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As vinganças digitais e suas implicações jurídicas

As vinganças digitais e suas implicações jurídicas

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O "sexting" é a pratica de tirar fotos do seu corpo ou do corpo de outra pessoa, nu ou seminu, e enviar para outras pessoas via internet ou pelo celular. Veja os motivos desta prática ter sérias complicações jurídicas.

O site Distractify reuniu imagens que mostram a vingança de pessoas que descobriram que foram esquecidas ou traídas e resolveram cometer grandes loucuras para mostrar sua indignação: Carro quebrado, cartazes com xingamentos, veículos com pichação. [1]

Ainda que essas coisas continuem ocorrendo nos dias de hoje, com o avanço da tecnologia surgiu o que podemos chamar de “vingança digital”, que tem efeitos bem mais devastadores. Este tipo de conduta não atinge bens materiais, mas a dignidade da pessoa humana. A Carta Magna deixou isso bem claro ao estampar no art. 5º, X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”.

Um fenômeno recente que alimenta este novo tipo de vingança é o Sexting. O termo foi cunhado em 2005 num artigo da revista Australian Sunday Telegraph Magazine. O fenômeno que nasceu nos Estados Unido é um neologismo que une sex (sexo) e texting (a troca de mensagem de texto pelo telefone). Assim, sexting é a pratica de tirar fotos do seu corpo ou do corpo de outra pessoa, nu ou seminu, e enviar para outras pessoas via internet ou pelo celular. Esta prática pode trazer impactos negativos, psicológicos e sociais.

Em pouco tempo essa a mania se espalhou como vírus, principalmente entre os jovens e adolescentes, que não se atentaram para os riscos deste tipo de conduta. Mas, infelizmente, pessoas adultas também têm feito uso desta "brincadeira" maldita como forma de vingança pelo término de uma relação amorosa.

O site da Revista época noticiou em abril de 2009 o caso de uma adolescente americana se suicidou depois de um escândalo de sexting. Jessica Logan, então com 18 anos, queria presentear o namorado. Fotografou-se sem roupa e enviou pelo celular as imagens para o garoto. Quando o relacionamento de dois meses terminou, o jovem não hesitou em compartilhar as imagens da ex-namorada, uma líder de torcida loira, extrovertida e atraente, com os amigos de seu colégio, na cidade de Cincinnati. Em pouco tempo, a foto de Jessica percorreu sete colégios. A garota não aguentou as provocações. Chamada de “piranha” e “vagabunda”, entrou em depressão e começou a faltar às aulas. Até que se enforcou. Hoje, seus pais lutam por uma legislação específica para julgar os desdobramentos do sexting. [2]

Sabemos que episódios semelhantes já aconteceram aqui no Brasil: Duas jovens brasileiras, do Rio Grande do Sul e do Piauí, que se suicidaram após terem sido expostas na internet em vídeos nos quais praticavam atos sexuais. Nos dois casos suspeita-se que os ex-namorados tenham sido responsáveis pelo vazamento dos materiais na internet. [3]

Quando a vítima é criança ou adolescente, este tipo de mensagem pode ser considerada pornografia infantil e, portanto, crime, pela legislação brasileira. Mas quando a vítima é maior de idade podemos recorrer à Lei Maria da Penha, in verbis:

Estatuto da Criança e do Adolescente – Art. 241: "Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou Internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente".

Lei Maria da Penha – Art. 7º, inciso II: “São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: (...) a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularizarão, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.

Segundo Vitor Guglinski, no campo do direito material, não resta dúvidas quanto à possibilidade de aplicação da Lei Maria da Penha à violência praticada pelo meio virtual. Em sua opinião a expressão qualquer conduta causadora dos danos descritos na Lei Maria da Penha compreende a exposição não autorizada de vídeos íntimos. [4]

Há, entretanto, um projeto do deputado João Arruda, do PMDB do Paraná, que prevê dar um tratamento mais específico, ou seja, para que qualquer divulgação de imagens, informações, dados pessoais, vídeos ou áudios obtidos no âmbito de relações domésticas, sem o expresso consentimento da mulher passe a ser entendido como violação da intimidade. Essa violação de intimidade, pela proposta, passaria a ser considerada violência doméstica. Para o procurador da Justiça de São Paulo, Paulo Marco Ferreira Lima, a mudança é bem vinda, mas no caso da internet a punição deveria ser maior. Ele defende que, se levarmos em consideração que a internet aumenta e muito a divulgação disso, deveria haver uma pena qualificada, uma causa de aumento de pena pelas consequências dessa prática, porque, depois de divulgado na internet, é muito difícil conter a propagação de qualquer imagem ou informação. Por isso, diz ele, é bom tomar muito cuidado com o que se permite gravar ou fotografar. [5]


Referências

[1] CATRACA LIVRE. A terrível vingança de pessoas que foram esquecidas ou traídas. Disponível em: <https://estilo.catracalivre.com.br/comportamento/imagens-revelam-a-terrivel-vinganca-de-pessoas-que-foram-traidas/>. Acesso em: 07/08/2016.

[2] COLAVITTI, Fernanda e Andres Vera, “Saiba quais os riscos do “sexting”. Disponível em <http://revistaepoca.globo.com/revista/epoca/0,,emi66866-15228,00-saiba+quais+os+riscos+do+sexting.html>. Acesso em 07/08/2016.

[3] MENDES, Raphaella C., Violência na internet e machismo matam mulheres no Brasil. Disponível em: <http://averdade.org.br/2014/02/violencia-virtualemachismo-matam-mulheres-brasil/>. Acesso em 02/08/2016.

[4] GUGLINSKI, Vitor. Aplicação da Lei Maria da Penha a Crimes Virtuais. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/aplica%C3%A7%C3%A3o-da-lei-maria-da-penha-crimes-virtuais>. Acesso em 05/08/2016.

[5] TAUFER, Patrícia. Projeto quer estender Lei Maria da Penha a para crimes virtuais. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2013/10/projeto-quer-estender-lei-maria-da-penha-para-crimes-virtuais.html> Acesso em 05/08/2016.


Autor

  • Antonio Luiz Rocha Pirola

    Advogado, Pós-Graduando em Direito Processual Penal, Tecnólogo em Processamento de Dados e Pastor Batista. Formado em Teologia em Teologia pelo CETEBES - Centro de Educação Teológica Batista do Estado do Espírito Santo em 1990. Formado em Tecnólogo pem Processamento de Dados pela UNESC em Colatina ES no ano de 1998. Bacharel em Direito pela Faculdade Pitagoras de Linhares ES.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIROLA, Antonio Luiz Rocha. As vinganças digitais e suas implicações jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5204, 30 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60871. Acesso em: 18 abr. 2024.