Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/55197
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Responsabilidade civil do Estado em caso de morte de detento

Responsabilidade civil do Estado em caso de morte de detento

Publicado em . Elaborado em .

Análise sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da reparação de danos causados por mortes de detentos sob a sua custódia.

           

 Cristalino afirmar o direito do preso a sua integridade física e psicológica. Trata-se, inclusive, de mandamento constitucional.

“Art. 5º (...) XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

Assim, se um detento é morto dentro da unidade prisional, haverá responsabilidade civil do Estado. Conforme determinam o art. 37, § 6º da CF/88 e o art. 43 do Código Civil, em regra, o Estado responde objetivamente por atos causados por pessoas jurídicas de direito públicos e prestadoras de serviços públicos.

“Art. 37 (...)

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”

            Assim, basta que a vítima comprove a existência de conduta, dano e nexo causal (demonstração de que o dano foi causado pela conduta), para que tenha direito a reparação. Prescindível a demonstração de dolo ou culpa. Doutrina majoritária e jurisprudência dos tribunais superiores, contudo, seguem o entendimento que, em caso de omissão do serviço (teoria da “falta do serviço ou culpa anônima”), o Estado responde subjetivamente, necessitando-se de prova de dolo ou culpa.

Do contrário, cabendo a responsabilização objetiva nas omissões, o Estado seria um garantidor universal, reparando todo e qualquer dano sofrido por um particular. Nesse sentido:

"Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. A falta do serviço — faute du service dos franceses — não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. Latrocínio praticado por quadrilha da qual participava um apenado que fugira da prisão tempos antes: neste caso, não há falar em nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o latrocínio." (RE 369.820, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 27/02/04)”.

            Em algumas hipóteses, contudo, a jurisprudência do Supremo entende que o Estado responde objetivamente por omissões, devido a maior necessidade de zelo e cuidado por parte do Poder Público, a exemplo de danos causados a alunos menores em escolas, paciente em hospital psiquiátrico e presos.

Ressalte-se que a Teoria adotada é a objetiva por Risco Administrativo, aceitando algumas excludentes de responsabilidade, a exemplo de caso fortuito e força maior. Caberia, assim, a possibilidade de se afastar o dever de indenizar se ficar demonstrado a impossibilidade estatal de evitar a ocorrência do dano:

“Em caso de inobservância de seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da CF/88, o Estado é responsável pela morte de detento.

(...) sendo inviável a atuação estatal para evitar a morte do preso, é imperioso reconhecer que se rompe o nexo de causalidade entre essa omissão e o dano. Entendimento em sentido contrário implicaria a adoção da teoria do risco integral, não acolhida pelo texto constitucional".

STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 (repercussão geral)

O Supremo entende que responde objetivamente o Estado em caso de morte de detento, seja causada por outros detentos ou funcionários públicos, seja por suicídio - omissão específica em cumprir o dever especial de proteção que lhe é imposto pelo art. 5º, XLIX, da CF/88. O dever de proteção daqueles sob o cuidado estatal (custódia) não seria uma omissão genérica, afastando a tese da responsabilidade subjetiva.

             Há jurisprudências do STF afirmando a responsabilidade objetiva inclusive na hipótese de suicídio de presos:

“DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. MORTE DE PRESO DENTRO DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. SUICÍDIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. VALOR MANTIDO. I – A partir do momento em que o indivíduo é detido, este é o posto sob a guarda, proteção e vigilância das autoridades policiais, que têm por dever legal, nos termos do art. 5º, XLIX, da CF, tomar medidas que garantam a incolumidade física daquele, quer por ato do próprio preso (suicídio), quer por ato de terceiro (agressão perpetrada por outro preso). II – Restando devidamente demonstrado nos autos que o resultado danoso decorreu de conduta omissiva do Estado ao faltar com seu dever de vigilância do detento, o qual foi encarcerado alcoolizado e,posteriormente, encontrado morto no interior da cela, configurada está a responsabilidade do ente público em arcar com os danos causados. II – Deve ser mantido o valor fixado a título de danos morais, porquanto proporcional e razoável para conferir uma compensação aos lesados, atenuando a dor sofrida com a perda do ente familiar, e em atenção à função punitiva e pedagógica que se espera da condenação. Remessa e Apelação conhecidas e improvidas”. No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, sustenta-se a repercussão geral da matéria deduzida no recurso. No mérito, aponta-se violação ao artigo 37, § 6º, do texto constitucional. O Estado de Goiás alega, em síntese, que o fato ocorrido não enseja sua responsabilidade civil, haja vista tratar-se de suicídio do detento e que, por isso, ausente o nexo de causalidade entre o evento morte e qualquer ação advinda da Administração Pública para sua ocorrência, por se tratar de culpa exclusiva da vítima. Decido. O recurso não merece prosperar. Inicialmente, verifico que o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte que firmou o entendimento de que o Estado tem o dever objetivo de zelar pela integridade física e moral do preso sob sua custódia, atraindo então a responsabilidade civil objetiva, em razão de sua conduta omissiva, motivo pelo qual é devida a indenização decorrente da morte do detento, ainda que em caso de suicídio”.

STF. 2ª Turma. ARE 700927 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/08/2012

Frise-se, por fim, que parte da doutrina defende a tese da aplicação da teoria objetiva do risco integral e outra parcela pela subjetiva, entendimentos não aceitos pelo Supremo, conforme assinalado.

            Conforme o exposto, torna-se claro a responsabilização objetiva do Estado em indenizar os parentes das vítimas dos recentes massacres ocorridos no Brasil. Independentemente de serem pessoas em conflitos com a lei, é dever do Estado garantir suas integridades física e psicológica. 

 

REFERÊNCIAS:

CARVALHO, Matheus. Direito administrativo teoria e prática, 3.ed, Salvador: Jus Podivm, 2014.

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 5ª ed. Niterói: Impetus, 2011.

MEIRELLES, Hely L. Direito administrativo brasileiro. 20. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.