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Convênios e contratos de patrocínio celebrados por empresas estatais

Convênios e contratos de patrocínio celebrados por empresas estatais

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Processualização da atividade administrativa pública e gestão consensual são paradigmas do controle jurídico do Estado democrático de direito. Convênios e contratos de patrocínio são ferramentas que se podem manejar para servir a esses paradigmas.

Sumário: 1. Introdução. 2. Convênio. 3. A ideia de lucro é alheia ao convênio. 4. Prévia licitação para a celebração de ajuste com entidade privada sem fins lucrativos. 5. Inaplicabilidade de prévia licitação para a celebração de convênio com ente público. 6. Ajustes celebrados com organizações da sociedade civil. 7. Processo seletivo para a escolha de organização da sociedade civil. 8. Ajustes celebrados com Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP. 9. Análise do histórico de envolvimento com corrupção ou fraude na celebração de convênio. 10. Adoção de controles e políticas de integridade. 11. Vedações à celebração de convênios e contratos de patrocínio. 12. Vedação à celebração de convênio e contrato de patrocínio com dirigente de partido político. 13. Vedação à celebração de convênio e contrato de patrocínio com titular de mandato eletivo. 14. Vedação à celebração de convênio e contrato de patrocínio com empregado ou administrador de empresa estatal, ou com seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau, e também com pessoa jurídica cujo proprietário ou administrador seja uma dessas pessoas. 15. Restrições à concessão de patrocínio. 16. Inaplicabilidade de licitação prévia para a concessão de patrocínio. 17. Conclusão


1. Introdução

A Lei nº 13.303/16, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, em seu art. 28, §2º, remete aos convênios e aos contratos de patrocínio a incidência de suas disposições “no que couber”. Significa que as normas previstas nesse diploma (processo administrativo, realização de prévia licitação, publicidade e transparência, formalização e controle de despesas e outros requisitos) são aplicáveis às hipóteses em que normas específicas que regulamentarem esses ajustes (convênios e contratos de patrocínio) não dispuserem a respeito da matéria. E, bem entendido, sem apagar a ontológica distinção entre convênio e contrato quanto à natureza jurídica de cada qual.

Celebra-se o primeiro (convênio) com vistas à realização de objetivos de interesse comum, ou seja, os partícipes têm interesses compartilhados e coincidentes. Celebra-se o segundo (contrato) para conciliar interesses diversos e opostos. No contrato há sempre duas partes (cada qual podendo desdobrar-se em mais de um signatário): uma pretende o objeto do ajuste e a outra almeja a contraprestação correspondente. No convênio não há partes, mas partícipes com as mesmas pretensões.  

A natureza jurídica do patrocínio é a de negócio jurídico bilateral atípico (art. 425 do Código Civil). A atipicidade decorre da inexistência de moldura delineada em lei para sua contratação em razão do exercício da autonomia de vontade dos sujeitos na consecução de finalidades lícitas, contudo, distintas e opostas. A parte denominada patrocinada se obriga a veicular a marca da outra parte, denominada patrocinadora, em determinado projeto/evento que se encarregará de promover para atender a objetivos culturais, esportivos, educacionais, sociais ou de inovação tecnológica. O patrocínio materializa-se por meio de apoio financeiro, que entidade, pública ou privada, destina a ações de terceiros para agregar valor à marca e/ou divulgar produtos, serviços, programas, projetos, políticas e ações do patrocinador.

De acordo com o art. 44, §4º, do Decreto nº 8.945/16, que regulamenta, no âmbito da União, a Lei nº 13.303/16, no contrato de patrocínio, assim como no convênio, devem ser observados os seguintes parâmetros cumulativos para sua celebração: (a) destinação para promoção de atividades culturais, sociais, esportivas, educacionais ou de inovação tecnológica; (b) vinculação ao fortalecimento da marca da empresa estatal; e (c) a aplicação, no que couber, da legislação de licitações e contratos. O interesse da entidade patrocinadora é o de vincular sua marca ao projeto/evento para o efeito de potencializar e maximizar o exercício de sua atividade. O interesse da parte patrocinada, pessoa física ou jurídica, é obter apoio à promoção de evento (cultural, esportivo, educacional etc.) ou projeto de fim específico, como, por exemplo, a realização de um campeonato esportivo, feira do livro ou espetáculo cultural.

Esquadrinhar os principais aspectos jurídicos que distinguem o convênio e o contrato de patrocínio é o objetivo deste estudo.


2. Convênio

De acordo com o art. 44, § 3º, do Decreto nº 8.945/16, a empresa estatal poderá formalizar instrumentos de convênio quando observados os seguintes parâmetros cumulativos: (a) convergência de interesses; (b) execução em regime de mútua cooperação; (c) alinhamento com a função social de realização do interesse coletivo; (d) análise prévia da conformidade do convênio com a política de transações com partes relacionadas; (e) análise prévia do histórico de envolvimento com corrupção ou fraude, por parte da instituição beneficiada, e da existência de controles e políticas de integridade na instituição; (f) destinação para promoção de atividades culturais, sociais, esportivas, educacionais e de inovação tecnológica; (g) vinculação ao fortalecimento da marca da empresa estatal; e (h) a aplicação, no que couber, da legislação de licitações e contratos.

No convênio, reitere-se, predomina o interesse comum dos partícipes, diversamente do que ocorre com o contrato, cuja premissa é a disputa entre sociedades empresárias que visam o lucro, para o fornecimento, a prestação ou a execução de determinado objeto necessário à administração pública, por isso que apresentarão propostas de preços e condições aferidas em face das práticas de mercado. No convênio não há partes, mas partícipes com as mesmas pretensões, daí a impropriedade do art. 44, §3º, I, do Decreto nº 8.945/16, que regulamenta, no âmbito da União, a Lei nº 13.303/16, ao aludir que a empresa estatal poderá celebrar instrumentos de convênio quando observada, dentre outros requisitos cumulativos, a convergência de interesses entre as “partes”.


3. A ideia de lucro é alheia ao convênio

Quando o poder público (concedente) transfere recursos a outro ente ou entidade, de índole pública ou privada (convenente), para que este execute determinado objeto, pressupõe-se que o único propósito que a ambos anima é o de realizar o objeto conveniado, de forma a implementar determinada política pública, em regime de parceria. A ideia de lucro, pois, é estranha ao convênio, tornando inapropriada a celebração desse ajuste com entidades empresariais. O convenente, por isso, pode ser um ente público ou entidade privada, desde que sem fins lucrativos.


4. Prévia licitação para a celebração de ajuste com entidade privada sem fins lucrativos

Na celebração de ajuste com entidade privada sem fins lucrativos deve predominar o interesse comum dos partícipes. Tal característica não afasta, por absoluto, a prévia realização de um processo seletivo (licitação) para a escolha da entidade que disponha das melhores condições técnicas para tornar mais eficaz a execução de determinado programa, quando existente mais de uma possível entidade em condições de celebrar o ajuste. Isto porque a análise objetiva dessas condições é que indicará a opção que superiormente atenda ao interesse público, o que somente se viabiliza mediante confronto em processo seletivo.

Daí a propriedade do disposto no art. 28, §2º, da Lei nº 13.303/16 e do art. 44, §4º, III, do Decreto nº 8.945/16, ao aludirem, respectivamente, à aplicação, aos convênios, das normas do estatuto jurídico das empresas estatais, “no que couber”, a legislação de licitações e contratos. Ilustra-se com a aplicação da regra da realização de prévia licitação (art. 28, caput), requisitos de habilitação (art. 58) e publicidade (art. 48), úteis para a seleção, procedimento e transparência desses ajustes. Também a aplicação do art. 30 da Lei, na hipótese em que configurada a inviabilidade de seleção prévia de entidade privada sem fins lucrativos.

Tanto a decisão que adota o processo seletivo prévio como a que o dispense — por existir uma única entidade sem fins lucrativos apta a celebrar o ajuste — deve ser motivada, explicitando-se as razões de fato e de direito que lhes dão sustentação.


5. Inaplicabilidade de prévia licitação para a celebração de convênio com ente público

Em regra, não se cogita de procedimento seletivo prévio para a escolha dos parceiros, entes públicos, porque estes, por definição, estarão sempre desinteressados de qualquer contraprestação, daí o despropósito de uma competição seletiva sob as condições do mercado.

A escolha dos convenentes, entes públicos, via de regra, é pautada pela inviabilidade de competição, na medida em que o concedente e o convenente visam atingir um objetivo ou uma meta para a implementação de determinada política pública. A inviabilidade de realizar-se licitação para a escolha desses convenentes (entes públicos) reside na peculiar natureza do convênio: acordo negociado sobre os objetivos de ações públicas, por meio da apresentação de proposta de trabalho por um dos partícipes (convenente), analisado e aceito pelo outro (concedente) e, sendo necessário, ajustado por aquele; compromisso de desenvolvimento dessas ações a partir de cronograma que consulte as realidades do orçamento e o horizonte do planejamento; contribuições recíprocas (v.g., financeiras, de gestão de pessoas e técnicas) dos partícipes, visando à realização dos objetivos acordados.


6. Ajustes celebrados com organizações da sociedade civil

A Lei nº 13.019/14 dispõe sobre o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, de fomento ou em acordos de cooperação, bem como define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil.

Seu art. 2º, II, assim define administração pública para o efeito de sua aplicação: “União, Estados, Distrito Federal, Municípios e respectivas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, e suas subsidiárias, alcançadas pelo disposto no § 9º do art. 37 da Constituição Federal”. Anote-se desde logo, portanto, que dita lei, quando estende a sua incidência a empresas públicas e sociedades de economia mista, somente menciona as prestadoras de serviço público, silenciando quanto às que exploram atividade econômica.

De outro lado, considera organização da sociedade civil, segundo define em seu art. 2º, I: (a) a entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva; (b) as sociedades cooperativas previstas na Lei nº 9.867/99, ou seja, as integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social, as alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda, as voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de cunho social; e (c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos. Tais entidades, como se depreende, distinguem-se por não possuírem fins lucrativos.

Os ajustes podem ser formalizados por meio dos seguintes instrumentos:

(a) termo de colaboração: instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, propostas pela administração pública e que envolvam a transferência de recursos financeiros;          

(b) termo de fomento: instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, propostas pelas organizações da sociedade civil e que envolvam a transferência de recursos financeiros;         

(c) acordo de cooperação: instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, que não envolvam a transferência de recursos financeiros.          

Tem entendido o Tribunal de Contas da União que se aplica às parcerias entre a administração pública federal e as organizações da sociedade civil o regime jurídico estabelecido pela Lei nº 13.019/14, em substituição aos normativos de convênios celebrados apenas entre entes governamentais (Acórdão nº 3.162/2016 – Plenário, Rel. Min. Vital do Rêgo, Processo nº 023.922/2015-0).  


7. Processo seletivo para a escolha de organização da sociedade civil

A transferência de recursos financeiros, quando houver, objetivará a estrita execução do objeto da parceria, cuja formalização em nenhuma hipótese cogitará de lucro ou superávit, seja em favor da entidade administrativa, aqui incluídas as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos, seja em favor da organização da sociedade civil, pela evidente razão de que nenhuma dessas pessoas jurídicas visa lucro em seu sentido empresarial, nem ações de colaboração, fomento ou cooperação incluem o propósito de lucro. Por conseguinte, tampouco seria de admitir-se a presença de incentivos econômicos para a formalização dos respectivos termos e acordos.

Tal a ratio do art. 24 da Lei nº 13.019/14, segundo o qual, exceto nas hipóteses previstas no próprio diploma, a celebração de termo de colaboração ou de fomento será precedida de chamamento público voltado a selecionar organizações da sociedade civil que tornem mais eficaz a execução do objeto.  A regra, pois, é a realização de processo seletivo prévio para a escolha da organização da sociedade civil que melhor atenda aos requisitos previamente estabelecidos para a prestação de atividade ou execução de projeto. Não se trata de selecionar a proposta mais vantajosa, mas de avaliar condições de eficiência e eficácia na execução do objeto justificador da parceria.

Segundo a Lei nº 13.019/14, é dispensável a realização de chamamento público nas seguintes hipóteses:

a) no caso de urgência decorrente de paralisação ou iminência de paralisação de atividades de relevante interesse público realizadas no âmbito de parceria já celebrada, limitada a vigência da nova parceria ao prazo do termo original, desde que atendida a ordem de classificação do chamamento público, mantidas e aceitas as mesmas condições oferecidas pela organização da sociedade civil vencedora do certame;

b) nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem pública, para firmar parceria com organizações da sociedade civil que desenvolvam atividades de natureza continuada nas áreas de assistência social, saúde ou educação, que prestem atendimento direto ao público e que tenham certificação de entidade beneficente de assistência social, nos termos da Lei nº 12.101/09;

c) quando se tratar da realização de programa de proteção a pessoas ameaçadas ou em situação que possa comprometer a sua segurança.

Considera-se inexigível o chamamento público na hipótese de inviabilidade de competição entre as organizações da sociedade civil, em razão da natureza singular do objeto do plano de trabalho ou quando as metas somente puderem ser atingidas por uma entidade específica.


8. Ajustes celebrados com Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP

Conforme estatuído pela Lei nº 9.790/99, o termo de parceria é o instrumento passível de ser firmado entre o poder público e entidades privadas sem fins lucrativos, qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), com o fim de formar vínculo de cooperação para o fomento e a execução das seguintes atividades de interesse público: (a) promoção da assistência social; (b) promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; (c) promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata a lei; (d) promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata a lei; (e) promoção de segurança alimentar e nutricional; (f) defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; (g) promoção do voluntariado; (h) promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; (i) experimentação, não lucrativa, de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; (j) promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; (k) promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; (l) estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas no mesmo artigo.

De acordo com a Portaria Interministerial nº 424, de 30 de dezembro de 2016, art. 1º, inciso XXXIII, termo de parceria é o instrumento jurídico previsto na Lei nº 9.790/99, para transferência de recursos para entidade privada sem fins lucrativos, que se qualifique como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP. Aplicam-se as disposições da Lei nº 13.019/14, no que couber, às relações da administração pública com entidade qualificada como OSCIP, de que trata a Lei nº 9.790/99, regidas por termos de parceria. Órgãos e entidades públicas podem celebrar não apenas o termo de parceria, mas também convênio com OSCIP, conforme se extrai da Orientação Normativa nº 29, de 15 de abril de 2010, da Advocacia-Geral da União, verbis:

A Administração Pública pode firmar termo de parceria ou convênio com as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), observada, respectivamente, a regra do concurso de projetos ou do chamamento público. A opção pelo Termo de Parceria ou Convênio deve ser motivada. Após a celebração do instrumento, não é possível alterar o respectivo regime jurídico, vinculando os partícipes.

De acordo com o art. 23 do Decreto nº 3.100/99, a escolha da OSCIP, para a celebração de termo de parceria, deverá ser feita por meio de publicação de edital de concurso de projetos, providenciada pelo órgão ou entidade estatal parceira na obtenção de bens e serviços e na realização de atividades, eventos, consultoria, cooperação técnica e assessoria.


9. Análise do histórico de envolvimento com corrupção ou fraude na celebração de convênio

Segundo o art. 44, § 3º, do Decreto nº 8.945/16, a empresa estatal poderá celebrar instrumento de convênio desde que observada, cumulativamente com outros requisitos, a análise prévia do histórico de envolvimento com corrupção ou fraude, por parte da instituição beneficiada.

Reitere-se que a ideia de lucro é estranha ao convênio, razão pela qual este deve efetivar-se com entidades privadas sem fins lucrativos, de modo a que estas possam atuar em regime de mútua colaboração com a empresa estatal.

O histórico de envolvimento com corrupção ou fraude, a impedir a celebração de convênio, deve encontrar supedâneo em decisão transitada em julgado, por aplicação de preceito constitucional segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII).


10. Adoção de controles e políticas de integridade

No tocante à celebração de convênio com entidade que comprove a adoção de controles e políticas de integridade (compliance), traduzem-se, tais medidas, no conjunto de ações para fazer cumprir normas legais e regulamentares, observar políticas e diretrizes estabelecidas para a execução de suas atividades e ajustes com órgãos e entidades públicas, evitando-se qualquer desvio ou inconformidade. Afere-se a prática de controles e políticas de integridade, por parte de instituições que almejam celebrar convênios com empresa estatal, por meio de sistema de avaliação de desempenho, implementado por esta última (empresa estatal), útil para o efeito de pontuar as propostas de instituições quando de suas participações em processos seletivos.

A propósito, para subsidiar a implementação de política de integridade prevista no Decreto nº 8.945/16, confiram-se os artigos 41 e 42 do Decreto federal nº 8.420/15, que regulamenta a Lei nº 12.846/16 (Lei Anticorrupção), que define programa de integridade como o conjunto de mecanismos e procedimentos internos de auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, de aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, e de políticas e diretrizes com objetivo de identificar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.


11. Vedações à celebração de convênios e contratos de patrocínio

O art. 44, §4º, III, do Decreto nº 8.945/16 veda a celebração de convênio ou contrato de patrocínio com dirigente de partido político, titular de mandato eletivo, empregado ou administrador de empresa estatal, ou com seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau, e também com pessoa jurídica cujo proprietário ou administrador seja uma dessas pessoas. Analisa-se, a seguir, cada uma dessas situações.


12. Vedação à celebração de convênio e contrato de patrocínio com dirigente de partido político

Partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado que se destinam a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defesa de direitos fundamentais definidos na Constituição da República. Recebem recursos provenientes do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, conhecido como “Fundo Partidário”, constituído, entre outros recursos, por dotações orçamentárias da União (art. 38 da Lei nº 9.096/95).

É estranha a partidos políticos e à atuação de seus dirigentes a execução das finalidades indicadas no art. 44, § 4º, I e II, do Decreto nº 8.945/16 (promoção de atividades culturais, sociais, esportivas, educacionais e de inovação tecnológica e fortalecimento da marca da empresa estatal), razão pela qual é vedada, a essa espécie de entidade e a seus dirigentes, a celebração de convênios e contratos de patrocínio com empresas estatais. A celebração de tais ajustes, seja com partidos políticos ou com seus dirigentes, afrontaria, por isto mesmo, a igualdade de oportunidades que deve prevalecer nos pleitos eleitorais e daria azo a discriminações afrontosas à impessoalidade e à isonomia, princípios e valores constitucionais.


13. Vedação à celebração de convênio e contrato de patrocínio com titular de mandato eletivo

Fere o princípio da moralidade a celebração de convênio ou contrato de patrocínio com titular de mandato eletivo.

Aos chefes do poder executivo (Presidente da República, governadores e prefeitos) incumbe a direção da administração e a representação do ente público em suas relações jurídicas, políticas e administrativas. Possuem poder de decisão e influência sobre os atos de gestores públicos, razão pela qual o exercício de tais atribuições não se coaduna com a de parte em contrato de patrocínio e nem com a de partícipe em convênio. A proibição prevista no art. 44, §4º, III, do Decreto nº 8.945/16 visa a evitar que tais agentes políticos criem ou estimulem ações em seu próprio benefício, em razão da função que desempenham.

Incumbe aos membros do poder legislativo (senadores, deputados federais e estaduais e vereadores) fiscalizar e controlar os atos do poder executivo, incluídos os da administração indireta, e propor e aprovar leis, incluídas as que criam ou extinguem tributos e estabelecem desonerações. São incompatíveis com a função fiscalizadora dos membros do poder legislativo, bem assim com as funções de propor e aprovar leis, as quais podem beneficiar entidades da administração indireta, a condição de parte em contratos de patrocínio com a administração pública e a condição de convenente. A proibição prevista no art. 44, §4º, III, do Decreto nº 8.945/16, no que tange a esses agentes políticos, almeja evitar que fiquem a mercê de gestores de empresas estatais, perdendo, assim, a independência necessária ao pleno exercício do mandato.


14. Vedação à celebração de convênio e contrato de patrocínio com empregado ou administrador de empresa estatal, ou com seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau, e também com pessoa jurídica cujo proprietário ou administrador seja uma dessas pessoas

O art. 44, §3°, VI, do Decreto nº 8.945/16 veda a celebração de convênio e contrato de patrocínio com empregado ou administrador de empresa estatal e, ainda, com pessoa jurídica cujo proprietário ou administrador seja também empregado ou administrador de empresa estatal, alcançando seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau. A norma considera um risco a existência de relações pessoais e profissionais entre os sujeitos que definem o destino desses ajustes e empregados e administradores (e seus parentes) que desempenham suas funções na mesma empresa estatal.

A vedação quer preservar a lisura e a equidade dos processos de contratação de patrocínio e de convênio, partindo do pressuposto de que o empregado ou administrador que desempenha suas atividades na empresa estatal pode dispor de informações privilegiadas e até influir na tomada de decisões, situações que o colocariam em posição de vantagem perante os demais interessados em celebrar tais ajustes.

Recordem-se os graus de parentesco alcançados pela vedação:

FORMAS DE PARENTESCO

GRAUS DE PARENTESCO

1º GRAU

2º GRAU

3º GRAU

Parentes Consanguíneos

Em linha reta

Ascendentes

PAIS (INCLUSIVE MADASTRA E PADASTRO)

AVÓS

BISAVÓS

Descendente

FILHOS

NETOS

BISNETOS

Em linha colateral

IRMÃOS

TIOS E SOBRINHOS

(E SEUS CÔNJUGES)

Parentes por Afinidade

Em linha reta

Ascendentes

SOGROS (INCLUSIVE MADASTRA E PADASTRO DO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO)

AVÓS DO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO

BISAVÓS DO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO

Descendente

ENTEADOS, GENROS, NORAS (INCLUSIVE DO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO)

NETOS

(EXCLUSIVOS DO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO)

BISNETOS

(EXCLUSIVOS DO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO)

Em linha colateral

CUNHADOS

(IRMÃOS DO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO)

TIOS E SOBRINHOS DO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO (E SEUS CÔNJUGES)

Fonte:http://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/depes/secretariado-parlamentar/diagrama-de-parentesco

A celebração de contratos de patrocínio e convênios com parentes de empregados e administradores de empresa estatal viola o princípio da moralidade e apresenta-se com flagrante potencial de violação aos princípios da isonomia e da impessoalidade.

De acordo com o Tribunal de Contas da União, incide a vedação ao nepotismo também nas relações de patrocínio. Segundo a  Corte de Contas, a aprovação de projeto de patrocínio proposto por entidade que tem como sócio filho de diretor da instituição patrocinadora constitui grave violação aos princípios da impessoalidade e da moralidade, a atrair aplicação de multa aos responsáveis (Acórdão nº 1.825/2015 - Primeira Câmara, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº 020.183/2010-0).


15. Restrições à concessão de patrocínio

A empresa pública e a sociedade de economia mista podem celebrar contrato de patrocínio com pessoa física ou jurídica para a finalidade de promover atividades culturais, sociais, esportivas, educacionais ou de inovação tecnológica, desde que comprovadamente vinculadas ao fortalecimento de suas marcas. Ou seja, a concessão de patrocínio materializa-se por meio de apoio financeiro concedido por empresa estatal a ações de terceiros visando a agregar valor à sua marca e/ou divulgar produtos, serviços, programas, projetos, políticas e ações do patrocinador junto ao público-alvo.

De acordo com o art. 93 da Lei nº 13.303/16, as despesas com patrocínio da empresa pública e da sociedade de economia mista não podem ultrapassar, em cada exercício, 0,5% (cinco décimos por cento) da receita operacional bruta do exercício anterior. Esse índice poderá ser ampliado até 2% (dois por cento) da receita bruta do exercício anterior, por proposta da diretoria da empresa pública ou da sociedade de economia mista, justificada com base em parâmetros de mercado do setor específico de atuação da empresa ou da sociedade e aprovada pelo respectivo Conselho de Administração.

Ainda segundo o diploma citado, é vedado à empresa pública e à sociedade de economia mista realizar, em ano de eleição para cargos do ente federativo a que sejam vinculadas, despesas com publicidade e patrocínio que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou no último ano imediatamente anterior à eleição.


16. Inaplicabilidade de licitação prévia para a concessão de patrocínio

Dispõem a Lei nº 13.303/16 (art. 27, §3º) e o Decreto nº 8.945/16 (art. 44, §§3º e 4º) que a celebração de contrato de patrocínio deverá observar os seguintes parâmetros cumulativos: (a) convergência de interesses; (b) execução em regime de mútua cooperação; (c) alinhamento com a função social de realização do interesse coletivo; (d) análise prévia da conformidade do ajuste com a política de transações com partes relacionadas; (e) análise prévia do histórico de envolvimento com corrupção ou fraude, por parte da instituição beneficiada, e da existência de controles e políticas de integridade na instituição; (f) destinação para promoção de atividades culturais, sociais, esportivas, educacionais e de inovação tecnológica; (g) vinculação ao fortalecimento da marca da empresa estatal; e (h) a aplicação, no que couber, da legislação de licitações e contratos.

Segundo o art. 37, XXI, da Constituição Federal, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

A concessão de patrocínio por entidade pública a entidade privada não se insere em qualquer das hipóteses constitucionais, tanto que não configura compra, obra, serviço ou alienação.

Para o Supremo Tribunal Federal, a participação de ente público como patrocinador de evento promovido por entidade privada não caracteriza a presença de ente público como contratante daqueles objetos, em ajuste sujeito à prévia licitação. Não caracterizado o pacto administrativo para prestar serviços, executar obras, adquirir bens ou alienar bens públicos, não há o dever de patrocinador público promover licitação para a concessão do patrocínio. Assim:

EMENTA: RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE AOS ARTS. 5º, INC. II, 37, CAPUT, E INC. XXI, E 93, INC. IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REALIZAÇÃO DE EVENTO ESPORTIVO POR ENTIDADE PRIVADA COM MÚLTIPLO PATROCÍNIO: DESCARACTERIZAÇÃO DO PATROCÍNIO COMO CONTRATAÇÃO ADMINISTRATIVA SUJEITA À LICITAÇÃO. A PARTICIPAÇÃO DE MUNICÍPIO COMO UM DOS PATROCINADORES DE EVENTO ESPORTIVO DE REPERCUSSÃO INTERNACIONAL NÃO CARACTERIZA A PRESENÇA DO ENTE PÚBLICO COMO CONTRATANTE DE AJUSTE ADMINISTRATIVO SUJEITO À PRÉVIA LITAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEVER DO PATROCINADOR PÚBLICO DE FAZER LICITAÇÃO PARA CONDICIONAR O EVENTO ESPORTIVO: OBJETO NÃO ESTATAL; INOCORRÊNCIA DE PACTO ADMINISTRATIVO PARA PRESTAR SERVIÇOS OU ADQUIRIR BENS. ACÓRDÃO RECORRIDO CONTRÁRIO À CONSTITUIÇÃO. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS INTERPOSTOS CONTRA ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PROVIDOS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONTRA ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JULGADO PREJUDICADO POR PERDA DE OBJETO (RE 574.636, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 14.10.2011).

Dos autos de processos administrativos atinentes a patrocínio deverão constar aspectos fundamentais, tais como justificativa do interesse da entidade no segmento a ser atingido pela divulgação, custo/benefício da ação, viabilidade técnica, econômica e financeira, retornos a serem obtidos em termos mercadológicos e/ou financeiros/negociais e avaliação dos resultados a serem alcançados e afinal obtidos.


17. Conclusão

Processualização da atividade administrativa pública e gestão consensual são paradigmas do controle jurídico do Estado democrático de direito, ao lado da supremacia da Constituição, da efetividade dos princípios, da motivação obrigatória, da delimitação da discricionariedade, do devido processo legal como garantia dos direitos individuais e sociais fundamentais, do desenvolvimento sustentável e da responsabilidade objetiva do estado e subjetiva de seus agentes, sem exceção. Convênios e contratos de patrocínio são ferramentas que se podem manejar para servir a esses paradigmas.

“Aproximar o administrado de todas as discussões e, se possível, das decisões em que seus interesses estejam mais diretamente envolvidos, multiplicando, paulatinamente, os instrumentos de participação administrativa, com a necessária prudência, mas decididamente, com vistas à legitimação das decisões que, como ensina a ciência política, serão por isso mais aceitáveis e facilmente cumpridas pelas pessoas”, envolve, a um só tempo, diretrizes estratégicas, gerenciais e operacionais da administração pública comprometida com os resultados, no estado democrático de direito. Assim destacou Diogo de Figueiredo Moreira Neto, para arrematar que “... como consectária da participação, a consensualidade aparece tanto como uma técnica de coordenação de interesses e de ações, como uma nova forma de valorização do indivíduo... parceria que potencializa a ação desses dois atores protagônicos: a sociedade e o Estado” (Mutações de Direito Administrativo, p. 22-26. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2000).

A participação dos interessados e a consensualidade passam a integrar o devido processo legal administrativo. Tanto que consultas públicas e audiências públicas (right to a fair hearing – USA, França, Bélgica, Alemanha, Suíça, México, Argentina) são previstas como integrantes do processo administrativo na ordem jurídica brasileira, tanto mercê da Lei federal nº 9.784/99, art. 32, quanto na lei estadual do processo administrativo fluminense, de nº 5.427, de 01.04.2009, art. 46 (“No exercício de sua função decisória, poderá a administração firmar acordos com os interessados, a fim de estabelecer o conteúdo discricionário do ato terminativo do processo, salvo impedimento legal ou decorrente da natureza e das circunstâncias da relação jurídica envolvida, observados os princípios previstos no art. 2º desta lei, desde que a opção pela solução consensual, devidamente motivada, seja compatível com o interesse público”).

A busca dessa compatibilização é que moverá o gestor público contemporâneo na avaliação do interesse público a ser atendido mediante convênios e contratos de patrocínio, sejam eles celebrados entre órgãos e entidades integrantes da administração pública, direta e indireta, de qualquer dos poderes da União, dos estados, do distrito federal e dos municípios, sejam com parceiros privados – “... assimilar o direito administrativo como caixa de ferramentas importa também perceber seu papel-chave na consistência dos arranjos jurídicos para instrumentalizar os objetivos esperados, à luz dos incentivos que são capazes de produzir”, como vem de assinalar Leonardo Coelho Ribeiro (O Direito Administrativo como “Caixa de Ferramentas”, p. 6. São Paulo: Malheiros Editores, 2017).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOTTI, Marinês Restelatto; PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Convênios e contratos de patrocínio celebrados por empresas estatais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5186, 12 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59344. Acesso em: 19 abr. 2024.