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Arguição de descumprimento de preceito fundamental

destaques sobre o cabimento da ADPF no âmbito dos tribunais de justiça

Arguição de descumprimento de preceito fundamental: destaques sobre o cabimento da ADPF no âmbito dos tribunais de justiça

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Busca-se identificar a possibilidade do processo e julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, espécie de controle de constitucionalidade concentrado e abstrato de competência do STF, pelos Tribunais de Justiça dos Estados-Membros.

RESUMO: O referente deste artigo científico consiste em estudar a categoria Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, espécie de controle de constitucionalidade concentrado e abstrato exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Busca-se identificar a possibilidade do processo e julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental pelos Tribunais de Justiça dos Estados da Federação, tendo como objeto leis e atos do poder público estadual e municipal contestados em face do paradigma de controle das Constituições dos Estados-membros. Através da pesquisa científica encetada objetiva-se colaborar e auxiliar no conhecimento jurídico acadêmico acerca da possibilidade do processo e julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no âmbito do Tribunal de Justiça Estadual. Destinou-se, ainda, à obtenção da titulação acadêmica de Especialista em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina. A competência originária para o processo e julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de atos do poder público contestados em face da Constituição Federal é do Supremo Tribunal Federal. Na esfera estadual, falando-se no controle de atos em face do paradigma de normas paramétricas federais contidas na Constituição do Estado-membro, o controle pode ser realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado, na hipótese de previsão do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental na respectiva Constituição Estadual por parte do Poder Constituinte Decorrente. Quanto à metodologia empregada, destaca-se que na fase de investigação foi utilizado o método indutivo, na fase de tratamento de dados o cartesiano e o texto final foi composto na base lógica dedutiva. Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as técnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica.

PALAVRAS-CHAVE: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, controle de constitucionalidade concentrado e abstrato, jurisdição constitucional.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO, 1. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental; 2. Jurisdição Constitucional dos Tribunais de Justiça; 3. Possibilidade de ADPF no âmbito da Constituição Estadual; CONCLUSÕES e REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é aprofundar os estudos sobre a categoria Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, espécie de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal, buscando investigar a possibilidade do processo e julgamento da arguição de descumprimento pelos Tribunais de Justiça dos Estados-membros, produzindo um artigo científico para a conclusão do Curso de Pós Graduação em Direito Público, na Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina.

O tema objeto da pesquisa é justificado diante da diminuta produção científica de textos tratando especificamente da possibilidade do processamento e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, originariamente de competência do Supremo Tribunal Federal, pelos Tribunais de Justiça dos Estados da Federação, tendo como objeto lesões aos preceitos constitucionais fundamentais e como norma de parâmetro a Constituição Estadual, considerada, em contrapartida, a importância desse instrumento processual de base constitucional para a defesa dos preceitos constitucionais fundamentais.

Na primeira seção, aborda-se a categoria arguição de descumprimento de preceito fundamental, expondo o seu conceito, espécies, objeto, legitimados, características, efeitos e, por fim, procedimento. 

Na segunda seção, apresenta-se sintético estudo sobre origem do controle de constitucionalidade, prosseguindo o estudo com as hipóteses de controle de constitucionalidade concentrado e abstrato existentes e da competência dos Tribunais de Justiça dos Estados-membros para o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais.

Concluindo-se o artigo científico, na terceira e última seção, expõe-se entendimentos doutrinários acerca da possibilidade da instituição da ADPF no âmbito da jurisdição estadual, identificando-se entendimentos de alguns constitucionalistas apontando para a possibilidade do exercício da Jurisdição Constitucional pelas Cortes Estaduais para o processo e julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, bem como sobre a não instituição da referida ação pelo Poder Constituinte Decorrente no plano específico da Jurisdição Constitucional do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. 

Quanto à metodologia empregada, destaca-se que na fase de investigação foi utilizado o método indutivo, na fase de tratamento de dados o cartesiano e o texto final foi composto na base lógica dedutiva. Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as técnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica (PASOLD, 2011).


1. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

1.1 Conceito e Características

Para dar início aos estudos, menciona-se que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é um mecanismo de tutela das normas constitucionais estruturantes do Estado e da sociedade, espécie de controle concentrado de constitucionalidade realizado pelo Supremo Tribunal Federal, que visa evitar ou reparar lesão a preceito fundamental da Constituição em virtude de ato do Poder Público ou de controvérsia constitucional em relação à lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal (FERNANDES, 2011). 

A Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 102, § 1º, estabelece que a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. O regulamento da referida disposição constitucional foi dado pela Lei 9.882/1999, que dispôs sobre o processo e julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (MARINONI, 2013).

Marinoni leciona que a arguição é cabível nas hipóteses de necessidade de tutela jurisdicional, em face da Constituição Federal, de direito pré-constitucional, de direito municipal e de norma secundária (tais como decretos e regulamentos), bem como de declaração de constitucionalidade, diante da Constituição Federal, dos direitos municipal e estadual (MARINONI, 2013).

Neste diapasão, Bruning e Sebastiani referem que podem ser objeto de controle na arguição de descumprimento de preceito fundamental atos normativos federais, estaduais e municipais que afrontem a Constituição, ainda que anteriores à Constituição e desde que não sejam passíveis de impugnação pela via processual constitucional da ação direta de inconstitucionalidade (BRUNING; SEBASTIANI, 2013).

Segundo Mendes, Ministro do Supremo Tribunal Federal e também membro da comissão de juristas que elaborou o projeto da referida Lei, na época da elaboração do projeto

 O novo instituto, sem dúvida, introduz profundas alterações no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. Em primeiro lugar, porque permite a antecipação de decisões sobre controvérsias constitucionais relevantes, evitando que elas venham a ter um desfecho definitivo após longos anos, quando muitas situações já se consolidaram ao arrepio da "interpretação autêntica" do Supremo Tribunal Federal. Em segundo lugar, porque poderá ser utilizado para - de forma definitiva e com eficácia geral - solver controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito ordinário pré constitucional em face da nova Constituição que, até o momento, somente poderia ser veiculada mediante a utilização do recurso extraordinário. Em terceiro, porque as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nesses processos, haja vista a eficácia erga omnes e o efeito vinculante, fornecerão a diretriz segura para o juízo sobre a legitimidade ou a ilegitimidade de atos de teor idêntico, editados pelas diversas entidades municipais (MENDES apud BARROSO, 2006, p. 245).

Nas palavras de Zavaski (STF, 2014)

A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi concebida pela Lei 9.882/99 para servir como um instrumento de integração entre os modelos difuso e concentrado de controle de constitucionalidade, viabilizando que atos estatais antes insuscetíveis de apreciação direta pelo Supremo Tribunal Federal, tais como normas préconstitucionais ou mesmo decisões judiciais atentatórias a cláusulas fundamentais da ordem constitucional, viessem a figurar como objeto de controle em processo objetivo. A despeito da maior extensão alcançada pela vertente objetiva da jurisdição constitucional com a criação da nova espécie de ação constitucional, a Lei 9.882/99 exigiu que os atos impugnáveis por meio dela encerrassem um tipo de lesão constitucional qualificada, simultaneamente, pela sua (a) relevância (porque em contravenção direta com paradigma constitucional de importância fundamental) e (b) difícil reversibilidade (porque ausente técnica processual subsidiária capaz de fazer cessar a alegada lesão com igual eficácia.)" (ADPF 127, Min. Teori Zavascki, decisão monocrática, julgamento em 25.2.2014, DJE de 28-2-2014.) (STF, Legislação Anotada, Leis Infraconstitucionais, Lei n.º 9.882/99).

Prosseguindo no estudo, quanto aos preceitos fundamentais objeto de defesa na ADPF, Barroso argumenta que existe um consenso doutrinário no sentido de que a Lei n. 9.882/1999 não é expressa quanto ao sentido e alcance da arguição de descumprimento de preceito fundamental (BARROSO, 2006).

Nesse sentido, Lenza menciona que "tanto a Constituição como a lei infraconstitucional deixaram de conceituar preceito fundamental, cabendo essa tarefa à doutrina e, em última instância, ao STF" (LENZA, 2015, p. 408).

Por isto, importa delimitar a existência de duas correntes doutrinárias sobre a categoria do que sejam preceitos fundamentais objeto de defesa na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. 

A primeira corrente doutrinária, que é minoritária, entende que não existem preceitos fundamentais diferenciados na Constituição, de forma que todas as normas constitucionais seriam preceitos fundamentais por excelência (FERNANDES, 2013).

A segunda corrente doutrinária, majoritária e adotada pelo Supremo Tribunal Federal, afirma que, apesar de a Constituição ser a norma fundamental, fundamento de validade de todas as normas do ordenamento jurídico, dentro da Constituição existem preceitos fundamentais que são diferenciados de outras normas constitucionais (FERNANDES, 2013). 

Com efeito, observa-se que a categoria preceito fundamental não está delineada na Constituição e tampouco na legislação infraconstitucional regulamentadora. Trata-se de uma definição dada pela doutrina e pela jurisprudência (FERNANDES, 2013).

Buscando-se um conceito de preceito fundamental, importa mencionar que os preceitos fundamentais são normas materialmente constitucionais, consistentes em cláusulas existentes no núcleo ideológico constitutivo do Estado e da sociedade, presentes na Constituição formal. Eles podem ser também compreendidos como normas constitucionais que veiculam as matérias típicas fundantes do Estado e da sociedade (FERNANDES, 2013).

Ainda sobre o conceito de preceito fundamental, Silva ensina que ele não é sinônimo de princípio fundamental, argumentando que possui um sentido mais amplo, haja vista que abrange princípios fundamentais e prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional, tais como as que estabelecem a autonomia dos Estados e do Distrito Federal, bem como as designativas dos direitos e garantias fundamentais (SILVA, 2012).

Segundo Lenza, para Bulos, "qualificam-se de fundamentais os grandes preceitos que informam o sistema constitucional, que estabelecem comandos basilares e imprescindíveis à defesa dos pilares da manifestação constituinte originária" (BULOS apud LENZA, 2015, p. 409).

Barroso leciona que embora a categoria do preceito fundamental conserve a fluidez inerente aos conceitos jurídicos indeterminados, é possível indicar as normas constitucionais que possuem status de preceito fundamental (BARROSO, 2006).

O referido autor afirma que na classe de preceitos fundamentais estão abrangidas as normas constitucionais que estabelecem os fundamentos e objetivos da República, as opções políticas estruturantes, as normas agrupadas sob a designação de princípios fundamentais, contidas no Título I da Constituição (arts. 1º ao 4º), as normas relativas aos direitos fundamentais, individuais, coletivos, políticos e sociais (arts. 5º e seguintes), as cláusulas pétreas (art. 60, § 4º) e as que dessas normas diretamente decorrem, bem como os princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII) (BARROSO, 2006).

Segundo Marinoni, não há na doutrina e em precedentes do STF uma inequívoca definição do que seja preceito fundamental. Tem-se que nem toda norma constitucional corresponde a preceito fundamental e que determinadas normas que consagram os princípios fundamentais (arts. 1º ao 4º), os direitos fundamentais (art. 5º e seguintes), as cláusulas pétreas (art. 60, § 4º) e os princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII), merecem proteção jurídica sob o status constitucional de preceito fundamental (MARINONI, 2013).

No ponto, registra-se que os princípios constitucionais sensíveis estão expressos na Constituição, no art. 34, VII, e consistem a) na forma republicana, no sistema representativo e no regime democrático; b) nos direitos da pessoa humana; c) na autonomia municipal; d) na prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e) na aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

Nesta linha, para o estabelecimento da categoria de preceito fundamental, pode-se partir de algumas normas constitucionais que, em razão da importância e posição que ocupam na Carta Constitucional, constituem preceitos fundamentais, quais sejam: a) a soberania, b) a cidadania, c) a dignidade da pessoa humana, d) os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e) o pluralismo político, f) a forma federativa de Estado, g) o voto direto, secreto, universal e periódico, h) a separação dos poderes e i) os direitos e as garantias individuais (art. 1º e 60, § 4º da CF/1988), sendo este um rol não exaustivo (BASTOS; VARGAS, 2011).

1.2 Espécies

Delineadas as noções básicas acerca das categorias Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e acerca de preceito fundamental, objeto de proteção na demanda em análise, cabe prosseguir no estudo registrando-se a previsão na Lei infraconstitucional regulamentadora - Lei n. 9.882/1999 - de duas espécies de arguição de descumprimento de preceito fundamental, não expressamente previstas no art. 102, § 1º, da Constituição Federal.

Barroso ensina que a doutrina identifica dois tipos de arguição de descumprimento de preceito fundamental: a) arguição autônoma e b) arguição incidental (BARROSO, 2006).

A arguição autônoma está prevista no art. 1º, caput, da Lei 9.882/99, que dispõe que "a arguição prevista no art. 102, § 1º da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público" (BARROSO, 2006, p. 247). 

A segunda modalidade, arguição incidental, encontra sua previsão no mesmo dispositivo da Lei regulamentadora, mas em seu parágrafo único, inciso I, que dispõe que "caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual e municipal, incluídos os anteriores à Constituição" (BARROSO, 2006, p. 247).

Em resumo, afirma-se que a arguição de descumprimento de preceito fundamental autônoma visa evitar ou reparar lesão a preceito fundamental da Constituição resultante de ato do Poder Público. Já a arguição de descumprimento de preceito fundamental incidental, visa evitar ou reparar lesão a preceito fundamental da Constituição em virtude da controvérsia constitucional em relação à lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive anteriores à Constituição (FERNANDES, 2013).

Na hipótese de arguição de descumprimento de preceito fundamental autônoma, além do pressuposto de inexistência de outro meio capaz de sanar a lesividade, exige-se a ameaça ou a violação a preceito fundamental, mediante um ato do Poder Público (BARROSO, 2006). 

Além dos citados requisitos para essa primeira espécie de arguição (subsidiariedade e ameaça ou lesão a preceito fundamental), a arguição na modalidade incidental, pressupõe a) a existência de uma demanda concreta que já esteja submetida à análise do Poder Judiciário, b) a necessidade de que o fundamento da controvérsia seja relevante e que c) se trate de lei ou ato normativo, e não qualquer ato do poder público (BARROSO, 2006).

1.3 Objeto

Quanto ao objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, na modalidade autônoma, ela é cabível contra atos do Poder Público, entendidos como atos administrativos, atos normativos ou atos judiciais. 

Quanto à arguição de descumprimento de preceito fundamental autônoma, importa a consideração de que os atos não normativos do Poder Público também podem ser seu objeto, de forma que podem ser defendidos por meio da arguição os preceitos fundamentais violados por atos concretos ou individuais da Administração Pública Direta, tais como atos administrativos, atos ou fatos materiais, atos regidos pelo direito privado, contratos administrativos, atos políticos e omissões (BRUNING; SEBASTIANI, 2013). 

Bruning e Sebastiani afirmam que podem ser objeto de ação de descumprimento de preceito fundamental atos normativos federais, estaduais e municipais que violem preceito fundamental, ainda que os atos sejam anteriores à promulgação da Constituição Federal, desde que não seja cabível outra espécie de demanda constitucional para a defesa do preceito fundamental, em razão do princípio da subsidiariedade que rege a arguição de descumprimento fundamental (BRUNING; SEBASTIANI, 2013). 

Por outro lado, a ADPF incidental é cabível em face de atos caracterizados como normativos primários, como o são as leis ordinárias, as leis complementares e as medidas provisórias e ainda, secundários, tais como decretos, regulamentos e portarias (FERNANDES, 2011). 

Por sua vez, Bruning e Sebastiani lecionam que na qualidade de atos normativos primários, estão abrangidos leis complementares, leis ordinárias, decretos legislativos e medidas provisórias e na qualidade de atos normativos secundários, pode-se citar os regulamentos, instruções normativas, decretos, instruções e portarias (BRUNING;  SEBASTIANI, 2013).

Registra-se que não é cabível a ADPF contra súmulas e súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal. Isto porque as súmulas vinculantes possuem um procedimento próprio e específico quanto à edição, revisão e cancelamento. (FERNANDES, 2013).

1.4 Efeitos

Marinoni ensina que a arguição de descumprimento insere-se no sistema de controle abstrato de constitucionalidade, apto a tutelar o direito objetivo e a ordem jurídica, gerando decisões que produzem efeitos gerais e vinculantes, revelando sua aptidão para tutelar de forma pronta e ampla as controvérsias constitucionais (MARINONI, 2013).

Com relação especificamente aos efeitos da decisão liminar em ADPF, o art. 5º, § 3º da Lei 9.882/1999 prevê que ela poderá determinar que juízes e tribunais suspendam o andamento de processos ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição, excluídas as hipóteses em que tenha ocorrido o trânsito em julgado (MARINONI, 2013). 

Além da suspensão de processos em andamento, também é possível na medida liminar a determinação de suspensão dos efeitos do ato impugnado (MARINONI, 2013).

No tocante aos efeitos da decisão de mérito prolatada na ADPF, terá eficácia erga omnes e efeito vinculante quanto aos demais órgãos do Poder Público, nas esferas federal, estadual e municipal, conforme dispõe o art. 10, § 3º da Lei n. 9.882/1999, sendo estes os efeitos próprios do exercício da jurisdição constitucional em processo objetivo e concentrado de controle de constitucionalidade (BARROSO, 2006). 

De outro modo, se a ADPF for oposta em face de ato administrativo, tais como disposições presentes em editais da Administração Pública, sendo acolhido o pleito inicial, a disposição que viole preceito fundamental deve ser retirada do regime jurídico do respectivo certame, ou, se este já tiver ocorrido, poderá ser declarado nulo o ato administrativo (BARROSO, 2006).

Por fim, quando interposta a ADPF em face de decisão judicial, se a afirmação da tese jurídica não for apta a evitar ou reparar a lesão ao preceito fundamental, uma decisão judicial específica deverá ser prolatada pelo juiz natural competente para a análise do caso concreto, levando em conta a premissa estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF (BARROSO, 2006). 

Sobre os efeitos temporais da decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal em ADPF, a regra é a não retroatividade da decisão (efeito ex nunc), sendo admitida a modulação dos efeitos temporais da decisão pelo Supremo Tribunal Federal, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, por voto da maioria de 2/3 (dois terços) dos membros da Suprema Corte (BARROSO, 2006). 

1.5 Legitimidade

São legitimados ativos para a proposição da arguição de descumprimento de preceito fundamental, tanto na modalidade autônoma quanto na incidental, os que também tem direito à propositura da ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade (BARROSO, 2006).

O paralelismo instituído pelo legislador relativamente à autoria da ação nas ações diretas leva à aplicabilidade também para a ADPF da distinção entre legitimados universais, que podem propor a ação em qualquer circunstância, e legitimados especiais, aos quais cabe a comprovação da pertinência temática (BARROSO, 2006).

O rol numerus clausus dos legitimados para a proposição da arguição de descumprimento de preceito fundamental está previsto no art. 103 da Constituição Federal, quais sejam: I. o Presidente da República, II. a Mesa do Senado Federal, III. a Mesa da Câmara dos Deputados, IV. a Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, V. o Governador de Estado ou do Distrito Federal, VI. o Procurador-Geral da República, VII. o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, VII - partido político com representação no Congresso Nacional e, IX -  confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. 

1.6 Procedimento

O procedimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental está previsto na Lei n. 9.882/1999, devendo-se aplicar, de forma subsidiária, a Lei n. 9.868/1999 que rege o procedimento das ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade. A petição inicial deve conter a) a indicação do preceito fundamental violado, b) a indicação do ato questionado, c) a prova da violação, d) o pedido e suas especificações e, sendo o caso, e) a comprovação da existência de controvérsia relevante sobre a aplicação do preceito fundamental. Além disso, a petição inicial deverá ser apresentada em duas vias acompanhadas do instrumento de mandato, cópia do ato questionado e documentos necessários para comprovar a impugnação (BARROSO, 2006).

Cabe o indeferimento liminar da ADPF pelo relator quando incabível a  ADPF, faltar-lhe um dos requisitos legais ou por inépcia da petição inicial. Do indeferimento liminar, o legitimado ativo pode interpor o recurso de agravo, dentro do prazo de cinco dias (BARROSO, 2006).

É cabível a concessão de liminar, que poderá ser concedida pelo Ministro Relator ad referendum do Tribunal Pleno na hipótese de extrema urgência e/ou perigo de lesão grave, e ainda, no período de recesso (art. 5º, caput e §1º da Lei 9.882/1999). Levado o pedido ao exame do Plenário, a liminar poderá ser deferida por decisão da maioria absoluta de seus membros (MARINONI, 2013).

O Relator poderá ouvir as partes nos processos que ensejaram a arguição, requisitar informações, designar perito ou comissão de peritos, para que emitam pareceres sobre a questão e, ainda, designar data para audiência pública para a oitiva de declarações de pessoas com experiência e autoridade na matéria versada nos autos. Permite-se a sustentação oral e juntada de memoriais mediante o requerimento dos interessados no processo (BRUNING; SEBASTIANI, 2013).

Após o decurso do prazo das informações, o relator emitirá o relatório, com cópia a todos os ministros, pedindo dia para julgamento. O Ministério Público terá vista do processo pelo prazo de cinco dias nas arguições que não houver formulado, após as informações (BARROSO, 2006).

Para a prolação de decisão em ADPF, exige-se o quorum mínimo de dois terços dos membros do Tribunal (art. 8º da Lei 9.882/1999). A decisão pela procedência ou improcedência requer quorum da maioria absoluta, exatamente o quorum para a declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade de normas (MARINONI, 2013). 

Registra-se que a decisão de mérito prolatada em ADPF é irrecorrível, não podendo ser objeto sequer de ação rescisória (MARINONI, 2013).

O art. 10 da legislação de regência estabelece em seu caput que julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental (BASTOS; VARGAS, 2011).

Na hipótese de descumprimento da decisão prolatada em ADPF por autoridade vinculada aos seus efeitos, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal nos termos do art. 13 da lei 9.882/1999 (MARINONI, 2013).

Delimitados nessa primeira seção, os principais conceitos relacionados à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, busca-se, a partir da segunda seção, tecer breves destaques sobre a forma de controle de constitucionalidade em que se insere a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.


2. Jurisdição Constitucional dos Tribunais de Justiça

O controle de constitucionalidade, nas palavras de Bonavides, "é coluna de sustentação do Estado de direito, onde ele se alicerça sobre o formalismo hierárquico das leis" (BONAVIDES, 2002, p. 272).

Canotilho leciona que a fiscalização judicial da constitucionalidade das leis e atos normativos do Estado constitui um dos mais relevantes instrumentos de controle do cumprimento e da observância de normas constitucionais (CANOTILHO, 2003).

Segundo o autor, o controle da constitucionalidade é garantia de observância da Constituição, ao assegurar a força normativa da Constituição, bem como ao reagir contra a violação das normas constitucionais, como garantia preventiva de evitar a existência de atos normativos formal e materialmente violadores de normas e princípios constitucionais (CANOTILHO, 2003).

Para Novelino, por estabelecerem direitos e garantias fundamentais, a estrutura do Estado e a organização dos poderes, as constituições possuem supremacia de conteúdo em relação às Leis, impondo a compatibilidade vertical das normas do ordenamento jurídico, a ser fiscalizada por órgãos encarregados de impedir a criação e manutenção de atos normativos em desacordo com o seu fundamento de validade (NOVELINO, 2017).

Zanon Junior afirma que "os ditames infraconstitucionais não possam contrariar o centro material e formal do sistema", ensinando em sua Teoria Complexa do Direito, que o centro do Ordenamento Jurídico é a Constituição (ZANON JUNIOR, 2013, p. 126-127).

Bonavides explica que "o controle jurisdicional da constitucionalidade das leis consagra duas formas básicas: o controle por via de exceção e o controle por via de ação" (BONAVIDES, 2002, p. 270).

Historicamente, o controle de constitucionalidade tem sua base em um precedente de controle de constitucionalidade de leis por via de exceção, ou seja, na análise judicial de um caso concreto (controle difuso e concreto, por via de exceção ou sistema americano). Referido precedente ocorre em 1.803, nos Estados Unidos, na decisão do emblemático caso Marbury versus Madison, com a fundamentação do juiz da Suprema Corte americana John Marshall, quanto à natureza das Constituições escritas. Bonavides afirma que na decisão "sustentava ele a irrefutável tese da supremacia da lei constitucional sobre a lei ordinária, ao declarar, na espécie julgada, que todo ato do Congresso contrário à Constituição Federal deveria ser tido por nulo, inválido e ineficaz" (BONAVIDES, 2002, p. 281).

Por sua vez, a origem histórica do controle de constitucionalidade por via de ação (controle concentrado e abstrato, por via de ação ou sistema austríaco) partiu de Kelsen, na doutrina de constituir um órgão jurisdicional que enfeixasse toda a competência decisória em matéria de constitucionalidade. Esse sistema de jurisdição concentrada foi positivado na Constituição austríaca de 1920 (BONAVIDES, 2002).

Bonavides esclarece que "a aplicação do controle de constitucionalidade das leis por via de ação tanto pode caber a um tribunal ordinário (uma Suprema Corte) como a um órgão jurisdicional especializado (um tribunal constitucional)" (BONAVIDES, 2002, p. 278).

Novelino leciona que o controle abstrato (por via de ação, por via direta ou principal), é voltado a assegurar a supremacia da Constituição, tratando-se de processo constitucional objetivo, sem a existência de partes formais, passível de ser instaurado, em tese, sem a existência de um interesse jurídico subjetivo (NOVELINO, 2017).

Já o controle de constitucionalidade por via de exceção (também denominado de controle in concreto ou difuso), pode ser efetuado por qualquer juiz ou tribunal, quando, no curso de uma demanda judicial, uma das partes alega em defesa objeção de inconstitucionalidade de lei que se pretenda aplicar ao caso concreto (BONAVIDES, 2002).

Quanto à jurisdição constitucional para o controle de constitucionalidade, ao Supremo Tribunal Federal incumbe o controle abstrato mediante ação direta de inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade, de norma estadual e federal em face da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal também pode realizar por meio de arguição de descumprimento de preceito fundamental, o controle de abstrato de norma municipal em face de preceito fundamental da Constituição Federal (MARINONI, 2013).

Marinoni leciona, de outro lado, que o exame da constitucionalidade abstrato de lei municipal e estadual, mediante ação direta, em face da Constituição do Estado, cabe ao Tribunal de Justiça Estadual (MARINONI, 2013).

Quanto às formas de controle de constitucionalidade de competência do Supremo Tribunal Federal, importa o registro de que, além da Suprema Corte exercer o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, realiza também o controle difuso e concreto de constitucionalidade. Tal controle ocorre nas hipóteses de julgamento de Recurso Extraordinário, interposto em face das causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida a) contrariar dispositivo da Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição e d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal, conforme previsão do art. 102, III, da Constituição Federal.

Marinoni menciona que de um lado, há a jurisdição constitucional exercida pelo Supremo Tribunal Federal e, de outro, a jurisdição constitucional desempenhada pelos Tribunais de Justiça dos Estados-Membros. Enquanto o controle de constitucionalidade, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, recai sobre lei ou ato normativo federal e estadual, o objeto de controle perante os Tribunais de Justiça é a lei ou ato normativo estadual ou municipal. Além disso, as duas formas de controle de constitucionalidade tomam em consideração parâmetros diversos, isto porque no STF o parâmetro é a Constituição Federal, ao passo nos Tribunais de Justiça, o parâmetro de análise da constitucionalidade é a Constituição Estadual (MARINONI, 2013).

Importa assim o registro, de que existem duas possibilidades de controle de constitucionalidade, uma vez que as normas estaduais podem ser confrontadas com a Constituição Estadual e com a Constituição Federal. Há, assim, a duplicidade de proteção jurisdicional (MARINONI, 2013).

Mendes ensina que no caso do Direito Estadual, entendido como proposições criadas por órgãos estaduais ou que a estes possam ser atribuídas, pode ser submetido ao controle abstrato de normas constitucionais (MENDES, 2012).

Sobre os atos de órgãos estaduais que podem ser objeto do controle abstrato de constitucionalidade, o autor especifica: a) disposições constitucionais estaduais, que embora tenham a mesma natureza das normas da Constituição Federal, devem ser compatíveis com as normas constitucionais federais; b) leis estaduais de qualquer espécie e natureza, independentemente de seu conteúdo; c) leis estaduais editadas para regulamentar matéria de competência exclusiva da União (art. 22, da CF); d) decreto editado com força de lei; e) regimentos internos dos Tribunais Estaduais e Assembleias Legislativas; f) atos normativos expedidos por Pessoas Jurídicas de Direito Público (MENDES, 2012).

Portanto, é mister observar que no plano da jurisdição constitucional do Tribunal de Justiça Estadual, também coexistem os sistemas de controle de constitucionalidade difuso (por via de exceção ou concreto) e controle de constitucionalidade concentrado (por via de ação ou abstrato). 

O controle difuso pode ser realizado por todos os Juízes ou pelo Tribunal de Justiça, como questão incidental na análise de casos concretos, mediante a verificação da adequação de leis e atos normativos do Poder Público estadual ou municipal com as normas da Constituição Federal e da Constituição Estadual.

Importa registrar-se ainda, que o controle de constitucionalidade concentrado de competência do Tribunal de Justiça do Estado-membro possui como objeto toda a legislação estadual e municipal, bem como atos normativos estaduais e municipais e como parâmetro ou norma de referência exclusivamente as normas da Constituição Estadual.


3. Possibilidade de ADPF perante a Constituição Estadual

Feitas essas breves considerações sobre a jurisdição constitucional exercida pelos Tribunais de Justiça dos Estados-Membros, cumpre registrar-se que, no atinente ao controle concentrado in abstrato que é exercido no âmbito especificamente estadual, o art. 125, § 2º da Constituição Federal é expresso no sentido de que cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (FERNANDES, 2011).

Importa assinalar, que todas as normas presentes na Constituição Estadual servirão como parâmetro para o controle concentrado e abstrato de leis ou atos normativos estaduais e municipais realizado pelos Tribunais de Justiça dos Estados-membros (FERNANDES, 2011).

Portanto, o controle de constitucionalidade exercido pelos Tribunais de Justiça abarca a Ação Direta de Inconstitucionalidade, e por simetria, as demais ações diretas de controle de constitucionalidade, como a Ação Declaratória de Constitucionalidade e Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão. 

Quanto à competência para o processo e julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental pelos Tribunais de Justiça, há dissenso na doutrina atual sobre a possibilidade de previsão dessa ação de caráter constitucional no âmbito estadual.

Fernandes entende que, para que seja admitida a ADPF no âmbito de Tribunais de Justiça, haveria a necessidade de previsão expressa na Constituição Federal da instituição da ação e quanto à competência para o processo e julgamento nas Constituições Estaduais (FERNANDES, 2011).

O autor menciona que a Constituição Federal prevê a ADPF, estabelecendo que a competência para o seu julgamento é do Supremo Tribunal Federal, de forma que não estariam presentes os fundamentos de duplicidade, ambivalência e fungibilidade para admitir o cabimento dessa ação no âmbito do Tribunal de Justiça Estadual (FERNANDES, 2011).

Bruning e Sebastiani afirmam que, diversamente do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade, a Constituição Federal não expressamente prevê a possibilidade de arguição de descumprimento de preceito fundamental no âmbito estadual, portanto, perante os Tribunais de Justiça dos Estados (BRUNING; SEBASTIANI, 2013).

Segundo Novelino

"A criação, pelas constituições estaduais, de ações de arguição de descumprimento de preceito fundamental revela-se mais problemática ante da dificuldade de enquadramento no referido dispositivo e a incompetência dos Estados para legislar sobre matéria processual, salvo quando autorizados por lei complementar a tratar de questões específicas (CF, art. 22, I e parágrafo único). Não obstante, com fundamento no princípio da simetria, há quem admita a possibilidade de se conferir competência ao Tribunal de Justiça para processar e julgar ações desta natureza, como previsto nas constituições de Alagoas e do Rio Grande do Norte" (NOVELINO, 2017, p. 241).

Faz-se necessário o registro de que a Constituição Federal efetivamente não contém previsão expressa acerca da competência para o processamento e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental pelos Tribunais de Justiça estaduais, no âmbito dos Estados-Membros.

Todavia, alguns doutrinadores apontam quanto à possibilidade de instituição da ADPF pelas Constituições dos Estados-Membros, com a consequente atribuição da competência para o processo e julgamento aos Tribunais de Justiça, tendo como paradigma as normas da Constituição Estadual. 

Barroso afirma que a Constituição efetivamente não previu a ADPF no âmbito dos Estados-membros, como o fez com a ação direta de inconstitucionalidade de competência dos Tribunais de Justiça estaduais, mas refere que, a exemplo da previsão da ADI no âmbito estadual, pode ser instituída a ADPF pelo Poder Constituinte Decorrente estadual, e isto com fundamento no princípio da simetria com o modelo federal (BARROSO, 2006). 

Segundo Da Cunha Júnior

As Cartas estaduais podem perfeitamente introduzir em seus sistemas de defesa da supremacia de suas normas, a arguição de descumprimento em tela, para a proteção específica dos preceitos fundamentais que consagra. Nesse caso, a competência para julgá-la certamente caberá, com exclusividade, aos Tribunais de Justiça (DA CUNHA JÚNIOR apud BRUNING; SEBASTIANI, 2013, p. 158).

Dentro desse contexto, Marinoni menciona que algumas Constituições dos Estados-membros, além de terem instituído a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, erigiram a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e, algumas poucas Constituições dos Estados-membros instituíram a arguição de descumprimento de preceito fundamental (MARINONI, 2013).

Partindo-se então da premissa de que é possível a instituição da ADPF no âmbito dos Tribunais de Justiça estaduais, caso instituída na Constituição estadual, a demanda estará limitada por dois paradigmas: a) os preceitos fundamentais deverão ser os presentes na Constituição estadual decorrentes da Constituição Federal, b) os atos municipais e estaduais poderão ser também objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental federal de competência do Supremo Tribunal Federal (BARROSO, 2006).

Na hipótese de cabimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental no âmbito estadual, pode ocorrer, ainda, outra singularidade, que é a duplicidade de ADPFs contra os mesmos atos normativos ou não normativos do Poder Público estadual ou municipal, tramitando uma ação, no Supremo Tribunal Federal, de atos contestados em face da Constituição Federal e outra, no Tribunal de Justiça estadual, relativamente a atos contestados em face da Constituição Estadual. 

Nessa hipótese, ocorre o que a doutrina denomina de simultaneus processus. Fernandes menciona que o entendimento pretoriano atual é no sentido de que deverá haver a suspensão do processo ajuizado perante o Tribunal de Justiça até o julgamento da ação pelo Supremo Tribunal Federal, para a fixação da tese (FERNANDES, 2011).

Portanto, até aqui, tem-se o registro de que a competência para o processo julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de atos do Poder Público contestados em face da Constituição Federal é do Supremo Tribunal Federal. 

De outro lado, na esfera estadual, falando-se no paradigma de controle de atos em face da Constituição do Estado-Membro, o controle pode ser realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado, na hipótese de previsão do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental na respectiva Constituição Estadual, consoante o entendimento doutrinário de alguns constitucionalistas supracitados.

Prosseguindo no estudo, no caso específico do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, a Constituição Estadual prevê em seu Título IV, Capítulo IV a organização do Poder Judiciário, instituindo expressamente no art. 83, XI, alíneas "f" e "j", que compete ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina processar e julgar originariamente a ações diretas de inconstitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais contestados em face da Constituição Estadual, bem como o pedido de medida cautelar em ações diretas de inconstitucionalidade (Constituição do Estado de Santa Catarina, art. 83, XI, "f" e "j").

Menciona-se aqui, apenas a competência atribuída ao Tribunal de Justiça para ações diretas de declaração de inconstitucionalidade/constitucionalidade, que interessam ao objeto ora em estudo. 

Portanto, extrai-se que a Constituição do Estado de Santa Catarina não prevê expressamente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no âmbito do Tribunal de Justiça. 

Fixada a premissa de que não há previsão expressa da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental na Constituição do Estado de Santa Catarina, cabe ainda explicitar que há precedente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina também neste sentido. 

Todavia, importa o destaque de que essa exegese do precedente é feita por exclusão, veja-se

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina é competente para processar e julgar as ações diretas de inconstitucionalidade contra leis estaduais ou municipais (normas objeto) contrastando com dispositivos da Constituição Estadual (normas parâmetro), ainda quando meras reproduções do texto da Constituição Federal. A esfera estadual representa, na verdade, um microssistema de controle da constitucionalidade, (cf. Zeno Veloso. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, 3ª ed., Del Rey, pág. 342), no centro do qual a competência da Corte local se subsume à causa petendi referente à alegada violação à Constituição Estadual. Somente quando a alegação concentrada de inconstitucionalidade apontar para a violação de norma exclusiva da Constituição Federal, incide a competência privativa do Supremo Tribunal Federal, órgão incumbido de guardá-la em sede de ação direta, em se tratando de leis estaduais, ou de argüição de descumprimento de preceito fundamental, em se cuidando de leis municipais (Lei 9.882/99), não sendo essa a hipótese. 2. Remontando o fundamento de invalidade da norma atacada (art. 41, LC 505/05) diretamente à Constituição Estadual (art. 16 e 22, I e IV, CE), não havendo no cotejo vertical entre ambas qualquer norma interposta, não há falar em inadequação da ação direta por argüição de ofensa reflexa, apenas configurada quando a norma impugnada não retira seu fundamento de validade diretamente da Constituição, mas de norma superior, esta sim ligada àquela. [...] (TJSC, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2005.015788-5, de Blumenau, Relatora Desembagadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, j. 18.04.2007) (Sublinhou-se).


CONCLUSÕES

Pretendeu-se neste trabalho proporcionar, de uma forma sintética, mas objetiva e estruturante, um estudo sobre o cabimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no âmbito dos Tribunais de Justiça, buscando-se apresentar alguns destaques sobre o controle concentrado in abstrato de constitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais em face do paradigma de normas constitucionais da Constituição Estadual. 

Para realizar este objetivo, optou-se por uma descrição sequencial das categorias e conceitos operacionais típicos do tema controle de constitucionalidade concentrado e abstrato de competência federal e estadual. 

Faz-se notar, contudo, que a pesquisa ora iniciada comporta maiores reflexões e estudos mais aprofundados, em face da fundamentalidade para o Estado e a Sociedade do tema Direito Constitucional e controle de constitucionalidade de leis e atos normativos do poder público.

Registra-se que, consoante alguns entendimentos doutrinários mencionados no texto, é cabível a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no âmbito estadual, para o controle de leis e atos normativos ou não normativos estaduais e municipais contestados em face da Constituição Estadual, desde que a referida ação direta esteja prevista na organização constitucional e normativa da Constituição do respectivo Estado-Membro. 

Cabe observar que no caso específico do Estado de Santa Catarina, não há previsão expressa do Poder Constituinte Decorrente instituindo a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, com a consequente atribuição de competência para o processo e julgamento ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, de forma que a ação teria que ser definida pelo Constituinte estadual, com base na autonomia dos Estados, no princípio federativo e da simetria com o modelo federal, para que seja admitida a sua existência no plano da Corte Estadual. 


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Autor

  • Julie Anne Saut

    Especialista em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina. Especialista em Direito Notarial e Registral. Advogada Licenciada (OAB/SC). Assessora de Gabinete e Técnica Judiciária do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Presidente do Conselho de Administração do Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos do Estado de Santa Catarina - RPPS/SC. Conselheira Representante do PJSC.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAUT, Julie Anne. Arguição de descumprimento de preceito fundamental: destaques sobre o cabimento da ADPF no âmbito dos tribunais de justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5415, 29 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60536. Acesso em: 25 abr. 2024.