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O exercício da supervisão ministerial mediante contrato de gestão

singelos comentários sobre o Acórdão nº 2572/2010 – 1ª Câmara do TCU

O exercício da supervisão ministerial mediante contrato de gestão: singelos comentários sobre o Acórdão nº 2572/2010 – 1ª Câmara do TCU

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O artigo traz análise do Acórdão nº 2572/2010 - TCU - 1ª Câmara, com enfoque na supervisão ministerial exercida por meio de contrato de gestão firmado por entes governamentais.

O Tribunal de Contas da União – TCU, por meio do Acórdão nº 2572/2010 – TCU – 1ª Câmara, tratou, dentre outras questões, da supervisão ministerial exercida pelo Ministério da Saúde em relação à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, considerando-a deficiente, no caso concreto, em razão de que houve cumprimento de apenas 65% das metas pactuadas no Contrato de Gestão firmado entre a Anvisa e o Ministério da Saúde. Além disso, a SFC constatou que as metas estabelecidas não foram adequadamente definidas para medir o alcance dos objetivos propostos.[1]

O instrumento analisado pelo TCU quanto ao desempenho da ANVISA ateve-se ao contrato de gestão firmado entre as partes. Ao restringir-se o TCU, no caso concreto em exame, apenas ao que preconiza o contrato de gestão, deixou de considerar outras possibilidades de a supervisão ministerial ser exercida para obter o desempenho necessário da entidade supervisionada, desde que a supervisão seja exercida nos estritos limites legais, de forma razoável e proporcional ao resultado que deseja obter, sem excessos ou sobreposições que podem por vezes comprometer, inclusive, o funcionamento regular do ente supervisionado.

Na verdade, a supervisão ministerial, como dito, vai muito além desse aspecto contratual considerado pelo Tribunal de Contas da União.

Não se pode, entretanto, confundir supervisão com subordinação.

Na lição de Hely Lopes Meirelles:

(...) esta decorre do poder hierárquico e aquela resulta do sistema legal imposto às autarquias e empresas estatais, sujeitas, apenas, ao controle finalístico da Administração que as instituiu. A subordinação admite o controle pleno do órgão superior sobre o inferior; a supervisão é limitada aos aspectos que a lei indica, para não suprimir a autonomia administrativa e financeira das entidades vinculadas à Administração central.[2]

Regulada no plano federal pelo Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967,[3] a supervisão ministerial exercer-se-á através da orientação, coordenação e controle das atividades dos órgãos subordinados ou vinculados ao Ministério, nos termos desta lei.[4]

Cada ente ministerial cuida de uma determinada política pública com vistas a cumprir os fundamentos e os objetivos da República,[5] tais como na área de saúde, segurança pública, educação, dentre outras. Por meio dos órgãos que integram sua estrutura, ou de órgãos e entidades descentralizados, o Estado realiza a ação pública na direção de dar cumprimento àquilo que concebeu e planejou.

Nesse diapasão, é papel do ente ministerial estar próximo ao ente supervisionado a ponto de direcionar sua atuação a fim de obter o melhor resultado possível para a política pública de que ele cuida. Assim é o Ministério da Educação em relação às universidades públicas, os institutos de educação tecnológica; o Ministério da Saúde em relação aos hospitais públicos; o Ministério da Fazenda em relação ao Banco do Brasil ou à Caixa Econômica Federal.

No plano concreto, fixou o Decreto-Lei nº 200, de 1967, que:

Art. 26 (omissis)

Parágrafo único. A supervisão exercer-se-á mediante adoção das seguintes medidas, além de outras estabelecidas em regulamento:

a) indicação ou nomeação pelo Ministro ou, se for o caso, eleição dos dirigentes da entidade, conforme sua natureza jurídica;

b) designação, pelo Ministro dos representantes do Governo Federal nas Assembleias Gerais e órgãos de administração ou controle da entidade;

c) recebimento sistemático de relatórios, boletins, balancetes, balanços e informações que permitam ao Ministro acompanhar as atividades da entidade e a execução do orçamento-programa e da programação financeira aprovados pelo Governo;

d) aprovação anual da proposta de orçamento-programa e da programação financeira da entidade, no caso de autarquia;

e) aprovação de contas, relatórios e balanços, diretamente ou através dos representantes ministeriais nas Assembleias e órgãos de administração ou controle;

f) fixação, em níveis compatíveis com os critérios de operação econômica, das despesas de pessoal e de administração;

g) fixação de critérios para gastos de publicidade, divulgação e relações públicas;

h) realização de auditoria e avaliação periódica de rendimento e produtividade;

i) intervenção, por motivo de interesse público.

Observe-se que em nenhum destes dispositivos legais fez-se referência a qualquer contrato para regular a relação entre ente supervisor e ente supervisionado.

Sob o ponto de vista crítico, poderia o Tribunal de Contas da União, na análise realizada no bojo do Acórdão comentado, ter-se valido de outras formas de supervisão para explicitar seu entendimento e, com isso, aperfeiçoar ainda mais o funcionamento da máquina pública, o que não fez.

É importante destacar que, no mesmo Decreto-Lei, vários são os objetivos da supervisão ministerial,[6] dentre os quais se pode destacar a proteção à administração dos órgãos supervisionados contra interferências e pressões ilegítimas. Nada falou o referido ato normativo, entretanto, em relação às interferências e pressões ilegítimas exercidas pelo próprio ente supervisor. Em outras palavras: pelo Ministério em relação a órgão ou entidade supervisionado.

Passados mais de 50 anos desde a edição daquele Decreto-Lei, a experiência demonstrou que, sem regulação adequada e efetiva, houve e há abusos na referida supervisão ministerial.

Em virtude disso, a Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, conhecida como Lei das Estatais, trouxe dois dispositivos específicos a respeito da supervisão por vinculação, que tendem, pelo menos no plano teórico, a minimizar tais abusos, quais sejam:

Art. 89.  O exercício da supervisão por vinculação da empresa pública ou da sociedade de economia mista, pelo órgão a que se vincula, não pode ensejar a redução ou a supressão da autonomia conferida pela lei específica que autorizou a criação da entidade supervisionada ou da autonomia inerente a sua natureza, nem autoriza a ingerência do supervisor em sua administração e funcionamento, devendo a supervisão ser exercida nos limites da legislação aplicável.

Art. 90.  As ações e deliberações do órgão ou ente de controle não podem implicar interferência na gestão das empresas públicas e das sociedades de economia mista a ele submetidas nem ingerência no exercício de suas competências ou na definição de políticas públicas.

Observe-se que a nova Lei, ao tratar do tema, procurou afastar direta e claramente a ingerência na autonomia, administração e funcionamento da entidade supervisionada, assim como no exercício das competências ou na definição das políticas públicas a cargo da estatal supervisionada.

Tal posição, de vanguarda na legislação brasileira, deveria ser estendida a todas as relações de supervisão ministerial presentes na Administração Pública, nos três níveis de governo, não só em relação às empresas estatais, mas também em relação a autarquias e fundações públicas.

Atualmente, o nível de interferência do órgão supervisor sobre o supervisionado chega, por vezes, a inviabilizar o exercício da atividade deste, ou a manietar-lhe de tal forma a atuação que a ação administrativa a cargo do órgão ou entidade supervisionado só acontece no tempo e na forma estabelecidos pelo órgão supervisor. Cite-se como exemplo a regulação do orçamento de tais entidades. É um equívoco tal situação. Fosse assim necessário, não há justificativas para o exercício desconcentrado ou descentralizado do Poder. Tudo ficaria a cargo do Poder Central. E o Estado retrocederia 50 anos, para antes mesmo da edição do Decreto-Lei nº 200, de 1967, que tanta luz trouxe à Administração Pública brasileira, mesmo carecendo, aqui e ali, de atualizações importantes.


Referências

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acordão nº 2572/2010, da 1ª Câmara, Brasília, DF, 18 de maio de 2010. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/pesquisaJurisprudencia/#/detalhamento/11/%252a/NUMACORDAO%253A2572%2520ANOACORDAO%253A2010/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/false/3/false> Acesso em 28 ago. 2017.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 41. ed. atualizada até a Emenda Constitucional 84, de 2.12.2014. São Paulo: Malheiros, 2015.

BRASIL. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 27 mar. 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0200compilado.htm>. Acesso em: 28 ago. 2017.

BRASIL. Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1º jul. 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm>. Acesso em: 28 ago. 2017.


Notas

[1] Página 69, Item 42.

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 41. ed. atualizada até a Emenda Constitucional 84, de 2.12.2014. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 788.

[3] Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências.

[4] Art. 20, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 200/1967.

[5] Disponível em http://www.planejamento.gov.br/servicos/faq/planejamento-governamental/plano-plurianual-ppa/o-que-eacute-o-ppa. Acesso em 28 ago. 2017.

[6] Art. 25. A supervisão ministerial tem por principal objetivo, na área de competência do Ministro de Estado:

I - assegurar a observância da legislação federal;

II - promover a execução dos programas do Governo;

III - fazer observar os princípios fundamentais enunciados no Título II;[6]

IV - coordenar as atividades dos órgãos supervisionados e harmonizar sua atuação com a dos demais Ministérios;

V - avaliar o comportamento administrativo dos órgãos supervisionados e diligenciar no sentido de que estejam confiados a dirigentes capacitados;

VI - proteger a administração dos órgãos supervisionados contra interferências e pressões ilegítimas;

VII - fortalecer o sistema do mérito;

VIII - fiscalizar a aplicação e utilização de dinheiros, valores e bens públicos;

IX - acompanhar os custos globais dos programas setoriais do Governo, a fim de alcançar uma prestação econômica de serviços;

X - fornecer ao órgão próprio do Ministério da Fazenda os elementos necessários à prestação de contas do exercício financeiro;

XI - transmitir ao Tribunal de Contas, sem prejuízo da fiscalização deste, informes relativos à administração financeira e patrimonial dos órgãos do Ministério.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA FILHO, Francisco de Assis. O exercício da supervisão ministerial mediante contrato de gestão: singelos comentários sobre o Acórdão nº 2572/2010 – 1ª Câmara do TCU. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5286, 21 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62479. Acesso em: 24 abr. 2024.