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Nível superior para técnicos judiciários e do MPU.

Uma luta legítima e coerente com a melhoria da prestação jurisdicional

Nível superior para técnicos judiciários e do MPU. Uma luta legítima e coerente com a melhoria da prestação jurisdicional

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O artigo realiza uma análise sobre a alteração do requisito de ingresso de nível médio para nível superior para os cargos de técnico judiciário e técnico do Ministério Público da União.

Atualmente, um dos temas mais debatidos no âmbito dos servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União diz respeito ao nível de escolaridade do cargo de Técnico Judiciário e de Técnico do Ministério Público da União. Com efeito, a Lei nº 11.416/2006 (que dispõe sobre as carreiras dos servidores do Poder Judiciário da União), em seu art. 8º, II, e a Lei nº 11.415/2006 (que dispõe sobre as carreiras dos servidores do Ministério Público da União), em seus arts. 2º, II, e 7º, II, estabeleceram como requisito de ingresso para o cargo de Técnico curso de nível médio.

Entretanto, em decorrência da elevação do acesso da população ao Judiciário e do correspondente aumento de atuação do Ministério Público, tornou-se necessária a presença nesses órgãos de servidores capazes de realizar atividades complexas e de apresentar soluções criativas a fim de conseguirem atender a contento ao excesso de demanda. Assim, os ocupantes do cargo de Técnico (a grande maioria dos servidores do PJU e do MPU), até mesmo buscando uma justa valorização pelas novas exigências a eles apresentadas, iniciaram uma campanha em busca da alteração do requisito de escolaridade imposto para ingressar na carreira.

Paulatinamente, foram sendo realizadas assembléias nos 30 sindicatos filiados à Fenajufe, tendo sido o pleito aprovado em todos. Igualmente, a questão já havia sido aprovada no Plenário do Coletivo Nacional da Fenajufe de Técnicos do Judiciário e do MPU (Contec) e foi submetida na Plenária de João Pessoa/PB da Fenajufe, sendo definitivamente aprovada no dia 26/10/2015. Entretanto, a despeito da aprovação maciça de toda a categoria, o nível superior para Técnicos ainda não saiu do papel, razão pela qual ainda se mostra necessário o aprofundamento do tema para evitar obstáculos na sua aprovação.

Nessa toada, a primeira questão digna de exame alude à tendência de elevação do nível de escolaridade de diversos cargos de nível médio para superior na Administração Pública, principalmente na Federal, em todos os Poderes. Esse fenômeno decorre do processo de qualificação dos servidores. Com efeito, de acordo com estudo da Escola Nacional da Administração Pública relativo ao Perfil dos Servidores do Poder Executivo (2015), a quantidade de servidores com nível superior aumenta a cada ano, ao passo que o quantitativo de servidores somente com nível médio ou técnico está sendo reduzido.

No ano de 1997, havia no Poder Executivo 302.503 cargos ocupados de nível médio e 182.303 de nível superior. Em 2014, passou a haver 244.360 cargos ocupados de nível médio e 296.552 de nível superior. Ademais, de 2002 a 2014, o percentual de servidores com pós-graduação aumentou de 3,2% para 5,8%; com mestrado passou de 4,1% a 8,0% e com doutorado, de 4,5% a 12,2%. Vale ressaltar que a informação sobre a escolaridade é colhida no momento de ingresso no serviço público. Assim, atualmente o quantitativo de servidores graduados deve ser bem mais elevado (“http://www.enap.gov.br/documents/586029/629733/Servidores+P%C3%BAblicos+Federais+Perfil+-+2015.pdf/f95f0151-0ef5-4c22-bc9f-9e91aa454ebf”).

Desse modo, percebe-se a existência de uma maior preparação por parte dos servidores públicos para conseguir desempenhar suas atribuições com grau de excelência. No Poder Judiciário, essa capacitação dos servidores ainda é mais evidente. Deveras, no Censo levantado pelo Conselho Nacional de Justiça, 81,1% do total de servidores efetivos que responderam à pesquisa, declararam possuir nível superior ou pós-graduação (“http://www.cnj.jus.br/images/dpj/CensoJudiciario.final.pdf”).

De maneira mais específica, faço referência a uma experiência pessoal no cargo de Policial Rodoviário Federal, que ocupei com muito orgulho entre os anos de 2002 e 2009. Quando ingressei na PRF, o nível médio era suficiente para a assunção do cargo, conforme o art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.654/98, em sua redação originária.

Entrementes, diante da relevância do cargo e da complexidade das atribuições, a partir de um pleito da categoria, o requisito de ingresso foi alterado para nível superior com o advento da MP 431/2006, posteriormente convertida na Lei 11.784/2008. A campanha das nossas entidades se fundamentou na necessidade de maior maturidade, preparação psicológica e emocional, bem como da definição de um perfil específico para portar arma de fogo e cuidar da vida das pessoas.

Ainda assim, essa demanda não se mostrou suficiente e os policiais rodoviários federais permaneceram lutando para que o cargo passasse a ter natureza de nível superior. Alegaram, com razão, que se tratava de carreira típica de Estado, sendo inadequado o enquadramento como cargo de nível médio. Desse modo, houve a inclusão do art. 2º-A na Lei nº 9.654/98 (pela Lei 12.775/2012), com a alteração da natureza do cargo de nível médio para nível superior, a partir de janeiro de 2013. Há distinção entre o requisito de ingresso e a natureza do cargo, sendo esta segunda possibilidade naturalmente mais relevante para a valorização da carreira.

Outrossim, os cargos da carreira policial federal alteraram o requisito de ingresso de nível médio para técnico com a edição da Lei nº 9.266/96, nos termos do art. 2º. Posteriormente, a lei foi alterada para que o cargo passasse a ser de nível superior, conforme o art. 2º inserido pela MP 650/2014, convertida na Lei nº 13.034/2014. No art. 10 da Lei nº 9.266/96 ainda se encontra a previsão de que a carreira policial federal é considerada típica de Estado.

No âmbito do Poder Legislativo, a tendência também se confirma. Há algum tempo o Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis) tem se empenhado na alteração do requisito de ingresso para o cargo de Técnico Legislativo. Inclusive, foi apresentado o Projeto de Resolução do Senado nº 96/2009, com a alteração no art. 618 para nível superior do cargo de Técnico Legislativo, Área de Apoio Técnico de Processo Legislativo, Especialidade Processo Legislativo. A matéria foi arquivada no ano passado, mas deve ser retomada em breve. Muito provavelmente, em pouco tempo, haverá a aprovação desse pleito justo no Poder Legislativo, e os Técnicos Judiciários e do Ministério Público da União ficariam desvalorizados em relação a cargos análogos de outros Poderes caso não haja também a alteração do seu requisito de ingresso.

Dentro dessa temática, uma questão que não pode passar despercebida se refere à necessidade de reconhecimento das atividades dos servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público como carreira típica de Estado. A Constituição Federal de 1988 fez referência em seu art. 247 a servidores que desempenham atividades exclusivas de Estado, contudo até hoje esse dispositivo não foi regulamentado.

Com isso, foi apresentado o PL 3.351/2012 que define quais são as atividades típicas de Estado. Essa definição é relevante para o fim de valorizar as carreiras que trabalham com funções exclusivas do Poder Público. No art. 2º, III e IV, do referido projeto de lei, foram enquadradas como atividades exclusivas de Estado aquelas relacionadas com a atividade-fim do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Portanto, há diversos Técnicos Judiciários e do Ministério Público desempenhando atividade exclusiva de Estado sem receber, em contrapartida, qualquer valorização. O citado PL foi arquivado em setembro de 2015, porém os servidores do Judiciário e do Ministério Público indubitavelmente continuam desempenhando atividades típicas de Estado e fazem jus às prerrogativas atribuídas às demais carreiras tradicionalmente incluídas nesse enquadramento, inclusive no que diz respeito ao nível superior para ingresso.

O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado engloba nessa definição as atividades de fiscalização agropecuária, tributária e de relações de trabalho, arrecadação, finanças, controle, gestão pública, segurança pública, diplomacia, advocacia pública, defensoria pública, regulação, política monetária, inteligência de Estado, planejamento e orçamento federal, magistratura e ministério público (“http://www.fonacate.org.br/v2/?go=page&id=1”). Não há dúvidas, no entanto, de que esse conceito deve ser ampliado para abranger as atividades exercidas pelos servidores do PJU e do MPU.

Nesse sentido, impende sublinhar que os técnicos desempenham atividades incontestavelmente complexas. Não é à toa que o Conselho Nacional de Justiça no Pedido de Providências nº 50/2005 reconheceu no exercício do cargo de Técnico Judiciário atividade jurídica para os efeitos da contagem de três anos para o concurso da magistratura. Evidente, portanto, a compreensão pelo próprio Poder Judiciário de que os ocupantes desse cargo desempenham tarefas complexas.

Ressalte-se ainda a compatibilidade da aprovação do nível superior com o ordenamento jurídico. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.303 (DJe 28/08/2014), o Supremo Tribunal Federal consagrou o entendimento de que não configura provimento derivado de cargo público a alteração do requisito de ingresso, mantidas as atribuições e a denominação do cargo. Assim, o pleito do nível superior não encontra nenhum óbice na ordem jurídica pátria.

A esse respeito, faz-se mister salientar ainda que a aprovação do nível superior para Técnicos não representa prejuízo para qualquer das carreiras dos servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público. Isso porque as atribuições são diversas conforme a dicção do art. 4º, I e II, da Lei nº 11.416/2006: os analistas devem exercer atividades de planejamento, organização, coordenação, assessoramento, pesquisa, elaboração de laudos e pareceres de elevado grau de complexidade; a seu turno, os Técnicos desempenham tarefas de suporte técnico e administrativo. Ambos são e continuarão sendo extremamente importantes e necessários para a prestação jurisdicional. Ademais, há diversas demandas possíveis para os Analistas para a sua valorização específica que não sofrerão qualquer interferência em decorrência do nível superior dos Técnicos, como a isonomia com cargos similares dos outros Poderes, por exemplo.

Impende ressaltar ainda a autonomia de cada uma das carreiras de decidir o que é melhor para si. Com efeito, deliberando os Oficiais de Justiça e os Agentes de Segurança lutar pela aposentadoria especial, este pleito deve ser apoiado e respeitado pelas demais carreiras. O mesmo ocorre com o nível superior para Técnicos, que deve receber a solidariedade das demais carreiras. A união entre as carreiras se mostra imprescindível para vencer as dificuldades opostas pelo Governo e pelas administrações dos Tribunais, de forma a se obter a aprovação das demandas.

Outro argumento amiúde utilizado contra o nível superior para Técnico consiste em uma possível “elitização” do serviço público. Todavia, há outros valores específicos mais relevantes que devem prevalecer, como o direito da sociedade a um serviço público de excelência. O princípio da eficiência da Administração Pública aponta no sentido da contratação de servidores com grau de escolaridade mais elevado.

Ademais, nos últimos anos o acesso ao nível superior foi substancialmente ampliado. De acordo com os dados do Observatório do Plano Nacional de Educação, no ano de 2001, 7,3% (6.432.283) dos brasileiros com 25 anos ou mais havia concluído o nível superior. Em 2013, esse mesmo percentual já havia se elevado para 12,6% (15.550.138) desse mesmo segmento (“http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/12-ensino-superior/indicadores”).

Nessa mesma linha de raciocínio, há alguns anos o nível médio não era tão acessível para a população. As matrículas no nível médio saltaram de 3.772.698, em 1991 (“http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/2009/gt_interministerialresumo2.pdf”), para 8.300.189, em 2014 (“http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=17044-dados-censo-2015-11-02-materia&Itemid=30192”). Dessarte, a alteração do requisito de ingresso apenas está adaptando o serviço público para a realidade do mundo do trabalho atual, que exige maior grau de qualificação do trabalhador, ao mesmo tempo em que leva em consideração a expansão da educação.

Constatando-se, dessarte, a juridicidade do pleito e a coerência com as necessidades atuais da Administração Pública, imprescindível dar sequência na luta para a concretização do nível superior para Técnico. Na XIX Plenária Nacional da Fenajufe (em João Pessoa/PB), realizada entre 23 e 25 de outubro de 2015, houve a aprovação do nível superior para Técnicos e a definição de que a Diretoria Executiva da Fenajufe deveria encaminhar ao STF Anteprojeto de lei específica e sem tabela, dentro do prazo de dez dias úteis, alterando o requisito de ingresso no cargo (“http://www.fenajufe.org.br/images/Resolu%C3%A7%C3%B5es%20da%20XIX%20Plenaria%20Nacional%20da%20Fenajufe%202015.pdf”).

Desse modo, no dia 26 de outubro de 2015 a Fenajufe protocolou no STF o anteprojeto de lei específico tratando do nível superior para Técnico. Entretanto, até o presente momento não houve encaminhamento para o expediente, ou seja, nada foi apresentado no Congresso Nacional, mesmo o projeto não possuindo qualquer impacto financeiro.

Portanto, diante de todas as razões expostas acima, faz-se mister a intensificação de ações para que haja a apresentação imediata de projeto de lei específico pelo STF para finalmente se alcançar a valorização dos Técnicos Judiciários, com o reconhecimento do nível superior. Nesse sentido, todas as entidades do PJU e do MPU devem concentrar esforços nessa finalidade, cobrando dos Tribunais o apoio para o pleito, bem como mobilizando a categoria com manifestações. O nível superior para os Técnicos se trata de uma medida da mais alta relevância para o aperfeiçoamento dos serviços prestados pelo Poder Judiciário. A sociedade será a maior beneficiária da alteração.


Autor

  • Gerardo Alves Lima Filho

    Presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça do DF e Oficial de Justiça do TJDFT. Bacharel em Direito pela UFBA, Especialista em Direito pela ESMA/DF e Mestre em Direito pelo UniCEUB. Foi diretor e gestor de diversas entidades representativas de servidores públicos, exerceu o cargo de Policial Rodoviário Federal e foi professor de diversas faculdades de Direito de Direito Empresarial, Civil, Processual Civil e Prática Civil. Publicou inúmeros artigos em sites e revistas jurídicas especializadas. Possui experiência em Direito Administrativo, Previdenciário, Constitucional, Empresarial, Tributário, Civil, Processo Civil, Trabalho, Processo do Trabalho, Penal e Processual Penal.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA FILHO, Gerardo Alves. Nível superior para técnicos judiciários e do MPU. Uma luta legítima e coerente com a melhoria da prestação jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5047, 26 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48467. Acesso em: 18 abr. 2024.