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Nudes é POP! A pornografia de vingança não poupa ninguém.

Nudes é POP! A pornografia de vingança não poupa ninguém.

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Estudo sobre a pornografia de vingança como forma de violência contra a mulher, trazendo para tal conduta a aplicação da Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, diante da ausência de dispositivos específicos para coibir e penalizar o delito em questão.

INTRODUÇÃO 

Almeja o presente trabalho contribuir e proporcionar aos seus leitores reflexões sobre uma das forma de violência contra cresce no Brasil e que carece de penalização por parte do Estado, sendo para os algozes um crime banal e sem grandes consequências jurídicas, ao compasso que para suas vítimas os reflexos são negativos e impossíveis de serem superados.

Nesse viés, o crime em questão é a pornografia de vingança, que nesta oportunidade tem seu enfoque voltado para a divulgação de conteúdo íntimo após o término das relações afetivas com o condão de macular, além da imagem, a integridade psicológica e a moral da mulher.

O estudo versa, ainda, sobre o surgimento e a definição da pornografia de vingança, perquirindo como a porn revenge progrediu da década de 1970 até os dias atuais, além de trazer considerações pertinentes sobre a liberdade sexual da mulher de dispor do seu corpo e imagem, principalmente quando o faz no íntimo das relações afetivas, já que as trocas de nudes e sexting configuram, além de jogo de prazer, acordo e mútua confiança entre os envolvidos.

Em arremate, apresenta as penalidades aplicadas nos casos de pornografia de vingança, chamando atenção para o fato de que representam verdadeiro abismo entre o ato praticado versus as sequelas e revés suportados.

Finda o estudo versando sobre a aplicabilidade da Lei Maria da Penha nos crimes de porn revenge, bem como quais são as propostas legislativas para dirimir os casos de pornografia de vingança, penalizar quem comete tal crime e reparar as mazelas suportadas pelas vítimas.


1.  PORNOGRAFIA DE VINGANÇA: A DEFINIÇÃO, A GÊNESE E A PRÁTICA DA PORN REVENGE COMO MEIO DE VIOLAR A MULHER 

A revenge porn[1] é uma locução oriunda dos Estados Unidos cujo significado consiste em alastrar, por meio da internet, conteúdo erótico ou sensual, contendo situação de nudez ou sexo, tal quais vídeos e imagens, sem o consentido do(s) envolvido(s), geralmente mulheres, realizando a contragosto da pessoa envolvida, a disseminação de material íntimo. Ocorre que tal divulgação consiste, acima de tudo, no desejo de vingar-se da vítima, causando danos à sua moral e imagem. O referido crime, antes de ser entendido como tal, teve seu surgimento na forma que segue abaixo.

Na década de 70, surgia a revista Hustler[2], magazine voltado para o público adulto masculino, com conteúdo de mulheres em situações e poses de cunho erótico e/ou sexual. A referida revista era publicada mensalmente nos Estados Unidos, local onde surgiu, e tinha como diferencial o modo explícito em que apresentava suas imagens e matérias.

Na década de 80, a referida revista inovou ao criar uma seção intitulada Beaver Hunt[3], a qual tinha como proposta que os próprios leitores do periódico encaminhassem para publicação nas páginas da referida revista mulheres comuns e despidas, em situações do dia a dia, e até mesmo em espaços públicos.

Na derradeira ocasião restou claro que, muitos consumidores eram mais interessados em materiais de pornografia amadora[4] do que na exposição voluntária, em especial nos casos em que a pessoa exibida desconhecia a exposição sofrida, dada a curiosidade e espontaneidade do conteúdo exibido, o que fomentou ainda mais a disseminação de material pornográfico produzido da forma outrora explicada, ou seja, sem conhecimento da pessoa exposta.

No entanto, em muitos dos casos, as mulheres não tinham ciência que eram fotografadas e que suas imagens eram divulgadas em uma revista masculina pornográfica, o que teve como consequência uma gama de processos movidos por mulheres requerendo indenização em face do ônus da exposição de seus rostos e corpos sem anuência e conhecimento, não resultando em grandes problemas para os envolvidos por conta da ausência de previsão legal para dirimir a questão.

Gradativamente, a prática de compartilhar conteúdo nu e/ou erótico sem autorização da mulher, após o fim das relações íntimas, com o propósito único de macular e desonrar a vítima tornou-se um comportamento reiterado e comum, o que já sinalizava a gênese do crime perquirido, neste caso, os primeiros passos da transgressão abordada no presente trabalho foram dados nesta época, conforme se percebe.

Em 2010, a problemática em voga tornou-se ainda mais insustentável, ganhando notoriedade ainda mais negativa com a criação da página na internet chamada Is Any One Up[5], cuja intenção era publicação anônima de material pornográfico, o que resultou na incisiva atuação da Federal Bureau of Investigation (FBI), diante das publicações não autorizadas e com a agravante de ser compartilhado na modalidade anônima, o que impossibilitava de chegar ao responsável por publicações, por exemplo, obtidas através de computadores hackeados[6].

Nesse contexto, Estados Americanos como a Califórnia, Washington e Flórida, ao notarem que compartilhamentos de conteúdo íntimo com condão de degradar a imagem e moral da mulher pelo não aceite do fim do relacionamento tiveram significativo aumento, agiram com presteza para positivar leis e coibir as condutas dos criminosos, imputando a estes penas que vão da detenção à multa.

Quanto à prática da pornografia de vingança como meio de violar a imagem e a moral da mulher, cabe tecer breves comentários sobre a expressão designada para apontar o crime em questão, na forma que segue.

Etimologicamente, a palavra “pornografia” é proveniente do grego[7], significando em linhas gerais, o ato de escrever sobre prostitutas, sendo tal escrita associada às artes, obras literárias e afins; muitos anos após que tal expressão começou a ser utilizada com a intenção que hoje conhecemos, ou seja, como algo disponível para ser visto, divulgado, comercializado, vulgarizado e que recebe determinados juízos de valores por parte da sociedade.

A expressão “pornografia” parece suavizar o crime da pornografia de vingança em si, fazendo-nos esquecer de quais seus efeitos e trágicas consequências na vida de quem teve sua moral e imagem violada. Ademais, quando se fala em mulheres que atuam no ramo pornô, a sociedade de forma automática se incube de criar conceitos e juízos morais sobre essas mulheres e o julgamento moral que fazem com as prostitutas são empregados em face daquela que sofreu exposição, ou seja, a sociedade não enxerga a vítima como pessoa padecente, mas como pessoa vulgar e indigna.

É sabido que pessoas que fazem uso de sua imagem e corpo no ramo pornográfico o fazem de modo consentido, vez que através da pornografia encontraram uma forma de subsistência para suas vidas, a comercialização da pornografia é, acima de tudo, uma exposição consentida, além de ser um ramo comercial que envolve toda uma indústria, o que não se opera, nem se enquadra nos casos de divulgação de material íntimo após fim do relacionamento amoroso.

Nesse viés, podemos concluir que a mulher vítima da pornografia de vingança não obtém para si nenhuma espécie de proveito, seja financeiro, de visibilidade para melhores propostas em sua vida ou qualquer outra espécie de benesse[8] e, na verdade, as vítimas de tal crime ficam envoltas à condenação social, familiar, muitas vezes perdem emprego, abandonam estudos, se isolam do convívio social e, em alguns casos, cometem suicídio. 

Em linhas gerais, pornografia de vingança não é um novo crime, mas sim a já conhecida violência contra a mulher, só que agora repaginada com os meios contemporâneos, neste caso a internet, ferramenta dotada de recursos, aplicativos e meios de propagar conteúdos com velocidade surpreendente.


2.  Nudes e sexting nas relações íntimas e afetivas: ato natural e praticado na base da confiança

A produção de material sensual e/ou sexual nas relações íntimas é algo salutar para o convívio do casal, que através da produção dessa espécie de material instiga o jogo do prazer na relação, sendo tais materiais estopim para a intimidade, imaginação e manutenção da vida sexual e afetiva do casal, conforme apontou uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Psicologia da Saúde Feminina de Drexel (2015).

Nesse viés, sexting[9] representa a troca de material erótico através dos aparatos eletrônicos, como tablets, telefones celulares e computadores, representando também um protótipo de exercer e viver a sexualidade. Aliás, o sexting em muito se assemelha ao voyerismo[10] e ao exibicionismo[11], comportamentos e prazeres que muitos experimentam e que são existentes há tempos, sendo certo que  a diferença primordial entre as duas últimas práticas quando comparadas com a primeira é o meio de execução, vez que divulgação e troca desse tipo de conteúdo através da internet é mais célere que os demais meios.

Vale ratificar que jogos sensuais, como nudes e sexting, são explorados, acima de tudo, na base da confiança mútua, sendo tais jogos elementos naturais na construção e positivação da relação do casal, razão pela quais certas práticas são realizadas quando na relação há – ou supõe-se haver - confiança, lealdade, respeito e maturidade, alicerces fundamentais de qualquer envolvimento amoroso, não esquecendo que mesmo com toda intimidade entre duas pessoas, o ato de despir-se, registrar e compartilhar o momento vai muito além do nu do corpo, mas também da alma.

A produção e divulgação de qualquer espécie de conteúdo sensual ou erótico dentro das relações afetivas configuram, além de troca mútua entre as partes, o reconhecimento da liberdade da mulher e exercício de sua sexualidade; exercício esse tolhido e reprimido há séculos para as mulheres, mas que sempre foi concedido ao homem na sociedade em que vivemos.  Aqui, muito corrobora o entendimento do doutrinador Bitencourt, quando este assim dispõe sobre a importância de se tutelar a liberdade sexual feminina, in verbis: 

Liberdade sexual da mulher significa o reconhecimento do direito de dispor livremente de suas necessidades sexuais ou voluptuárias, ou seja, a faculdade de comportar-se, no plano sexual, segundo suas aspirações carnais, sexuais, lascivas e eróticas, governada somente por sua vontade consciente, tanto sobre a relação em si como relativamente à escolha de parceiros. Esse realce é importante porque para o homem parece que sempre foi reconhecido esse direito. (BITENCOURT, 2010, p. 904 grifo nosso).

Impende, além disso, frisar que a liberdade, em todos os aspectos jurídicos, é um direito sempre perseguido posto que é necessidade inerente ao homem. Todo indivíduo almeja gozar de sua plenitude quanto pessoa, tendo seus direitos, inclui-se aqui o direito à imagem, à moral e à liberdade quanto ao exercício de sua sexualidade. Na dicção de Roberto Bitencourt o respeito moral e ético à liberdade sexual possui o devido destaque:

Não temos dúvida, na mesma linha de raciocínio, que a liberdade sexual, entendida como a faculdade individual de escolher livremente não apenas o parceiro ou parceira sexual, como também quando, onde e como exercitá-la, constitui um bem jurídico autônomo, distinto da liberdade genérica, com dignidade para receber, autonomamente, a proteção penal. Reconhecemos a importância de existir um contexto valorativo de regras que discipline o comportamento sexual nas relações interpessoais, pois estabelecerá os parâmetros de postura e de liberdade de hábitos, como uma espécie de cultura comportamental, que reconhece a autonomia da vontade para deliberar sobre o exercício da liberdade sexual de cada um e de todos, livremente[12].

Com efeito, é visível que o sexo e todas as suas nuances, como a troca de nudes ou o sexting além de atuações instintivas e biológicas, ou seja, espontaneidade da nossa condição quanto animais reprodutivos e sexuais, são expressões desenvolvidas na base da confiança, como prova de afeição entre os envolvidos e convicção de que os materiais confeccionados servirão como souvenir, ora para atiçar o imaginário das partes, ora como lembrança de determinados momentos, mas devendo sempre os conteúdos produzidos pelo casal serem guardados com o devido respeito, em reverência à moral, à imagem, à integridade e à liberdade sexual do parceiro como pessoa digna de estima e consideração.

Por fim, na articulação de Cezar Roberto Bitencourt[13] o respeito moral e ético à liberdade sexual possui o devido destaque: 

A liberdade, além de ser um dos bens jurídicos mais importantes da coletividade social, ao lado da própria vida e da saúde, e ser, certamente, um dos mais desrespeitados, também é frequentemente utilizada como meio para atentar contra outros bens jurídicos, como ocorre, por exemplo, em alguns crimes contra a dignidade sexual.

Conforme elucidado, nos surpreende que a sociedade se espante admire com o fato da mulher, além de fazer sexo com seu companheiro, se permita a registrar sua nudez. A sociedade deveria espantar-se não com o nu, mas com a violência praticada por seus ex-parceiros, devendo, além disso, espantar-se com compartilhamentos desta natureza, recusando-os ao invés de assistir e replicar. O exercício da sexualidade da mulher, a liberdade de dispor de seu corpo como bem entende sem que sofra retaliações possuem importância e relevância para a seara do direito, razão pela qual, em que pese penalidades existentes, se faz necessário a criação de um instituto mais severo em relação a porn revenge.


2. TIPIFICAÇÃO BRASILEIRA PENAL PARA QUEM INCORRE NO CRIME DE PORNOGRAFIA DE VINGANÇA: DIFAMAÇÃO E INJÚRIA 

A pornografia de vingança surge como um “novo” tipo de degradação – na verdade, é a antiga violência perpetuada e contra as mulheres -, mas que se apresenta agora, através da internet, que possui como maior característica a facilidade com a qual consegue fazer as informações e conteúdos se alastrarem de modo nada comedido.

O crime de pornografia de vingança não só cresce como também causa perplexidade pelos reflexos que produz, alimentando, inclusive, insatisfações em relação ao modo como é dirimida diante da Justiça Brasileira. Desde já, cabe a seguinte conclusão: a legislação vigente não é eficaz para solucionar a questão da pornografia de vingança.

A prática da pornografia de vingança se opera através das redes sociais, aplicativos e-mails e sites diversos (geralmente pornográficos), o que significa dizer que além de veloz propagação há a praticamente impossibilidade de retirar o conteúdo após seu lançamento, mesmo com o advento, por exemplo, das Leis Carolina Dieckmann (Lei nº. 12.737/2012) e Lei do Marco Civil (Lei nº. 12.965/2014).

Jef McAllister, advogado que milita a favor de pessoas vítimas da porn revenge nos EUA e Reino Unidos, explica os possíveis motivos que levariam a praticar tal delito, e assim diz[25] :

Sentimentos de vingança sobre uma ruptura ou se você acredita que seu parceiro tem traído; Perpetrar abuso doméstico - usando as imagens para tentar controlar a vítima; E lucro - alguns sites ganham dinheiro exibindo vingança pornô e obter receitas de publicidade a partir dele. Alguns também tentaram extorquir dinheiro de pessoas para obter as imagens removidas. (THE TELEGRAPH, 2017, p. 1).

Ressalta-se que ressentimento, decepção ou rancor ou qualquer outra vã tentativa de justificar que pode ou deve o homem vingar-se de sua ex-companheira através da pornografia de vingança, não merecem espaço na discussão, menos ainda prosperar. As consequências da pornografia de vingança criam estigmas eternos na alma e na mente da mulher que sofreu tal violência, tal qual ocorre com mulheres vítimas de outras formas de violências já sinalizadas em adequada ocasião.

O poder de pose sobre a mulher, a tendência a “coisificá-la”, a cultura brasileira de tratá-la como a personagem Geni, concebida por Chico Buarque, que “é feita pra apanhar, que é feita pra cuspir e que dá pra qualquer um” - Sim, a Maldita Geni. - talvez sejam, juntamente com a morosidade do Poder Legislativo, razões pelas quais ainda não dispomos de lei minimamente sensata para agir contra a Pornografia de Vingança, crime que cresce no Brasil.

De acordo com a Safernet[26], os índices de pornografia de vingança crescem ao compasso que a legislação não se atualizada. A própria Associação Civil, a Safernet, informa que desde o ano de sua criação, 2007, até o ano de 2016, 3,8 milhões de denúncias foram contabilizadas, dentre elas, denúncias de pornografia de vingança e pornografia infantil[27], o que evidencia que o crime evolui enquanto a lei estagnada está.

Aquele que após o termino da relação, visando vingar-se, comete a porn revenge responde atualmente por crimes contra a honra, sendo estes penalizados à luz dos artigos 139 e 140, ambos do Código Penal, cujos penas são brandas e rasas demais diante da vastidão dos problemas suportados pelas vítimas, em concordância com o que seguirá.

Dispõe o artigo 139, do Código Penal que aquele que difamar alguém, imputando- a este episódio danoso à sua reputação atrai para si como pena a detenção, que gira em torno de três meses a um ano, e multa.

O doutrinador Bitencourt, sobre o bem jurídico tutelado no crime de difamação, assim ensina[28]:

O bem jurídico protegido é a honra, isto é, a reputação do indivíduo, a sua boa fama, o conceito que a sociedade lhe atribui.A tutela da honra, como bem jurídico autônomo, não é interesse exclusivo do indivíduo, mas da própria coletividade, que se interessa pela preservação desse atributo, além de outros bens jurídicos, indispensáveis para a convivência harmônica em sociedade. (BITENCOURT, 210, p. 529, grifo nosso). .

Um exemplo comum de difamação nos casos de pornografia de vingança ocorre quando além de propagar o material, o ex-companheiro atribui à mulher a prática da prostituição, fornecendo, inclusive, dados pessoais como telefone, e-mail e endereço para terceiros através da divulgação na internet. Nesse laço, esclarece Bitencourt[29] primeiro sobre o conceito de reputação: 

Reputação é a moral, intelectual ou profissional que alguém goza no meio que vive; reputação é um conceito social. A difamação pode, eventualmente, não atingir essas virtudes ou qualidades que denotam o indivíduo no seu meio social, mas, assim mesmo, violar aquele respeito social mínimo a que todos têm direito. Esse, aliás, é um dos fundamentos pelos quais os desonrados também podem ser sujeito passivo desse crime.

Posteriormente, sobre a publicidade da difamação, orienta Bitencourt[30]:

É indispensável que a imputação chegue ao conhecimento de outra pessoa que não o ofendido, pois é a reputação que goza na comunidade que deve ser lesada, e essa lesão somente existirá se alguém tomar conhecimento da imputação desonrosa. [...] A publicidade da imputação integra proibição legal, é indispensável que a conduta difamatória chegue ao conhecimento de terceiros. [...] Ora, propalar ou divulgar a difamação produz uma danosidade muito superior à simples imputação, sendo essa ação igualmente muito mais desvaliosa.

Quanto à difamação nos casos de pornografia de vingança, não se avista outra conclusão senão a de que o agente age com vontade consciente de obter certos resultados, neste caso, o de atribuir à mulher fato indecoroso, ainda que tal fato não seja verdadeiro.

Em relação à pena atribuída à difamação, frisa-se que esta é cumulativa, com mínimo de três meses e máximo de um ano de detenção e multa; chamando atenção que quando cometida a difamação na presença de três pessoas ou mais, ou, ainda, por meio que favoreça disseminação de tal ofensa, isto por força do artigo 141, III, do Código Penal.

Quanto à injúria, importa esclarecer que o bem jurídico tutelado também é a honra, sendo certo dizer que a diferença reside no fato da honra ser a subjetiva, isto é, a honra subjetiva é uma apreciação do sujeito ao seu próprio respeito, está intrinsecamente coadunado com noções de decoro e dignidade da pessoa. Segundo Bitencourt (2010, p.53), trata-se de honra subjetiva, isto é, a pretensão de respeito à dignidade humana, representada pelo sentimento ou concepção que temos a nosso respeito.

Ainda de acordo com Bitencourt[31], a honra pessoal consiste em valor imaterial e assim compartilha seu entendimento: 

O valor mais precioso que o agente objetiva atingir é imaterial, é interior, superior à própria dor ou sofrimento físico que o agente possa sentir, é seu valor espiritual, a própria alma, é aquilo que interiormente o motiva a continuar a aventura na Terra: a sua honra pessoal. O corpo, a saúde, a integridade ou incolumidade são atingidos reflexamente.

O crime em quadra também requer análise o tipo subjetivo, em tal caso, o dolo de provocar dano; aqui, não resta outra conclusão senão ao imputar a mulher juízo insultuoso e depreciativo após o termino do relacionamento é algo cometido com literal interesse em alcançar a sua honra e fazê-la experimentar sofrimento e angustia diante de si mesmo, defronte à sua própria imagem.

Tal qual ao crime de difamação, a pena é de três meses a um ano de detenção e multa, promovida a ação à requerimento da vítima, posto que trata de ação penal de iniciativa privada, o que significa dizer que a mulher vítima da pornografia de vingança deve intentá-la caso queria.

Em relação à pena atribuída à difamação e injúria, frisa-se que esta é cumulativa, com mínimo de três meses e máximo de um ano de detenção e multa; chamando atenção que quando a difamação é cometida na presença de três ou mais pessoas, ou, ainda, por meio que favoreça a disseminação de tal ofensa (tal qual ocorre na internet), isto por força do artigo 141, III, do Código Penal, o que é, inclusive, confirmado por Tribunais Superiores e, a título de exemplo, apenas para sinalizar como se comporta o Judiciário, o Tribunal Superior do Distrito Paraná assim se manifestou[32]:

PENAL. APELAÇÃO. CRIMES DE INJÚRIA E DE DIFAMAÇÃO. ARTS. 139 E 140 DO CÓDIGO PENAL. AGENTE QUE POSTA E DIVULGA FOTOS ÍNTIMAS DA EX-NAMORADA NA INTERNET. IMAGENS E TEXTOS POSTADOS DE MODO A RETRATÁ-LA COMO PROSTITUTA EXPONDO-SE PARA ANGARIAR CLIENTES E PROGRAMAS.CONDUTA QUE VISAVA A DESTRUIR A REPUTAÇÃO E DENEGRIR A DIGNIDADE DA VÍTIMA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO CONFIRMADA. Comete os crimes de difamação e de injúria qualificadas pelo emprego de meio que facilita a sua propagação arts. 139 e 140, c.c. 141, II do CP ­ o agente que posta na Internet imagens eróticas e não autorizadas de ex-namorada, bem como textos fazendo-a passar por prostituta.TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal nº 756.367-3. (TJ-PR, 2011, p. 1, grifo nosso).

Em que pese o reconhecimento da questão atinente ao meio de disseminação da ofensa como meio de agravar a pena, neste caso, sendo o meio de disseminação a internet, há de se reconhecer que as penas aplicadas estão aquém de toda a problemática suportada pela vítima; o que exposto anteriormente quando abordado quando da pena que transita entre três meses e máximo de um ano, e de detenção e multa.

Indiscutivelmente, não resta outra conclusão senão a de quando comparamos a pena imposta versus os dados sofridos pelas mulheres, a discrepância é abismal!Não obstante o processo de dor que é o término de qualquer relacionamento, a vítima ainda tem de enfrentar uma série de danos, além de encontrar-se sem amparo Estatal, visto que a legislação carece de regulamentação específica para os casos de pornografia de vingança.


3 Ausência de legislação penal específica e suas consequências 

Há razões contundentes para atrair para o delito de Pornografia de Vingança a aplicação da Lei Maria da Penha já que estamos diante de flagrante violência contra a mulher, sendo sua aplicação medida sensata contra ex-companheiros, ex-cônjuges e afins que, violando o elo de confiança adquirido na constância da relação, transgridem e fazem exposição não consentida de suas ex-parceiras.

No campo jurídico, parece por vezes haver certa dificuldade e resistência de alguns profissionais, parecendo estes ignorarem que um dos alicerces da Lei Maria da Penha e justamente o afeto e a confiança no seio dos vínculos afetivos. Há, portanto, perfeito encaixe da lei em questão com o crime de pornografia de vingança, principalmente se ponderarmos que a confecção de material íntimo é feito em dado momento de convicção e afeto.

Não pode, nem deveria a questão ser dirimida pelos Juizados Especiais Criminais, que tratam de condutas de menor potencial ofensivo; e nesse viés, associar esta prática com as comumente entendidas como de “menor potencial ofensivo” beira o absurdo, principalmente se lembrar de vítimas fatais como, por exemplo, Tiziana Cantone[33] e Júlia Rebeca[34], que cometeram suicídio por não suportarem os ônus e todo o julgamento após serem vítimas da pornografia de vingança.

O mínimo que pode se operar, enquanto legislação específica não adentra no nosso ordenamento jurídico, é que o responsável pela divulgação do material responda perante os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, visto que conforme dispõe a lei em referencia, os procedimentos adotados são diferenciados, voltados especialmente em atenção às necessidades específicas da mulher quando se encontra em situação de fragilidade, requerendo assistência e proteção especial para a manutenção e garantia de seus direitos.

Em seu site, o Conselho Nacional de Justiça, reforça os mais relevantes aspectos da Lei 11.340/2006, e merecem destaque as seguintes inovações e mecanismos que, além de serem mais efetivas para com os interesses da mulher, também se preocupa com a questão pedagógica do algoz, neste caso, com meios para que este se reeduque; assim dispõe o Conselho Nacional de Justiça[35]:

1. Estabelece as formas da violência domestica contra a mulher como a física, a psicológica, sexual, patrimonial e moral;

2. Determina que a violência doméstica contra a mulher independe de sua orientação sexual;

3. Determina que a mulher somente poderá renunciar à denúncia perante o juiz;

4. Ficam proibidas as penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas básicas);

5. Retira dos juizados especiais criminais (Lei n. 9.099/95) a competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher;

6. Altera o Código de Processo Penal para possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher;

7. Altera a lei de execuções penais para permitir ao juiz que determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação;

8. Determina a criação de juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher com competência cível e criminal para abranger as questões de família decorrentes da violência contra a mulher;

9. Caso a violência doméstica seja cometida contra mulher com deficiência, a pena será aumentada em um terço. (CNJ, s.d., p. 1). 

Como se nota, atrair a lei Maria da Penha para os casos de pornografia de vingança a vítima é um meio de a mulher ter sua pretensão melhor atendida, considerando que os procedimentos adotados são diversos dos usualmente utilizados pelos JECRIM, e que se importam com série de detalhes fundamentais não abarcados pelos Juizados Especiais Criminais.

As questões refletidas pela lei como, por exemplo, a decretação da prisão preventiva quando a mulher estiver diante da iminência de sofrer algum dano à integridade psicológica ou físico e o ponto referente à obrigação do algoz integrar programas de reeducação e recuperação já mostram por si só o interesse não só em penalizar, mas, antes de tudo, minimizar que agressões venham a ocorrer, além de preocupar-se com aquele que transgride, conduzindo-o ao caminho da reflexão de seus atos e ônus suportados pela sua ex-companheira.

Posto isto, enquanto o Legislativo Brasileiro não atrai para si a responsabilidade de agir com mais energia e severidade nos casos de pornografia de vingança, entendemos que nada obsta a aplicabilidade da Lei 11.340/2006 nos casos de pornografia de vingança.


4. Projeto de Lei nº 5.555/2013: inclusão do crime de pornografia na Lei Maria da Penha  

Considerando a complexidade da conduta e a dificuldade de satisfazer a pretensão da vítima, há o Projeto de Lei número 5.555/2013 que visa alterar a Lei Maria da Penha para que sejam criados meios de repelir a violência contra a mulher na internet e de igual modo coibir que tal violência se opere através de meios que propagam informações.

A proposta de João Arruda, Deputado Federal, propõe alteração nos artigos 3º, 22º e 7º da Lei Maria da Penha. Aqui, não teríamos um novo instituto legal, mas sim alterações na redação da referida lei para passar a existir uma previsão legal apta a tratar da questão de maneira menos negligente e assertiva.

Em seu Relatório, o autor João Arruda, e o Relator, Dr. Rosinha, sintetizam o objetivo da referida alteração, e assim manifestam-se[36]:

As proposições em tela pretendem punir os autores e defender as vítimas da “pornografia de revanche” ou “pornografia de vingança”, modalidade de crime eletrônico que consiste em expor para grupos ou de forma massiva, sem autorização da vítima, imagens ou demais informações íntimas, tomadas em confiança, em geral durante fase em que o autor do crime e a vítima mantinham relação afetiva; ou, de forma ainda mais violenta, expor imagens de atos perpetrados contra a vítima, muitas vezes estupros coletivos, tendo o autor do crime eletrônico participado ou assistido ao evento criminoso. (ARRUDA; ROSINHA, 2013, p. 1, grifo nosso).

A proposta de João Arruda, Deputado Federal, propõe alteração nos artigos 3º, 5º ao 22º e artigo 7º da Lei Maria da Penha. Aqui, não teríamos um novo instituto legal, mas sim alterações na reação da referida lei.

Conforme acima dito, três artigos da lei Maria da Penha sofriam alterações, passamos a falar sobre o artigo 3º da citada lei. Segundo o Projeto que aguarda posicionamento do Senado Federal, a proposta alteração no artigo 3º tem a seguinte finalidade[37]:

Pretende-se incluir a garantia do direito à comunicação no rol do art. 3º, que já assegura às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

No que tange ao artigo 7º, assim dispõe o Projeto de Lei[38]:

[...] Inclui ainda, entre as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, previstas no art. 7º da Lei nº 11.340/2006, a “violação da sua intimidade, entendida como a divulgação por meio da Internet, ou em qualquer outro meio de propagação da informação, sem o seu expresso consentimento, de imagens, informações, dados pessoais, vídeos, áudios, montagens ou fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”.

A alteração neste artigo deixa evidente o elo da Proposta de Lei com a temática que envolve o presente trabalho, ou seja, cautelosamente atenta-se quanto à exposição da intimidade da mulher após o término da relação, o que em simples palavras representa a Pornografia de Vingança, crime esse exaustivamente tratado nesta oportunidade.

Oportuno ressaltar que dispomos da Lei Carolina Dieckmann, Lei nº 12.737/2012, e da Lei do Marco Civil, n° 12.965/14. A primeira sancionada em 2012, que alterou o Código Penal, tipificando os crimes de informáticos, dentre eles a invasão de dispositivo alheio, interrupção ou perturbação de serviço telegráfico e outros, e falsificação de documentos particulares. A segunda lei citada foi sancionada em 2014, objetivando o uso consciente, respeitoso, digno da internet, obrigando aos usuários e provedores determinadas condutas a fim de fazer da internet um espaço democrático e ético. No entanto, nos importa nesta ocasião o projeto de lei que também propõe alteração oportuna, e assim explica a sua relevância[39]:

Outra alteração prevista no PL 5555/2013 diz respeito às medidas protetivas de urgência, que podem ser aplicadas de imediato pelo juiz, assim que se constate a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei Maria da Penha (art. 22). No caso, “o juiz ordenará ao provedor de serviço de e-mail, perfil de rede social, de hospedagem de site, de hospedagem de blog, de telefonia móvel ou qualquer outro prestador de serviço de propagação de informação, que remova, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, o conteúdo que viola a intimidade da mulher” (ARRUDA, 2013, p. 2).

Nota-se que a alteração tem condão de medida protetiva e, de fato, em muito auxiliaria em reduzir os impactos dos vazamentos de conteúdo íntimo, em face de determinação de retirada do conteúdo em 24 horas.

Outro projeto de lei que coaduna e está apensado com o projeto acima delineado, é o Projeto de Lei nº 6.630, de 2013, de autoria do Senador Romário. Tal Projeto na fase destinada a Justificação explica o que motivou sua criação, iniciando sua fundamentação com didática explicação sobre o que vem a ser Pornografia de Vingança e a necessidade de reprimir através da lei tal conduta, e o faz nos seguintes termos[40]:

A Constituição Federal, que completou 25 anos, já assegura o direito à inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, contudo, lamentavelmente cresce o número de mulheres que tem suas imagens íntimas disponibilizadas, nos meios eletrônicos, por seus ex-companheiros por ato de vingança, humilhação ou autopromoção. Conforme matéria da Folha de São Paulo, veiculada em 02/10/2013, a divulgação de materiais íntimos é um problema crescente na era das redes sociais, quando imagens que eram privadas durante um relacionamento podem alcançar centenas de sites em pouquíssimo tempo. Por causa dessas condutas, as vítimas têm suas vidas destruídas pela ação de outra pessoa em quem confiavam. Normalmente, os casos de fotos e vídeos íntimos publicados na rede são provocados por parceiros que não aceitam o fim do relacionamento e que procuram essa forma para atingir a integridade física, moral e psicológica da vítima, esta prática ganhou até um nome: Pornografia da vingança. (BRASIL, 2012, p. 1).         

Ademais, ainda na exposição que justifica a necessidade de tal alteração na lei, os motivos expostos harmonizam com o que foi apresentado ao longo do presente trabalho. A Justificação do Projeto de Lei aponta a carência de dispositivo legal e assevera tal fato nos seguintes termos[41]:

Analisando a legislação vigente, especificamente o Código Penal, não encontramos, a princípio, uma norma penal específica que defina a conduta de divulgação indevida de material íntimo.As autoridades acabam enquadrando como difamação ou injúria, que possuem pena branda para a gravidade da conduta.

Pelo exposto, o Projeto de Lei nº 6.630/2013 alteraria o Código Penal nos títulos destinados aos crimes contra a dignidade sexual e contra a liberdade sexual, tipificando, portanto, a conduta de Pornografia de Vingança, penalizando com rigidez a divulgação de conteúdo íntimo sem anuência da pessoa envolvida em tais conteúdos.

Conforme elucida o teor do Projeto de Lei da autoria de João Arruda, a vida da pessoa vitimada jamais será a mesma, e justifica nos termos a seguir a preocupação que gira ao redor do tema, e não há outro posicionamento senão o de concordar que a aprovação do Projeto de Lei já deveria ter se concretizado. Pertinente é a colocação que consta no teor do Projeto e que assim se posiciona[42]: 

A preocupação dos autores das proposições é, claramente, com a prevenção e punição dos autores desse novo crime virtual, que infelizmente tem tido repercussões muito sérias para as vítimas. No Brasil e em vários outros países, o resultado da exposição da intimidade das vítimas pela Internet tem sido, infelizmente, o suicídio dos ofendidos. As poucas vítimas que conseguiram suportar o assédio – que decorre da exposição descontrolada de sua intimidade e vida sexual pela rede mundial de computadores e por aplicativos de dispositivos móveis – relatam uma sobrevida mutilada. As vítimas precisam esconder-se e adotar novas identidades. Passam a viver reclusas e desenvolvem sintomas severos de depressão, pânico e ansiedade. A verdade é que o crime virtual tem consequências reais devastadoras sobre as vítimas e seus familiares e amigos, bem como para os seus demais relacionamentos profissionais e sociais. (ARRUDA, 2013, p. 1, grifo nosso).

Se aprovado o Projeto, teríamos alteração na legislação penal vigorante e esta, com as referidas mudanças, reprimendas mais plausíveis. Dentre elas, destacam-se o fato da pena, que seria de detenção de um a três anos, e multa, mas aumentada em um terço se o crime for cometido com o fim de vingança ou humilhação, ou, ainda, por aquele que era cônjuge, companheiro, noivo, namorado ou nutria com a vítima qualquer espécie de envolvimento afetivo com habitualidade.

O Projeto ainda incube de propor que a pena seja aumentada da metade quando a vítima contar com menos de dezoito anos ou for portadora de alguma espécie de deficiência. Além disso, atenta-se o projeto sobre a questão indenizatória, atribuindo ao criminoso a obrigação de indenizar a vítima por todos os gastos que esta venha a ter, incluindo quando esta sair do emprego, do ambiente de estudos, na comunidade onde residia, além dos casos em que terá gastos com psicólogos e medicamentos. A lei ainda chama atenção para a proibição do uso das redes sociais e internet por até dois anos, variável de acordo com a proporção gravosa do ato.

Em face de todas as exposições e razões apresentadas, convém notar, outrossim, que é mansa a conclusão de que a gravidade do crime de pornografia de vingança não pode ser tratado com trivialidade e naturalidade, tal qual vemos, o que reforça o porquê da aplicação da lei Maria da Penha vez que há uma indigência miserável na lei penal brasileira para atribuir aos ex-companheiros o peso da responsabilidade de seus atos.

Idealizamos e perseguimos uma mudança social e a equidade real entre as pessoas, e isso passa, acima de tudo, pelo crivo da conscientização e educação. Como bem sabemos, mudar comportamentos e pensamentos que acabam por legitimar as violências sofridas pelas mulheres, tal qual a pornografia de vingança, principalmente quando falamos da cultura existente no seio da nossa sociedade, que julga até mesmo a mulher por não querer nutrir mais relacionamentos.

A luta não é só contra a pornografia de vingança, mas também em face das variadas formas de agredir a mulher, de reduzir sua integridade, sua força e doçura. Aqui, muito mérito merece a luta das feministas que, muito antes da década de 1970, quando surgiu a primeira grande onda do feminismo, se mostraram sempre proativas e determinadas a mudar o curso da história das mulheres e da humanidade.


5. CONCLUSÕES

O crime de pornografia de vingança representa o que há de mais vulgar, não no sentido sexual, posto que o trabalho acredita e defende as expressões sexuais e eróticas dentro das relações íntimas e afetivas, o vulgar aqui sinalizado é o do caráter, digo, da falta deste. A sexualidade é inerente a todos nós, seres carnais e inclinados às paixões, ao amor.

A propagação dos nudes ou sexting configura na violação de um acordo social básico que fora firmado entre duas pessoas adultas e que vislumbravam no ato da confecção do material a elaboração de conteúdo a ser guardado com carinho, como suvenir ou atalho para novos jogos de prazer. E, além da quebra de um contrato, há a ruptura de um ser humano por trás de tal ação, um ser que sequer pode quantificar o quanto dói ser vítima dessa espécie de traição, razão pela qual algumas vítimas ceifam suas vidas por não suportarem a dor.

A imagem da mulher, em especial o exercício da sua sexualidade, sempre foram alvos de posicionamentos pejorativos e hostis, principalmente em uma sociedade que trata a mulher como objeto, uma sociedade machista, postura ultrapassada para os dias atuais. Talvez por este motivo, a morosidade do Legislativo em dar aval e positivar projetos de leis que tratem de forma mais severa os casos de pornografia de vingança, porque não há a menor razoabilidade em enquadrar o ex-companheiro, namorado, noivo e afins, nos crimes de difamação e injúria; crimes cuja pena é tão amena que é vista quase como que um agrado e estímulo.

Face carência de lei certa e determinada é óbvio, pois, que atrair a Lei Maria da Penha para a pornografia de vingança visando auxiliar dentro do possível a mulher vítima, é o mínimo a ser feito para acalentar a mulher dilacerada pela quebra de confiança e exposta.

De suma relevância é necessário ressaltar os Projetos de Leis nº. 5.555, DE 2013 e o de nº 6.630, de 2013, que ainda aguardam apreciação pelo Senado Federal, visto que tais projetos se mostram dinâmicos e melhores ajustados para a reprimenda do crime de pornografia de vingança.

Face a ausência de legislação adequada para o crime de pornografia de vingança, se faz necessária a aplicação da Lei Maria da Penha.


Notas

[1] Pornografia de Vingança, em português.

[2] A empreitada dos irmãos Larry Flynt e Jimmy Flynt, com produção e divulgação de material com mulheres de cunho sexual e erótico explícito teve início no ano de 1969. A referida revista ainda existe e, na era digital, as publicações ocorrem no site da mesma: www.hustlermagazine.com,

[3] Caçada ao castor, traduzido para português.

[4] Representada pela expressão real core pornography, que em português quer dizer pornografia real.

[5] Em tradução literal a expressão “is any one up” quer dizer “alguém está lá”. O referido site ainda existe, e está disponível no seguinte endereço eletrônico: www.Isanyoneup.com.

[6] Invadidos de modo ilegal para obtenção de dados e informações no geral. Ou, ainda, com intuito de prejudicar de alguma forma, como propagação de vírus, alteração de informações e afins.

[7] Em grego, pornografia é pornographo; desmembrando tal palavra, conclui-se que porne que significa prostituta ou, ainda, aquilo que é comprável ou trocado, e graphein, por sua vez, significa escrever, logo, pornografia significa “escrever sobre prostitutas”.

[8] Segundo profissionais do ramo pornográfico, o exercício de ser atriz ou modelo pornô não é fácil como se supõe, mas o ramo em si remunera melhor as mulheres que chegam a ganhar até três vezes a mais que os homens.

[9]Sexting é a junção das palavras sex e texting, que significam “sexo” e “mensagens de texto”, respectivamente. É, portanto, a troca de mensagens de texto com teor ou imagem ligados ao sexo.

[10] Sensação de prazer ao ver atividades íntimas de outrem.

[11] Frenesi ao expor o corpo, o ato sexual ou determinada intimidade para terceiros.

[12] Idem, p. 905, grifo nosso.

[13] Idem, p. 905, grifo nosso.

[14] A entidade assim se define: [...] Associação civil de direito privado, com atuação nacional, sem fins lucrativos ou econômicos, sem vinculação político partidária, religiosa ou racial. Fundada em 20 de dezembro de 2005. Criada para oferecer uma resposta eficiente, consistente e permanente no Brasil para os graves problemas relacionados ao uso indevido da Internet para a prática de crimes e violações contra os Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.safernet.org.br/site/institucional>. Acesso em: 23 mai. 2017.

[15] Dados disponíveis em <http://indicadores.safernet.org.br/>. Acesso em: 22 fev. 2017.

[16] Idem, p. 530, grifo nosso.

[17] Idem, p. 531, grifo nosso.

[18] Idem, p. 537, grifo nosso.

[19] Jovem italiana de 31 anos que cometeu suicídio após ter vídeo onde aparecia fazendo sexo com ex-namorado divulgado na internet.

[20] Adolescente brasileira de apenas 17 anos que se suicidou após vídeo íntimo ser propagado nas redes sociais.

[21] Idem, p. 2.

[22] Idem, p. 3.

[23] Idem, p. 4.

[24] Idem, p. 4, grifo nosso.

[25] BARRETT, David. What is the law on revenge porn? Estados Unidos, 2015. Entrevista concedida ao jornal americano The Telegraph em Abr. 2015.  Disponível em <http://bit.ly/1IXoOgO>. Acesso em: 24 mar. 2017.  

[26] A entidade assim se define: [...] Associação civil de direito privado, com atuação nacional, sem fins lucrativos ou econômicos, sem vinculação político partidária, religiosa ou racial. Fundada em 20 de dezembro de 2005. Criada para oferecer uma resposta eficiente, consistente e permanente no Brasil para os graves problemas relacionados ao uso indevido da Internet para a prática de crimes e violações contra os Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.safernet.org.br/site/institucional>. Acesso em: 23 mai. 2017.

[27] Dados disponíveis em <http://indicadores.safernet.org.br/>. Acesso em: 22 fev. 2017.

[28] [29] [30] [31] BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal comentado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 

[32] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão da apelação criminal Nº 756.367-3. Relator: ROMERO, Lilian. Publicado no DJ de 07-07-2011 p. 681. Disponível em: <http://bit.ly/2sbuDVI>. Acessado em: 22 fev. 2017.

[33] Jovem italiana de 31 anos que cometeu suicídio após ter vídeo onde aparecia fazendo sexo com ex-namorado divulgado na internet.

[34] Adolescente brasileira de apenas 17 anos que se suicidou após vídeo íntimo ser propagado nas redes sociais.

[35] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Formas de violência contra a mulher. Disponível em: <http://bit.ly/2aAq3t1>. Acesso em: 14 abr. 2017.

[36] [37] [38] [39] BRASÍLIA. Projeto de Lei nº 5.555 de 2013. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 - Lei Maria da Penha – criando mecanismos para o combate a condutas ofensivas contra a mulher na Internet e em outros meio de propagação da informação. ARRUDA, João. Câmara dos Deputados, Brasília. Disponível em: <http://bit.ly/2rvgLcB>. Acesso em: 4 mai. 2017.

[40] [41] BRASÍLIA. Projeto de Lei nº 6.630 de 2013. Acrescenta artigo ao Código Penal, tipificando a conduta de divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da vítima e dá outras providências. FARIA, Romario. Câmara dos Deputados, Brasília. Disponível em: <http://bit.ly/2qq1ZUv>. Acesso em: 4 mai. 2017.

[42] BRASÍLIA. Projeto de Lei nº 5.555 de 2013. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 - Lei Maria da Penha – criando mecanismos para o combate a condutas ofensivas contra a mulher na Internet e em outros meio de propagação da informação. ARRUDA, João. Câmara dos Deputados, Brasília. Disponível em: <http://bit.ly/2rvgLcB>. Acesso em: 4 mai. 2017.



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