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Crime de menor potencial ofensivo.

Inaplicabilidade da multa alternativamente para caracterização do crime de menor potencial ofensivo, quando pena privativa de liberdade excede 2 anos

Crime de menor potencial ofensivo. Inaplicabilidade da multa alternativamente para caracterização do crime de menor potencial ofensivo, quando pena privativa de liberdade excede 2 anos

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1 – DO CONCEITO DE CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO

Procedendo a análise da definição do que seria crime de menor potencial ofensivo [1], segundo a Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, em seu artigo 2º., parágrafo único, que derrogou o art. 61 da Lei n. 9.099/95 [2], nos deparamos com o aumento da pena máxima a ser atribuída aos chamados delitos de menor potencial ofensivo, ampliando assim consideravelmente seu alcance, como também com a inclusão dos crimes apenados com multa. O texto da Lei 9.099/95 certamente possuía uma precisão técnica maior, já que não deixava dúvida do que seria crime de menor potencial ofensivo, definindo como sendo aquele cuja pena não ultrapassasse um ano, e ainda as contravenções penais, excluídos aqueles delitos que tinham procedimento próprio, especial, como no caso dos delitos contra a honra. Com o advento da Lei n. 10.259/01, o texto passou a descrever que seriam crimes de menor potencial ofensivo, aqueles cuja pena máxima não exceda a dois anos, OU MULTA. Criou-se então o dilema acerca do alcance da expressão “ou multa”, inclusa na Lei. Seriam da competência dos Juizados Especiais Criminais todos aqueles crimes em que alternativamente se aplicasse além da pena privativa de liberdade a multa? Ainda que a pena máxima seja superior a dois anos, mas desde que haja a multa o procedimento a ser adotado seria o do Juizado? Existe uma corrente que entende que a todo delito que haja a imposição de pena de multa alternativamente, haverá a aplicação do rito dos Juizados Especiais Criminais, e, por conseguinte, ainda que a pena seja superior a dois anos isto ocorrerá. Não posso pactuar com tal posição doutrinária. A adoção do entendimento de que a todo crime que se aplique pena privativa de liberdade, ainda que está tenha seu máximo superior a dois anos, a apuração será da competência dos Juizados Especiais Criminais, desde que exista a expressão “ou multa”, é descabido.

A locução "ou", empregada pelo legislador tem a finalidade de indicar que também os crimes apenados exclusiva ou cumulativamente com multa serão da competência dos Juizados Especiais Criminais, desde que, sua pena máxima não exceda a dois anos. Há que fazer uma interpretação não somente gramatical, mas também teleológica, para alcançarmos a verdadeira intenção da Lei, que foi a de minimizar o impacto penal sobre delitos de pequena monta, de pouco alcance social, e cujas penas por serem pequenas, acabavam no procedimento ordinário alcançando a prescrição da pretensão punitiva do Estado, sem que houvesse o retorno muitas vezes esperado pela sociedade.

Não bastasse tal acertiva, se se entender que a todo crime que se aplique alternativamente pena de multa, ainda que tenha pena privativa de liberdade superior a dois anos, terá sua apuração que seguir o rito sumário, estaríamos enveredando para uma possibilidade juridicamente grotesca de se apurar delitos cujas penas possam alcançar mais de quatro anos de reclusão ou detenção, pelo mero fato de haver a inclusão alternativa da aplicação da multa.

Esse entendimento foge aos fins do direito consensual de onde emergiu a Lei n. 9.099/95, célula mater do Juizado Especial Criminal, que quando ainda em gestação, através do Projeto de Lei n. 1.480/89, da lavra do eminente Deputado Federal Michel Temer, teve seu anúncio na Câmara dos Deputados como inovação para aceleração da distribuição de Justiça, dizendo em seu discurso que "questões penais que se arrastam anos e anos no Poder Judiciário encontrarão, segundo o projeto, pronta e rápida solução, reduzindo a área de litigiosidade tão indesejável para a paz e harmonia sociais" [3].

Se era, uma das finalidades do Juizados Especial Criminal permitir a realização de uma Justiça rápida, célere, para evitar o excesso de processos criminais que se arrastam pelos Tribunais, a interpretação que se visa impor à conceituação de delito de menor potencial ofensivo, irá sem sombra de dúvida, fazer dos Juizados Especiais Criminais um verdadeiro depósito processual, o que já ocorre com o acúmulo de audiências, que segundo a Lei deveriam ser realizadas logo após o cometimento da infração penal, e na atualidade são realizadas com seis a oito meses após o fato, demonstrando que a celeridade do procedimento aos poucos vem caindo no lento rito das vias ordinárias.

A ampliação da conceituação de crime de menor potencial ofensivo, alheio à realidade estrutural vivida pelos Juizados Especiais Criminais, e deturpada pela ânsia de alguns em ver as Delegacias de Polícia livre do fardo da instauração de inquéritos, torna míope a visão do que vem a ser o Direito Penal Consensual, pois a imposição do novo conceito se faz dissociada da fundamentação jurídica necessária para se aceitá-la.

Na esteira do nosso entendimento, encontramos guarida nas lições do ilustre Professor e Doutor em Direito Penal, LUIZ FLÁVIO GOMES, que em consulta via email ratificou nosso entendimento, indicando sua obra JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS, SEUS REFLEXOS NOS JUIZADOS ESTADUAIS E OUTROS ESTUDOS [4], onde leciona acerca da questão, escrevendo o seguinte:

"a) se a pena de prisão ultrapassa o limite de dois anos, a infração não é de menor potencial ofensivo. Para os efeitos de se saber o que se entende por infração de menor potencial ofensivo o critério legislativo sempre foi o da pena de prisão máxima cominada (assim já ocorria com o art. 61 da Lei n. 9.099/95), não o da pena mínima (que vale, como sabemos, para a suspensão condicional do processo – art. 89 da Lei n. 9.099/95). Se a prisão máxima excede a dois anos, ainda que haja cominação concomitante ‘ou multa’, não se pode considerar esse delito como de menor potencial ofensivo. Os limites máximos quantitativos (até dois anos) e qualitativos (pena de prisão) inerentes ao conceito de infração de menor potencial ofensivo não podem ser inobservados. Com isso, estão fora dele os delitos punidos com pena máxima superior a dois anos (ainda que concomitantemente haja cominação ‘ou multa’)."

Ao tratar da matéria, o Superior Tribunal de Justiça foi extremamente feliz na interpretação do art. 2º., parágrafo único, Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, ao fixar como teto para o delito de menor potencial o ofensivo, OS DOIS ANOS DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, conforme se vê em parte do voto do Eminente Ministro GILSON DIPP, a quem peço vênia para transcrição que segue:

"(...)No presente recurso especial, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul sustenta que a nova lei não pode ser aplicada na esfera estadual, já disciplinada pela Lei 9.099 ⁄ 95. Conheço do recurso porque satisfeitos os requisitos de admissibilidade, não merecendo prosperar a irresignação. O art. 61 da Lei 9.099 ⁄ 95 tem o seguinte teor: ‘Art. 61 - Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.’ Ocorre que a Lei 10.259 ⁄ 01 - que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal - trouxe nova definição de delitos de menor potencial ofensivo, acabando por ampliar seu rol ao incluir os delitos para os quais e lei preveja pena máxima não superior a dois anos. Como ambas as leis trazem disposições sobre o mesmo tema, conclui-se que o art. 2º, parágrafo único, da Lei 10.259 ⁄ 01 acabou por derrogar tacitamente o art. 61 da Lei 9.099 ⁄ 95, em aplicação ao princípio constitucional da isonomia, uma vez que não há sentido em se criar dois sistemas de juizados especiais diferentes, uma no âmbito federal e outra no estadual. E a nova lei, ao contrário da anterior, não fez qualquer ressalva acerca dos delitos submetidos a procedimentos especiais. Neste contexto, não há dúvidas de que todas as infrações cuja pena máxima não exceda a dois anos, inclusive as de rito especial, passaram a integrar o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, de competência dos Juizados Especiais. O julgamento do delito em questão - posse de droga para uso próprio (art. 16 da Lei 6.368 ⁄ 76), cuja pena máxima não excede a dois anos - deve ser realizado, portanto, perante o Juizado Especial Criminal. RECURSO ESPECIAL Nº 523.227 - RS (2003 ⁄ 0068138-5 - JULGADO: 16 ⁄ 09 ⁄ 2003)". (Grifamos)

Com o mesmo entendimento doutrinário, e de forma clara e judiciosa, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, José Arnaldo da Fonseca, da 5a. Turma, em 23.03.2004, no RHC 15.371, ao tratar da matéria em seu voto, cuja ementa é transcrita logo abaixo, assim manifestou: “Acresça-se, contudo, que a indicação da pena de multa, para que o crime possa situar-se no âmbito da competência do Juizado, tem de ser única e autônoma, e não acompanhada de pena reclusiva acima do limite estabelecido".

RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE. MATÉRIA MERITÓRIA. PRETENSÃO À TRANSAÇÃO PENAL. CONDUTA CUJA PENA ULTRAPASSA O LIMITE LEGAL. TESE INSUBSISTENTE. O trancamento de ação penal exige a comprovação incontroversa do direito do acusado e, do mesmo modo, em sede de habeas corpus não se acolhe discussão de cunho eminentemente meritório, isto é, que necessita da incursão probatória e da via cognitiva plena.Segundo a nova roupagem dos crimes de menor potencial ofensivo instituída pelo parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 10.259/01, o direito à transação penal se dá quando diante de conduta cuja pena privativa máxima prevista não exceda dois anos, sendo indiferente a indicação de multa alternativa nos casos acima do patamar reclusivo. Recurso desprovido. Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp, Jorge Scartezzini e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

RHC 15371 / RS ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS - 2003/0218352-1 - DJ DATA:26/04/2004 PG:00180 - Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA (1106) - 23/03/2004 - T5 - QUINTA TURMA. (GRIFAMOS).

Seguindo a mesma linha de raciocínio jurídico do Douto Ministro, colaciono os seguintes julgados do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que reconhecem como delito de menor potencial ofensivo, aquele cuja pena máxima não exceda a dois anos:

CRIMINAL. RESP. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. ALTERAÇÃO DO LIMITE DE PENA MÁXIMA. INJÚRIA. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. DERROGAÇÃO TÁCITA. INCIDÊNCIA DOS DELITOS SUJEITOS A PROCEDIMENTOS ESPECIAIS. RECURSO DESPROVIDO. I - Com o advento da Lei 10.259/01 - que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal – foi fixada nova definição de delitos de menor potencial ofensivo, cujo rol foi ampliado, devido à alteração para dois anos do limite de pena máxima. II - Por aplicação do princípio constitucional da isonomia, houve derrogação tácita do art. 61 da Lei 9.099/95. III - Não tendo, a nova lei, feito qualquer ressalva acerca dos crimes submetidos a procedimentos especiais, todas as infrações cuja pena máxima não exceda a dois anos, inclusive as de rito especial, passaram a integrar o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, cuja competência é dos Juizados Especiais. IV - O julgamento do crime de injúria deve ser realizado pelo Juizado Especial Criminal. V - Recurso desprovido.Data da Decisão 16/09/2003 Orgão Julgador T5 - QUINTA TURMA – Decisão - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conheceu do recurso, mas lhe negou provimento. Os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Laurita Vaz, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.

STJ - Acórdão RESP 527836 / RS ; RECURSO ESPECIAL - 2003/0047121-1 Fonte DJ DATA:06/10/2003 PG:00319 Relator Min. GILSON DIPP

CRIMINAL. RESP. INDICAÇÃO EQUIVOCADA DA ALÍNEA FUNDAMENTADORA NÃO OBSTA O CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. ALTERAÇÃO DO LIMITE DE PENA MÁXIMA. PORTE DE ARMA DE FOGO. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS AINDA QUE O DELITO POSSUA RITO ESPECIAL. MODIFICAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO DADA AO ART. 61 DA LEI 9.099/95. TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I - Não é obstáculo ao conhecimento do recurso o fato do recorrente ter interposto o recurso especial com fundamento na alínea "c", e fundamentado a insurgência na ofensa à legislação federal, demonstrando ter apenas se equivocado na indicação da alínea fundamentadora do recurso. II - Com o advento da Lei 10.259/01 - que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal – foi fixada nova definição de delitos de menor potencial ofensivo, cujo rol foi ampliado devido a alteração para dois anos o limite de pena máxima. III - Em aplicação ao princípio constitucional da isonomia, houve derrogação tácita do art. 61 da Lei 9.099/95. IV - Não tendo a nova lei feito qualquer ressalva acerca dos delitos submetidos a procedimentos especiais, todas as infrações cuja pena máxima não exceda a dois anos, inclusive as de rito especial, passaram a integrar o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, cuja competência é dos Juizados Especiais. V - O crime de porte ilegal de arma, cuja pena máxima prevista é de dois anos, passou a ser considerado delito de menor potencial ofensivo, de competência do Juizado Especial Criminal, sendo-lhe aplicável o benefício da transação penal. VI - Recurso conhecido e desprovido. Data da Decisão 04/09/2003. Orgão Julgador : T5 - QUINTA TURMA – Decisão - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conheceu do recurso, mas lhe negou provimento. Os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Laurita Vaz, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.

STJ – Acórdão - RESP 509456 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2003/0045311-2 – Fonte - DJ DATA:29/09/2003 PG:00334 - Relator Min. GILSON DIPP

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 16 DA LEI 6.368/76. TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. AMPLIAÇÃO DO ROL DOS DELITOS DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. ART. 61 DA LEI Nº 9.099/95 DERROGADO PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DA LEI Nº 10.259/2001. I - Com o advento da Lei nº 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal, por meio de seu art. 2º, parágrafo único, ampliou-se o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, por via da elevação da pena máxima abstratamente cominada ao delito, nada se falando a respeito das exceções previstas no art. 61 da Lei nº 9.009/95. II – Desse modo, devem ser considerados delitos de menor potencial ofensivo, para efeito do art. 61 da Lei n. 9.099/95, aqueles a que a lei comine, no máximo, pena detentiva não superior a dois anos, ou multa, sem exceção. III – Assim, ao contrário do que ocorre com a Lei nº 9.099/95, a Lei n º 10.259/2001 não excluiu da competência do Juizado Especial Criminal os crimes que possuam rito especial, alcançando, por conseqüência, o delito previsto no art. 16 da Lei 6.368/76. Recurso provido. Data da Decisão 17/06/2003 Orgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Decisão - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso para anular todos os atos processuais desde o recebimento da denúncia, inclusive, para que outro julgamento seja realizado, analisando-se, previamente, a possibilidade de oferecimento de proposta de transação penal por parte do Ministério Público. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e José Arnaldo da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Jorge Scartezzini.

STJ - Acórdão RHC 14198 / SP ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2003/0038731-2 Fonte DJ DATA:25/08/2003 PG:00328 Relator Min. FELIX FISCHER

PENAL E PROCESSUAL PENAL CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. TURMA RECURSAL E TRIBUNAL DE ALÇADA DO MESMO ESTADO. COMPETÊNCIA DO STJ PARA DIRIMI-LO. (CP, ART. 132). I – Com o advento da Lei nº 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal, por meio de seu art. 2º, parágrafo único, ampliou-se o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, por via da elevação da pena máxima abstratamente cominada ao delito. Desse modo, devem ser considerados delitos de menor potencial ofensivo, para efeito do art. 61 da Lei n. 9.099/95, aqueles a que a lei comine, no máximo, pena detentiva não superior a dois anos, ou multa, sem exceção. II - Compete à Turma Recursal o julgamento de recurso interposto contra decisão condenatória em infração penal de menor potencial ofensivo. Conflito conhecido para que se declare a competência do Juízo Suscitante (Turma Recursal). Data da Decisão 25/06/2003 Orgão Julgador S3 - TERCEIRA SEÇÃO Decisão Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Suscitante, Turma Recursal do Juizado Especial de Ipatinga - MG, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini, Paulo Gallotti, Laurita Vaz, Paulo Medina e Fontes de Alencar. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.

STJ - Acórdão CC 38512 / MG ; CONFLITO DE COMPETENCIA 2003/0031534-0 Fonte DJ DATA:12/08/2003 PG:00187 Relator Min. FELIX FISCHER

Em recente julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, da lavra do eminente Desembargador Jamil Pereira de Macedo, em conflito de competência estabelecido entre o 1º. Juizado Especial Criminal e a 3ª. Vara Criminal de Goiânia, foi assim decidido:

EMENTA – CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO COMUM. CRIME CONTRA ORDEM ECONÔMICA E AS RELAÇÕES DE CONSUMO. PENA MÁXIMA COMINADA DE QUATRO ANOS DE DETENÇÃO. COMPETÊNCIA DA TERCEIRA VARA CRIMINAL. 1. Nos termos da Lei 10.259/01 constitui infração de pequeno potencial ofensivo aquela a que a lei comina pena máxima não superior a dois anos. 2. O crime descrito no art. 6º. da Lei n. 8.137/90 é sancionado com a pena máxima de quatro anos de detenção, escapando, por isto, a competência dos Juizados Especiais Criminais. DECLARADO COMPETENTE O SEGUNDO JUIZ DE DIREITO DA 3ª. VARA CRIMINAL DA COMARCA DE GOIÂNIA, POR UNANIMIDADE".

Buscando ainda guarida no direito comparado, que serviu de sustentáculo para a elaboração da Lei n. 9.099/95, mais precisamente no modelo de Código de Processo Penal da Alemanha Federal, em que houve uma maior abertura para o exercício do princípio da oportunidade, o legislador, embasado neste sistema e nos fundamentos para a conceituação de delito de menor potencial ofensivo presentes no Projeto Argentino do Código de Processo Penal Federal, em que se fez constar a previsão de um procedimento sumaríssimo para as infrações penais que não superassem a dois anos de detenção (art. 371 e segs.), tornou claro, que a interpretação para conceituação do que seria crime de menor potencial ofensivo, esbarra nitidamente no máximo de pena imposta ao crime, não possibilitando a interpretação extensiva que se insiste em adotar.

Em nosso singelo entendimento, não há, portanto, como pairar dúvida acerca da nova conceituação de delito de menor potencial ofensivo trazida pela Lei n. 10.259/01, ante a existência de reiterados julgados fixando como teto, limite, a pena de dois anos para o reconhecimento do delito de menor potencial ofensivo.


2 – DOS REFLEXOS DA ADOÇÃO DA CONCEITUAÇÃO DE DELITO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO PARA CRIMES CUJA PENA EXCEDAM A DOIS ANOS

Entender como delito de menor potencial ofensivo aquele cuja pena exceda a dois anos, é pisotear a finalidade da Lei e estender a interpretação por um caminho obscuro e de fim duvidoso, em confronto com a busca da verdade real.

Há que se observar, que a grande maioria dos delitos de pequeno potencial ofensivo não carecem de maior amplitude de provas, invadindo a seara das perícias, ficando adstritos a meros relatórios médicos, no que diz respeito, por exemplo, aos delitos de lesão corporal, necessário para materialização do crime. Não se pode dizer o mesmo quando existe a necessidade premente de perícias bem elaboradas, com matéria de alta indagação, quase sempre referente a delitos de maior complexidade, como os da Lei dos Crimes Ambientais, os quais demandam laudos técnicos e análises detalhadas acerca do impacto ambiental, dos meios de recuperação da degradação, da extensão do dano, etc., restritos no âmbito do Juizado Especial Criminal pelo rito compacto do procedimento sumário.

Incompatível assim a visão jurídica que insiste em firmar o entendimento que estende a competência dos Juizados Especiais também para os crimes cuja pena é superior a dois, pelo simples fato de haver alternância com a multa. Se assim se entender, os delitos tipificados nos artigos 4º, 5º, 6º e 7º da Lei 8.137/90, cujas penas máximas alcançam a cinco anos, inclusive de reclusão, ou multa, seriam todos da competência dos Juizados Especiais Criminais, o que consiste em um verdadeiro absurdo.

O artigo 2º (5). da Lei n. 10.259/01 é exaustivo em fixar o máximo da pena dos delitos de menor potencial ofensivo, em dois anos, e também alcançar aqueles delitos apenados somente com multa, ou mesmo estando esta cumulada com a pena privativa de liberdade.

2.1 - DA NULIDADE PELO CERCEAMENTO DE DEFESA E INVERSÃO DO RITO

A inversão do rito ordinário para o sumário, onde a amplitude de defesa é restrita, devido a inexistência da cisão ocorrida entre a produção das provas requeridas pela acusação e defesa, e ainda pela maior oportunidade de produção de provas no primeiro dos ritos, denotam a clara e evidente restrição da amplitude do exercício da defesa no rito sumário, resultando em evidente motivo de nulidade, que compete ao Julgador e ao Ministério Público zelar para que não ocorra.

Nesse sentido já se firmou a jurisprudência:

PROCESSO CRIME – NULIDADE – OCORRÊNCIA – Adoção do rito sumário e não do ordinário, no caso considerado de ordem pública – Supressão da fase dos artigos 499 e 500 do Código de Processo Penal – Ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa – Artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República – Nulidade a partir da deliberação que encerrou a instrução – Recurso parcialmente provido. As normas de processo são de direito público e cogentes. A supressão de fases do processo implica em cerceamento de defesa. Essa ofensa atinge a Constituição da República, no que concerne aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. E a nulidade é absoluta.

(TJSP – ACr 126.177-3 – São José do Rio Pardo – Rel. Des. Celso Limongi – J. 17.02.1994)

PROCESSO CRIME – NULIDADE – OCORRÊNCIA – Lesão corporal seguida de morte – Rito sumário – Inadmissibilidade – Crime apenado com reclusão deve observar o rito ordinário – Nulidade decretada – Recurso provido para esse fim. (TJSP – ACr 73.627-3 – Lençóis Paulista – Rel. Des. Fortes Barbosa – J. 26.03.1990) PROCESSUAL PENAL – PROCESSO-CRIME – NULIDADE – SUBSTITUIÇÃO DO RITO ORDINÁRIO PELO RITO SUMÁRIO – PRELIMINAR ACOLHIDA – A adoção do procedimento especial do rito sumário aos invés do procedimento comum cabível à espécie, importa em restrição inaceitável ao direito de defesa assegurado em lei e causa nulidade absoluta do processo, máxime se postergam os prazos assegurados nos arts. 499 e 500 do Código de Processo Penal.

(TJMT – ACr 2.507/97 – Classe I – 14 – Cáceres – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Díocles de Figueiredo – J. 10.09.1997)

2.2 - DA COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL

Se é atribuído indevidamente aos Juizados Especiais Criminais a apuração e julgamento de delitos que não são de menor potencial ofensivo, em razão de ter este competência constitucional [6] somente para apuração de tais crimes, outros por ele apurados também resultarão na nulidade de todos os atos praticados, respeitado o disposto no artigo 567 do Código de Processo Penal. Não bastassem as questões de ordem jurídica, a ampliação do conceito de delito de menor potencial ofensivo resultará em um imediato abarrotamento nos Juizados Especiais Criminais com uma infinidade de Termos Circunstanciados de Ocorrência, o que já ocorre na atualidade, deturpando a finalidade para qual foram aqueles criados. Hoje já existe uma avalanche de Termos Circunstanciados de Ocorrência em andamento nos Juizados, tornando impossível a realização de audiências preliminares em tempo hábil para solução imediata dos conflitos, resultando no evidente desvirtuamento da Lei, que tinha como alvo desafogar a Justiça como um todo. A Lei dos Juizados Especiais vem servindo de motivo de chacota e de severas críticas, resultantes da institucionalização das famosas “cestas básicas” como objeto de transação penal, e também pela falta de celeridade na solução das questões objeto de Termos Circunstanciados de Ocorrência, em que as vítimas buscam a Justiça para obtenção de uma resposta rápida, e acabam amargando o dissabor de esperar meses e meses para serem ouvidas por um Juiz e um Promotor, que em virtude do elevado número de audiências, não podem dar a atenção devida e merecida a quem busca o amparo do Estado Juiz.


3 – DAS CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO DA PENA PARA EFEITO DE ADEQUAÇÃO AO CONCEITO DE DELITO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO

Segundo a doutrina, e citamos aqui LUIZ FLÁVIO GOMES [7], ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO e ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES [8], ao se analisar as causas de diminuição de pena, como no caso de tentativa, há que se considerar o máximo da pena imposta ao delito e o mínimo da diminuição para se estabelecer se o delito poderá ser considerado de menor potencial ofensivo, senão vejamos as lições dos mestres: LUIZ FLÁVIO GOMES - “Recorde-se que para se descobrir a pena máxima de um delito devemos, quando o caso, levar em conta eventuais causas de aumento de pena (trabalhando com o limite máximo) assim como as causas de diminuição (dando aplicação ao redutor mínimo: por exemplo, um terço na tentativa). Crime punido com dois anos no máximo, se tem uma causa de aumento de pena e extrapola o limite legal, não entra no conceito de infração de menor potencial ofensivo. Crimes muito graves, com penas elevadas (homicídio, v.g.), ainda que tentados, tampouco admitirão transação penal (porque, mesmo havendo redução da pena, ela ultrapassa o limite de dois anos)”. “(...)Quando houver tentativa, deve-se considerar o máximo da pena prevista e o mínimo de redução pela tentativa, pois só assim será atingido o máximo de pena para o crime tentado que não poderá ser superior a um ano (dois anos).” Passamos então a analisar as questões de forma prática, no que concerne ao delito de furto na forma tentada e privilegiada. Dizem os artigos 155 e 14, inciso II, do Código Penal Brasileiro:

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

Art. 14 - Diz-se o crime:

Crime consumado

I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; Tentativa

II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Pena de tentativa

Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. (grifamos).

Segundo se depreende do texto legal, a redução em ambos os casos (tentativa e privilégio), será de no mínimo um terço da pena. Se considerarmos o máximo da pena imposta ao delito em questão, ou seja, quatro anos, o que equivale a 48(quarenta e oito) meses, a aplicação do mínimo da causa de diminuição de pena (um terço), resultará em uma pena de 32 (trinta e dois) meses, não sendo, portanto, o delito de furto tentado da competência do Juizado Especial Criminal.

A faculdade da substituição da pena por multa no caso do furto privilegiado, deverá ser aferida pelo magistrado quando da sentença, a análise anterior a este momento processual poderá ensejar àquele que a fizer, uma verdadeira ingerência no poder de decisão do magistrado (persuasão racional), ou mesmo em usurpação de função pública, que constitui crime previsto no Código Penal Pátrio, e ainda, no absurdo de se aferir em um Termo Circunstanciado de Ocorrência, que consiste em um ato unilateral, desprovido de contraditório, um benefício que somente no decorrer do processo, com a juntada de antecedentes criminais e análises das circunstâncias do fato através das provas, das condições de sua real aplicabilidade ou não. Atropelar o princípio da persuasão racional para se presumir que o autor do fato é merecedor da faculdade do privilégio, conferindo à autoridade policial tal análise, é soterrar o processo penal e seus princípios basilares, sob a égide do direito penal mínimo, consensual e despenalizador, desmerecendo o princípio da legalidade, atropelado na ânsia de se buscar a salvação para o Estado que não consegue solucionar a demora na prestação jurisdicional, com o caminho da facilitação sem preocupação. Razoável, “é se dar a César o que é de César”. Se o delito contra o patrimônio sempre foi um dos mais odiados pela sociedade, por atingir seus bens conquistados no labor diário, ao lado dos odiosos delitos contra a vida, não podemos tratar a questão como de ordem do direito penal minimalista, pois nunca o foi e nunca o será. Para a sociedade, privilegiar o amigo do alheio é incentivar o crime, e dar mais asas àqueles que nem mesmo com o temor da cadeia foram capazes de pensar nas consequências de seus atos antes de sua prática, já cientes das penas irrisórias que lhe seriam impostas. Se a norma penal é criada para proteger a sociedade e se estabelecer regras de conduta, não podemos agir contrariando sua finalidade, sob o pecado de passarmos a agir de forma diversa dos anseios daqueles que clamam pela paz social. A insignificância do objeto do crime poderá de forma mais adequada e correta, e principalmente mais benéfica para o autor do fato ou indiciado, ser aferida em momento oportuno e por autoridade competente, tendo afastada a tipicidade com fundamento no crime de bagatela, já sedimentado nos Tribunais, mas jamais com a antecipação da valoração do privilégio por agente incompetente, a quem não cabe a análise do disposto no § 2º., do artigo 155 do Código Penal Brasileiro, onde está claro, que O JUIZ PODE SUBSTITUIR A PENA DE RECLUSÃO PELA DE DETENÇÃO, DIMINUÍ-LA DE UM A DOIS TERÇOS, OU APLICAR SOMENTE A PENA DE MULTA.


4 – DA AUSÊNCIA DE MODIFICAÇÃO DA CONCEITUAÇÃO DE DELITO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO COM O ARTIGO 94 DA A LEI N. 10.741, DE 1º. DE OUTUBRO DE 2003

O artigo 94 da Lei n. 10.741/03 veio mais uma vez demonstrar a incoerência do legislador ao elaborar as leis, pois fica evidenciado que queria agravar a pena para aqueles que praticassem crimes contra idosos, porém, ao mesmo tempo em que bate, também assopra, no dizer da expressão popular, ou seja, impõe pena de quatro anos a delitos cujo sujeito passivo é o idoso, conferindo a eles o rito dos Juizados Especiais Criminais para tais crimes, medida esta incompatível com a severidade que se buscava na reprimenda.

Em que pese a celeuma causada pelo novo dispositivo legal, que supostamente estaria conferindo uma nova conceituação ao delito de menor potencial ofensivo, ainda que de forma indireta, temos que considerar os ensinamentos do mestre DAMÁSIO, citado por RENATO FLÁVIO MARCÃO [9], que assim manifesta:

"O art. 94 somente pretendeu imprimir à ação penal por crimes contra o idoso, com sanção abstrata máxima não superior a 4 (quatro) anos, o procedimento da Lei n. 9.099/95, conferindo maior rapidez ao processo. Não seria razoável que, impondo um tratamento penal mais rigoroso aos autores de crimes contra o idoso, contraditoriamente viesse permitir a transação penal, instituto de despenalização (art. 76 da Lei dos Juizados Especiais Criminais). A ampliação do limite máximo viria permitir a concessão da roupagem de infrações de menor afetação jurídica a delitos de gravidade, como aborto consentido, furto e receptação simples, rapto, abandono material, contrabando, etc. O art. 61 da Lei n. 9.099/95 contém a conceituação de crimes de menor potencial ofensivo para efeito da competência dos Juizados Especiais Criminais. O art. 94 do Estatuto do Idoso disciplina a espécie de procedimento aplicável ao processo, não cuidando de infrações de menor potencial ofensivo. Temos, pois, disposições sobre temas diversos, cada uma impondo regras sobre institutos diferentes, sendo incabível a invocação do princípio da proporcionalidade".

Não poderia também ser aplicável a modificação da conceituação de delito de menor potencial ofensivo, se considerarmos que a criação dos Juizados Especiais Criminais foi prevista na Magna Carta, sendo a Lei n. 9.099/95 regulamentadora da previsão constitucional e de caráter específico, que não tendo o condão de alterar a conceituação imposta pela Lei n. 9.099/95 e modificada pela Lei n. 10.259/01, as quais tratam única e exclusivamente de matéria inerente aos Juizados Especiais Criminais.

Cita ainda RENATO FLÁVIO MARCÃO, as conclusões de JAYME WALMER DE FREITAS [10] em artigo redigido e publicado na internet, com o seguinte teor:

"a) o Estatuto somente inovou no campo processual ao ampliar a competência, em razão da matéria, dos Juizados Especiais Criminais, trazendo como conseqüência a possibilidade de processar e julgar os crimes contra idosos não considerados de menor potencial ofensivo que tenham pena máxima superior a 2 (dois) anos e igual ou inferior a 4 (quatro) anos;

b) não alterou o conceito de infração de menor potencial ofensivo, até o momento, privativo de leis específicas (Lei n. 9.099/95 e 10.259/2001);

c) não permitiu, a exemplo do Código de Trânsito Brasileiro, que os institutos da composição civil de danos e da transação penal fossem aplicados às infrações que refogem ao âmbito das de menor potencial e apenadas até 4 (quatro) anos, mantendo o status quo ante inalterado".

Ademais, o artigo 94 do Estatuto do Idoso, somente impõe a previsão do procedimento a ser seguido pelos crimes apenados com até quatro anos, especificamente tipificados naquele texto legal.

Nesse sentido se posicionou o ENUNCIADO 61 do FONAJE - FÓRUM NACIONAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS, que assim dispões:

"O processamento de medida despenalizadora prevista no artigo 94 da Lei n. 10.741/03, nas infrações cuja pena máxima prevista seja superior a dois anos, não compete ao Juizado Especial Criminal".

Portanto, a imposição de procedimento especial aos delitos mencionado na Lei n. 10.741/03 não modifica a conceituação de delito de menor potencial ofensivo.


5 – CONCLUSÃO

Diante dos argumentos transcritos, é forçosa a imposição da conceituação de delito de menor potencial ofensivo, para aqueles cuja pena seja superior a dois anos, embora tenham alternativamente imposta a pena de multa, sendo portanto, os Juizados Especiais Criminais, constitucionalmente incompetentes para conhecer e julgar delitos cuja pena exceda a este quantum, sob pena de incidir em nulidade absoluta, ferindo os artigos 98, inciso I, da Constituição Federal [10]; artigo 2º da Lei n. 10.259/200 e artigo 74 do Código de Processo Penal.


NOTAS

1 Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial

2 in Diário do Congresso Nacional – seção I, pág. 122, publicado em sexta-feira, 17 de fevereiro de 1989.

3 In JUIZADOS CRIMINAIS FEDERAIS, SEUS REFLEXOS NOS JUIZADOS ESTADUAIS E OUTROS ESTUDOS – São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, pág. 25.

4 Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo. Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.

5 Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

6 In, JUIZADOS CRIMINAIS FEDERAIS, SEUS REFLEXOS NOS JUIZADOS ESTADUAIS E OUTROS ESTUDOS, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, pág. 29 ;

7 In, JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS: COMENTÁRIOS À LEI N. 9.099/95 – 4ª. Edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, pág. 74.

8 MARCÃO, Renato Flávio. Infração penal de menor potencial ofensivo: o art. 94 da Lei n. 10.741/2003 não determinou nova definição do conceito. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jan. 2004. Disponível em: www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm

9 O Estatuto do Idoso e a Lei n. 9.099/95. Minas Gerais: Direito Penal – Revista de Direito Penal e Ciências Afins. Disponível em: www.direitopenal.adv.br

10 Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Luís Eduardo Barros. Crime de menor potencial ofensivo. Inaplicabilidade da multa alternativamente para caracterização do crime de menor potencial ofensivo, quando pena privativa de liberdade excede 2 anos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 418, 23 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5610. Acesso em: 25 abr. 2024.