzem, e que características desfavoráveis que são hereditárias tornam-se menos comuns. A seleção natural age no fenótipo, ou nas características observáveis de um organismo, de tal forma que indivíduos com fenótipos favoráveis têm mais chances de sobreviver e se reproduzir do que aqueles com fenótipos menos favoráveis. Se esses fenótipos apresentam uma base genética, então o genótipo associado com o fenótipo favorável terá sua freqüência aumentada na geração seguinte. Com o passar do tempo, esse processo pode resultar em adaptações que especializarão organismos em nichos ecológicos particulares e pode resultar na emergência de novas espécies.

            A seleção natural não distingue entre seleção ecológica e seleção sexual, na medida em que ela se refere às características, por exemplo, destreza de movimento, nas quais ambas podem atuar simultaneamente. Se uma variação específica torna o descendente que a manifesta mais apto à sobrevivência e à reprodução bem sucedida, esse descendente e sua prole terão mais chances de sobreviver do que os descendentes sem essa variação. As características originais, bem como as variações que são inadequadas dentro do ponto de vista da adaptação, deverão desaparecer conforme os descendentes que as possuem sejam substituídos pelos parentes mais bem sucedidos. Assim, certas características são preservadas devido à vantagem seletiva que conferem a seus portadores, permitindo que um indivíduo deixe mais descendentes que os indivíduos sem essas características. Eventualmente, através de várias interações desses processos, os organismos podem acabar desenvolvendo características adaptativas mais e mais complexas.

            Há também outros tipos de eugenia que podem ser chamadas de ‘’eugenia negativa’’, a exemplo do que ocorre na ‘’neogenia’’, reforçando mais uma vez seu significado e diferenciando do sentido clássico de eugenia com os conhecimentos transmitidos por José Sebastião de Oliveira e Denise Hammerschmidt:

                 

Nesse particular aspecto, cumpre destacar a diferença entre a neo-eugenia e os movimentos eugênicos de princípios do século XX, caracterizados por bárbaras práticas de esterilização de deficientes físicos ou mentais ou por políticas criminosas de eliminação de grupos étnicos (judeus ou ciganos) e de pessoas de determinadas orientações sexuais (homossexuais) praticadas por alguns regimes políticos. Tais pessoas eram concebidas como um problema social e coletivo, cuja solução era promovida por cientistas, pensadores, juristas e políticos. A nova eugenia se apresenta como uma questão médica, própria da esfera da relação médico-paciente e, por isso, como um assunto de saúde individual, de saúde dos próprios interessados, de um direito à saúde – a nascer saudável – em relação a seus progenitores e suas faculdades ou liberdades reprodutivas.[4]


            Assim, utilizando-se das técnicas que propiciam a ‘’neogenia’’ é possível fazer a detecção de problemas em determinados gametas, fazendo então uma seleção pré-implantatória dos gametas, o que resulta no implante somente daqueles saudáveis, com o intuito de se eliminar o risco de desenvolvimento de doenças congênitas, as quais são adquiridas antes do nascimento ou até mesmo no primeiro mês de vida. Há ainda outras práticas que se caracterizam como eugenia negativa, como apregoam Ivana de Oliveira Fraga e Mônica Neves Aguiar:

Acrescenta que podem ser consideradas como manifestações da eugenia negativa a proibição de casamentos, o aconselhamento genético e o diagnóstico pré-natal, sempre que seguido de aborto terapêutico, bem como a eliminação física, quer por infanticídio ou por eutanásia.[5]

            Em campo diametralmente oposto se encontra a eugenia positiva, que se caracteriza pela tomada de atitudes com o escopo de preservar as características genéticas consideradas como predominantes em uma sociedade, como era o caso da Alemanha, que disseminou a idéia de raça superior, no caso a ariana, a qual era protagonizada pela imagem de um homem alto, loiro, de olhos azuis com o cérebro alongado, representando maior capacidade biológica que resultava em maior desenvolvimento intelectual. Uma das ações eugênicas que podem ser enquadradas nesta categoria seria o incentivo a procriação entre aqueles indivíduos que fossem caracterizados como biologicamente superiores. Incentivos que poderiam vir por vias econômicas ou até mesmo com privilégios sociais. Já no campo da neogenia, é possível fazer a ‘’eutelegênese’’, que consiste em uma seleção germinal no banco de sêmen. Ainda, a manipulação laboratorial dos gametas, para selecionar aqueles que possuam a formação biológica necessária para o desenvolvimento de características que agradem aos pais da futura criança. Técnicas deste tipo vêm sido muito utilizadas nos últimos anos, e cada vez mais são procuradas por aqueles que tenham condição financeira para realizá-las, e querem ‘’personalizar’’ seu filhos da maneira que escolherem, fazendo uma espécie de seleção artificial, desafiando a natureza e seu jogo de probabilidades. Lembrando ainda que este tipo de técnica vem sendo utilizada para o que se denominou ‘’eugenia às avessas’’, que consiste em selecionar características desfavoráveis, para que o filho nasça problemático. Pode parecer aparentemente absurdo, porém um estudo realizado pelo Centro de Genética e Política Pública da universidade John Hopkins, nos EUA, demonstrou em um estudo feito em 190 clínicas de reprodução assistida, que 3% dos pais que buscam seu auxílio, querem selecionar embriões que contenham algum tipo de deficiência física. Como é o caso das lésbicas Candace McCullough e Sharon Duchesneaum de Maryland, EUA, ambas portadoras de deficiência auditiva, que no ano de 2002 solicitaram um doador de esperma com gene de surdez, para terem um filho também surdo, e assim o fizeram, alegando ser a surdez não uma doença, mas uma identidade cultural.

            A prática da eugenia é muito combatida, e criticada por muitos, que se pautam em determinados atores sociais, sejam eles morais, éticos, sociológicos, profissionais ou religiosos. Em geral, a eugenia positiva é criticada com maior avidez, como se pode perceber ao ler este trecho, presente em um site ao expressar o que é eugenia, dizendo que ‘’ esta visão cientificista, exclusivamente materialista, onde o homem é apenas uma engrenagem de um mecanismo maior: a sociedade ou o Estado, pretende "melhorar" a raça humana até gerar o "super-homem". A eugenia nasceu na época em que a ciência triunfante revolucionava o mundo da técnica. No materialismo existia uma grande tentação de utilizar o homem como um material ou animal, que pode ser melhorado por meio de cruzamentos e uma seleção "científica". A sociedade deve tratar aqueles que considerem vítimas de taras, "disgênicos", inferiores, inadaptados, mal desenvolvidos, como membros gangrenados e amputá-los por razões de higiene social, sem levar em conta as proibições de uma moral "burguesa" derivada da superstição "judeu-cristã". A relação com o médico ou o biólogo se transforma, então, numa relação que envolve três partes: o Estado, o médico e o doente’’[6]

            Desta maneira, é possível perceber que a questão envolve sérias questões éticas e morais, seja do ponto de vista religioso ou sociológico, gerando grandes controvérsias ideológicas, que serão analisadas nos próximos capítulos deste trabalho.
           

1.3 Evolução Histórica

               

            Analisando os escritos de Platão, já na Grécia Antiga, em especial os presentes em ‘’A República’’, é possível perceber características do que hodiernamente se conhece como eugenia, pois já se falava em processos seletivos para aperfeiçoamento da sociedade. Além disso, no Peloponeso, os espartanos tinham uma preocupação obsessiva com o que se entendia ser a ‘’qualidade’’ de sua raça. A preocupação e a necessidade de se constituir um exército forte acabariam requerendo um material humano “de primeira linha”, dessa maneira, mantinham um acompanhamento cuidadoso na gravidez de suas mulheres que eram levadas para fazer exercícios que possibilitavam uma melhor gestação. A criança, ao nascer, era avaliada por uma comissão de anciãos que buscava observar se o recém-nascido apresentava saúde perfeita, caso contrário ocorreria a sua execução (infanticídio).[7] Tal prática atroz pode ser designada entre as técnicas de eugenia negativa, e objetivavam a eliminação de características que poderiam levar o indivíduo a sucumbir no campo de batalha, atrapalhando todos os seus companheiros.

            Para se entender a evolução histórica da eugenia para a neogenia, e o porquê da preocupação científica atual com o uso indiscriminado da seleção pré-implantatória dos gametas, é necessário se falar do nazismo, movimento que surgiu na Alemanha no início do século XX, e teve como seu líder o austríaco Adolf Hitler. O objetivo do nazismo era resgatar o nacionalismo alemão, que há muito estava abalado devido às derrotas na Primeira Guerra Mundial, através da expansão de seu império, além de resgatar os territórios perdidos nesta guerra e por fim, totalmente relacionado às práticas eugênicas, queriam formar o que chamavam de ‘’raça pura’’, que segundo eles seria a ariana. Logo, no seu entendimento, apenas os alemães “mais fortes”, “melhor selecionados”, deveriam sobreviver para a reconstrução da Alemanha.
            É certo que idéias eugenicas já existiam, e eram defendidas por muitos cientistas, tendo seu berço na Inglaterra, que sofreu transformações que propiciaram as condições necessárias para o florescimento destas idéias, a saber, a transformações resultantes do fim da revolução industrial, pois se vivia uma instabilidade social, e a vida urbana beirava o caos, necessitando a disseminação de políticas de higiene pública para se evitar a proliferação de doenças e prejuízos econômicos, porém atingiram seu ápice na Alemanha nazista, que se utilizavam da prática para a realização deste sonho de alguns líderes e cientistas inescrupulosos, que seria a criação desta raça superior, a qual dominaria o mundo.

            Influenciados pelas idéias de Darwin, que a seleção natural influenciasse o processo de sobrevivência dos seres vivos, muitos cientistas estudaram tal prática e criaram um novo conceito, o qual se tornou um movimento denominado ‘’darwinismo social’’. Este movimento tinha por objetivo disseminar a importância de se fazer um rígido controle demográfico nos seres humanos, pois, segundo eles, algumas características biológicas e sociais determinavam uma ‘’superioridade’’, e estes seres superiores deveriam ser preservados, pois eram os mais aptos para dar continuidade à raça. Pensavam então, que, infelizmente os fracos também sobreviviam e propagavam seu gênero, cabendo então aos cientistas ‘’frear’’ sua propagação, impedindo os indivíduos ‘’fracos’’ de se casarem com os indivíduos ‘’superiores’’, resultando assim em uma evolução física e intelectual das raças superiores.

            Se pautando nestas idéias, e desenvolvendo-as, cientistas alemães, apoiados pelo governo nazista, iniciaram então a criação de estratégias para exercer este controle e propiciar a disseminação das características que davam origem a esta ‘’raça superior’’. Inspiraram-se nos efeitos causados pelo processo eugênico nos Estados Unidos da América, nos chamados ‘’tribunais biológicos’’, em que realizavam esterilização forçada nos indivíduos considerados inferiores, os quais eram chamados de ‘’vermes’’, ‘’mestiços’’ e ‘’subumanos’’, além da detenção dos socialmente inadequados aos padrões desejados por aquela elite racista. Assim, o nazismo cometeu inúmeras atrocidades nesta reconstrução da Alemanha, que desejavam ser formada apenas por esta raça superior, a raça ariana, chegando a tal ponto, que muitos confundiam os termos eugenia e nazismo, pois os mesmos já praticamente se misturavam. Como explica Antônio Baptista Gonçalves:

Na Alemanha, a eugenia norte-americana inspirou nacionalistas defensores da supremacia racial, entre os quais Hitler, que nunca se afastou das doutrinas eugenistas de identificação, segregação, esterilização, eutanásia e extermínio em massa dos indesejáveis, e legitimou seu ódio fanático pelos judeus envolvendo-o numa fachada médica e pseudocientífica.[8]

            Dentre as ações praticadas por Hitler no ‘’terceiro reich’’, estavam as de esterilização dos alemães que possuíam deficiências físicas e mentais, e do incentivo às pessoas saudáveis para gerarem um grande número de filhos, a exemplo do que se fazia com a criação de centros de reprodução humana do programa Lebensborn, programa iniciado pelo líder nazista Heinrich Himmler, com o intuito de preservar as crianças detentoras de genes pertencentes à raça ariana, e que muitas vezes, caso não tivessem sido cuidadas pelo governo, teriam sido abortadas, pois houve uma grande onda de abortos na Alemanha nos anos de 1940, com dados que chegavam a afirmar que ocorriam cerca de 600.000 abortos anualmente no país, o que não era interessante para o governo, pois perdiam soldados para o exército, fazendo com que em 20 anos as perdas chegassem a cerca de 18 a 20 regimentos militares, que dariam força ao aparato militar alemão, impulsionando-os rumo ao tão almejado expansionismo, que os fariam modelo e senhores do mundo.

            Com as práticas eugênicas, o racismo alemão foi ganhando status de cientificidade através desta doutrina que inspirava as autoridades e grupos intelectuais de todas as partes do mundo. Faziam séries de exames antropométricos, que nada mais eram do que procedimentos utilizados na Alemanha Nazista para catalogar características físicas presentes na população, criando um verdadeiro ‘’cadastro biológico’’, atropelando a dignidade daqueles considerados inadequados para os planos futuros do terceiro reich. Podendo assim, ser exemplificado pela afirmação de Pietra Diwan em artigo científico:


Os métodos propostos pelos entusiastas da nova ciência, porém, não se resumiam à criação de um ‘’haras humano’’, povoando o planeta de gente sã, como propunham os defensores da ‘’eugenia positiva’’. No outro extremo, a ‘’eugenia negativa’’ postulou que a inferioridade é hereditária e a única maneira de ‘’livrar’’ a espécie da degeneração seria utilizar métodos como a esterilização, a segregação, a concessão de licenças para a realização de casamentos e a adoção de leis de imigração restritiva.[9]

                                                                                                      

            Estas eram, de maneira geral, os procedimentos praticados na Alemanha durante o governo nazista, o que resultou em um grande abuso à dignidade, levando à criação da carta de declaração dos Direitos Humanos no pós-guerra.

                                                                           
                                                                           

CAPÍTULO II - DOS ASPECTOS CONTROVERTIDOS DA PRÁTICA DA NEOGENIA

2.1 Aspecto Religioso Cristão

            Do ponto de vista religioso cristão, de maneira nenhuma se poderia fazer uma seleção pré-implantatória dos gametas, seja manifestada na forma de eugenia negativa, com o intuito de impedir que a criança nasça com doenças congênitas, seja com o objetivo de selecionar gametas para selecionar características biológicas que poderiam tornar o indivíduo em questão geneticamente superior dentro dos parâmetros da sociedade em que esteja inserido, pois isto feriria diretamente preceitos bíblicos imutáveis, relacionados à fé de que Deus tudo conhece e tudo pode, e de que não cai uma folha de uma árvore sem que Ele permita, logo, qualquer posicionamento em contrário seria uma afronta à fé e a determinados trechos bíblicos, como se pode encontrar no livro de Eclesiastes: ‘’Atenta para a obra de Deus: por que quem poderá endireitar o que ele fez torto?’’ (7:13).[10] Também no livro de Êxodos, onde se pode ver que a maneira como cada um nasce é determinada por Deus, mesmo que haja alguma deficiência: ‘’E disse-lhe o Senhor: Quem fez a boca do homem? Ou quem fez o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, o Senhor? (4:11).[11] Além de trechos protagonizados por Jesus, como se vê no livro de João: ‘’ E passando Jesus, viu um cego de nascença. E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem pecou, estes ou seu pai para que nascesse cego? Jesus respondeu: Nem ele pecou nem seus pais, mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus. (9:1-3).[12]

            É possível melhor visualizar a concretização de tais argumentos através dos escritos de Márcio Andrei Guimarães, Washington Luiz Pacheco de Carvalho e Mônica Santos Oliveiras em artigo científico, especialmente no trecho em que é analisada uma entrevista feita com uma aluna religiosa cristã do Ensino Médio:


Atena julga que os seres humanos são diferentes de qualquer outro ser vivo e, por isso, merecem um respeito diferenciado. Ela aceita a manipulação genética de organismos não humanos apesar de achar que isso não é o ‘’mais certo’’. Portanto, mesmo que as plantas possam ser manipuladas geneticamente, o mesmo não deve acontecer com o homem. Parece que conhecimento científico é realmente mais perturbador quanto mais próximo estiver de nos atingir. A manipulação genética em seres humanos é explicitamente rejeitada por motivos religiosos. Durante as entrevistas sobre outros aspectos científicos, Atenas demonstrou, várias vezes, estar em dúvida em relação às questões científicas que colocavam sua crença religiosa em xeque. Apesar de repetidas vezes afirmar que aceita alguns conhecimentos científicos, de forma alguma afirmou estar descrente da sua fé, contudo afirmou que as coisas poderiam ser vistas de outra forma, a forma da ciência. Porém a manipulação genética em humanos está fora dessa negociação.[13]

       

            Como se percebe ao ler os trechos bíblicos expostos anteriormente e também a análise da entrevista, qualquer religioso que expresse total fé na bíblia, não concorda com nenhum ato de seleção artificial, que possa romper com a interação da seleção natural, que dentro de seus parâmetros é controlada por Deus, como é o caso da aluna da entrevista, a qual representa o pensamento comum que vigora no país. Como afirmado na análise, quando as crenças religiosas estão em xeque em relação ao conhecimento científico, dificilmente os estudos, por mais fidedignos que pareçam ser, serão acatados, pois a fé geralmente aparece em primeiro plano.

            Assim, em democracias, em que a vontade da maioria deve prevalecer, e em que esta maioria é composta majoritariamente por religiosos cristãos, dificilmente se conseguiria aprovar legislação no sentido de liberar práticas da engenharia genética para a seleção de caracteres em humanos, a não ser que tais práticas fossem direitos constitucionalmente assegurados, como muitos defendem ser o direito à nascer saudável, evitando doenças congênitas, através de práticas de neogenia, porém mesmo nestas condições, e já tendo feito os esclarecimentos necessários acerca do ponto de vista religioso cristão em relação as práticas neogênicas, é necessário também se discutir o ponto de vista sociológico, para que se possa estudar a possibilidade do surgimento de situações indesejadas na sociedade no caso de liberação da prática. Tema que já foi superficialmente tratado neste trabalho anteriormente, e que será aprofundado no próximo subitem, que tem por título ‘’Aspecto Sociológico’’.

           

2.2 Aspecto Sociológico

            Os avanços biotecnológicos têm causado um grande impacto na sociedade nos últimos anos, como nos esclarece José Sebastião de Oliveira e Denise Hammerschmidt:

                                

A genômica é uma das inúmeras tecnologias que apareceram nas últimas décadas do século XX. Os impactos dessas tecnologias nas áreas das ciências biomédicas e de saúde são enormes. Nos últimos anos, os avanços da engenharia genética e da biotecnologia têm permitido transladar o conhecimento sobre a vida humana da incerteza e penumbra das elucubrações para a seguridade dos dados científicos. Os espetaculares avanços no conhecimento do genoma humano resultam em uma clara esperança para a detecção, prevenção e tratamento de numerosas enfermidades até agora sem solução[14]

            Em um primeiro momento, ao se analisar os processos eugênicos desenvolvidos em laboratório, através da evolução dos conhecimentos na biotecnologia e engenharia genética, nomeados de ‘’neogenia’’, nada tem de preocupante se comparados aos atos eugênicos discriminatórios realizados no decorrer da história, porém um exame mais aprofundado leva a repensar esta questão e quais seriam as conseqüências do uso ilimitado das práticas em longo prazo na sociedade. Isto é objeto de estudo da sociologia, e é este aspecto sociológico que será analisado a partir de agora.

            Todo este avanço tecnológico tem um lado que precisa ser cuidadosamente analisado, pois este progresso pode gerar uma insegurança em relação ao futuro e até mesmo uma instabilidade social, a partir do momento que todos tenham acesso ao mapeamento genético de outro, analisando todas as suas características, podendo até mesmo gerar um velado preconceito genético na sociedade, e é assim que José Sebastião de Oliveira e Denise Hammerschmidt continuam seu artigo científico:

No entanto, ao mesmo tempo o progresso científico nessa matéria começa a colocar em alerta o homem do século XXI sobre sua vulnerabilidade, como espécie e como único dono de seu destino, pois o conhecimento por terceiros de sua singularidade genética pode resultar em perigosas interferências no âmbito de sua vida privada e social. O uso inadequado da informação genética pode gerar perigos e preconceitos diversos, tais como: o reducionismo e determinismo genético, eugenismo, estigmatização e discriminação por condições genéticas[15]

       

            As práticas da neogenia associadas a este determinismo genético podem ser perigosas, entendendo determinismo genético como o postulado de que nossas características relacionadas ao nosso comportamento a à nossa personalidade estão irrefutavelmente ligadas ao gene, desta forma, analisando-se o mapeamento genético de alguém se poderia concluir que ‘’tipo’’ de pessoa ela é e quais qualidades ela teria aptidão para desenvolver, se representa algum perigo em determinado aspecto e seu modo de ser. Como se pode ver, em uma sociedade pautada nestes moldes, o indivíduo que for formado por gametas previamente selecionados em laboratório teria maiores vantagens tanto na vida profissional quanto na vida social, se estabelecendo assim uma espécie de padrão, que colocaria em risco todos os fatores do âmbito social como o conhecemos atualmente.     
            Esta discriminação genética poderia criar catástrofes irreversíveis, como segregação daqueles que fossem considerados geneticamente inferiores. Neste sentido assevera José Sebastião de Oliveira e Denise Hammerschmidt:

       

Os avanços da investigação genética permitem antecipar em menor ou maior medida a probabilidade de que uma pessoa desenvolva determinada enfermidade. O uso que a sociedade pode fazer da referida informação abre muitas portas, as quais em sua maioria são positivas, como o é a possibilidade de identificação, prevenção e cura de enfermidades hereditárias, porém outras são de caráter negativo, com a possível discriminação pelo seu uso, a chamada discriminação genética.[16]

            Logo, conclui-se que assim como o aspecto religioso, o aspecto sociológico entende que de maneira nenhuma a eugenia positiva deve ser permitida, pois assim se formaria um modelo para a sociedade de raça superior, como o ocorrido na Alemanha Nazista em relação à raça ariana, com seu estereótipo de homem loiro, alto e de olhos azuis. E apesar de admitir as vantagens da eugenia negativa no combate às doenças congênitas, entende que em longo prazo, mesmo tal prática seria perigosa, pois a informação por parte de terceiros da condição genética dos outros indivíduos da sociedade acabaria também por resultar em uma discriminação genética que deve ser combatida. Entende-se então, que mesmo a prática da eugenia negativa só deve ser utilizada em casos extremos para a eliminação de algumas doenças em especial, e mesmo assim resguardando o direito de segredo da informação genética de todos os indivíduos.

            Apesar de ser analisado por outro viés, o resultado do aspecto sociológico acaba não sendo tão diferente do aspecto religioso, com ambos entendendo a instabilidade que as práticas neogênicas gerariam, alterando a ordem natural das coisas.

2.3 Aborto Eugênico

            Dentre as questões controvertidas relacionadas à prática da neogenia está a questão do ato conhecido como ‘’aborto eugênico’’. Esta prática insere-se no contexto da eugenia negativa, e já é aceita em alguns países, a exemplo da França, que permite sua realização em qualquer período da gestação, caso se detecte que a criança possa vir a nascer com alguma doença grave que esteja entre o rol das doenças entendidas como incuráveis pela medicina dado o atual estágio de avanço dela. Estando até mesmo normatizado no código de saúde pública francês, e de maneira astuciosa é por muitos chamado de aborto terapêutico, que só tem sua realização frente às características defeituosas do feto.

            José Sebastião de Oliveira e Denise Hammerschmidt expõem os motivos pelos quais a França, e também outros países passaram por este processo de despenalização do aborto eugênico:


Segundo consta, entre as motivações que trouxeram a despenalização do aborto eugênico se encontra a preocupação de não impor aos pais, quando não à sociedade, uma carga muito pesada. Ademais, outro fundamento desta despenalização é representado pela análise segundo a qual a vida da criança seria de tal modo defeituosa que não valeria a pena ser vivida; argumenta-se que ‘’nenhum ser humano tem direito a procriar crianças destinadas à desgraça’’. Nesse entendimento, o Tribunal Constitucional Espanhol considerou que a possibilidade do recurso ao aborto eugênico era justificada pela possibilidade de não se utilizar o mecanismo da repressão penal quando pesa sobre um cidadão uma carga insuportável. No mesmo sentido, o código penal alemão prevê que o aborto eugênico não será punido se o estado psíquico da mãe for suscetível de ser gravemente desestabilizado pelo nascimento de uma criança deficiente.[17]

            É evidente que nestes países se priorizou o bem-estar da mãe em relação à vida do feto, pois se fosse analisado de maneira diversa, jamais seriam aceitas tais argumentações, como preleciona Luis Regis Prado:


[...] Essa indicação permite o aborto quando existem riscos fundados de que o embrião ou o feto sejam portadores de graves anomalias genéticas de qualquer natureza ou de outros defeitos físicos ou psíquicos decorrentes da gravidez. Trata-se de causa de exclusão da culpabilidade, pela inexigibilidade de conduta diversa. Demais disso, argumenta-se que não se pode exigir que a mãe dedique sua própria vida a cuidar de alguém portador de graves anomalias. Confere-se, pois preponderância ao interesse materno de preservar a própria saúde ante a vida do nascituro, despojada das garantias mínimas de bem-estar [...].[18]

       

            No Brasil ainda não se tem dispositivo normativo que discorra acerta do aborto eugênico especificamente, sendo que a prática do aborto só não é punida pelo código penal quando seja a única maneira de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez é conseqüência de um estupro, sendo estes dois casos entendidos como justificáveis, como afirma Genival Veloso de França:

                                    
No primeiro caso, conhecido por aborto terapêutico, estaria justificado como forma desesperada de salvar-se a vida de uma mãe, cujo valor, nessas circunstâncias, seria mais relevante. Ainda assim, afirmamos que o ato só será licito se a gestante apresenta perigo vital, se esse perigo estiver sob dependência da gravidez, se a interrupção da gravidez fizer cessar aquele perigo e se esse for o único procedimento capaz de salvar-lhe a vida. No segundo caso, conhecido como aborto sentimental, moral ou piedoso, estará justificada a não punibilidade por não se admitir que uma mulher chegasse à maternidade pela violência e pela coação, trazendo no seu ventre um filho indesejado e marcado para sempre pelo ultraje recebido.[19]

            Não obstante, em alguns casos no país, o aborto eugênico já vem sendo aceito quando se trata de fetos anencefálicos, sendo justificados pelo fato de não terem por escopo o melhoramento da raça ou coisas do gênero, mas sim evitar o constrangimento emocional da mãe que gerará a um filho que nascerá cientificamente sem vida, desprovido de cérebro. Neste sentido há o entendimento do STF.

            É certo que ainda não há casos suficientes para que se possa falar em uma jurisprudência nacional, mas a tendência é que argumentos semelhantes comecem a ser utilizado por outros magistrados em todas as regiões do país, por ser pautada em argumentos científicos que ofereçam certa credibilidade quando se trata da detecção destes casos, com margem de erro considerada inexistente. Desta forma, talvez em pouco tempo se poderá falar em uma jurisprudência nacional acerca de tema tão controverso quanto o é o tema do aborto eugênico.

CAPÍTULO III - ASPECTOS MÉDICO-LEGAIS


3.1 Legislação Vigente No País


            Não há como se falar em uma legislação vigente no país acerca da eugenia, e mais especificamente da neogenia, pois os dispositivos normativos são quase que inexistentes, não havendo nada concreto que possa dar um direcionamento aos magistrados na hora de decidirem acerca de questões relacionadas às técnicas de manipulação e seleção pré-implantatória dos gametas.

            Também na CF não há nada específico ao tema, e muito se criticou o atual CC por não ter abordado os assuntos relacionados ao biodireito, mas os componentes do grupo que a confeccionaram se defendem dizendo que se trata de matéria demasiadamente controversa, carecendo de maiores avanços na doutrina nacional para que se possa tomar uma decisão que seja mais congruente com a realidade atual do país. Ademais, se diz que os avanços tecnológicos possibilitam constantes mudanças nesta área, fazendo com que os dispositivos normativos não a consigam acompanhar, estando sempre ultrapassados, logo, qualquer esforço neste sentido teria sido perdido em pouco tempo.

            Como dito, realmente não há como se falar em dispositivos normativos. O que há são resoluções do CFM, que não devem ser entendidas como leis, e sim como direcionamentos para os profissionais das áreas médicas, uma espécie de bússola, um dispositivo deontológico, ou seja, que traduz o ‘’dever ser’’, que norteie o trabalho de médicos, enfermeiros e clínicas em geral. Assim, há a resolução número 1957/2010 que trata da reprodução assistida. Em geral, a prática da RA é buscada por àqueles que possuem problemas biológicos e não podem ter filhos naturalmente.
            O caput desta resolução traz as seguintes considerações:


O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e

CONSIDERANDO a importância da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la;

CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico permite solucionar vários dos casos de reprodução humana;

CONSIDERANDO que as técnicas de reprodução assistida têm possibilitado a procriação em diversas circunstâncias, o que não era possível pelos procedimentos tradicionais;

CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso dessas técnicas com os princípios da ética médica;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na sessão plenária do Conselho Federal de Medicina realizada em 15 de dezembro de 2010.[20]


            Em seguida, traz seus artigos, mas como se pode ver, o caput já traz algumas importantes considerações, tratando da importância da harmonização dos usos da prática de reprodução assistida com os princípios da ética média, que também pode ser chamada de ‘’bioética’’ e será tratada neste capítulo.

            Já no segundo artigo, nas disposições gerais, é possível ver resquícios de referência específica as práticas da neogenia:

                    

1 - As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham se revelado ineficazes ou consideradas inapropriadas.

2 - As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente.

3 - O consentimento informado será obrigatório a todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida, inclusive aos doadores. Os aspectos médicos envolvendo as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será expresso em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, das pessoas submetidas às técnicas de reprodução assistida.

4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (sexagem) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.

5 - É proibida a fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade que não a procriação humana.

6 - O número máximo de oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro. Em relação ao número de embriões a serem transferidos, são feitas as seguintes determinações: a) mulheres com até 35 anos: até dois embriões); b) mulheres entre 36 e 39 anos: até três embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até quatro embriões.

7 - Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem à redução embrionária[21]


            O item 4 remete diretamente às técnicas de seleção pré-implantatória dos gametas, referindo mais especificamente à sexagem, que não deve ser feita, pois também geraria uma grande instabilidade social, pois é a técnica que possibilita a escolha do sexo que a criança deve nascer, tratando-se de seleção artificial que desregularia os processos naturais que fazem com que haja praticamente o mesmo número de homens e mulheres havendo assim um perfeito equilíbrio. Tal técnica deve ser evitada, pois, a exemplo de países como a China, em que filhos homens são mais valorizados que mulheres por questões culturais e financeiras, gerariam uma completa desordem, o que reduziria drasticamente a taxa de natalidade feminina, desencadeando um grande problema para o país. Certamente que no Brasil as conseqüências não seriam tão problemáticas quanto na China, porém é certo que se a prática fosse liberada, aumentaria a desproporção entre um sexo e outro, causando problemas em longo prazo.

            Ainda, o dispositivo só permite a prática nos casos em que seja feita para se evitar doenças ligadas ao sexo, ou seja, doenças que pelas características genéticas dos pais só se manifestem em um ou noutro sexo, possibilitando assim a escolha do sexo que não estará sujeito à doença, como é o caso do daltonismo, problema que afeta a visão, e da hemofilia, que compromete o sistema de coagulação sanguínea. São doenças que se manifestam com mais freqüência em homens do que em mulheres, por serem doenças recessivas, assim, se o homem receber os genes defeituosos ou do pai ou da mãe já será suficiente para que desenvolva a doença, diferentemente nas mulheres, que para desenvolverem tais doenças, por terem dois cromossomos X, terão que receber genes defeituosos tanto do pai quanto da mãe, do contrário, não as desenvolverá. No demais, ainda não há legislação específica, e os que buscam as práticas neogênicas ficam desnorteados. Logo, é importante que os representantes do povo busquem maior debate acerca da eugenia e neogenia, para que o ordenamento jurídico as incorpore, cessando tamanhas divergências doutrinárias, buscando uma ponderação e balanceamento entre as vantagens e desvantagens da liberação de algumas práticas laboratoriais, delimitando sua área de autuação.

3.2 Deficiência do Processo Legislativo


            Antes da resolução número 1957/2010 do Conselho Federal de Medicina, havia a resolução número 1358/1992 acerca da reprodução assistida, logo, foram 18 anos para que houvesse alguma mudança, e não foram estas tão drásticas como se esperaria diante de um período tão longo de espera para a nova resolução, sendo as principais mudanças as contidas neste trecho:


Mudanças nas regras de reprodução assistida foram aprovadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Entre os destaques está a permissão para a realização de procedimentos com material biológico criopreservado (conservado sob condições de baixíssimas temperaturas) após a morte e a possibilidade de mais pessoas se beneficiarem com as técnicas, independente do estado civil ou orientação sexual.[22]

            Como se vê, não foram mudanças demasiadamente substanciais ao se analisar a velocidade com que a engenharia genética evolui, trazendo inovações que alteram e geram novas possibilidades na realização dos procedimentos laboratoriais relacionados à reprodução assistida.

            No tocante às práticas neogênicas de seleção pré-implantatória dos gametas, nada se alterou, sendo ainda muito escasso seu tratamento jurídico, e há várias suposições acerca do motivo pelo qual há tamanha lentidão para esta evolução normativa.
            Uma destas suposições, é a afirmada pelos responsáveis da criação do atual código civil, que foi concretizado no ano de 2002. Seus representantes dizem que não havia como tratar matéria relativa ao biodireito no dispositivo normativo, pois se trata de matéria sobremodo controversa, em cujos princípios não há consenso entre os doutrinadores que mais se aprofundam nas nuances do tema, mesmo em se tratando da doutrina nacional. Além disto, as evoluções nesta área são constantes, fazendo com que ela sofra mudações mesmo em seus preceitos basilares, tornando inviável a criação de leis que ao serem criadas logo poderiam entrar em desuso. Por outro lado, não parece ser o ideal que tema de tal importância fique sem ser encoberto pelo manto protetor do nosso ordenamento jurídico, responsável por gerar estabilidade nas relações civis.

            Alguns associam a deficiência do processo legislativo ao que há muito era afirmado por correntes intelectuais, em especial a corrente historicista, cuja doutrina tinha por maior representante o gênio de Savigny, e defendia a evolução natural do Direito, assim como a evolução natural da língua, como se denota no seguinte trecho:


A Teoria do historicismo considera o Direito não sendo uma criação da Ciência nem da Filosofia, surgiu imperiosamente, revelada pela natureza humana. Ela tem como único fundamento do Direito a conexão dos fatos que o determinam. Consistindo apenas na sua relatividade, na correspondência necessária entre o Direito e seus fatores.[23]

            Em suma, seus preceitos atestam que o Direito não necessita de intervenção humana, pois sua evolução se dá naturalmente, de tal forma que as leis seriam um empecilho para esta evolução natural, tornando o Direito, que naturalmente flui, algo quase que estático. Logo, se opunham à codificação do Direito, defendendo sua harmonização evolutiva de acordo com os costumes, acompanhando as transformações dos demais atores sociais, a exemplo dos fatores econômicos, políticos, sociais, científicos e religiosos.

            Caso tais pensamentos tenham total observância no mundo concreto, se poderia associar a lentidão com que os dispositivos jurídicos tem se desenvolvido no tocante às práticas do biodireito, ao fato de que é justamente esta normatização que torna o Direito estático, privando sua evolução natural, que se daria juntamente com a evolução científica no campo, possibilitando maior mobilidade entre as decisões tomadas pelas autoridades designadas, que poderiam estar em constante debate, transmitindo seus pareces à sociedade mediante o desenrolar dos fatos e avanços científicos.
            Por outro lado, muitos atestam a necessidade da codificação do Direito para que haja uma verdadeira estabilidade jurídica, que propicie segurança aos cidadãos, sabendo que ninguém alterará os dispositivos normativos a seu bel-prazer, e que este processo será feito mediante amplo debate por aqueles designados para representar o povo no processo legislativo. Ainda, como afirmava Ihering em sua prova ‘’ A Luta pelo Direito’’, de que a evolução do Direito não se trata simplesmente de algo natural, todavia sim de uma luta, que reflete tanto no campo individual quanto no coletivo, para manutenção de seus direitos, fazendo com que os interesses da sociedade sejam realmente protegidos. Logo, não se trata de apenas esperar esta evolução, mas sim lutar por ela.

            O certo é que de uma maneira ou de outra, há esta deficiência no processo legislativo acerca destas práticas em questão, criando a necessidade de os governantes repensarem maneiras de dirimir tais mazelas.

3.3 Bioética

            “Ética” é uma palavra que vem do grego, e significa “aquilo que pertence ao caráter”. É uma área que tem como centro as questões ditas morais estudada pela filososfia, e que busca condutas e preceitos bem estruturados e embasados, de forma que haja um consistente apoio para que uma melhor convivência entre os indíviduos seja propiciada na sociedade.

            Frisar que, muitas vezes, ocorre a relativização dos princípios éticos é importante. Acontecendo que os efeitos produzidos por um preceito em determinada sociedade, não surtirá os mesmos em uma outra, com cultura, crenças e costumes diferentes. Estes preceitos são construídos paulatinamente com o passar do tempo e decorrer da história.

            No momento em que a ética afunila-se no caminho de produção de princípios que têm relação com a biologia, tendo por intenção o estudo de quesitos ligados à vida e à sua manutenção, diz-se que se está ante a bioética. Para uma melhor exposição desta ideia, além também daquilo que anteriormente foi dito a respeito da ética em si, existe esta citação explicativa:


Ética é um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade. A ética serve para que haja um equilíbrio e bom funcionamento social, possibilitando que ninguém saia prejudicado. Neste sentido, a ética, embora não possa ser confundida com as leis, está relacionada com o sentimento de justiça social. A ética é construída por uma sociedade com base nos valores históricos e culturais. Do ponto de vista da filosofia, a ética é uma ciência que estuda os valores e princípios morais de uma sociedade e seus grupos. Cada sociedade e cada grupo possuem seus próprios códigos de ética. Num país, por exemplo, sacrificar animais para pesquisa científica pode ser ético. Em outro país, esta atitude pode desrespeitar os princípios éticos estabelecidos. Aproveitando o exemplo, a ética na área de pesquisas biológicas é denominada bioética.[24]

            “Ética prática” dá um segundo nome à bioética. Ela tem por escopo o equilíbrio e a ponderação acerca de determinados temas que abrangem a biologia, mais especificamente no que toca a vida. Essas questões podem ser encontradas em assuntos como a fertilização in vitro, o aborto, a clonagem, a eutanásia, os transgênicos, pesquisas com células tronco, entre outros. Estudiosos fazem esta ponderação no intento de se alcançar um consenso acerca de pontos tão controvertidos e que a todo momento se chocam. Fala-se então do que seria ‘’eticamente’’ viável para se adotar como padrão de conduta dentro dos moldes da sociedade em questão. Isso diz respeito a um árduo trabalho e envolvimento, uma vez que, muitas vezes, há divergentes opiniões que vão em direção a caminhos totalmente opostos, e que, todavia, na maior parte das vezes, têm argumentos muito bem embasados e refletem fatos plausíveis. Desta forma, tais divergências devem ser dirimidas, ponderando-se o melhor para uma solução equilibrada e sensata, trazendo à tona condutas que serão melhores para a sociedade e que trarão resultados mais satisfatórios, atendendo majoritariamente às necessidades e anseios daquele meio.

            Um agente importante é a responsabilidade moral, que pode e deve se relacionar à bioética e ser estudado por ela. Diz respeito à responsabilidade inerente aos profissionais de determinadas áreas. Neste caso, dos médicos e enfermeiros.

            É de importância essencial que haja uma conscientização por parte destes profissionais a respeito da responsabilidade que têm para com seus pacientes, principalmente os alertando sobre os fatores relacionados e implicações de determinadas prática, especialmente as novas, que, mormente, são deseconhecidas de toda a população. Quando se liga isto à eugenia, tudo o que foi dito é de igual importância. Com o devido esclarecimento a respeito das divergências entre as categorias: “eugenia positiva” e “eugenia negativa”; e demonstradas não somente as aparentes benesses até mesmo da “eugenia negativa”, mas também suas mazelas, que somente são descobertas após uma análise mais apurada, então sim se pode dizer que houve uma adequada responsabilidade.

            Em decorrência da grande influência da conduta médica é que são lançadas as resoluções do Conselho Federal de Medicina, na intenção de que haja um  norte para o comportamento destes profissionais, a fim de que se evite a falta de interesse e perspicácia de alguns deles quando o assunto é biotecnologia, o que causaria transtornos.

            Fica evidente a responsabilidade dos médicos há muito, desde a Atinguidade, com o juramento de Hipócrates, tempo em que o médico era agente em um íntimo estrito familiar, assim como mostra Fábio Torres de Sousa:


Na Grécia antiga, no sagrado juramento de Hipócrates, a questão da responsabilidade do médico já aflorava debates na vida social. Todavia, decorreram-se anos até que o Direito conseguisse regular a atividade médica a ponto de lhe submeter responsabilidade efetiva. A uma porque até a implantação do Estado Constitucional, a defesa de direitos se sujeitava muito à força do poder dominante. A duas porque somente com chegada do moderno processo a prova passou a ser construção de defesa do direito com validade efetiva. Ao lado disso, urge reconhecer que, de antanho, o médico, profissional, escasso mesmo nos grandes centros, era visto como semideus, capaz de assegurar vida e morte aos pacientes, ainda mais que entre eles ligava, na maioria dos casos, uma relação intrínseca profissional que beirava a familiaridade.[25]

            Já se trata, hodiernamente, até mesmo de uma possível responsabilidade civil do médico, podendo ter que responder por danos. Entretanto, vale citar que, quando o assunto tem a tônica na vida, não existem recursos que sejam capazes de restaurar e restituir plenamente os danos ocasionados. Assim sendo, é de extrema importância que vanços na área da bioética sejam alcançados, para que os médicos não tenham problemas e tenham, então, maior respaldo em torno de sua conduta. E, dessa forma, isso se reflita em avanços da engenharia genética e, também, nas práticas da neogenia.


 

 CONCLUSÃO

            Pode-se concluir, diante do que foi exposto, a plena definição e esclarecimento acerca dos conceitos de eugenia e neogenia. As práticas de esterilização e infanticídio de seres considerados inferiores geneticamente são definidas pelo termo “eugenia”. Além disso, enquadra-se o incentivo da procriação entre indivíduos considerados modelos para o padrão positivo genético. Entrando já no âmbito da “neogenia”, pode-se dizer que esta é entendida pelas práticas de seleção gamética visando ao aperfeiçoamento genético. A “eugenia”é dividida entre duas distintas categorias: a “positiva” e a “negativa”. A primeira tendo por característica a seleção pré-implantatória gamética na intenção de que se obtenha características genéticas e biológicas específicas, a exemplo da cor dos olhos e do cabelo. Já a segunda, trata-se da seleção gamética pré-implantatória com o fim de eliminar as doenças congênitas.
            Bem anteriormente do termo eugenia ser concebido, as práticas que a definem já eram praticadas, em Esparta, por exemplo, com a análise posterior ao nascimento, do bebê. Encontrando-se possíveis deficiências, a eliminação do recém-nascido era feita, uma vez que não servia mais à sociedade por não atender às características bélicas necessárias. No decorrer dos anos, depois de Francis Galton, inglês e cientista, ter criado o termo, os Estados Unidos da América adotaram tais práticas doutrinadas pela eugenia, tendo como seus principais representantes os “tribunais biológicos”, que punham de lado o que os direitos fundamentais da dignidade humana dizia e cometiam atrocidades, imitadas com requinte, posteriormente, pelos alemães nazistas. Considerando todos esses absurdos acontecimentos que as práticas neogênicas são tão cuidadas e silenciadas. Espera-se assim que tais adormecidas ideias não retornem, agora sob a  máscara científica; porque se assim acontecer, novas monstruosidades podem voltar a ocorrer e trazer infinitos males e consequências à sociedade.            Diante desse quadro, é preciso que aqueles que com uma ampla visão percebem todos os malefícios e atrocidades que podem voltar ao centro por meio da aplicação eugênica e neogênica, defendam seus princípios e crenças, evitando ao máximo sua ocorrência, explicitando assim o quanto tais práticas vão contra a ideia inicial do ser humano e seus desígnios. Não só no campo espiritual, mas também no da sociologia, há a necessidade de que os perigos da prática sejam expostos, de forma que fique claro o quanto seu exacerbado uso pode trazer  a instabilidade social e a discriminação genética. Por fim, são indubitáveis as grandes vantagens possibilitadas pelos avanços biotecnológicos. Entretanto, é de extrema necessidade de que a possibilidade de seu uso seja equilibrada e ponderada, e,principalmente, controlada, a fim de que se averiguem os riscos em pauta e que, se ignorados, podem desestabilizar toda a raça humana. Portanto, debates e avaliações de prós e contras a respeito do assunto devem ser estimulados; a informação é sempre a melhor opção para minimizar erros. Finalmente, um ponto de segurança  e equilíbrio entre a ciência, a vida, o bem-estar social deve ser buscado, de forma que, apesar de tantas possibilidades e mudanças, sempre o bom senso predomine.
            A respeito da neogenia especificamente, depois de uma análise mais apurada quer pelo aspecto social, quer pelo espiritual, é responsável e razoável dizer que as referidas práticas devem, ao máximo, ser evitadas, seja sob qualquer categoria da atuação eugênica, já anteriormente definidas.

            Naquilo que diz respeito à legislação, toma-se por conclusão que o historicismo jurídico não estava completamente equivocado quando dizia que, muitas vezes, as leis fazem estático o direito, de forma que ele não acompanhe as inovações trazidas pelas mudanças temporais e locais, especialmente aquelas que são científicas. De certa modo, neste caso, as contrvérsias demasiadas inerentes ao tema é que trazem a deficiência no processo legislativo, tornando necessária a minuciosa análise de qualquer alteração possível.

            O único ponto não duvidoso de tudo que já foi tratado aqui é que, em tudo que se tiver por principal a vida, há a necessidade de extremo cuidado e atenção; ponderando as implicações de cada simples ato e buscando, incessantemente, o avanço no campo da bioética, de forma que o que é benéfico e justo para a sociedade seja sempre colocado em primeiro plano, como alvo maior. Além disso, a segurança jurídica também deve ser buscada a abranger as decisões no ordenamento jurídico e também a alertar os desastres de impensadas decisões.

           

BIBLIOGRAFIA
 

GUIMARÃES, M. A.; CARVALHO, W. L. P.; OLIVEIRA, M. S. Raciocínio moral na tomada de decisões em relação a questões sociocientíficas: o exemplo do melhoramento genético humano. Ciência e Educação, v. 16, n.2, 2010.

OLIVEIRA, J. S.; HAMMERSCHMIDT, D. Genoma humano: eugenia e discriminação genética. Revista Jurídica Cesumar, v. 8, n.1, 2008.

BANDEIRA, F. M. G. C.; GOMES, Y. M.; ABATH, F. G. C. Saúde pública e ética na era da medicina genômica: rastreamentos genéticos. Revista Bras. Saúde Maternidade Infantil, Recife, v.6, n.1, 2006.

FRAGA, I. O.; AGUIAR, M. N. Neoeugenia: o limite entre a manipulação gênica e terapêutica ou reprodutiva e as práticas biotecnológicas seletivas da espécie humana. Revista Bioética, v. 18, n. 1, 2010.

LEITE, E. O. Eugenia e bioética: os limites da ciência face à dignidade humana. Revista Jurídica, v. 321, 2004.

MAI, L. D.; ANGERAMI, E. L. S. Eugenia negativa e positiva: significado e contradições. Revista Latino-am Enfermagem, v.14, n.2, 2006.

CARDOSO, M. H. C. A.; CASTIEL, L. D. Saúde coletiva, nova genética e a eugenia de mercado. Caderno saúde pública, v. 19, n. 2, 2003.

SILVEIRA, E. A. cura da raça: eugenia e higienismo no discurso médico sul-rio-grandense nas primeiras décadas do século XX. Caderno saúde pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, 2007.

CUÉLLAR, A. C. Raza, Alteridad y exclusión en Alemania durante La década de 1920, Revista de Estudios Sociales, n. 26, 2007.

GONÇALVES, Antonio Baptista. A eugenia de Hitler e o racismo da ciência. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1053, 20 maio 2006. . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8358>. Acesso em: 26 set. 2012.

SCHRAMM, F. R. Eugenia, eugenética e o espectro do eugenismo: considerações atuais sobre biotecnologia e bioética, Revista Bioética, v.5, n.2, 2008.

GARCIA, K. B. B. Eugenia, eugenismo e eugenética. Jus Navigandi. Disponível em http://jus.com.br/forum/2215/eugenia-etica-e-direito/. Acesso em: 26 set. 2012.

GLOSSÁRIO

CC = Código Civil

CF= Constituição Federal

CFM= Conselho Federal de Medicina

RA= Reprodução Assistida

STF= Supremo Tribunal Federal

           


           


 

APÊNDICE

PROJETO DE LEI FEDERAL

Lei Federal n º xxx/2012

Regula a realização das práticas denominadas “neogênicas” em todo o país, objetivando uma maior segurança jurídica.

Artigo 1º - É obrigatória a apresentação de laudo médico comprovando a necessidade da utilização da prática, desde que para eliminação de doenças congênitas.

Artigo 2º - O conteúdo do laudo é de inteira responsabilidade do médico.

Artigo 3º - São expressamente proibidas as práticas relacionadas à “eugenia positiva”.

Artigo 4º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Disposições acerca das ações neogênicas reguladas a fim de que tais práticas não constituam atividade danosa à raça humana, de forma a não ocasionar novos problemas já constatados historicamente em atividades relacionadas; regulando, assim, de forma a usar das benesses da técnica mas sem possíveis prejuízos também advindos dela. 

ANEXO

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/2010

(Publicada no D.O.U. de 06 de janeiro de 2011, Seção I, p.79) 

A resolução CFM nº 1358/1992, após 18 anos de vigência, recebeu modificações relativas à reprodução assistida, o que gerou a presente resolução, que a substitui in totum.

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e

CONSIDERANDO a importância da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la;

CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico permite solucionar vários dos casos de reprodução humana;

CONSIDERANDO que as técnicas de reprodução assistida têm possibilitado a procriação em diversas circunstâncias, o que não era possível pelos procedimentos tradicionais;

CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso dessas técnicas com os princípios da ética médica;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na sessão plenária do Conselho Federal de Medicina realizada em 15 de dezembro de 2010,

RESOLVE

Art. 1º - Adotar as NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA, anexas à presente resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos.

Art. 2º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se a Resolução CFM nº 1.358/92, publicada no DOU, seção I, de 19 de novembro de 1992, página 16053.

Brasília-DF, 15 de dezembro de 2010

ROBERTO LUIZ D’AVILA                  HENRIQUE BATISTA E SILVA

Presidente                                           Secretário-geral

ANEXO ÚNICO DA RESOLUÇÃO CFM nº 1.957/10

NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS

TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

I - PRINCÍPIOS GERAIS

1 - As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham se revelado ineficazes ou consideradas inapropriadas.

2 - As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente.

3 - O consentimento informado será obrigatório a todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida, inclusive aos doadores. Os aspectos médicos envolvendo as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será expresso em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, das pessoas submetidas às técnicas de reprodução assistida.

4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (sexagem) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.

5 - É proibida a fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade que não a procriação humana.

6 - O número máximo de oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro. Em relação ao número de embriões a serem transferidos, são feitas as seguintes determinações: a) mulheres com até 35 anos: até dois embriões); b) mulheres entre 36 e 39 anos: até três embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até quatro embriões.

7 - Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem à redução embrionária.

II - PACIENTES DAS TÉCNICAS DE RA

1 - Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo, de acordo com a legislação vigente.

III - REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA

As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infectocontagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição, transferência e descarte de material biológico humano para a paciente de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos:

1 - um diretor técnico responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados, que será, obrigatoriamente, um médico registrado no Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição.

2 - um registro permanente (obtido por meio de informações observadas ou relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e malformações de fetos ou recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e embriões.

3 - um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material biológico humano que será transferido aos pacientes das técnicas de RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças.

IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES

1 - A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial.

2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.

3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.

4 - As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.

5 - Na região de localização da unidade, o registro dos nascimentos evitará que um(a) doador(a) venha a produzir mais do que uma gestação de criança de sexo diferente numa área de um milhão de habitantes.

6 - A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.

7 - Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas trabalham participar como doador nos programas de RA.

V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES

1 - As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozoides, óvulos e embriões.

2 - Do número total de embriões produzidos em laboratório, os excedentes, viáveis, serão criopreservados.

3 - No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados em caso de divórcio, doenças graves ou falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.

VI - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE EMBRIÕES

As técnicas de RA também podem ser utilizadas na preservação e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica

1 - Toda intervenção sobre embriões "in vitro", com fins diagnósticos, não poderá ter outra finalidade que não a de avaliar sua viabilidade ou detectar doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.

2 - Toda intervenção com fins terapêuticos sobre embriões "in vitro" não terá outra finalidade que não a de tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.

3 - O tempo máximo de desenvolvimento de embriões "in vitro" será de 14 dias.

VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)

As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética.

1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.

2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

VIII – REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM

Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.


[1] OLIVEIRA, J. S.; HAMMERSCHMIDT, D. Genoma humano: eugenia e discriminação genética.                       

  Revista Jurídica Cesumar, v. 8, n.1, 2008, p.176-190.

  1. GUIMARÃES, M. A.; CARVALHO, W. L. P.; OLIVEIRA, M. S. Raciocínio moral na tomada de      

  decisões em relação a questões sociocientíficas: o exemplo do melhoramento genético humano.  

  Ciência e Educação, v. 16, n.2, 2010, p.465-477.

[3] MAI, L. D.; ANGERAMI, E. L. S. Eugenia negativa e positiva: significado e contradições. Revista

  Latino-am Enfermagem, v.14, n.2, p.251-258. 2006

[4] OLIVEIRA, J. S.; HAMMERSCHMIDT, D. Genoma humano: eugenia e discriminação genética.

  Revista Jurídica Cesumar, v. 8, n.1, p.176-190, 2008.

[5] FRAGA, I. O.; AGUIAR, M. N. Neoeugenia: o limite entre a manipulação gênica e terapêutica ou                            

  reprodutiva e as práticas biotecnológicas seletivas da espécie humana. Revista Bioética, v. 18, n.     

  1, p.121-130. 2010

[6] Disponível em http://www.trdd.org/eugbr_1p.htm. Acesso em 2012 nov. 01

[7] Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/3626069/Historia-PreVestibular-Impacto-Esparta-ll. Acesso

  em 2012 nov. 03.

[8] GONÇALVES, Antonio Baptista. A eugenia de Hitler e o racismo da ciência. Jus Navigandi,

  Teresina, ano 11, n. 1053, 20 maio 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8358>.

  Acesso em: 6 Set. 2012.

[9] DIWAN, P. Eugenia, a biologia como farsa. Disponível em:

  http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/eugenia_a_biologia_como_farsa_imprimir.html.

  Acesso em: 2012 Ago. 07.

[10] Eclesiastes: In: A Bíblia Sagrada: Edição Almeida Revista e Corrigida. Brasília: Sociedade Bíblica

   do Brasil, 1997.

[11] Êxodo: In: A Bíblia Sagrada: Edição Almeida Revista e Corrigida. Brasília: Sociedade Bíblica do

    Brasil, 1997.

[12] João: In: A Bíblia Sagrada: Edição Almeida Revista e Corrigida. Brasília: Sociedade Bíblica do

    Brasil, 1997.

  1. GUIMARÃES, M. A.; CARVALHO, W. L. P.; OLIVEIRA, M. S. Raciocínio moral na tomada de

   decisões em relação a questões sociocientíficas: o exemplo do melhoramento genético humano.

   Ciência e Educação, v. 16, n.2, p.465-477, 2010.

[14] OLIVEIRA, J. S.; HAMMERSCHMIDT, D. Genoma humano: eugenia e discriminação genética.      Revista Jurídica Cesumar, v. 8, n.1, p.176-190, 2008.

[15] Idem14

[16] Idem14

[17] OLIVEIRA, J. S.; HAMMERSCHMIDT, D. Genoma humano: eugenia e discriminação genética.

   Revista Jurídica Cesumar, v. 8, n.1, p.176-190, 2008.

[18] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

   v.2. p.117-118

[19] FRANÇA, Genival Veloso. Direito Médico, 7ª edição, São Paulo: Fundo Editorial Byk, 2001.

[20] Resolução CFM nº 1957/2010.

[21] Resolução CFM nº 1957/2010.

[22] http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=21235:conselho-federal-

   estabelece-novas-normas-para-reproducao-assistida&catid=3?n=142. Acesso em 2012, Nov. 01.

[23] http://jus.com.br/revista/texto/6/direito-natural-e-direito-positivo/2. Acesso em 2012, nov. 01.

[24] Disponível em: http://www.suapesquisa.com/o_que_e/etica_conceito.htm. Acesso em 2012. Set. 12.

[25] http://jus.com.br/revista/texto/4523/responsabilidade-civil-do-medico. Acesso em 2012 Out. 13.



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