Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/53917
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Na contramão da sustentabilidade, IBAMA licencia mais uma usina termelétrica no país, na mesma região que embarga usina em funcionamento

Emissões de CO2 aumentarão em 30%

Na contramão da sustentabilidade, IBAMA licencia mais uma usina termelétrica no país, na mesma região que embarga usina em funcionamento. Emissões de CO2 aumentarão em 30%

Publicado em . Elaborado em .

O Ibama e a ANA concederam licenças para a implantação da Usina de Ouro Negro, numa região onde a poluição do ar e a falta d'água são problemas críticos. E como esse país é ilógico, embargaram a Usina Presidente Médici, em atividade na mesma região.

Com a emissão da Licença Prévia 530/2016 no último dia 4 de Agosto, o IBAMA- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis, aprovou o projeto de instalação da Usina Termoelétrica Ouro Negro, a ser construído em Pedras Altas, região de Candiota, no Rio Grande do Sul. Com isso tornou a empresa empreendedora apta a disputar o Leilão A-5.

Essa seria uma boa notícia,  se a usina não fosse movida a carvão mineral, o mais sujo dos combustíveis que existem e tivesse uma capacidade instalada de 600 megawatts, que aumentará em 30% as emissões de CO2 no país. Sozinha ela lançará na atmosfera 5,46 milhões de toneladas de CO2 por ano. E vai frontalmente contra a ratificação do Acordo do Clima, promovida pelo presidente Michel Temer, em 29 de Agosto de 2016.

Ouro Negro recebeu também, no dia 12 de Agosto, a outorga preventiva da ANA-Agência Nacional de Águas, através da qual foi dada permissão de captar água do Rio Candiota. Você pode estar se perguntando: captar água? Sim. Usinas térmicas dependem de água para funcionar. Ela é utilizada em duas etapas do processo de geração de energia:

1) na própria produção de energia, quando o calor produzido pela queima do carvão é usado para produzir o vapor que movimenta a turbina geradora;

2) no resfriamento do maquinário que expele vapor d’água por imensas torres normalmente confundidas com chaminés.

O problema na Termoelétrica de Ouro Negro, é que a maior parte da água (68%) utilizada não retornará ao Rio Candiota. Grande parte se perderá na evaporação e na formação de gotículas em seus equipamentos de geração.

A captação prevista no EIA-Estudo de Impacto Ambiental, de 1.435 m3/h (metros cúbicos por hora), daria para abastecer uma cidade de 158 mil habitantes. Isso seria apenas mais um dado estatístico se não tivesse sido feita uma análise da usina pelo Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente), uma ONG sediada em São Paulo, que concluiu que não há condições para o licenciamento. Além da poluição do ar, um fator que já assola a região e pouca gente associa a termoelétricas, é a falta d’água.

Em julho o Iema publicou uma nota técnica, segundo a qual a termoelétrica de Ouro Negro aumentará em 25% a demanda de água na região de Candiota, que já sofre de falta d’água crônica nos dias de hoje. A bacia do Rio Candiota é considerada pela própria ANA “muito crítica” em disponibilidade de água. “Nas épocas mais secas do ano as prefeituras da região já usam caminhões-pipa para o abastecimento da população”, diz Kamyla Borges da Cunha, pesquisadora do Iema.

Assim, ao conceder a Licença Prévia 530/2016, O IBAMA estará colaborando e sendo corresponsável pelo aumento de emissão de CO2 no ar e pelo agravamento da falta de água já existente na região. É isso que eles chamam de um empreendimento sustentável?

Em outros países, como Austrália, o resfriamento de termelétricas é feito por ar. Isso encarece o projeto de 5% a 15%. Segundo pesquisadores do IEMA, o EIA errou ao levar em consideração apenas o custo do projeto e não seu impacto sobre a bacia do Rio Candiota. Por sua vez, André Raimundo Pante, coordenador na ANA, declarou que “o empreendimento cabe na Bacia do Candiota, mas será o um dos últimos”. A ANA autorizou uma captação de 1609 m3/ hora, menos que o previsto no projeto licenciado pelo IBAMA que é de 1435 m3/ hora.

Estamos pagando para ver. E pagando caro para ver a emissão de CO2 aumentando em 30% e a falta d’água judiando ainda mais do povo daquela região, que já depende de abastecimento feito por carros pipa em tempos de prolongada estiagem.

Contradição: enquanto uma é licenciada, outra é embargada

Na terça feira, dia 13 de Setembro, o IBAMA embargou a mais antiga usina movida a carvão mineral do país: a Usina Presidente Médici, localizada no município de Candiota, no Rio Grande do Sul, com uma capacidade de 446 megawatts instalados.

O embargo ocorreu devido  a quatro violações: nos limites máximos de vazão de efluentes e da taxa de óleos e graxas pela usina, a falta de apresentação de relatórios de monitoramento obrigatórios, emissões atmosféricas acima do permitido e descumprimento no acordado no Termo de Ajustamento de Conduta-TAC.

Candiota é parte de uma das maiores regiões carvoeiras do Brasil, onde já existem duas usinas instaladas, a Pampa Sul em construção e agora a Ouro Negro, que já obteve licença prévia e será a maior do país, com 600 megawatts de capacidade instalada.

Num local onde a poluição causa doenças pulmonares e de pele e o abastecimento de água já é feito por caminhões pipa, ou seja, onde a população já enfrenta problemas crônicos, não entendemos o porquê do licenciamento de Ouro Negro. Ela vai aumentar em 70% o consumo de água que já atinge a astronômica porcentagem de 63% dos recursos hídricos da região para abastecimento dos parques geradores lá instalados. Enfim, a lógica é essa: gere-se energia às custas do sofrimento do povo, que terá como ligar o chuveiro, mas não terá água que saia dele...


Referências

ANGELO, Claudio. Observatório do Clima publicado in http://www.oeco.org.br/reportagens/brasil-licencia-nova-termeletrica-a-carvao/  23/08/2016. Acessado em 30/06/2016

TRIBUNA DO PAMPA, da redação, Ibama emite Licença Prévia para UTE  OURO NEGRO. Candiota, 07/08/2016

LOUÇAN, Melissa, Jornal Minuano.Ibama concede licença prévia para instalação de usina termelétrica Ouro Negro. Bagé, 06/8/2016

KLEIN, Jefferson, Jornal do Comércio. Uso do carvão em Candiota gera polêmica. Porto Alegre, 28/08/2016


Autor

  • Maria Luísa Duarte Simões

    Formada em jornalismo pela Universidade Metodista do Estado de São Paulo, onde também cursei Publicidade e Propaganda e Teologia. Mais tarde, depois de ganhar 3 Prêmios Esso, 1 Prêmio Telesp, 1 Prêmio Remington e 1 Prêmio Status de contos, resolvi me dedicar à carreira jurídica. Para tanto fiz a Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, onde me formei em 1985. Fiz pós graduação em Direito Penal na Faculdade do Largo São Francisco, sob a supervisão do prof. Dr. Miguel Reale Júnior. Hoje dedico-me a criticar as coisas erradas, elogiar as certas e ironizar aquelas que se travestem de corretas, mesmo sendo corruptas. Sou sua vigilante diária das traquinagens governamentais e da sociedade em geral. Sou comprometida com a verdade, o que muitas vezes vai me fazer dizer aquilo que você não que ouvir.

    Textos publicados pela autora

    Fale com a autora

    Site(s):

Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIMÕES, Maria Luísa Duarte. Na contramão da sustentabilidade, IBAMA licencia mais uma usina termelétrica no país, na mesma região que embarga usina em funcionamento. Emissões de CO2 aumentarão em 30%. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4901, 1 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53917. Acesso em: 24 abr. 2024.