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Aspectos históricos da responsabilização civil do Estado

Aspectos históricos da responsabilização civil do Estado

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Pesquisa bibliográfica acerca das teorias que, ao longo da história, justificaram a responsabilização civil do Estado, no âmbito mundial e brasileiro.

No decorrer da história, surgiram várias teorias acerca da responsabilização civil do Estado pelos danos causados por seus agentes. Já houve quem defendesse a irresponsabilização, uma vez que o Poder Público seria, para certos teóricos, reconhecidamente perfeito e não passível de imputação; outros defendem a responsabilização subjetiva, seja nos casos de existência de dolo ou culpa ou na má prestação de serviços públicos; e há quem pregue a responsabilização objetiva, que é a decorrente de atuação danosa, independe de ser lícita, ilícita, dolosa ou culposa.

Diante dessa vastidão teórica, faz-se mister analisar cada uma das suas principais características e a evolução política, econômica e social global para, assim, compreender a influência exercida no contexto brasileiro que levou à responsabilização civil objetiva do Estado na vigência da Constituição Federal de 1988.


1 Teoria da irresponsabilidade

A partir do século XV, na Idade Moderna, durante o processo de fortalecimento da condução do poder estatal pelos monarcas absolutistas, é que se passou a ter registros de teorias sobre a responsabilização do Poder Público. Antes disso, não havia uma preocupação dos estudiosos acerca da imputação ao Estado, seja administrativa, civil ou penalmente, pelos danos causados aos administrados.

Porém, num primeiro momento, essa preocupação, devido à consolidação das ideologias pregadas pelos absolutistas em diversos países da Europa, como Portugal, França, Espanha e Inglaterra, não foi orientada no sentido de serem encontradas justificativas para legitimar a responsabilidade estatal, mas, pelo contrário, para isentá-lo de responsabilização.

Trata-se do que se costuma denominar doutrinariamente de teoria da irresponsabilidade, sendo balizada na ideia de soberania estatal. Como o Estado é responsável por tutelar o direito, elaborar normas e manter a ordem social através do exercício do seu poder soberano, seria irrazoável, naquela época, admitir que pudesse cometer erros. Além disso, via-se como consequência possível da responsabilização, a sua colocação no mesmo nível dos seus súditos, pois lhe seria retirada a condição de superioridade e perfeição.

Outro aspecto relevante, que contextualiza a teoria da irresponsabilidade, é o fato de que, no absolutismo, todo o poder concentrava-se na autoridade dos reis, sendo muitas vezes o Estado confundido com o seu monarca, cuja atuação era tida como de origem divina. Princípios como “the king can do no wrong” (“o rei não pode errar”) e “quod principi placuit habet legis vigorem” (“aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei”) (DI PIETRO, 2012, p. 699) passaram a nortear a condução do Poder Público.

Segundo asseverações históricas de Gilberto Cotrim: “A autoridade do rei tornou-se a fonte suprema dos poderes do Estado; em nome do soberano, o poder era exercido pelos diversos membros: nas finanças, na elaboração das leis, nos tribunais de justiça, no exército, nas relações exteriores etc.” (2005, p. 259).

Dentre os monarcas que reconhecidamente representam essa concepção de que o Estado se confunde com a autoridade de seus reis, há Luis XIV (1638-1715), na França. A ele é atribuída a famosa frase: “L’État c’est moi” (“O Estado sou eu”) (COTRIM, 2005, p. 259). Assim, sob tais parâmetros ideológicos, reconhecer o cometimento de erros pelo Estado seria o mesmo que admitir que o rei houvesse falhado, num contexto em que este detinha de todos os poderes estatais. O que dificultou a disseminação de uma teoria de responsabilização estatal.

Há também que se destacar que a irresponsabilidade era prerrogativa dos reis e, consequentemente, estatal, mas não se estendia aos agentes públicos. Estes, ao cometerem ilícitos, ainda que no desempenho de atividades administrativas, eram responsabilizados pessoalmente, como se em nome próprio tivessem agido.

Conforme colocações de Yussed Said Cahali: “[...] Os atos contrários à lei praticados pelos funcionários jamais podem ser considerados atos do Estado, devendo ser atribuídos pessoalmente àqueles, como praticados nomine próprio (2012, pp. 18-19)”. Assim, caso os administrados viessem pleitear ressarcimento patrimonial por danos sofridos, deveriam demandar o causador do dano, o agente público.

O enfraquecimento do absolutismo monárquico acabou combalindo a teoria da irresponsabilidade. Poucos foram os países que depois desse momento da história mantiveram essa ideologia, sendo os Estados Unidos, com o Federal Tort Claim Act de 1946, e a Inglaterra, como o Crown Proceeding Act de 1947 (DI PIETRO, 2012, p. 698) os últimos a abandoná-la.

Conforme asseverações da jurisprudência brasileira: “a teoria de irresponsabilidade total do Estado, o que, modernamente, poderia ser tido como um retrocesso” (BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho, RR 372-60.2010.5.10.0012, Sexta Turma, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, 7 de dezembro de 2011). Trata-se, hodiernamente, de uma teoria de valor meramente histórico.


2 Teorias civilistas

O declínio do absolutismo ocorreu com a proliferação de uma nova conjuntura política liberalista, a partir do século XIX, que deu origem ao Estado liberal. Esse passou a ter um exercício de poder atenuado pelos direitos dos indivíduos e a ser menos intervencionista nas relações privadas. Diante disso, tornou-se possível a construção de uma mentalidade de reparação estatal pelos danos causados às pessoas.

Gilberto Contrim destaca, em sua obra, dentre as principais características do liberalismo, um “[...] governo de caráter democrático. Os poderes dos governantes seriam limitados por uma Constituição e separados em Legislativo, Executivo e Judiciário. O Estado deveria servir ao cidadão, respeitando sua liberdade e dignidade” (p. 318).

Nesse contexto, o Poder Público passou a ter suas atividades finalísticas voltadas para o interesse público, sendo demasiadamente lesivo ao particular a absoluta irresponsabilização. Com fundamento nesse ideal, é que surgiram as primeiras teorias que efetivaram a responsabilização estatal: a da culpa comum e da culpa anônima, desdobramentos de uma concepção civilista de responsabilização estatal.

2.1 Teoria da culpa civil comum

A teoria da culpa comum, um dos desdobramentos da teoria civilista, inovou ao trazer uma concepção dual da personalidade jurídica do Estado. Ora o Poder Público praticava atos de gestão, sujeitos a responsabilização subjetiva, ora atuava no exercício do poder de império, isento de responsabilização.

Os atos de gestão se caracterizavam pela administração do patrimônio público, em sua conservação e seu desenvolvimento, além da gestão dos serviços prestados aos particulares. Nesse sentido, não há exercício do poder soberano, mas execução de atividades materiais que objetivam a ampliação do bem-estar social. São exemplos desses atos, a autorização a particular de uso de bem público, o melhoramento de ruas, construção de casas populares, a reforma de um prédio público etc. A essas atividades, Yussed Said Cahali designa como funções facultativas ou contingentes do desempenho das atividades públicas:

[...] Facultativas e ou contingentes, no sentido de que não são essenciais para a existência do Estado, mas este, não obstante, as realiza para satisfazer necessidades sociais, de progresso, bem-estar e cultura; [...] quando realiza funções contingentes, age como gestor dos interesses coletivos (2012, p. 20).

Quanto aos atos de império, são decorrentes do exercício da soberania do Poder Público. Revelam-se, através do jus puniendi, edição de leis e tutela dos direitos, impondo-se aos indivíduos determinadas condutas, cujo fim é a preservação do interesse público e manutenção da ordem social. Trata-se de função essencial, que, caso fosse desrespeitada, prejudica a própria existência do Estado. Conforme colocações de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

[...] Seriam os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade impostos unilateral e coercitivamente ao particular independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes [...] (2012, p. 699).

A distinção de tais atos torna-se importante à medida que, através desse desmembramento da personalidade jurídica do Estado, seria possível a verificação de sua responsabilização. Assim, os atos de gestão são aqueles passíveis de responsabilização, pois não há exercício de atividade precípua resultante do poder extroverso, mas sim, de atividades regidas pelo direito comum que colocam o ente estatal em grau de igualdade com o particular. Nesse sentido, assim como os administrados, deve responder subjetivamente, ou seja, nos casos em que seja verificado o dolo ou a culpa.

Porém, quanto ao exercício do poder de império, não deve haver responsabilização. Isso se justifica pelo fato de que os atos são praticados pelos agentes públicos de forma legítima e resultante do poder soberano, têm presunção de absoluta legalidade, pois visam à manutenção do interesse público. Logo, se é tida a certeza de que são legais, não há que se responsabilizar o Estado, seja subjetiva ou objetivamente, e, muito menos, seus agentes.

2.2 Teoria da culpa anônima

A distinção entre atos de gestão e de império gerou certa oposição de alguns teóricos. Seria impossível bipartir a personalidade jurídica de um ente público, pela dificuldade de enquadramento dos atos em cada uma das categorias. Ainda mais que, seja mediata ou imediatamente, toda atuação estatal deve estar em consonância com o interesse público. Assim, tornou-se propício o desenvolvimento de uma nova teoria civilista: a da culpa anônima ou culpa administrativa.

Trata-se de responsabilização que se baseia objetivamente na prestação de serviços, repartindo-se em três hipóteses: falta, má prestação e retardamento. Quando o Estado for obrigado por lei a prestar determinado serviço e omitir-se, ou prestá-lo de forma ineficiente que não proporcione o atendimento de sua finalidade ou atrase no cumprimento de suas obrigações, haverá circunstâncias passíveis de indenização.

Segundo Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino: “A teoria da culpa administrativa representou o primeiro estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a responsabilidade objetiva atualmente adotada pelos países ocidentais” (2009, p. 710). Porém, deve restar claro que não deve ser confundida com tal teoria, uma vez que a teoria da responsabilização será objetiva por dispensar os elementos dolo e culpa e não por considerar os serviços objetivamente prestados pelo Estado, conforme assevera Celso Antônio Bandeira de Mello:

O que cumpre distinguir é a objetividade de dada conduta, à qual se atribui dano, e a objetividade da responsabilidade. A primeira é sempre objetiva, pois o Direito só se ocupa de situações tomadas em sua objetividade, isto é, como um dado objetivo. A segunda selo-á ou não (2007, p. 972).

Nesse sentido, não basta simplesmente uma das três modalidades de falha estatal na prestação de serviços, mas, também, a existência de culpa, seja ela dolosa ou culposa. Trata-se, portanto, de uma responsabilização subjetiva especial e específica ao Poder Público. Pois, apesar de o particular responder subjetivamente assim como o Estado, segundo essa teoria, jamais será responsabilizado por não prestar determinado serviço.

Assim, resta claro, que os serviços não prestados, prestados ineficientemente ou retardados, não serão automaticamente imputados ao ente estatal. Basta a comprovação que seus agentes agiram com prudência, perícia e diligência que haverá a isenção da responsabilidade.


3 Teorias publicistas

A iniciativa privada pregada pelo liberalismo propiciou grande desenvolvimento industrial e progresso tecnológico. Porém, paralelamente a isso, ocorreu o agravamento de vários problemas sociais. Houve aumento significativo da pobreza; os trabalhadores eram submetidos a jornadas de trabalho extensas, com o aumento da incidência de acidentes de trabalho; havia deficiência na prestação de serviços de saúde etc.

Além disso, a depressão econômica em vários países, como os Estados Unidos, em 1929, enfraqueceu o pensamento puramente capitalista até então pregado. A prevalência de direitos individuais, como a livre iniciativa e a propriedade, passou a conviver com uma preocupação em relação aos direitos sociais.

Admitiu-se uma atuação mais intervencionista do Poder Público, cedendo-se espaço à priorização dos direitos humanos e ao surgimento de um Estado do bem-estar social. Foi nesse contexto que se tornou propício o desenvolvimento de uma teoria de responsabilização civil não apenas baseada na culpa ou na eficiência na prestação dos serviços, mas na preocupação com os direitos fundamentais, como bem destaca Maria Helena Diniz:

A tecnização dos tempos modernos, caracterizado pela introdução de máquinas, pela produção de bens em larga escala e pela circulação das pessoas por meio de veículos automotores, aumentando-se assim os perigos à vida e à saúde humana, levaram a uma reformulação da teoria da responsabilidade civil dentro de um processo de humanização (2009, p. 12).

O aumento da intervenção e das atribuições estatais trouxe uma maior complexidade em suas atividades, o que permitiu o surgimento de uma teoria publicista baseada no risco de dano inerente à posição de superioridade e tutela do Poder Público em relação aos seus administrados. Trata-se da teoria do risco, cujos desdobramentos são o risco integral e o risco administrativo.

A doutrina tem como primeiro registro de ocorrência da publicização da responsabilidade civil estatal o famoso Caso Blanco que ocorreu na jurisprudência Francesa no Século XIX:

Tribunal des conflits - 8 février 1873 – Blanco. Compétence du juge administratif pour connaître de la responsabilité à raison des dommages causés par des services publics. Analyse. Par l’arrêt Blanco, le Tribunal des conflits consacre à la fois la responsabilité de l’État à raison des dommages causés par des services publics et la compétence de la juridiction administrative pour en connaître. Une enfant avait été renversée et blessée par un wagonnet d’une manufacture de tabac, exploitée en régie par l’État. Le père avait saisi les tribunaux judiciaires pour faire déclarer l’État civilement responsable du dommage, sur le fondement des articles 1382 à 1384 du code civil. Le conflit fut élevé et le Tribunal des conflits attribua la compétence pour connaître du litige à la juridiction administrative. L’arrêt Blanco consacre ainsi la responsabilité de l’État, mettant fin à une longue tradition d’irresponsabilité, qui ne trouvait d’exceptions qu’en cas de responsabilité contractuelle ou d’intervention législative, telle la loi du 28 pluviôse an VIII pour les dommages de travaux publics. Il soumet toutefois cette responsabilité à un régime spécifique, en considérant que la responsabilité qui peut incomber à l’État du fait du service public ne peut être régie par les principes qui sont établis dans le code civil pour les rapports de particulier à particulier. La nécessité d’appliquer un régime spécial, justifié par les besoins du service public, est ainsi affirmée. Le corollaire de l’existence de règles spéciales réside dans la compétence de la juridiction administrative pour connaître de cette responsabilité, en application de la loi des 16 et 24 août 1790, qui interdit aux tribunaux judiciaires de “troubler, de quelque manière que ce soit, les opérations des corps administratifs”. Au-delà même de la responsabilité, l’arrêt reconnaît le service public comme le critère de la compétence de la juridiction administrative, affirme la spécificité des règles applicables aux services publics et établit un lien entre le fond du droit applicable et la compétence de la juridiction administrative. Si l’arrêt Blanco est à bien des égards fondateur du droit administratif, l’évolution ultérieure de la jurisprudence doit conduire à nuancer les règles qu’il dégage en matière de répartition des compétences. Le service public n’est plus un critère absolu de la compétence du juge administratif : en particulier, les litiges relatifs à des services publics industriels et commerciaux relèvent en principe de la juridiction judiciaire (voir T.C. 22 janvier 1921, Société commerciale de l’Ouest africain , p. 91). Or la transformation du service des tabacs et des allumettes en entreprise publique en a fait un service public à caractère industriel et commercial, de telle sorte qu’une solution différente serait aujourd’hui appliquée à l’espèce. Pour ce qui est des services publics gérés par des personnes privées, il est nécessaire que le dommage résulte à la fois de l’accomplissement d’un service public et de l’exercice d’une prérogative de puissance publique (par ex. : 23 mars 1983, S.A. Bureau Véritas et autres, p. 133). Enfin, la loi modifie parfois dans certains domaines la répartition des compétences entre les deux ordres de juridiction, telle la loi du 31 décembre 1957 transférant aux tribunaux judiciaires le contentieux des dommages de toute nature causés par des véhicules, au nombre desquels devrait être compté le wagonnet de l’affaire Blanco. Le droit de la responsabilité administrative, depuis l’arrêt Blanco, s’est construit sur un fondement essentiellement jurisprudentiel, de façon autonome par rapport au droit civil. Il ne s’ensuit toutefois pas que les solutions dégagées par le juge administratif soient radicalement différentes de celles dégagées par le juge judiciaire, ni que le code civil ou les principes dont il s’inspire ne s’appliquent jamais à la responsabilité administrative, comme le montre la responsabilité décennale des constructeurs. Et si la principale spécificité du droit administratif résidait au départ dans l’absence de caractère général et absolu de la responsabilité de l’État, celle-ci a été reconnue de plus en plus largement, y compris en l’absence de faute, que ce soit sur le terrain du risque ou sur celui de la rupture d’égalité devant les charges publiques. Il en résulte un régime dans certains cas plus favorable aux victimes que le droit civil, par exemple en matière de responsabilité médicale (Ass. 9 avril 1993, B…, n°69336 p. 127).[1] (FRANCE, Tribunal des conflits, Arrêt Blanco, 8 février 1878)

Uma menina, cujo nome era Agnès Blanco – daí porque se conhece como Caso Blanco – atravessava uma rua na cidade francesa de Bordeaux e foi atingida por um carro da Companhia Nacional de Manufatura do Fumo, pertencente ao Poder Público. Diante de tal situação, o pai promoveu ação indenizatória sob o argumento de que o Estado era responsável civilmente pelos danos que seus agentes causassem a terceiros.

Como na França a jurisdição é dual, dividida em administrativa e comum, foi questionada, no Tribunal de Conflitos, a que órgão seria incumbida a competência para o julgamento. A controvérsia foi solucionada com a eleição do contencioso administrativo e o reconhecimento de que, na prestação de serviços públicos[2], por ser um encargo complexo, o Estado, quando causar danos aos administrados, ainda que num comportamento lícito, é passível de responsabilização, não são aplicadas as mesmas regras para o particular previstas no Direito Comum.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “[...] O conselho francês passou a adotar, em determinadas hipóteses, a teoria do risco, que serve de fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado” (2012, p. 701). Essa tendência se manteve em todo o mundo Ocidental e convive, até hoje, com a responsabilização subjetiva, adequando-se a cada situação específica.

3.1 Desdobramentos da teoria do risco: risco administrativo e integral

As teorias do risco têm em comum a mitigação das normas do Direito Civil, cujos parâmetros de responsabilização são subjetivos – dependentes de dolo ou culpa – que são pacificamente aceitos quando se trata da responsabilização exclusiva do agente.

Nessa ótica, basta um comportamento do agente público, ainda que não censurável juridicamente, mas que seja capaz de causar um dano insuportável aos indivíduos para haver reparação. A culpabilidade não é levada em consideração, uma vez que a atividade estatal comporta um risco que lhe é nato e que não pode ser suportado pelos administrados.

A teoria mais aceita pelos adeptos da publicização da responsabilidade estatal é a do risco administrativo. Apesar de dispensar o dolo ou a culpa na conduta do agente, o Poder Público não poderá ser responsabilizado de forma absoluta e indiscriminada. Há situações em que o dano não decorre da exclusiva atuação estatal, mas por culpa de terceiros.

Nesse sentido, caso um particular se atire contra um veículo dirigido por um agente público e se acidente, a responsabilidade será exclusiva da vítima, uma vez que foi esta que provocou exclusivamente o evento. A teoria do risco é, nesse caso, mitigada por excludentes de responsabilização.

Há, porém, uma corrente doutrinária que defende a existência do risco integral como um aperfeiçoamento da teoria do risco administrativo. Trata-se de uma corrente totalmente oposta a da irresponsabilidade pelo fato de admitir a responsabilização estatal por qualquer dano causado a terceiro. Ainda que haja culpa exclusiva da vítima ou culpa recíproca entre o agente e o administrado, caberá ao Poder Público a reparação do dano. Trata-se de responsabilidade absoluta que, para a maior parte dos doutrinadores, é inadmissível, segundo os parâmetros do direito moderno. Hely Lopes Meirelles alerta que:

[...] A teoria do risco integral é a modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniquidade social. Por essa fórmula radical, a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de dolo ou culpa da vítima (2010, p. 683).

Porém, Di Pietro minimiza, em sua obra, toda a discussão que gira em torno das teorias do risco:

[...] Não é demais repetir que as divergências são mais terminológicas, quanto à maneira de designar as teorias, do que de fundo. Todos parecem concordar em que se trata de responsabilidade objetiva, que implica averiguar se o dano teve como causa o funcionamento de um serviço público, sem interessar se foi regular ou não. Todos também parecem concordar em que algumas circunstâncias excluem ou diminuem a responsabilidade do Estado. (2012, p. 702)

Apesar de se tratar de construção doutrinária, não há registro histórico da teoria do risco integral. Porém, como bem assevera Di Pietro, independentemente da terminologia utilizada, o que há de mais relevante é que ambas convergem para a ideia publicista de responsabilização.


4 Evolução Histórica e Teórica no Brasil

Enquanto a Europa já influenciava todo o mundo na disseminação do pensamento subjetivo da responsabilidade do Poder Público, o Brasil surgia como Estado independente e autônomo no ano de 1822, sob o regime monárquico, deixando de ser colônia de exploração. Nesse contexto, as primeiras legislações já foram assentes em reconhecer a responsabilização, sendo unânime entre os historiadores que a teoria da irresponsabilidade já mais foi adotada no Brasil.

Dois anos depois da inauguração do Estado Imperial, a Constituição de 1824 trazia previsões acerca do tema em seu art. 179, XXXIX: “Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos” (BRASIL, 1824). Num primeiro momento, parece tal norma atribuir a responsabilidade do Estado exclusivamente aos empregados públicos, porém, como bem assevera Celso Antônio Bandeira de Melo:

Ditos preceptivos, todavia, jamais foram considerados como excludentes da responsabilidade do Estado e consagradores da responsabilidade pessoal do agente. Pelo contrário: entendia-se haver solidariedade do Estado em relação aos atos de seus agentes [...] (2007, p. 996).

Só seriam responsabilizados “pelos abusos e omissões”, ou seja, somente quando houvesse a prática de atos ilícitos é que haveria a imputação. Percebe-se, assim, que é extraível de tal preceito constitucional a responsabilização subjetiva.

Essa mesma linha, da necessidade do elemento culpa, seguiu a Constituição seguinte – a de 1891 –, já sob a república, que, em seu art. 82, previa: “Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos” (BRASIL, 1891), traduzindo-se no mesmo sentido da Constituição anterior.

Mais de duas décadas depois, o Código Civil de 1916 ainda indicava a subjetividade como caráter de apreciação da responsabilidade estatal, em seu art. 15:

As pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano. (BRASIL, 1916)

O dano só restaria configurado se houvesse um comportamento ilícito “contrário ao direito” ou “faltando a dever prescrito em lei”.

A Constituição de 1934 foi a primeira a trazer, de forma expressa e clara, a responsabilidade do ente estatal e não apenas dos funcionários. As anteriores mencionavam apenas estes, apesar de, na prática, ser reconhecida a responsabilidade do Estado.

Segundo previsão do art. 171: “Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos”. No § 1º, previa-se que “Na ação proposta contra a Fazenda pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte” (BRASIL, 1934).

Em seguida, no § 2º, assegurava-se ao Poder Público a promoção da execução contra o funcionário culpado nos casos em que fosse responsabilizado. Apesar do maior esclarecimento, denotando a responsabilidade solidária, a possibilidade de litisconsórcio e a ação regressiva, repetiu-se no ordenamento brasileiro a imputação subjetiva aos danos causados aos administrados.

O Brasil manteve a mesma identidade teórica – responsabilização subjetiva – até a Constituição de 1937. Em seu art. 158, essa Carta Constituinte estabelecia: “Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos” (BRASIL, 1937). Portanto, não houve preceituação inovadora, mas apenas repetitiva do que já se havia feito nas normas anteriores.

Foi somente a partir da Constituição de 1946 que houve a recepção no ordenamento brasileiro da teoria da responsabilidade objetiva. Segundo seu art. 194: “As pessoas jurídicas de Direito Público Interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros”.

Sequencialmente, no parágrafo único, preceituava-se: “Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes” (BRASIL, 1946). Assim, reconheceu-se a imputação direta ao Poder Público, independentemente de a conduta ser ilícita e a possibilidade de ação regressiva no caso de culpa dos funcionários, demonstrando a responsabilidade subjetiva destes.

A Constituição de 1967 seguiu a mesma referência teórica em seu art. 105: “As pessoas jurídicas de Direito Público respondem pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros”. E, no seu parágrafo único: “Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo” (BRASIL, 1967). Houve evolução apenas técnica na distinção entre dolo e culpa – não feita pela carta constitucional anterior –, mas que na prática não efetivou nada do que já havia se interpretado da legislação antecedente.

Da mesma forma, preceituou a Constituição de 1969, em seu art. 107, caput: “As pessoas jurídicas de Direito Público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros”. Em seguida, no parágrafo único: “Caberá ação regressiva nos casos de dolo ou culpa” (BRASIL, 1969).

A mais recente das Constituições, a Carta Magna de 1988, em seu art. 37, §6° estabelece: “As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (BRASIL, 1988).

É evidente a manutenção da responsabilização civil objetiva do Estado, pois, não há distinção se o dano causado é decorrente de ato ilícito ou não. Porém, a legislação é inovadora ao trazer a expressão “agente”, diferentemente das anteriores que se referiam aos “funcionários públicos”, incluindo, assim, qualquer pessoa que, temporária ou definitivamente, atue em nome do Poder Público.

Outra importante ampliação feita é a inclusão da responsabilização tanto de pessoas jurídicas do Direito Público, quanto às do Direito Privado que prestem serviços públicos. Nesse sentido, caberá responsabilização tanto das pessoas jurídicas públicas (entes federativos, autarquias e fundações) quanto das privadas que componham a administração indireta (sociedades de economia mista e empresas públicas) e as privadas que prestem serviços originariamente públicos (concessionárias e permissionárias de serviços públicos).

Quanto à legislação infraconstitucional, como maior referência, há o Código Civil de 2002. Segundo o art. 43 do CC: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo” (BRASIL, 2002).

Assim, a única diferença quanto à Carta Constitucional, é a omissão das pessoas jurídicas de Direito Privado, fato que não é capaz de isentá-las da responsabilização, se conjugada a interpretação com o preceito constitucional.


REFERÊNCIAS

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______. Tribunal Superior do Trabalho. RR 372-60.2010.5.10.0012. Sexta Turma. Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, 7 de dezembro de 2011. Disponível em: <http://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20980985/recurso-de-revista-rr-3726020105100012-372-6020105100012-tst>. Acesso em: 14 fev. 2013.


Nota

[1] “Tribunal de conflitos - 8 de fevereiro de 1873 - Blanco. Competência do juiz administrativo para conhecer da responsabilidade em razão dos danos causados por serviços públicos. Análise: conforme o decreto Blanco, o Tribunal de conflitos atribui ao mesmo tempo a ao Estado responsabilidade dos danos causados por serviços públicos e a competência da jurisdição administrativa para conhecer disso. Uma criança fora atropelada e ferida por um vagão de uma manufatura de tabaco, na qualidade de empresa pública administrativa pelo Estado. O pai acionou o poder judiciário para declarar o Estado civilmente responsável pelo dano, fundamento nos artigos 1382 a 1384 do Código Civil. O conflito agravou-se e o Tribunal de conflitos atribuiu à jurisdição administrativa a competência para conhecer do litígio. O decreto Blanco consagra assim a responsabilidade do Estado, pondo fim a uma longa tradição de irresponsabilidade, que só encontrava exceções em caso de responsabilidade contratual ou de intervenção legislativa, tal como a lei do pluviôse[1] ano VIII para os acidentes de trabalho em âmbito público. Todavia, ele submete essa responsabilidade a um regime específico, considerando que a responsabilidade que pode incumbir ao Estado em se tratando de serviço público não pode ser regida pelos princípios que são estabelecidos no Código Civil para as relações entre particulares. A necessidade de aplicar um regime especial, justificado pelas necessidades do serviço público, é assim afirmada. O corolário da existência de regras especiais reside na competência da jurisdição administrativa para conhecer dessa responsabilidade, em aplicação da lei de 16 e 24 de agosto de 1790, que proíbe os tribunais judiciários de “perturbar, de qualquer modo que seja, as operações dos corpos administrativos”. Além da responsabilidade, o decreto reconhece o serviço público como o critério da competência da jurisdição administrativa, afirma a especificidade das regras aplicáveis aos serviços públicos e estabelece uma ligação entre o fundo de direito aplicável e a competência da jurisdição administrativa. Se o decreto Blanco é para todos os efeitos o fundador do direito administrativo, a evolução ulterior da jurisprudência deve levar a qualificar as regras que ele extrai em matéria de repartição das competências. O serviço público não é mais um critério absoluto da competência do juiz administrativo: em particular, os litígios relativos a serviço públicos industriais e comerciais decorrem, a princípio, da jurisdição judiciária (ver T.C. 22 de janeiro de 1921, Sociedade comercial do Oeste africano, p. 91). Ora, a transformação dos serviços de tabaco e palitos de fósforos em empresa pública fez disso um serviço público de caráter industrial e comercial, de tal maneira que uma solução diferente seria aplicada à espécie hoje. No tocante aos serviços públicos geridos por particulares, é necessário que o dano resulte ao mesmo tempo no cumprimento de um serviço público e no exercício de uma prerrogativa de poder público (por exemplo, 23 de março de 1983, S.A. Bureau Beritas e outros, p.133). Enfim, a lei modifica às vezes em algumas áreas a repartição das competências entre as duas ordens de jurisdição, de tal como a lei de 31 de dezembro de 1957 que transfere aos tribunais judiciários o contencioso dos danos de toda natureza causados por veículos, dentre os quais deveria ser contado o vagão do caso Blanco. O direito da responsabilidade administrativa, a partir do decreto Blanco, construiu-se sobre um fundamento essencialmente jurisprudencial, de maneira autônoma em relação ao direito civil. Todavia, não se segue para as soluções encontradas pelo juiz administrativo sejam radicalmente diferentes daqueles encontradas pelo árbitro judicial, nem que o Código Civil ou os princípios nos quais este se inspira não se aplicam nunca à responsabilidade administrativa, como a mostra a responsabilidade do Estado, esta aqui foi mais e mais largamente reconhecida, inclusive em ausência de culpa, que seja no campo do risco ou da ruptura de igualdade face às responsabilidades públicas. Resulta disso um regime em alguns casos mais favoráveis às vítimas que o direito civil, por exemplo, em matéria de responsabilidade médica. (Ass. 9 de abril de 1993, B..., nº 69336 p. 127).”

4 O critério para conceituação de serviço público na França era o subjetivo, segundo o qual tais serviços seriam aqueles, cuja prestação era de incumbência do Estado. Levava-se em consideração o sujeito prestador, independentemente da atividade prestada.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Ronisberg Rodrigues. Aspectos históricos da responsabilização civil do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6031, 5 jan. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55455. Acesso em: 17 abr. 2024.