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As organizações não governamentais brasileiras no contexto das ações coletivas

As organizações não governamentais brasileiras no contexto das ações coletivas

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As ONGs passaram por uma transformação em sua natureza e seus objetivos, desde sua origem, quando tiveram um autêntico papel na política, até os dias atuais, em que se apresentam como entidades do terceiro setor.

RESUMO: Este artigo trata das origens das Organizações Não Governamentais (ONGs), focando especialmente a transformação pela qual passaram sua natureza e seus objetivos, desde sua origem, quando tiveram um autêntico papel na política, até os dias atuais, em que se apresentam como entidades do “Terceiro Setor”. O artigo também contempla uma abordagem sobre o marco legal das ONGs.

Palavras-chave: Estado. Política. Atores. Organizações não-governamentais. Terceiro Setor.


1. INTRODUÇÃO

Com o advento da crise do capitalismo deflagrada no início dos anos 1970, as Organizações não-governamentais (designadas, abreviadamente, de ONGs) (re)surgem no cenário político, apresentando-se como uma alternativas  de exercício de cidadania e como atores políticos necessários para se alcançar o desenvolvimento sustentável, baseado em justiça social e equilíbrio ambiental. No entanto, nos últimos anos, tornou-se parte do cotidiano dos brasileiros ler ou ouvir, nas diversas mídias, reportagens investigativas sobre escândalos relacionados com o uso das ONGs como instrumento para desencaminhar recursos públicos que deveriam ser empregados na execução de políticas públicas nos mais diferentes setores, mas que são desviados para os bolsos de políticos, de empresários e dos próprios gestores de muitas dessas citadas organizações.

Obviamente, a primeira ideia que nos vem à mente diante dos fatos citados é a de que as ONGs são nocivas ao interesse público e sua atuação como ator político ou como agente de políticas públicas deve ser banida. Ocorre, todavia, que é também com grande frequência que a imprensa nos dá conhecimento de bons serviços prestados por inúmeras ONGs, não só no Brasil, mas, principalmente, no âmbito internacional e internamente em diversos países. Também nos revela a história recente da América Latina que, em todo este continente, a partir da segunda metade da década de 1960, as ONGs muito apoiaram os movimentos sociais contra as formas tradicionais de poder (ditaduras, oligarquias, coronelismo etc.). No caso do Brasil, as ONGs inclusive teriam sido, na prática, “(...) a existência possível dos movimentos sociais em tempos de ditadura militar, equacionando uma fachada de escola comunitária com uma clandestinidade sempre proporcional à radicalidade de suas ações” (CABRAL, 2011).

Esses dados, às vezes tão contraditórios entre si, ensejam muitos questionamentos em torno das ONGs e de seu verdadeiro papel e utilidade social, tais como: O que são mesmo as ONGs? Que tem as ONGs a ver com o chamado Terceiro Setor e com a sociedade civil?  As ONGs parceiras do Estado se submetem  a  este ou tem autonomia?      

Assim, o móvel deste artigo é reunir elementos que auxiliam na formulação de respostas para esses e outros questionamentos do mesmo gênero. Para tanto, este texto, além de sua conclusão (item 4) está organizado mediante os seguintes tópicos: 1. Gênese e Conceito das Organizacões Não-governamentais; 2. As ONGs Como Novos Atores Sociais; e 2. O Marco Legal da Parceria do Estado Brasileiro com as ONGs. 


1. GÊNESE E CONCEITO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS           

O primeiro uso da expressão “ONGs - Organizações não-governamentais” (ou  Non governamental organizations [NGO], no idioma original) deu-se no âmbito da Organização das Nações Unidas – ONU, mais especificamente na Ata de Constituição dessa organização internacional, em 1946[1], em cujo artigo 71 ficou consignada a permissão para que seu Conselho Econômico e Social - ECOSOC celebrasse acordos adequados de consultoria com aquelas organizações. No citado texto, as ONGs foram definidas como “entidades civis sem fins lucrativos, de direito privado, que realizam trabalhos em benefício de uma coletividade” (HERCULANO, 2000, p. 4). À luz desse conceito, seriam não-governamentais todas as instituições privadas (portanto, não criadas pelo Poder Público) e constituídas sem o objetivo de lucro, tais como partidos políticos, universidades constituídas sob a forma de fundações privadas ou de sociedades civis, igrejas, associações profissionais, sindicatos etc.

Importa assinalar que, antes mesmo do advento da citada definição, já existiam várias organizações com as características das atuais ONGs, como, por exemplo, as organizações ambientalistas americanas Sierra Club, World Wildlife Federation – WWF e a National Audubon Society, fundadas, respectivamente, em 1892, 1951 e 1905 e que hoje fazem parte do rol das grandes ONGs.

No conceito de ONGs, hoje, incluem-se: a) as ECF (entidades internacionais de co-financiamento), que, baseadas no Primeiro Mundo, captam recursos e os carream para a execução de programas de ação no Terceiro Mundo. Estas ONGs costumam ser apelidadas, conforme o caso, como Trangos (seriam ONGs transnacionais), Quongos (quase ONGs) ou Bingos (“big” ONGs)[2]; b) institutos e fundações do Terceiro Mundo, que recebem recursos da rede de solidariedade das ONGs do Primeiro Mundo, e que buscam o desenvolvimento social, a animação e organização de atores políticos coletivos (compreendem as ONGs chamadas de APDs ou SMPs, que significam, respectivamente, associações privadas de desenvolvimento  e associações a serviço do movimento popular); e c) associações civis de cidadãos independentes, em torno de questões de interesse público (HERCULANO, 2000, p. 2).

Nos países do denominado Terceiro Mundo, as ONGs remontam  principalmente aos anos 1950, quando se mantinham basicamente com recursos recebidos das ONGs de países do Primeiro Mundo (“Trangos”, “Quongos” e “Bingos”). Caracterizam-se essas ONGs por serem entidades privadas[3] dotadas de personalidade jurídica e reconhecimento legal, por não terem fins lucrativos e por terem atividades orientadas em favor do desenvolvimento participativo e em benefício de pessoas e grupos distintos dos seus próprios membros. Essas entidades “(...) buscariam melhorar as condições de vida dos setores populares, a satisfação de suas necessidades básicas ou, mais além, a transformação total das estruturas econômicas e sociais existentes” (HERCULANO, 2000, p. 7).

No Brasil, as ONGs com as características retrodescritas proliferaram na década de 1970. Na descrição de Herbert de Souza, elas estavam ligadas à luta política da sociedade civil contra o regime autoritário que se implantou para servir ao grande capital em 1964. As ONGs do período entre 1960 e 1980 nasceram contra o Estado e de costas ou à margem do mercado, caracterizando-se, aliás,  por uma existência quase clandestina. Estavam ligadas aos movimentos sociais de base, às igrejas, aos movimentos sindicais e populares, executando tarefas fundamentalmente nas áreas de educação, saúde, habitação e consultoria aos denominados “movimentos populares”. A sustentação dessas ONGs era baseada na solidariedade internacional (a chamada cooperação internacional ao desenvolvimento), via ONGs do Norte (SOUZA, 1991).

As características das ONGs até aqui descritas passaram por uma marcante mudança a partir dos anos 1970, com o advento da crise estrutural do capitalismo e devido à reação a essa crise, que se baseia nas idéias neoliberais e tem como vigas mestras a reestruturação produtiva e a diminuição do tamanho do Estado, o que compreende o desmantelamento dos sistemas de proteção social, entre outras reformas. Na retórica reformista, os Estados-nações passam por uma crise de legitimidade na mediação política (crise do Estado de bem-estar social) e uma das alternativas no enfrentamento dessa crise passa pela transferência dos serviços sociais do Estado para o chamado “Terceiro Setor”, composto pelas ONGs (DUPAS, 2000, p. 192).

Especialmente no Brasil, esse processo de privatização dos serviços sociais agregou a estratégia de cooptação e neutralização dos movimentos sociais, mediante um discurso em princípio do Governo, mas que foi incorporado por parte dos próprios militantes das ONGs, de equiparação dessas organizações à sociedade civil (GOMES e COUTINHO, 2011). Para ambos, as ONGs seriam o “terceiro setor” que, por sua vez, seria a própria sociedade civil. Por essa noção, as ONGs seriam organizações formais sem fins lucrativos e não-governamentais com interesse público (SCHERER-WARREN, 2006)[4]. 

Do quanto foi até aqui exposto, constata-se as ONGs não apresentam exatamente as mesmas características em todo o mundo e que elas também têm sofrido modificações nos seus papéis ao longo do tempo. Talvez por isso mesmo, Landim (2002) argumenta que a categoria ONG não é um termo jurídico, sendo, na verdade, fruto de um processo de identificação comum; enquanto Atack (1999) sustenta que a pouca precisão na definição do termo “ONG” teria sua causa na grande heterogeneidade e variedade das ONGs de desenvolvimento, diversidade essa que depende de uma vasta gama de fatores, tais como a base geográfica (norte ou sul), tamanho, tipo de atividade (operacional, educacional, campanhas etc.), e  motivação ideológica.

Assim, não se podendo pretender alcançar um conceito válido universalmente para as ONGs, convém apenas reproduzir alguns dos conceitos formulados por diversos analistas do assunto.

Assim, segundo Landim (2002, p.238), ONGs são:

“Organizações com razoável grau de independência em sua gestão e funcionamento, criadas voluntariamente, sem pretender caráter representativo e sem ter como móvel o lucro material, dedicadas a atividades ligadas a questões sociais, pretendendo a institucionalização, a qualificação do trabalho e a profissionalização de seus agentes, tendo a fórmula ‘projeto’ como mediação para suas atividades, onde as relações internacionais – incluindo redes políticas e sociais e recursos financeiros – estão particularmente presentes. Organizações nas quais, finalmente, o ideário dos direitos e da cidadania é a marca de peso, permeando e politizando atividades variadas (muitas vezes formalmente as mesmas que caracterizam o campo dito assistencial)”.

Já Domingos Bernardo de Sá (apud CAMPOS, 1999, p. 4) define ONG, simplesmente, como “pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, prestadora de serviço público”.

Há também os conceitos daqueles que advogam a inclusão das ONGs entre os atores das transformações sociais, sendo digno de transcrição o adotado pelo Fórum das ONGs e Movimentos sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, em 1992, segundo o qual ONGs seriam “espaços públicos por fora da esfera do Estado, responsáveis pela instituição de novos valores, normas e padrões de comportamento que questionam profundamente o atual modelo de desenvolvimento” e que por isso “são hoje, talvez, os atores potencialmente mais capazes de romper com a lógica individualista e predatória” (HERCULANO, 2000, p. 3).

Vale citar também, para finalizar este tópico, a noção plantada pelo Governo, de caráter funcional às reformas neoliberais no Brasil, a partir da década de 1990, da lavra de Bresser Pereira, para quem ONG seria “(...) a forma por meio da qual a sociedade se estrutura politicamente para influenciar a ação do Estado” (BRESSER PEREIRA, 1997, p. 69-70).


2. AS ONGs COMO NOVOS ATORES SOCIAIS

Tendo em conta a origem e a transformação pela qual tem passado as ONGs no Brasil, há autores que as enxergam como “novos atores sociais” ou “novos atores políticos” (ABREU, Rafael V. et. all, 2009), sendo esse discurso frequente também entre os militantes dessas organizações. Importa, então, conhecermos os argumentos utilizados como fundamento desse discurso e a crítica que a respeito dele tem feito vários autores.

Inicialmente, vale registrar que, em matéria de políticas públicas, atores políticos (ou atores sociais) são todas aquelas pessoas ou instituições cujos interesses podem ser afetados, positiva ou negativamente, pelo rumo tomado por uma determinada política pública; e que são capazes de influenciar, de alguma maneira, no processo que vai desde a colocação de uma questão na agenda de políticas públicas até a sua implementação e avaliação. Desse modo, incluem-se entre os atores políticos tanto integrantes do Governo (Presidente da República, altos burocratas, políticos com mandato etc.) quanto atores não governamentais, que podem consistir de grupos de pressão, instituições de pesquisa, acadêmicos, organismos internacionais, a mídia, as ONGs, além de outros (RUA, 2009. p. 39-45). 

Por sua vez, “novos políticos” (ou “novos atores sociais”) são aqueles que já existiam no subsistema político, mas não eram suficientemente organizados; e que, quando passam a se organizar para pressionar o sistema político, aparecem como novos atores políticos (RUA, 2009, p. 69).

Como vimos na primeira parte deste texto, as ONGs surgiram no Brasil na clandestinidade e apoiando os movimentos sociais contra os governos autoritários. Com o fim do regime autoritário e a redemocratização do país, todavia, essas organizações vivenciaram algo como uma crise existencial, um impasse (CABRAL, 2011; HERCULANO, 2000).  Com efeito, “podendo mostrar sua cara e atuar abertamente, que objetivos traçar, por qual ideário se orientar? Iriam desaparecer? Iriam se tornar para-governamentais? Poderiam ser centros – assessoria – aos movimentos ou seriam atores diretos?” (HERCULANO, 2000).

A opção tomada foi a de reivindicar o reconhecimento como um novo ator político. Para tanto, incorporaram um discurso de autonomia face ao Estado, às Igrejas, aos movimentos populares, partidos e à Universidade.

Especificamente quanto aos movimentos sociais, as ONGs agregaram ao discurso da autonomia o fato de não tomarem parte nas decisões dos mesmos. Argumentavam as ONGs que, ao longo de sua história, ao apoiarem os movimentos sociais, comprometeram-se com as suas causas, desenvolveram trabalhos com eles, mas não puderam dirigi-los politicamente, nem participar de suas decisões, diferentemente das respectivas entidades representativas, tais como sindicatos e associações de moradores.

Assim, ressaltando princípios de conceituação elástica como “democracia” ou “cidadania”, as ONGs incluíram no seu discurso também a tese de que são entidades desprovidas de origem partidária ou mesmo ideológica e de que se sustentam com receita própria, advinda da contribuição financeira às pesquisas e projetos que desenvolvem. Dessa forma, ainda em consonância com o argumento citado, o compromisso que as ONGs tinham era somente para com a sociedade civil organizada, como agentes de capacitação política, sem se comprometerem com a organização das estratégias dos movimentos. Portanto, se num primeiro momento as ONGs teriam surgido a partir dos movimentos sociais, a articulação  que fizeram – motivadas pela continuidade de suas ações – teria tido o mérito, segundo os defensores de sua autonomia, de lhes conferir um status de atores sociais dotados de um perfil específico que difere da ação dos  movimentos sociais. “Enquanto para esses a essência de sua existência é a da militância, para as ONGs o cerne de suas realizações é o trabalho” (CABRAL, 2011).

Outro passo dado pelas ONGs na busca de legitimidade como um ator social foi a criação da ABONG (Associação Brasileira de ONGs), a qual teria o papel de dar às ONGs a ela associadas um respaldo de uma instituição forte, semelhante ao que a Igreja Católica propicia às suas Comissões Pastorais. Ao discursar durante a fundação da ABONG, em 10/09/1991, no Rio de Janeiro, o Sociólogo Betinho pronunciou as seguintes palavras, que reproduzem bem o sentimento dominante entre os militantes das ONGs naquela ocasião histórica: “As ONGs estão emergindo no espaço público como atores e elas vão falar. O IBASE[5] quer deixar de ser o tapete por onde passam os movimentos e ser ele próprio um ator político” (HERCULANO, 2000).

No discurso das ONGs na sua busca por reconhecimento e legitimidade como um ator social, não menos importante, ainda, é a tática de retomarem o conceito liberal, que opõe a sociedade civil ao Estado. Arvorando-se de “sociedade civil”, as ONGs apresentam-se como se fossem distintas e contrapostas ao Estado (e aos governos), situando-se numa posição entre este e o mercado.

Todos os argumentos das ONGs até aqui descritos sucumbem diante dos próprios fatos, a começar pela tese de que as ONGs são dotadas de autonomia, tanto política (e ideológica) quanto financeira. Com efeito, historicamente, o que foram e o que fizeram as ONGs sempre variou muito mais em função do modo como poderiam angariar recursos do que em função do ideal de transformação social: primeiramente (anos 1970 e 1980), a busca por recursos das ONGs internacionais e das agências de financiamento da ONU; num segundo momento (dos anos 1990 aos dias atuais), recursos do Estado, especialmente devido à diminuição da ajuda internacional concomitante com a explosão do número de ONGs concorrendo ao recebimento da mesma.

Por conseguinte, o que as ONGs são ou deixam de ser, em termos de objetivos, resume-se a uma questão de captação de recursos. Dificilmente sua atuação não estará condicionada por quem as financia. Essa também é a percepção de Montaño, ao sentenciar que:

“Como as ONGs, em regra, não geram receitas suficientes para se manter em operação, elas tem extrema necessidade de captar recursos fora de suas atividades fundantes. Isto conduz as ONGs a uma falta de auto-sustentabilidade tal que a captação de recursos (ou fundraising) se torna não apenas uma atividade essencial das mesmas, mas pode passar a orientar a filosofia e a condicionar sua atuação (MONTAÑO, 2008, p. 207).

Esse dado é corroborado quando se analisa o fluxo das ONGs ao longo de sua história no Brasil. Com efeito, da mesma forma que o surgimento do PNUD (Programa da ONU para o Desenvolvimento) foi o detonador da criação de elevado número de ONGs de desenvolvimento a partir de 1961, o surgimento mais recente da operacionalização do PNUMA (Programa da ONU para o Meio-Ambiente) e seu Fundo de Meio-Ambiente (GEF) provocaram o surgimento de um enorme número de ONGs “ambientalistas” (HERCULANO, 2000, p.13).

Enfim, a relação de dependência das ONGs em face do Estado que a financia se torna hierarquizada. Ademais, relacionada com e financiada pelo Estado, a ONG tem sua ação política totalmente comprometida, restando perdido o contato com as bases e, portanto, tornando ausente a legitimidade de que necessitariam para poderem almejar uma posição de mediadora na relação da sociedade civil com o Estado e o mercado.

Por sua vez, a oposição da sociedade civil ao Estado não é nada mais do que a tese liberal, relançada com alguma maquilagem, mas com o mesmo objetivo de outrora: ignorar a luta de classes. Assim, enquanto o liberalismo tradicional adotava uma divisão bipolar (Estado vs sociedade civil), os neoliberais propõem uma divisão tripolar, segundo a qual coexistem três setores (mundos ou esferas) estanques na vida social: sociedade civil (voluntária e virtuosa), mercado (competitivo) e Estado (burocracia). Com essa compreensão, objetiva-se o abandono da compreensão da totalidade da vida social e, portanto, a dinâmica das relações sociais sob o capitalismo, que crescentemente unificava sob seu comando o conjunto da existência (FONTES, 2009).

Conforme assinalaram Marx e Engels, o pensamento liberal, mais do que compreender o Estado burguês, tomava parte na luta burguesa contra as formas de Estado precedentes e as antigas classes dominantes. Sustentando que as características predominantes na sociedade burguesa faziam parte da “natureza humana, os liberais desconsideravam o processo histórico que levou à instauração dos Estados. Assim, os referidos autores não vislumbraram nenhuma separação entre Estado e sociedade, ao contrário, demonstraram que o Estado resulta da relação entre classes sociais e que, portanto, ele encontra sua razão de ser nessa relação. Os filósofos a serviço da burguesia em ascensão legitimaram e reforçaram a aparência de separação, pois era exatamente dessa forma que a ideologia operava (MARX e ENGELS, 2007).

Na versão neoliberal, a sociedade civil é identificada com o “Terceiro Setor”, por isso, a defesa das ONGs, como bem descortinado por Montaño (2007), visa (e alcança) três objetivos:

 1.Contribuir para a eliminação das conquistas populares no interior do Estado (redução das políticas públicas universais), reclamando recursos públicos para tais entidades privadas;

2. Fazer a apologia das “qualidades” de eficiência eficiência e eficácia do mercado quando devotado ao “bem público”; e,

3. Admitir a propriedade privada como inseparável do Estado.

Por fim, segundo a visão de Gomes e Coutinho (2011, p. 4), o que se passa é uma apropriação oportunista do termo “sociedade civil”, pois este, até então tinha  sido empregado em toda a América Latina para contrapor ao Estado, principalmente no período dos golpes militares, tendo a idéia-força de “(…) um agente para limitar os governos autoritários, fortalecer os movimentos sociais, reduzir os efeitos  do mercado e melhorar a qualidade da governância” (GOMES e COUTINHO, 2011, p. 4). Com isto, as ONGs “(...)se transformam em uma ferramenta ideológica a serviço de uma agenda neoliberal. Abandonaram o discurso e as práticas dos anos 1970 e se colocam na qualidade de 'parceiras' do Estado e do mercado (e do grande capital, é bom frisar)” (ibidem).


3. O MARCO LEGAL DA PARCERIA DO ESTADO BRASILEIRO COM AS ONGS

É fato que uma enorme parcela dos recursos públicos que o Estado Brasileiro gasta nas áreas da assistência social, da saúde e da educação, bem ou mal, é hoje aplicada (quando não desviada), via convênios e parcerias com Organizações não-governamentais. Esse dado justifica a dedicação de um tópico deste trabalho ao levantamento do aparato normativo que possibilita a parceria do Estado com o Terceiro Setor no Brasil.

No início da década de 1990, o Brasil aderiu ao Consenso de Washington e a política econômica passou a ser baseada firmemente nos ditames da OMC, do FMI e do Banco Mundial, bem como do capital financeiro volátil e das empresas multinacionais, os quais determinam limites muito rígidos para a política social em todos os níveis. Com isso, a legislação infraconstitucional foi bastante modificada com vistas a transferir para a iniciativa privada a exploração de uma grande fatia dos serviços públicos, tanto na área da assistência social, via “Terceiro Setor”, como nas áreas da previdência, da saúde e da educação, especialmente de nível superior.

Comecemos pela área da educação. Nesse setor, as providências voltadas para a privatização até agora foram mais nítidas no ensino superior, tendo sido efetuadas tanto pela via legislativa como por meio de medidas ostensivas de restrição do crescimento do setor público federal e de incentivo à expansão do setor privado (SGUISSARDI, V.; SILVA JR., 2005). Também contribuíram para a abertura desse setor à iniciativa privada, notadamente nos oito anos do Governo de Fernando Henrique Cardoso, posturas ou medidas como a negação da autonomia das universidades, o congelamento salarial, a redução de vagas docentes e de funcionários e o drástico corte do financiamento das instituições federais de ensino superior.

No plano legislativo, direta ou indiretamente serviram para diminuir a atuação do Estado no ensino superior e ampliar a participação privada as seguintes normas: a) lei no 10.861, de 14/4/2004, que cria o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), regulamentada pela portaria do Ministério da Educação (MEC) no 2.051, de 9/7/2004; b) lei no 10.973, de 2/12/2004, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências; c) lei no 11.079, de 30/ 12/2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público/privado (PPP) no âmbito da administração pública; d) lei no 11.096, de 13/ 1/2005 (Medida Provisória – MP no 213, de 10/9/ 2004), que institui o Programa Universidade para Todos (PROUNI), regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior, altera a lei no 10.891, de 9/7/2004, e dá outras providências.

Com relação à Previdência Social, os avanços incorporados no período anterior à Constituição de 1988 por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Seguridade Social, de 1987, e que haviam sido mantidos pela nova Carta e ratificados na legislação que a regulamentou (Lei nº 8.212 [custeio] e nº 8213 [benefícios], ambas de julho de 1991), passaram a sofrer sucessivas mudanças regressivas a partir de 1992. A alteração começou já pelo primeiro decreto destinado à regulamentação das referidas leis, pois, enquanto a previsão legal estabelecia que  o orçamento da Seguridade Social seria formado por receitas da União, de contribuições sociais e de outras fontes, o Decreto nº 356 modificou essa norma, para estabelecer que a União só seria responsável pela cobertura de eventuais insuficiencias financeiras da Seguridade Social. Depois, sucessivas reformas constitucionais e alterações legislativas infraconstitucionais promoveram aumento de alíquotas de contribuição para servidores, tributação de servidores passivos, ampliação de tempo de serviço (e contribuição) dos servidores públicos e mesmo a privatização de alguns seguros, o que implicou na entrega de uma enorme fatia do setor previdenciário à exploração pelas  instituições financeiras.

Enquanto as medidas tendentes à mercantilização da previdência têm sido tomadas via alterações na própria Constituição, destinadas à diminuição dos benefícios e ao aumento das alíquotas das contribuições e do tempo de serviço exigido para aposentadoria, nas áreas da assistência e da saúde isso foi possível mediante simples leis adotadas com base nas aberturas que já havia na Constituição. Vejamos um pouco a respeito disso.

As diretrizes principais da Seguridade Social estão na Constituição da República, nos arts. 194 (Seguridade Social como um todo), Saúde (arts. 196 a 200), Previdência Social (arts. 201 e 202) e Assistência Social (arts. 203 e 204). O citado artigo 194 define a Seguridade Social como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da Sociedade, destinadas a assegurar os direitos à Saúde, à Previdência e à Assistência Social e à Assistência Social”. (Negritamos).

A Saúde,encontra-se definida no art. 196 da Constituição como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A abertura para a terceirização dos serviços públicos de saúde consta no art. 197, o qual diz que são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Por seu turno, o art. 198 inclui entre as diretrizes para a organização das ações e serviços públicos de saúde a participação da comunidade.

Mais uma abertura aparece no art. 199, segundo o qual a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. No seu § 1º, esse dispositivo diz que as instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos; no § 2º, veda a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos; e no § 3º veda a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, abrindo exceção para os “casos previstos em lei”. A regulamentação da saúde no plano infralegal deu-se mediante a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (LOS), que dispôs sobre o Sistema Único de Saúde.

No que concerne à Assistência Social, o artigo 203 da Constituição da República Federativa do Brasil dispõe que ela será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, estabelecendo, nos respectivos incisos (I a V) os seus  objetivos.

E, por último, o art. 204, ao estabelecer que as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social e de outras fontes, coloca entre as diretrizes com base nas quais aquela será organizada: I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

No plano infraconstitucional, a Assistência Social é regida pela Lei nº 8.742 (Lei Orgânica da Assistência Social ou LOAS), de 7 de dezembro de 1993, com as modificações promovidas pela Lei nº 9.720, de 30 de novembro de 1998. No seu art. 1º, a LOAS expressa que “a assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.”  (Destacamos).

Em seguida sobreveio a legislação que, direta ou indiretamente, regulamenta a constituição e atividade das entidades que compõem o denominado “Terceiro Setor”, a saber:       1) Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre o Serviço voluntário e o define como atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública, não gerando vínculo empregatício nem obrigação trabalhista e previdenciária;

2) Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, que qualifica como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde;

3) Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que qualifica pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), e institui e disciplina o termo de parceria. Esta lei foi regulamentada pelo Decreto nº 3.100, de 30 de junho de 1999, que, por seu turno, o foi pela Portaria MJ nº 361, de 27 de julho de 1999.

Importa, desta vez, citar as normas que disciplinam/autorizam a transferência de recursos públicos para o “Terceiro Setor”. São elas:

1) O art. 150, VI, da Constituição da República, porquanto estabelece a isenção de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviço às instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos. As isenções fiscais estão regulamentadas, ainda hoje, no Decreto nº 91.030, de 5 de março de 1985 (Regulamento Aduaneiro), o qual, na parte em que regula as isenções fiscais, beneficia entidades sem fins lucrativos que promovam atividades com fins culturais, científicos e assistenciais;

2) Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, que concede às entidades sem fins lucrativos educacionais e as que atendam ao Sistema Único de Saúde, mas não pratiquem de forma exclusiva e gratuita atendimento a pessoas carentes, a isenção da contribuição patronal devida à Previdência Social, prevista nos arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 1991.

Comporta neste tópico, mais, mencionar as modalidades e respectivos mecanismos pelos quais o Estado presta o apoio financeiro ao Terceiro Setor, o que fazemos com apoio em Montaño (2008, p. 204-205):

1) Auxílios e contribuições: o auxílio é concedido via lei de orçamento anual e a contribuição mediante lei especial;

2) Subvenções sociais: concedidas para a cobertura de despesas de custeio de entidades públicas ou privadas, sem fins lucrativos, para a prestação de serviços de assistência sócial, médica ou educacional;

3) Convênios, acordos ou ajustes: são empregados para a execução de serviços de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação;

4) Contratos de gestão: formulados com apoio na Lei nº 9.637, por meio deles o Estado destina recursos a uma entidade privada sem fins lucrativos, sem licitação, para que a mesma realize atividades públicas;

5) Termos de parceria: têm suporte na Lei nº 9.790. Por meio deles o Estado transfere recursos públicos para a entidade “parceira” em situação na qual a entidade deve substituir (não complementar) a responsabilidade do Estado com a resposta às demandas sociais;

6) Isenção de impostos (renúncia fiscal): o Estado abre mão de tributar entidades declaradas como instituições filantrópicas ou de interesse público, de conformidade com leis que assim autorizem, como é o caso da Lei nº 9.732, já citada.

Vejamos, ainda, as exigências e o respectivo aparato normativo atinentes aos benefícios que o Estado disponibiliza para as ONGs.

Primeiramente, para a obtenção de vantagens fiscais e financeiras (doações dedutíveis do Imposto de Renda, benefícios fiscais por meio da Lei Rouanet, parcerias e convênios com o Poder Público, isenção da quota patronal para o INSS e isenção pra o FGTS), deve a entidade ser reconhecida como de Utilidade Pública pelo governo, no âmbito federal, estadual ou municipal, ou ainda nos três níveis da administração pública. As exigências para esse reconhecimento constam da Lei nº 91/1935 e a forma para se postular o documento que consubstancia esse reconhecimento no âmbito federal (o denominado Título de Utilidade Pública Federal) consta do Decreto nº 50.517/1961, que regulamenta aquela norma.

Por sua vez, as instituições de filantropia, para efeito de parcerias ou obtenção de benefícios devem ter registro no Conselho Nacional de Assistência Social, assim como um certificado denominado Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos. Os requisitos para o   registro no CNAS e para a obtenção do Certificado estão contidos, respectivamente na Resolução nº 31/1999 e na Resolução nº 32/1999 do CNAS.

Caso se trate entidade de fundação particular, ainda deve ter (e comprovar) inscrição no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (art. 16 do Código Civil) e que seu estatuto foi aprovado pelo Ministério Público.

Por último, ainda convém um registro sobre a modalidade de pessoa jurídica com que as ONGs podem se constituir para poderem se habilitar ao recebimento de verbas governamentais, a qual deverá ser sempre a de pessoa jurídica de Direito Civil, tendo seu registro em cartório de registro civil de pessoas jurídicas e não na Junta Comercial como ocorre com as empresas que visam o lucro. Poderá a entidade constituir-se sob uma das três formas possíveis à luz do art. 44 do Código Civil: associação, sociedade (civil) ou fundação privada.


4. CONCLUSÃO

Ao longo da história, principalmente a partir do advento do capitalismo, sempre existiram organizações de iniciativa do próprio povo voltadas para finalidades altruísticas, tendo como móvel apenas o espírito de solidariedade e mantidas apenas com recursos obtidos junto à própria população. Hoje, no entanto, o termo ONG está mais relacionado às organizações sem fins lucrativos pertencentes ao denominado Terceiro Setor, cujo escopo é a realização de serviços públicos mediante financiamento do Estado, de ONGs estrangeiras ou de agências de financiamento da ONU (e raramente com recursos angariados perante a população), principalmente nas áreas de educação, saúde e assistência social.

A associação do termo ONG à modalidade de organização mantida por financiamento estatal ou proveniente da ONU e de ONGs internacionais, por um lado, deve-se à circunstância de que foi aquele organismo internacional quem, ao utilizar pela primeira vez a expressão “Organiazações Não-Governamentais” e ao defini-las como “entidades sem fins lucrativos, de direito privado, que realizam trabalhos em benefício de uma coletividade”, instituiu a possibilidade do financiamento oficial aos projetos dessas entidades. Mas foi o advento do Neoliberalismo quem efetivamente incutiu a vinculação do termo ONG à noção de entidade do Terceiro Setor, ao (praticamente) impor ao Terceiro Mundo o receituário que, entre outras reformas, prega a diminuição do tamanho do Estado e sua abstenção de atividades tidas como não essenciais e que, em tese, poderiam ser realizadas melhor pela própria sociedade civil (a qual passou a ser considerada como equivalente ao Terceiro Setor) do que pelo Estado ou pelas empresas.

As ONGs proliferaram na América Latina a partir dos anos 1960, mirando nos financiamentos internacionais. Por estas bandas, ante a presença de governos ditatoriais, tais instituições assumiram uma postura de atuação contra o Estado ditatorial, que nesse caso  consagrava as piores formas de repressão aos civis. Assim, no caso do Brasil, as primeiras ONGs se dedicaram primeiro a apoiar a resistência popular contra a ditadura militar (anos 1970) e, superada essa, num segundo momento se voltaram para apoiar os movimentos pela conquista dos direitos sociais no período de redemocratização do país (anos 1980). Em todo esse período, a fonte de financiamento das ONGs brasileiras foram as cooperações oriundas das ONGs do Primeiro Mundo e das agências de financiamento da ONG, a título de ajuda ao desenvolvimento.

Após a promulgação da Constituição de 1988, tendo sido esta impregnada de aberturas à “participação popular”, as ONGs foram alçadas à condição de parceiras do Estado e passaram a ser incumbidas da realização de políticas públicas. Nesse ensejo, todo um marco legal foi construído, como visto, para viabilizar a entrega de diversos serviços públicos, especialmente nas áreas de assistência social, saúde e educação superior, à exploração privada, especialmente às entidades do Terceiro Setor.

A crise econômica e mesmo o fato de haverem se agravado os problemas sociais na própria Europa, com a queda do comunismo no Leste Europeu e a reunificação da Alemanha, além do agravamento dos problemas sociais na África, tornou prioritários os financiamentos às ONGs dessas regiões, reduzindo-se significativamente o envio de recursos às ONGs da América Latina, o que ainda se agravou mais nesta região do mundo, porque houve no mesmo período um enorme aumento na quantidade de ONGs criadas na perspectiva de acesso ao  financiamento externo.

Com a adesão do Brasil ao Consenso de Washington, uma parcela considerável dos serviços públicos passou a ser delegado ao Terceiro Setor. Invocando sua história de luta nos anos 1970 e 1980, respectivamente, quando apoiaram os movimentos sociais contra a ditadura e na luta pela redemocratização do país, as ONGs hoje reivindicam seu reconhecimento social como “novos atores sociais”. Nessa pretensão, contudo, as ONGs não tem conseguido a almejada ressonância, pois sua dependência financeira em relação ao Estado as tornam reféns dos Governos e destituídas, portanto, de autonomia e legitimidade.


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Notas

[1]    Com o decorrer do tempo, o termo “ONG” foi assimilado inclusive em normas internas de diferentes países. Na Alemanha, por exemplo, o emprego do termo “ONG” começou de dentro do governo, na década de 1960, quando o Ministério da Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ) começou a repassar subsídio da chamada “ajuda para o desenvolvimento” para organizações não estatais (ONGs), em geral ligadas às igrejas católica e evangelista (CAMPOS, 1999).

[2]    As ONGs apelidadas de “Trangos” são as (do Norte) de cooperação para o desenvolvimento, surgidas a partir da criação do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas) e que lidam com um fluxo de ajuda Norte-Sul da ordem de bilhões de dólares. Por seu turno, as alcunhadas de “Quongs” assim o são por terem como finalidade movimentar as cotas mais relevantes da ajuda pública para o desenvolvimento, proveniente dos impostos, sendo criadas por instituições como as igrejas, os partidos políticos e as centrais sindicais. Por último, as apelidadas de “Bingos” são as ONGs que têm ligação direta com bancos, governos e “mass media”, as quais têm uma visão assistencialista e uma ação de sustentáculo dos grandes partidos políticos europeus (HERCULANO, 2000, p. 4).

[3]    Frise-se, todavia, que, conforme advertência de Campos (1999, p. 1), grande parte das ONGs africanas foram criadas pelo próprio governo, mas, no âmbito dos movimentos sociais, são consideradas ONGs.

[4]    Registra-se antecipadamente o equívoco deste conceito, pois, conquanto inclua esse setor, a sociedade civil também se refere às participação cidadã num sentido mais amplo; ela é a representação de vários níveis de como os interesses e os valores da cidadania se organiza em cada sociedade, para encaminhamento de suas ações em prol de políticas sociais e públicas, protestos sociais, manifestações simbólicas e pressões políticas, na definição de Scherer-Warren (2006).

[5]    O IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas é a ONG fundada por Herbert de Souza, o “Betinho”, a qual é associada da ABONG desde a fundação desta, em 1991.


Autor

  • Marco Aurélio Lustosa Caminha

    Marco Aurélio Lustosa Caminha

    Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. As organizações não governamentais brasileiras no contexto das ações coletivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4789, 11 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51300. Acesso em: 19 abr. 2024.