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O recolhimento do réu em ação penal à prisão após a condenação em segunda instância: Certo ou errado?

O recolhimento do réu em ação penal à prisão após a condenação em segunda instância: Certo ou errado?

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Avaliação crítica do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que permite que o condenado já em segunda instância possa ser conduzido ao centro prisional.

Propõe-se, neste artigo, discorrer sobre a recentíssima decisão do Supremo Tribunal Federal que dividiu juristas e a própria população acerca de como deve se proceder em relação à prisão de condenados nos Tribunais de Justiça brasileiros e a grande cadeia de recursos permitida pelo nosso Código de Processo Penal. A Suprema Corte, ao admitir, em acirrada votação, o recolhimento do réu em processo criminal antes do esgotamento de todos os recursos admitidos em Direito, criou uma grande polêmica, e pretende-se, neste breve ensaio, pesar todos os lados para se ter uma medida do quão acertada foi a decisão de nossos ministros. O texto retrata uma opinião pessoal do autor, e, por este motivo, é disposto diretamente em primeira pessoa.

Do ponto de vista puramente teórico, sou totalmente contra a recente decisão do STF que permite que o condenado já em segunda instância possa ser conduzido ao centro prisional. Afinal de contas, a letra da Constituição da República é bastante clara: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o que significa dizer que ninguém poderia ser recolhido a estabelecimento prisional fora das hipóteses de prisões cautelares até o esgotamento completo de todos os recursos. É o Princípio da Presunção de Inocência, em voga no Brasil desde os tempos mais primórdios do país, que, friso, num ponto de vista puramente teórico, veda totalmente a interpretação dada pela nossa Suprema Corte em 05 de outubro de 2016.

Entretanto, não podemos analisar o Direito de forma isolada da realidade social em que ele mesmo vige, sob o risco de cairmos em uma terrível disparidade entre o estado do ser e o estado do dever ser.  O Direito nunca teve e nunca poderá ter um fim em si mesmo; seus fins são a harmonia social e a segurança jurídica, e não a sua própria harmonia. Claro que buscar o equilíbrio social força o próprio Direito a ser coerente consigo mesmo, mas essa coerência deve ser a conseqüência do seu objetivo principal, que é servir a sociedade, e não a causa de existência das ciências jurídicas.

Sob esses dois prismas, o teórico e o real, podemos nos debruçar melhor sobre o que significou a nova decisão do STF que vinculou juízes e tribunais do país inteiro. Conforme já visto, no campo de atuação acadêmico, em seu purismo, não há o que se falar em acerto feito pelo Supremo. A literalidade do ensinamento constitucional é diametralmente oposta ao que foi decidido em relação às prisões em segunda instância, e não há uma questão de interpretação nisso que não pareça claramente torta. No entanto, temos o segundo ponto: qual o objetivo do Direito? O que ele busca?

Se pudermos reafirmar que o Direito, em teoria, busca a harmonia social, vemos que artigo 5º, inciso LVII da Constituição está bem colocado dentro do ordenamento jurídico, desconsiderando-se totalmente a realidade social. Qual seria o sentido de se prender alguém se ainda há alguma forma do réu se defender numa ação penal? Nenhum, certamente. Entretanto, a realidade brasileira nos mostra um Poder Judiciário extremamente moroso no que tange aos recursos que sobem para os tribunais superiores brasileiros, o STJ e o STF. Em geral, são anos para que esses tribunais meramente aceitem ou rejeitem recursos a eles direcionados. Ainda, devemos nos atentar ao fato de que a esmagadora maioria dos recursos que sobem aos tribunais superiores contém apenas matéria de direito, ou seja, argumentação jurídica alegando violação a alguma lei federal (recurso especial ao STJ) ou à Constituição Federal (recurso extraordinário ao STF), não possuindo matéria fática neles.

A legislação penal brasileira, inclusive a penal constitucional, funcionaria de forma bastante eficiente se o Estado brasileiro fosse igualmente eficiente. Se o Direito pretenderesponder perante a sociedade brasileira quanto aos atos ilícitos praticados pelas pessoas, ele deve fazê-lo tanto em proporção justa quanto em tempo hábil. Considerando a existência da prescrição dentro do ordenamento penal brasileiro, e, em alguns crimes, essa prescrição corre em pouquíssimo tempo, a questão da resposta rápida a delitos se torna ainda mais gritante, visto que é, além de uma questão de segurança pública, também uma questão de segurança jurídica.

Se levarmos em conta a morosidade supracitada dos tribunais superiores, que é notória, notamos que a norma constitucional claramente não se adequa à realidade brasileira. Os pontos principais, portanto, são:

  1. O Princípio da Presunção de Inocência;
  2. O Direito como uma ciência que busca a harmonia social e a segurança jurídica;
  3. A interpretação adequada das normas jurídicas;
  4. A especial morosidade dos tribunais superiores brasileiros;
  5. O nível de eficiência do Estado brasileiro em relação à aplicação do ordenamento jurídico;
  6. O confronto entre o Direito e a realidade social brasileira.

Podemos, finalmente, considerar o Estado como o Direito, e, no caso específico do Direito Penal, ver o crime como o não-Direito. Se o Direito, considerando os seis pontos acima elencados, termina por permitir que o não-Direito se perpetue. Não é difícil pensar em prescrição em qualquer delito, especialmente os com pena máxima em abstrato relativamente baixa (citemos, principalmente, crimes tributários).

Como se pode permitir, portanto, que o Estado crie condições ideais para que o crime saia impune?

Em outras palavras, como se pode permitir que o Direito faça nascer e crescer o não-Direito? Será possível a existência de um ordenamento autofágico? Acredito piamente que não.

A conclusão, portanto, é que a decisão do pleno da Suprema Corte foi totalmente acertada; pesando-se um princípio do ordenamento jurídico em um lado da balança, e, no outro, a própria credibilidade e segurança do ordenamento como um todo perante a sociedade, não há dúvidas de que o STF julgou a questão privilegiando o valor mais importante.


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