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Estudo sobre a responsabilização das empresas e do Estado na ocorrência do dano ambiental

Estudo sobre a responsabilização das empresas e do Estado na ocorrência do dano ambiental

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Reflete-se sobre o modelo civil de responsabilização que prevalece no ordenamento jurídico nos casos de dano ao meio ambiente, em especial no que diz respeito ao rompimento da barragem de Fundão.

INTRODUÇÃO

É fato público e notório que, no dia 05 de novembro de 2015, houve o rompimento da barragem de Fundão e galgamento da barragem de Santarém, localizadas no município de Mariana/MG, cujos rejeitos espargiram por aproximadamente 663Km (seiscentos e sessenta e três quilômetros) de corpos hídricos pelo Vale do Rio Doce, provocando impactos ambientais, sociais e econômicos imensuráveis ao longo de toda a bacia hidrográfica, atingindo o oceano Atlântico pelo estado do Espírito Santo (JUSTIÇA AMBIENTAL, 2015, p. 3).

A barragem de Fundão era operada pelas empresas Samarco Mineração S/A e Vale S/A, as quais a utilizavam para o depósito de rejeitos provenientes da extração de minério de Ferro das Minas de Germano e Alegria, respectivamente. A lama estava contaminada com elevados níveis de metais pesados, como ferro e sílica, além de outros produtos químicos. Este episódio é considerado o maior desastre ambiental da História com barragens de rejeitos (BELCHIOR; PRIMO, 2016, p.11).

Devido à gravidade e ampla repercussão deste caso, a mídia passou a tratá-lo, muitas vezes, de maneira perfunctória, divulgando aspectos jurídicos acerca dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão que não condizem com a realidade dos fatos. Diante disso, o presente estudo tem por escopo realizar uma reflexão no tocante ao modelo civil de responsabilização que prevalece no ordenamento jurídico brasileiro nos casos de dano ao meio ambiente.

Portanto, serão abordados assuntos como a evolução histórica, as teorias e os métodos utilizados em nosso sistema para responsabilizar as Empresas, os Entes Federativos e os Órgãos e Entidades da Administração Pública que, de forma direta ou indireta, tenham sido responsáveis por dano ambiental, sobretudo, no que diz respeito ao desastre ambiental originado em razão do rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, no distrito de Bento Rodrigues/MG.

Sendo assim, o presente estudo é de grande relevância, em razão da seriedade e repercussão do evento, tendo em vista que objetiva investigar, com uma visão técnico-jurídica, a questão da responsabilidade civil em matéria ambiental, referindo-se, especialmente, ao caso Samarco, analisando-se o seu desenvolvimento ao longo da História, principalmente em face da “sociedade de risco” e apresentando a sua positivação no ordenamento jurídico brasileiro.

Esta monografia foi fracionada em três partes, além da introdução e da conclusão. A princípio, realizaremos uma descrição do progresso histórico do instituto da responsabilidade civil, desde o direito romano até os dias atuais, com o advento da sociedade de risco. Na sequência, abordaremos aspectos específicos da responsabilização civil por dano ao meio ambiente, passando pela definição e caracterização do dano ambiental e as teorias da responsabilidade civil em matéria ambiental, indicando aquela mais apreciada pela doutrina e aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça, e ainda, faremos algumas considerações a respeito da responsabilidade civil do Estado. Por fim, discorreremos sobre as causas e consequências do rompimento da barragem de Fundão, apontando os danos sociais, ambientais e econômicos decorrentes deste episódio, bem como os seus responsáveis diretos e indiretos, para, ao final, demonstrar o dever de reparar e/ou indenizar.

Para tanto, adotaremos o método dedutivo de abordagem e o estudo de caso, pretendendo verificar qual teoria da responsabilidade civil vem sendo adotada. Este estudo é norteado por meio de pesquisas bibliográfica e eletrônica em artigos jurídicos, livros especializados, legislação nacional e estrangeira e jurisprudência, mormente, dos Tribunais Superiores.                                                    


1 RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

Desde o remoto tempo da vigência do Código de Justiniano, Ulpiano, influente jurista romano, já expunha fundamentos básicos para uma vida justa, os quais se resumem em três premissas: honeste vivere (viver honestamente); alterum non laedere (a ninguém lesar) e suum cuique tribuere (dar a cada um o que é devido). A asserção alterum non laedere, é considerada a raiz histórica da responsabilidade civil, haja vista que os membros da sociedade não devem agir de forma a causarem prejuízos mútuos, devendo, pois, manter uma convivência pacífica e harmoniosa (FERNANDES, [s.d.], p.1).

 A clássica Terceira Lei de Newton estabelece que toda ação gera uma reação de mesma intensidade e direção, porém em sentidos opostos. Do mesmo modo, todo ato lesivo vem acompanhado de uma consequência e sobrecarregado de uma responsabilidade, sendo esta conceituada no âmbito jurídico como um dever jurídico sucessivo, cuja função é reparar um dano provocado pela transgressão de um dever jurídico originário (CAVALIERI FILHO, 2010, p.2 apud BELCHIOR; PRIMO, 2016, p. 13).

Carlos Roberto Gonçalves (2016, p.19) ensina que o termo “responsabilidade” tem origem no latim spondeo e expressa a ideia de compensação, reparação e restauração de equilíbrio, tendo como perspectiva, especialmente, a realidade social, eis que pretende reestabelecer o status quo ante.

A responsabilidade civil incide na esfera ambiental de maneira peculiar com normas específicas, instituídas a partir da Constituição Federal e da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, conforme será detalhado em seguida.

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

Nos primórdios da civilização humana, vigorava o sistema da vingança coletiva, em que, ao se ver ameaçado, o grupo reagia conjuntamente contra o agressor, com o objetivo de revidar os danos causados. Posteriormente, com o surgimento da Lei de Talião, que pregava a fórmula do “olho por olho, dente por dente”, os homens passaram a ter uma reação individualizada, tratava-se da vingança privada, também chamada de motu próprio, a qual embora fosse regulada pelo Poder Público, que declarava eventual direito de retaliação com a possibilidade de a vítima atacar o seu agressor na mesma intensidade, o que se verifica é um sistema de represália violento, desregrado e sobretudo desproporcional (DINIZ, 2007, p.10).

Mais tarde, foi editada a Lex Aquila de damno que introduziu uma nova forma de reparação do dano em substituição à retaliação pregada pela Lei de Talião, qual seja, a prestação pecuniária. Sendo assim, o patrimônio do agressor passou a suportar o ônus da reparação, cuja quantificação era fixada pelo Estado. Neste período, surgiu a noção de culpa como elemento necessário para a configuração da responsabilidade civil. Tempos depois, as sanções desta lei passaram a ser aplicadas também aos danos causados por omissão ou verificados sem estrago físico da coisa (DINIZ, 2007, p.11).

No entanto, não havia distinção entre a responsabilidade civil e a penal, as quais foram discriminadas apenas na Idade Média. Deste modo, a reparação que era entendida como pena devido ao seu caráter punitivo, visto que infligia ao autor o mesmo dano sofrido pela vítima, passou a ser encarada como uma forma de compensar um prejuízo. Neste tempo, os romanos passaram a distinguir os delitos públicos e os privados, sendo que, a pena pecuniária que incidia sobre aqueles era destinada aos cofres públicos, quanto a estes, o dinheiro recolhido era entregue à vítima (GONÇALVES, 2016, p.25).

O direito francês, por intermédio do doutrinador Domat, lapidou as teorias do direito romano, modulando-as conforme os princípios da religião e as necessidades do momento, e estabeleceu um princípio geral da responsabilidade civil:

Todas as perdas e todos os danos que podem acontecer pelo ato de alguma pessoa, sejam imprudência, leveza, ignorância do que se deve saber, ou outras falhas semelhantes, por mais leves que sejam, deve ser reparado pela pessoa cuja imprudência ou outra falha deu origem a ele. Pois é um erro que ele fez, mesmo que ele não pretendesse prejudicar (ENCYCLOPAEDIA UNIVERSALIS).

A posteriori, este preceito foi empregado nos artigos 1.382 e 1.383 do Código Napoleônico, influenciando legislações supervenientes que adotaram a culpa como fundamento da responsabilidade civil (DINIZ, 2007, p.12).

 A partir de meados do século XVIII, a Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo impulsionaram o avanço da tecnologia, o êxodo rural, o desenvolvimento das cidades e o aumento da produção. Este cenário foi o marco da ascensão da burguesia enquanto a classe proletária cumpria extenuantes jornadas de trabalho em locais com baixo nível de segurança, recebendo salários irrisórios e vivendo em condições deploráveis. Neste período, embora fosse comum a ocorrência de acidentes de trabalho, os danos sofridos pelos empregados raramente eram indenizados, haja vista que ainda vigorava o modelo de responsabilidade civil subjetiva, pelo qual é necessário a demonstração de culpa do empregador, o que era praticamente impossível comprovar em razão da vulnerabilidade do proletariado em face da burguesia (PEREIRA, 2014, p. 524 apud, BELCHIOR; PRIMO, 2016, p.14).

Outrossim, o modo de produção fabril provocou um grande impacto sobre a estrutura da sociedade, eis que impulsionou o consumismo e, consequentemente, intensificou a exploração dos recursos naturais para atender as demandas do mercado. Entretanto, foi apenas no século XX que despontou a crise ambiental, período este em que o sistema econômico passou a interferir de maneira expressiva no meio ambiente, acarretando o esgotamento dos recursos naturais e tolhendo a capacidade dos ecossistemas de absorver os impactos causados pela expansão econômica (GUERRA; GUERRA, 2014, p.5).

Ademais, conforme menciona Guerra (2014, p.13), a evolução proveniente da industrialização fez o homem acreditar que pudesse controlar os riscos de seus empreendimentos e evitar catástrofes naturais, todavia, o avanço da tecnologia dilatou de forma expressiva os riscos sociais, políticos, ecológicos e individuais os quais fogem do controle e proteção da sociedade industrial, de modo que deixam de ser meros acidentes e passam a fazer parte da sociedade contemporânea.

Desta forma, ainda que tenha sido a Revolução Industrial o momento de maior interferência do ser humano no meio ambiente, é na contemporaneidade, ou “sociedade de risco”, conforme denomina o sociólogo alemão Ulrich Beck (BELCHIOR; PRIMO, 2016, p.15), que as ameaças produzidas pela industrialização se materializam. Assim, surge a necessidade de reavaliar os padrões de responsabilidade, segurança, controle, limitação do dano e distribuição de suas consequências, considerando, ainda, as ameaças potenciais.

O mundo Pós-Revolução Industrial passou a sofrer constantes mudanças, como o aumento da temperatura média do planeta, as alterações climáticas, o esgarçamento da camada de ozônio, a perda da biodiversidade, o acúmulo de resíduos, a escassez de água e as tragédias ambientais.

A camada de ozônio é uma proteção gasosa que circunda o planeta Terra e o protege da incidência de radiação, especialmente a ultravioleta.  No entanto, com o desenvolvimento da indústria e a descoberta do clorofluorcarbono (CFC)[1], esta capa protetora vem sendo, diariamente, destruída. Isto porque, apurou-se, na década de 1970, que as moléculas de CFC alcançam a estratosfera, são atingidas por radiação ultravioleta e se quebram, liberando átomos de cloro, os quais rompem as moléculas de ozônio, com as quais se ligam e formam monóxido de cloro e oxigênio, sendo esta reação química a responsável pela abertura de buracos nessa camada da atmosfera (SÓ BIOLOGIA, [s.d.], p.1).

Registre-se que, sem esta proteção, a superfície terrestre fica vulnerável aos raios solares ultravioleta, os quais podem desencadear queimaduras, câncer de pele e até doenças infeciosas (THOMÉ, 2016, p.33).

O efeito estufa, é um fenômeno natural e essencial para a manutenção da vida no planeta, responsável por regular a sua temperatura média. Todavia, a partir dos anos 1850, as atividades humanas acentuaram a concentração de “gases do efeito estufa” como o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O), além dos hidrofluorcarbonos (HFCs), perfluorcarbonos (PFCs) e hexafluoreto de exofre (SF6) na atmosfera, provocando o aquecimento global, que desencadeia uma série de problemas ambientais, dentre eles a chuva ácida e o derretimento das calotas polares, que eleva o nível dos oceanos e, por conseguinte, causa inundações de regiões ribeirinhas e litorâneas (THOMÉ, 2016, p. 34).

O desenvolvimento econômico mundial e a frequente criação de novas tecnologias estimulam o consumismo e o desperdício, fatores que geram o problema da destinação dos dejetos e resíduos sólidos, líquidos e gasosos provenientes da produção industrial e do consumo em larga escala (THOMÉ, 2016, p. 36).

O Desastre de Minamata, o Torrey Canyon, Bhopal e o Chernobyl são exemplos de desastres ambientais ocorridos pelo mundo como consequência de um processo de industrialização imprudente movido pelo consumismo desenfreado da sociedade moderna. 

O primeiro ocorreu no Japão, no início do século XX e refere-se ao envenenamento de centenas de pessoas e animais pela ingestão de mercúrio usado no complexo de Chisso e jogado no mar sem tratamento. O segundo é considerado um dos mais graves acidentes ambientais e diz respeito ao rompimento de um petroleiro que derramou uma grande quantidade de petróleo na costa da Inglaterra e países vizinhos, no ano de 1967. O terceiro é o nome dado ao pior acidente químico da história, que ocorreu na Índia, no ano de 1984, quando quarenta toneladas de isocianeto de metila e demais gases letais foram liberados de uma usina de pesticidas. Por fim, o acidente de Chernobyl aconteceu na Ucrânia, em 1986 em razão do desligamento do sistema de refrigeração de um reator, ocasionando a sua explosão e a emissão, na atmosfera, de, aproximadamente, trinta vezes mais radiação do que a bomba atômica de Hiroshima, provocando danos genéticos, câncer e contaminação do solo (THOMÉ, 2016, p. 38).

Todos os fatores acima mencionados contribuem para a perda da biodiversidade do planeta, a escassez de água e a desertificação dos solos. O Ministério do Meio Ambiente já advertiu que os principais processos responsáveis pela perda da biodiversidade são: destruição e fragmentação dos habitats, introdução de espécies e doenças exóticas; exploração excessiva de espécies de plantas e animais; uso de híbridos e monoculturas; emissão de poluentes no solo, na água e na atmosfera e as mudanças climáticas.

Ademais, o processo de desertificação, isto é, a perda da fertilidade do solo, acarreta desde a extinção de espécies da fauna e flora até a impossibilidade do desenvolvimento de qualquer atividade econômica e a migração de pessoas. A respeito deste assunto, Ricardo Carneiro (2003, p. 36 apud GUERRA; GUERRA, 2014, p. 9) leciona:

Apesar de ainda desconhecer a maior parte das formas de vida do planeta, a pessoa humana tem provocado a extinção de várias espécies em um ritmo assustador, sobretudo em função do desmatamento para a expansão da fronteira agrícola, para a produção de carvão e e para a exploração de madeira, aliado à prática das queimadas, ao comércio ilegal de animais e de produtos de origem faunística, como peles, marfins etc., além da contaminação de rios, lagos e oceanos. As estimativas são espantosas: entre 1500 e 1850 uma espécie era eliminada a cada dez anos; entre 1850 e 1950 uma espécie por ano foi extinta; em 1990, possivelmente desapareceram dez espécies por dia e por volta do ano 2000 uma espécie deverá desaparecer a cada hora; de 1975 a 2000 foram eliminadas da face da Terra cerca de 20% de todas as espécies vivas; desde 1950 foi perdido 1/5 das florestas tropicais do mundo; a cada ano são desertificadas cerca de 20 milhões de hectares de áreas florestadas. Atualmente, mais de 14% das espécies vegetais conhecidas estão em processo de extinção; 2/3 das 9.600 espécies de aves que habitam o planeta estão em declínio e 11% estão ameaçadas de extinção; 11% das 4.400 espécies de mamíferos encontram-se em perigo iminente de desaparecimento e 1/3 de todas as espécies de peixes que ocupam os oceanos, lagos e rios está sob ameaça direta.

Há ainda, a questão da escassez de água que vem assolando o planeta Terra nos últimos séculos. Embora no passado as pessoas acreditassem que a água era um recurso natural inesgotável, apenas 2,7% da água existente no planeta é doce, dos quais 77,2% é imprópria para o consumo por se encontrar congelada nas regiões polares. Assim, do total de água existente no planeta, menos de 1% está à disposição para o consumo dos seres vivos (THOMÉ, 2016, p. 37).

Para piorar, o advento da Revolução Industrial elevou bastante o nível de consumo de água, tanto na indústria, quanto na agricultura irrigada. O crescimento não planejado das cidades provocou a contaminação dos corpos hídricos por esgoto doméstico e lixo. Além disso, a urbanização e o desmatamento modificam o ciclo hidrológico, eis que as construções de ruas, praças e edificações impermeabilizam o solo, dificultando a infiltração natural das águas pluviais, enquanto propicia o escoamento superficial, promovendo inundações e erosão (THOMÉ, 2016, p. 38).

Nesta fase da história, marcada pelo consumo imoderado que vem dissipando os recursos naturais e ameaçando as futuras gerações, intensificaram-se os movimentos ecológicos que pressionavam os governos a estabelecerem normas internacionais de proteção ao Meio Ambiente. Assim, em 1972 ocorreu a Conferência de Estocolmo Sobre o Meio Ambiente Humano, onde firmou-se a Declaração Sobre o Meio Ambiente, através da qual emergiu o conceito de “desenvolvimento sustentável” (THOMÉ, 2016, p. 41).

Em 1992, foi convocada a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a qual aconteceu no Rio de Janeiro e pretendia aperfeiçoar os instrumentos de proteção ambiental, de modo a estatuir uma espécie de aliança mundial, criando-se novas metas de cooperação entre os Estados, com a observância da essência do desenvolvimento sustentável. Nesta ocasião foi aprovada, dentre outros documentos, a “Agenda 21”, isto é, um programa de orientação para que os países participantes desenvolvam e implementem suas próprias ações ambientalmente sustentáveis (THOMÉ, 2016, p. 43).

Dez anos mais tarde, em Johanesburgo, foi realizada a Cúpula Mundial Sobre Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como “Rio +10”, onde avivou-se o pacto de efetivação do desenvolvimento sustentável e instituiu-se metas para a erradicação da pobreza, mudanças nos padrões de consumo e defesa dos recursos naturais (THOMÉ, 2016, p. 45).

O último encontro aconteceu em 2012, no Rio de Janeiro, oportunidade em que se firmou o documento intitulado “O futuro que queremos”, no qual outra vez os participantes reiteraram o compromisso internacional de busca de um futuro econômico, social e ambientalmente sustentável, com foco na eliminação da pobreza (THOMÉ, 2016, p. 46).

É sabido que ao longo da história ocorreram diversos acidentes em todo o planeta que provocaram graves consequências ao Meio Ambiente. Mesmo após anos de reuniões e discussões internacionais com o objetivo de estabelecer normas de proteção ambiental e evitar danos coletivos, os desastres ambientais de grande repercussão continuaram ocorrendo.

O recente rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG, no ano de 2015, é considerado o maior acidente da História com barragens de rejeitos e o maior desastre ambiental já ocorrido no Brasil, que provocou o derramamento de aproximadamente 34 milhões de metros cúbicos de lama composta por rejeitos de minério de ferro, sílica e outros metais pesados, os quais atingiram cerca de 663 quilômetros de corpos hídricos e avançou até a foz do Rio Doce no Oceano Atlântico, no Estado do Espírito Santo, causando danos irrecuperáveis à fauna, à flora, ao patrimônio público, aos povos indígenas e comunidades tradicionais da Bacia do Rio Doce, além de prejudicar a economia regional e o bem-estar humano de maneira geral (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800).

Pois bem, além da questão dos acidentes de trabalho, também se vislumbra a ofensa sofrida pelas vítimas de dano ao Meio Ambiente. Isto porque, desde o desenvolvimento da “consciência ambiental” passou-se a questionar se a responsabilidade civil baseada na culpa seria eficaz para solucionar estes prejuízos e indenizar os ofendidos, sendo que a doutrina e a jurisprudência concluíram de maneira negativa, uma vez que os riscos abstratos que qualificam a sociedade pós-moderna derivam de atividades cujas consequências são imprevisíveis e têm alcance global, bem como porque notou-se que a exigência de culpa limitava a tentativa de reparação de danos, haja vista que boa parte das práticas nocivas ao Meio Ambiente não são ilícitas, contando com regular autorização ou licença administrativa (LEITE; AYALA, 2015, p. 139 apud BELCHIOR; PRIMO, 2016, p.17).

Diante disso, na tentativa de fazer valer o principal objetivo da responsabilidade civil, isto é, a recomposição de danos, surgiu o modelo de responsabilidade civil objetiva, pela qual destaca-se a ocorrência do dano, e não o sujeito que o praticou, descartando-se, pois, a indispensabilidade de culpa subjetiva. Posto isso, emergiram diversas teorias para fundamentar a objetivação da responsabilidade civil, sendo a teoria do risco formulada pelos juristas franceses Raymond Saleilles e Louis Joserrand a mais notável, a qual prega que “todo aquele que exerce uma atividade deve arcar com o risco de dano que essa atividade potencialmente oferece a terceiros, caso ele venha a se concretizar” (BELCHIOR; PRIMO, 2016, p.14).

A princípio, na França, esta teoria foi contemplada para tratar, especialmente, de casos envolvendo acidentes de trabalho, reconhecendo-se o dever de indenizar dos empresários detentores dos meios de produção que recebiam os lucros da atividade empresarial sempre que o trabalhador fosse vítima de acidentes. Posteriormente, observou-se que as ações humanas geram riscos potenciais de dano, então, a responsabilização passou a recair sobre aquele cujo ato praticado fosse possivelmente danoso à esfera jurídica de outrem (FACCHINI NETO, 2010, p. 23).

Inclusive, o Código Civil Italiano, em 1942, estendeu a aplicação da teoria do risco na esfera civil, ao estabelecer a responsabilidade objetiva do condutor pelos danos causados em razão da circulação de veículo, solidariamente com o seu proprietário (FACCHINI NETO, 2010, p. 24).

Deste modo, no campo do Direito Ambiental contemporâneo, a doutrina aponta três modalidades preponderantes para explicar a responsabilidade objetiva nos casos de dano ao Meio Ambiente, a saber, as teorias do risco proveito, do risco criado e a do risco integral, as quais serão examinadas no próximo capítulo.

1.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Na atualidade, as questões ambientais estão em enfoque, no entanto, a coletividade nem sempre se preocupou com a preservação do meio ambiente, haja vista que até meados do século XX, a ideia de progresso que sustentava a modernização e o crescimento econômico se chocava com as noções básicas de preservação ambiental (THOMÉ, 2016, p. 31).

As primeiras constituições brasileiras não protegiam o meio ambiente, sequer o mencionavam, demonstrando o grande descaso do Poder Público com o espaço em que vivemos.

A Constituição do Império, promulgada em 1824, em matéria ambiental, somente proibia a instalação de indústrias que prejudicassem a saúde dos cidadãos, em seu artigo 179, n° XXIV, o que, apesar da mínima e indireta ressalva ao meio ambiente, já revelava um avanço para a época. Posteriormente, a Carta Magna de 1891, em seu artigo 34, n°29, apenas estabelecia a competência da União para legislar a respeito de minas e terras. A Constituição de 1934, avançou um pouco mais e passou a tutelar as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico e cultural, e ainda, atribuiu à União a competência para disciplinar as regras de exploração do subsolo, mineração, águas, florestas, caça e pesca. Em 1937, a Constituição manteve a mesma linha da anterior, acrescentando proteção às plantas e rebanhos contra doenças e agentes nocivos. Mais tarde, em 1947, além de manter o amparo ao patrimônio histórico, cultural e paisagístico, o texto constitucional também sustentou a competência da União. A Constituição de 1967 preservou as disposições anteriores e acrescentou na competência da União, o dever de legislar sobre saúde e jazidas.  A emenda em 1969, outorgada pela Junta Militar à Constituição de 1967 inovou ao regulamentar o aproveitamento agrícola de terras sujeitas a intempéries e calamidades, desde que realizado levantamento ecológico, bem como determinou que o mau uso da terra impede o seu proprietário de receber incentivos e auxílios do governo. Foi neste período da história que se introduziu referências à ecologia em textos legais (MILARÉ, 2015, p. 169).

Após analisar as Constituições acima mencionadas, Édis Milaré (2015, p.170) constata aspectos comuns, dentre os quais:

Jamais se preocupou o legislador constitucional em proteger o meio ambiente de forma específica e global, mas, sim, dele cuidou de maneira diluída e mesmo casual, referindo-se separadamente a alguns de seus elementos integrantes (água, floresta, minérios, caça, pesca), ou então disciplinando matérias com ele indiretamente relacionadas (mortalidade infantil, saúde, propriedade)

Pois bem, até a década de 1980, o Brasil não possuía uma legislação capaz de proteger efetivamente o Meio Ambiente, visto que além de se considerar que os recursos naturais eram inesgotáveis, prevaleciam os interesses particulares e patrimoniais sobre o interesse público e nacional. A esse respeito, leciona Édis Milaré (2015, p. 242):

Assistente omisso, entregava o Estado a tutela do ambiente à responsabilidade exclusiva do próprio indivíduo ou cidadão que se sentisse incomodado com atitudes lesivas à sua higidez. Segundo esse sistema, por óbvio, a irresponsabilidade era a regra, e a responsabilidade, a exceção. Sim, porque o particular ofendido não se apresentava, normalmente, em condições de assumir e desenvolver ação eficaz contra os agressores, quase sempre poderosos grupos econômicos, quando não o próprio Estado.

Posteriormente, a partir da influência da Conferência de Estocolmo e do afloramento da “consciência ambiental”, multiplicaram-se, no Brasil, normas dedicadas ao resguardo do patrimônio ambiental do país, representadas pela edição das Leis n°6.938/81, n°7.347/85 e n° 9.605/98, bem como pela promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988 (MILARÉ, 2015, p. 242).

A Lei n° 6.938/81 institui a Política Nacional do Meio Ambiente; estabelece o conceito de “Meio Ambiente” como objeto de proteção especial em seus diversos aspectos; cria um Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) para planejar, supervisionar e controlar as ações relativas ao Meio Ambiente em âmbito nacional, bem como inova ao determinar a obrigação do poluidor de indenizar ou reparar os danos causados ao Meio Ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade, independentemente da existência de culpa.

A Lei n° 7.347/85 disciplina a ação civil pública como instrumento processual típico para a defesa de interesses difusos e coletivos, dentre os quais se encontra o Meio Ambiente. Foi ainda através da vigência desta lei que as entidades estatais, paraestatais e as associações civis, juntamente com o Ministério Público, passaram a ter legitimidade para motivar a atividade jurisdicional em favor da preservação ambiental.

Na sequência, a Constituição Federal de 1988 elevou as regras de proteção ambiental preexistentes à categoria de norma constitucional, pelo que reservou um capítulo específico para tratar das questões ambientais em um dos textos mais avançados do mundo (MILARÉ, 2015, p. 243) e, especialmente, em seu artigo 225, caput, adotou a visão antropocêntrica protecionista, pela qual entende que a natureza é um bem coletivo essencial, que deve ser protegido e preservado de modo a assegurar a sobrevivência  e o bem-estar dos seres humanos, determinando, portanto, a harmonia entre as atividades antropológicas e os processos ecológicos.

É importante registrar também que, o princípio do Desenvolvimento Sustentável foi incluído na Carta Magna em dois momentos: no artigo 170, II, III e VI, ao estabelecer que os princípios da propriedade privada, função social da propriedade e a defesa do Meio Ambiente apoiam a ordem econômica nacional; e no artigo 225, caput, o qual fixa que o Poder Público e a coletividade têm o dever de preservar os recursos naturais em prol das presentes e futuras gerações.

Edis Milaré (2015, p. 170) apelida a Carta Magna de “Constituição verde”, em razão da proteção que confere ao meio ambiente. E acrescenta:

Na verdade, o Texto Supremo captou com indisputável oportunidade o que está na alma nacional- a consciência de que é preciso aprender a conviver harmoniosamente com a natureza-, traduzindo em vários dispositivos aquilo que pode ser considerado um dos sistemas mais abrangentes e atuais do mundo sobre a tutela do meio ambiente.

Esta modificação trazida pela nova Constituição representou novos desafios não só na atuação do Poder Público, mas também de toda a coletividade, porque compete a todos a obrigação de tornar efetivo o princípio do Desenvolvimento Sustentável. Nesse sentido, o Estado deve implementar políticas públicas sustentáveis, harmonizando o crescimento econômico e a equidade social com a preservação ambiental (THOMÉ, 2016, p. 113).

Deste modo, para se alcançar um meio ambiente equilibrado, deve-se exigir o cumprimento da obrigação de preservar e protege-lo. Portanto, trata-se ao mesmo tempo de um direito objetivo[2] e subjetivo[3], ou seja, manter o meio ambiente salubre é dever do Estado e de todos os cidadãos, sendo isto o que Romeu Thomé (2016, p. 114) denomina de efeito bumerangue.

Por fim, o último marco se refere à edição da Lei n°9.605/98, que trata das sanções penais e administrativas aplicáveis àqueles que praticam atos e atividades prejudiciais ao Meio Ambiente. Além disso, foi por meio desta lei que se tornou possível incluir a pessoa jurídica no polo ativo do crime ambiental.


2 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AO MEIO AMBIENTE

2.1 DANO AMBIENTAL

A doutrina brasileira não traz nenhuma definição específica para o termo “dano ambiental”, inclusive porque a própria Constituição da República Federativa do Brasil deixou de formular um conceito técnico-jurídico de “meio ambiente”. Entretanto, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, em seu artigo 3°, II, caracteriza degradação da qualidade ambiental como sendo a alteração adversa das características do meio ambiente.

Este mesmo dispositivo, em seu inciso III, conceitua o termo “poluição”, diferindo-o de degradação. Poluição é a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que, de maneira direta ou indireta, prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; ou, lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

A este respeito Edis Milaré pontua:

Como se vê, apesar do vínculo indissociável entre degradação da qualidade ambiental e poluição, estabeleceu o legislador sutil diferença entre ambas as noções, ao dizer que a primeira (degradação da qualidade ambiental) é qualquer alteração adversa das características do meio ambiente, enquanto a segunda (poluição) encerra conceito mais restrito, por cingir-se apenas à degradação tipificada pelo resultado danoso, provocada por uma “atividade”, isto é, por um comportamento humano direcionado a determinado fim (2015, p.318).

No direito comparado, observa-se que países como o Chile, a Argentina e a Itália se preocupam com a formulação de um conceito para o dano ambiental. A legislação chilena ao mesmo tempo em que restringe o âmbito do dano ambiental ao estipular que a sua intensidade deve ser significativa, alarga o conceito de meio ambiente (FUENZALIDA, 2000 apud MILARÉ, 2015, p. 318). A legislação argentina impõe que o dano ambiental, para ser considerado como tal, deve “provocar uma desorganização das leis da natureza e repercutir nos pressupostos do desenvolvimento da vida” e, ainda, faz menção ao dano moral coletivo (LORENZETTI, 2003 apud MILARÉ 2015, p.319). Por fim, a Itália possui um Código Ambiental que, assim como nas nações supramencionadas, exige, para a configuração do dano ambiental, que sejam afetados os recursos naturais ou suas utilidades (MILARÉ, 2015, p. 319).

Diante disso, a doutrina brasileira descreve o dano ambiental como sendo toda e qualquer interferência do ser humano no patrimônio ambiental, seja ele natural, cultural ou artificial, capaz de provocar, imediata ou potencialmente, transtornos prejudiciais ao equilíbrio do meio ambiente, de modo a lesionar a sadia qualidade de vida ou outros valores coletivos.

É importante consignar que a interferência sobre os bens ambientais deve ocorrer exclusivamente pela atividade humana e não por fenômenos da natureza, como os terremotos, erupções vulcânicas e tempestades. Isto porque, estes são fatos imprevisíveis e inevitáveis, chamados de fortuitos externos e não podem ser ressarcidos. O patrimônio ambiental, faz referência ao meio ambiente como um todo, ou seja, a noção de dano ambiental abrange não só os elementos naturais, mas também os artificiais e culturais. Quanto a causa do dano ambiental, esta não precisa que seus efeitos sejam constatados direta e imediatamente, podendo ter antecedentes remotos, sendo ilimitado o tempo ou espaço. Por fim, diversamente do Chile, Argentina e Itália, no Brasil, não apenas as perturbações graves qualificam o dano ambiental, pequenas interferências podem ostentar um elevado grau poluidor com o passar do tempo (MILARÉ, 2015, p. 320).

Todavia, conforme salientou o Desembargador Torres de Carvalho, da 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão proferido na Apelação Cível n° 0143810-58.2008.26.0000, no ano de 2013, não se deve confundir os conceitos de impacto stricto sensu e de dano ambiental, uma vez que o primeiro é resultante das consequências provenientes de qualquer atividade humana no meio ambiente, ao passo que o segundo advém de uma interferência mais grave. Deste modo, havendo mero impacto ambiental, o órgão licenciador é competente para estipular a compensação por seus efeitos negativos.

Conforme afirmou-se anteriormente, o dano ambiental tem repercussão primária no meio ambiente como um “macrobem” e secundária, quando atinge bens jurídicos pessoais, podendo ferir tanto o patrimônio material, como também o moral. Assim, o dano ao meio ambiente é classificado conforme dois critérios, quais sejam: quanto à sua abrangência e quanto a natureza do interesse lesado.

Ao analisar-se o dano ambiental de acordo com a sua abrangência, identifica-se o seu duplo efeito, eis que alcançam além dos seres humanos, todo o ambiente que o rodeia, existindo, assim, o dano coletivo e dano individual. Este é o entendimento consolidado no artigo 14, §1° da Lei n°6.938/81, ao estabelecer que o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos que causar ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.

Morato Leite e Patryck Ayala (2014, p. 98 apud MILARÉ, p. 325) explicam o porquê do caráter ambivalente do conceito de dano ambiental:

O dano ambiental tem uma conceituação ambivalente, por designar não só a lesão que incide sobre o patrimônio ambiental, que é comum à coletividade, mas, igualmente por se referir ao dano – por intermédio do meio ambiente ou dano ricochete- a interesses pessoais legitimando os lesados a uma reparação pelo prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial sofrido.

Sendo assim, é importante conceituar essas duas modalidades de dano ambiental: o coletivo e o individual. Este, também denominado de dano ricochete, fere de forma reflexa a integridade moral e/ou o patrimônio material de pessoas determinadas ou determináveis. Por outro lado, aquele, também chamado de dano propriamente dito, é o que atinge o meio ambiente de maneira global e difusa, lesionando “uma coletividade indeterminada ou indeterminável de titulares” (MILARÉ, 2015, p.326).

Deste modo, ainda que o dano ambiental sempre atinja de forma direta o meio ambiente, prejudicando a coletividade, em certos casos, também tem reações materiais e morais sobre o patrimônio, interesses e até mesmo a saúde de uma pessoa, ou um grupo específico de indivíduos (MILARÉ, 2015, p. 325).  

Tome-se como ilustração o desastre ambiental ocorrido em Mariana/MG, no ano de 2015, em que o rompimento da barragem de rejeitos controlada pela Empresa Samarco Mineração S/A provocou a consumação de danos ambientais coletivos e individuais via ricochete, que abrangem tanto danos ao patrimônio natural, histórico-cultural, paisagístico e arqueológico, quanto danos socioeconômicos, que atingem a economia regional, as infraestruturas públicas e privadas, os seres humanos, dentre eles, povos indígenas e comunidades tradicionais da bacia do Rio Doce. Este episódio retrata a concretização de um risco abstrato característico da sociedade de risco que perdurará no tempo e afetará as futuras gerações, em razão da impossibilidade de restauração do que se perdeu.

No que se refere à natureza do interesse prejudicado, o dano ambiental é classificado como patrimonial ou extrapatrimonial, referindo-se às consequências oriundas da lesão de um bem, seja ele material ou imaterial.

O primeiro fere o próprio bem ambiental, tanto de interesse coletivo quanto individual e remete à possibilidade de volta ao status quo ante, mediante compensação ou indenização. Redução da qualidade de vida, poluição da água e o desmatamento são exemplos de lesão ao patrimônio ambiental, mencionados por Álvaro Luiz Valery Mirra (2010) e Annelise Monteiro Steigleder (2011), citados na obra de Édis Milaré (2015, p. 329).

O segundo, por sua vez, apresenta-se como ofensa aos sentimentos individuais ou coletivos decorrentes da lesão material. José Augusto Delgado (2008, apud MILARÉ, 2015, p. 330) leciona que o dano ambiental extrapatrimonial se caracteriza pela criação de um sentimento psicológico negativo. Mas, ressalva que nem sempre o dano material ambiental enseja um dano moral ambiental, porque este relaciona-se ao modo como o evento danoso repercute na sociedade como um todo ou em cada pessoa de maneira particular. Ele explica o seguinte: “Se gerar um sentimento pessoal ou de comoção social negativo, de intranquilidade, de desgosto, haverá, também um dano moral ambiental. ”

Sobre esta questão, faz-se imprescindível mencionar que a jurisprudência pátria vem se posicionando a favor do dano moral coletivo, como é o caso do Resp 1.367.923/RJ, julgado em 27 de agosto de 2013 pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Apesar de reconhecer a importância da indenização decorrente de dano extrapatrimonial ambiental, o civilista Anderson Schereiber (2013, p. 255 apud MILARÉ, 2015, p. 331) adverte sobre a necessidade de se aplicar medidas de sanção mais voltadas para a educação do poluidor do que a simples reparação pecuniária. Veja-se:

Assume especial papel o desenvolvimento de meios não pecuniários de reparação, capazes de atenuar a imensa contradição da responsabilidade civil contemporânea, que reconhece o caráter extrapatrimonial do dano, mas lhe reserva um remédio exclusivamente monetário. É neste remédio, nota-se, e não na reparação em si, que reside o maior incentivo às ações que se costuma identificar como produtos da chamada ‘indústria do dano moral’. Desta forma, o recurso às retratações públicas e a outros meios de reparação extrapatrimonial, paralelos ou mesmo substitutivos à indenização em dinheiro, mostra-se absolutamente necessário e, muitas vezes, mais eficiente na reparação dos danos de natureza moral.

O dano ambiental não se resume a eventos prejudiciais ao meio ambiente constatados de forma clara e imediata, pelo contrário, a sociedade de risco, que emergiu a partir do avanço tecnológico e científico, produz o chamado dano ambiental futuro, cuja magnitude é incerta e indeterminada, apenas se revelando no momento em que provoca um dano ambiental propriamente dito, geralmente de dimensões e consequências catastróficas e não quantificáveis (MILARÉ, 2015, p. 332).

Desta forma, “nessa época de riscos abstratos e incertezas, vemos a ponta de um iceberg, cuja profundidade e tamanho não somos sequer capazes de imaginar” (MILARÉ, 2015, p. 333). Assim, o rompimento da barragem de Fundão e a liberação de seus rejeitos que devastaram toda a Bacia Hidrográfica do Rio Doce, não só acarretou danos patrimoniais e extrapatrimoniais, mas também não restam dúvidas que esta situação guarda impactos incalculáveis e imprevisíveis que somente serão concretizados nas futuras gerações.

 2.2 RESPONSABILIDADE CIVIL EM MATÉRIA AMBIENTAL

No século XX, a preocupação com a preservação do meio ambiente estava em voga, assim, repetindo a propensão mundial, a Carta Magna Brasileira, promulgada em 1988, consagrou o direito ao meio ambiente salubre como valor ideal da ordem social, elevando-o à categoria de direito fundamental da pessoa humana.

O artigo 225 da Constituição Federal inaugura o capítulo destinado ao Meio Ambiente, conferindo a todos os brasileiros e estrangeiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, dando a este a natureza de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Ao final, estabelece a corresponsabilidade dos cidadãos e do Estado por sua defesa e preservação em prol das presentes e futuras gerações, consagrando, então, o princípio do desenvolvimento sustentável.

Para efetivar este direito, o §1° do aludido dispositivo constitucional prescreve 07 (sete) diretrizes para orientar o Poder Público a assegurar a preservação ambiental. Em seguida, direciona a atenção à extração de minérios, determinando que a pessoa natural ou jurídica que exercer este tipo de atividade deve recuperar o espaço degradado, conforme a solução técnica exigida pelo órgão público competente. Destaque-se, também, o §3° que impõe aos agentes causadores de dano ao meio ambiente sanções penais e administrativas, bem como o dever de reparar os danos causados, na esfera da responsabilidade civil.

Pois bem, é imprescindível trazer à tona a classificação da responsabilidade civil em contratual e extracontratual. Para tanto veja-se o que ensina Romeu Thomé:

Se o dever de indenizar decorre do inadimplemento de um vínculo obrigacional preexistente (contrato), verifica-se a responsabilidade contratual. Por outro lado, se o dever de reparação surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o agente e a vítima preexista qualquer relação jurídica (mas sim uma obrigação imposta por preceito geral de direito ou pela lei), verificar-se-á a responsabilidade extracontratual (2016, p. 570).

A responsabilidade civil extracontratual pode ser distribuída em subjetiva ou objetiva. A primeira baseia-se na ideia de culpa lato sensu, somando-se a esta, os seguintes pressupostos: a prática de ato ilícito, a ocorrência de um dano e o nexo de causalidade, enquanto a segunda se fundamenta na noção de risco da atividade e prescinde de prova da culpa, se satisfazendo apenas com o dano e o nexo de causalidade.

Todavia, Cavalieri Filho (2004, p. 83 apud THOMÉ, 2016, p. 571) adverte a respeito da existência de condições que excluem o nexo causal, quais sejam: o caso fortuito e força maior, o fato exclusivo da vítima e o fato de terceiro. O primeiro se refere a situações externas à conduta do sujeito, cujas consequências são imprevisíveis ou inevitáveis, de acordo com as disposições do artigo 393, parágrafo único do Código Civil. O segundo exclui o nexo de causalidade, porque aquele que provocou o dano, na verdade, foi mero instrumento do acidente, sendo a própria vítima a precursora da ação que ocasionou o prejuízo. Por fim, o terceiro ocorre quando alguém fora da relação entre o agente, suposto causador do dano, e a vítima é o único responsável pela lesão.

O artigo 927 do Código Civil é cânone primário da responsabilidade civil extracontratual, “pois agasalha verdadeira ‘cláusula geral de responsabilidade civil objetiva’, atribuindo ao juiz definir o que seja atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano que implique, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (CHINELATO,2006, p. 592 apud MILARÉ, 2015, p. 420). Veja-se:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá reparação obrigação de reparar o dano, independentemente da existência de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Deste modo, a teoria objetiva é calcada na ideia de risco da atividade exercida pelo poluidor, sem qualquer tipo de averiguação quanto a eventual negligência, imperícia ou imprudência por ele praticada (MILARÉ, 2015, p. 420).

Embora o Código Civil discipline um enorme número de casos especiais de responsabilidade civil objetiva, incorporou como regra geral a teoria subjetiva, conforme se verifica do artigo 186 do aludido diploma legal, o qual indica o dolo e a culpa como critérios indispensáveis para caracterizar a obrigação de reparar o dano (GONÇALVES, 2016, p. 49).

A teoria tradicional da responsabilidade civil opera no campo da prevenção, reparação e repressão, mas no campo do Direito Ambiental, Annelise Steigleder (2011, p.156 apud BELCHIOR; PRIMO, 2016, p. 17) adiciona uma quarta função a este instituto: a função social, que está associada os princípios da responsabilidade social e solidariedade, os quais despontaram com a superação do individualismo e o reconhecimento dos direitos de terceira geração, calcados nos valores de solidariedade e fraternidade.

O papel social da responsabilidade por danos ao meio ambiente encontra respaldo no artigo 225, caput da Constituição da República Federativa do Brasil e deve ser compreendido no sentido de salvaguardar a equidade entre as gerações, visto que “por ser racional o ser humano possui uma ética solidária em relação a todas as formas de vida, sendo responsável por suas condutas, que influenciam a atual geração, bem como as futuras” (BELCHIOR, 2015, p. 125 apud BELCHIOR; PRIMO, 2016, p. 17).

A reparação por prejuízos causados ao meio ambiente, assim como qualquer outro tipo de ressarcimento, é regida por normas de responsabilidade civil. Entretanto, este instituto no ramo do Direito Ambiental tem características peculiares, a princípio porque não objetiva a satisfação de um interesse particular, mas de uma coletividade indeterminada de pessoas, as quais necessitam de um meio ambiente equilibrado para que lhes seja garantido o direito a uma vida digna (GUERRA; GUERRA, 2014, p.249). Sobre o assunto, Édis Milaré (2015, p.421) adiciona que a busca por instrumentos legais mais eficazes também diz respeito à dificuldade da produção de provas que indicassem a culpa do poluidor e, ainda, à admissão de excludentes do nexo de causalidade, pelas regras processuais clássicas.

Diante disso, em 1981, instituiu-se a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, visando “dar tratamento adequado à matéria, substituindo, decididamente, o princípio da responsabilidade subjetiva, fundamentado na culpa, pelo da responsabilidade objetiva, embasado no risco da atividade” (MILARÉ, 2015, p. 421), como regra geral da responsabilidade civil no Direito Ambiental. Assim, a mera conjectura da possibilidade de geração de danos ao meio ambiente através de um certo empreendimento, coloca o seu explorador na posição de garantidor da preservação ambiental, de modo que, segundo Adalberto Pasqualotto, “a ação, da qual a teoria da culpa faz depender a responsabilidade pelo resultado, é substituída, aqui, pela assunção do risco em provocá-lo” (MILARÉ, 2015, p. 428).

O artigo 4°, VII da Lei n° 6.938/81 prevê “imposição ao poluidor da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados”. Sendo assim, caso não seja possível a recuperação in natura do bem degradado, atribui-se ao poluidor o dever de indenizar por meio do pagamento de uma importância em dinheiro, a qual é revertida a um Fundo, administrado pelo Ministério Público, juntamente com representantes da sociedade, cujo objetivo é aplicá-lo na reconstituição dos bens lesados, consoante dispõe o artigo 13 da Lei n° 7.347/85.

Não obstante, com alicerce no princípio da reparação in integrum, é possível a cumulação de ambos os tipos de reparação do dano ambiental, haja vista que estes são providências de natureza cível que objetivam recompor o meio ambiente como era antes da intervenção humana e, de modo simultâneo e complementar, entregar à coletividade os benefícios pecuniários alcançados por meio da exploração ilegal dos recursos naturais (MILARÉ, 2015, p. 333).

Saliente-se que, o direito ao meio ambiente salubre é um direito difuso, portanto, em caso de dano ambiental, o ordenamento jurídico brasileiro adota o modelo de responsabilidade civil objetiva, baseada na teoria do risco, conforme se verifica do artigo 14, §1° da Lei n° 6.938/81, que dispõe: “é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar e reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”, observando-se o princípio do poluidor-pagador, ou seja, não é preciso comprovar o elemento subjetivo. Afinal, não pode o autor do dano receber o bônus pela exploração de recursos naturais, deixando o ônus da reparação a cargo da sociedade.

Os princípios da reparação integral e do poluidor-pagador são elementares na compreensão da responsabilidade civil em caso de dano ambiental, pois propõem-se a “conduzir o meio ambiente e a sociedade a uma situação na medida do possível equivalente à de que seriam beneficiários se o dano não tivesse sido causado”, o que envolve desde as consequências a um bem ambiental corpóreo, até os danos futuros e inclusive os danos morais coletivos (MIRRA, 2004, p.314 apud MILARE, 2015, p.427).

Neste cenário, o Superior Tribunal de Justiça vem adotando este posicionamento em suas decisões. Veja-se:                                                                                                       

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO DE BARRAGEM. ACIDENTE AMBIENTAL OCORRIDO, EM JANEIRO DE 2007, NOS MUNICÍPIOS DE MIRAÍ E MURIAÉ, ESTADO DE MINAS GERAIS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE.

1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de  quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado. 2. No caso concreto, recurso especial a que se nega provimento. (Resp. 1374284/ MG- RECURSO ESPECIAL n° 2012/0108265-7; Relator (a): Ministro Luís Felipe Salomão; Data de Julgamento:27/08/2014; DJe 05/09/2014) (grifos nossos).

RECURSOS ESPECIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL PRIVADO. VAZAMENTO DE PRODUTOS QUÍMICOS ARMAZENADOS EM TANQUE DE GASOLINA, ATINGINDO, DURANTE CINCO ANOS, O SOLO E O LENÇOL FREÁTICO QUE ABASTECIA A RESIDÊNCIA DOS AUTORES.  DANOS MATERIAIS E MORAIS. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS DE JULGAMENTO NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. SÚMULA  54/STJ.  QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO COM RAZOABILIDADE. SÚMULA 07/STJ. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PELO DANO AMBIENTAL.

1.Vazamento do tanque de combustível de posto de gasolina no solo e lençol freático da região de residência dos autores, durante cinco anos, ocorrido por má conservação e falta de manutenção. 2.  elevadíssimo nível de contaminação da água encontrada no poço artesiano, mil vezes superior ao legalmente permitido, ocasionando danos tanto pela exposição a produtos altamente tóxicos, quando pela ingestão   de alimentos contaminados pelos moradores da região afetada. 3.  Inexistência de vício de julgamento, não padecendo de nulidade acórdão que reconhece a existência dos danos materiais decorrentes do contato e ingestão de alimentos contaminados com produtos tóxicos de custódia dos réus, remetendo, contudo, para fase de liquidação de sentença a determinação de sua extensão. 4.  Apreciação do pedido dentro dos limites postos pelas partes na petição inicial ou nas razões recursais. 5.  Entendimento jurisprudencial consolidado desta Corte Superior no sentido de que o valor da indenização por dano moral somente pode ser alterado na instância especial quando ínfimo ou exagerado. Razoável o montante arbitrado pelo Tribunal de origem para a hipótese de dano ambiental privado consubstanciado em exposição a produtos altamente tóxicos e ingestão de alimentos contaminados. 6.  Responsabilidade objetiva e solidária de todos os agentes que obtiveram proveito da atividade que resultou no dano ambiental não com fundamento no Código de Defesa do Consumidor, mas pela aplicação da teoria do risco integral ao poluidor/pagador prevista pela legislação ambiental (art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), combinado com o art. 942 do Código Civil. 7.  Fixação do termo inicial dos juros de mora, inclusive para a indenização por danos morais, na data do evento danoso (Súmula 54/STJ). 8.  Doutrina e jurisprudência do STJ acerca dos temas controvertidos 9.  RECURSOS ESPECIAIS DOS RÉUS DESPROVIDOS E RECURSO ESPECIAL DA PARTE AUTORA PROVIDO. (Resp. 1363107/ DF - RECURSO ESPECIAL 2013/0023868-6; Relator (a): Ministro Paulo de Tarso Sanseverino; Data de Julgamento:01/12/2015; DJe 17/12/2015) (grifos nossos).

Sérgio Guerra e Sidney Guerra ressaltam a aplicação da teoria objetiva em matéria ambiental e, ainda, afirmam:

(...) mesmo que um determinado empreendimento esteja devidamente licenciado, com observância dos padrões normativos vigentes, bem como no exercício de atividade lícita e regular, se houver um dano ambiental, aquele que é o responsável pela lesão deverá arcar com a obrigação de reparar o dano provocado (2014, p. 249).

Saliente-se que, ao eleger o modelo de responsabilidade civil objetiva, o Direito Ambiental afasta a exigência de apuração do elemento subjetivo, no entanto, é inescusável o reconhecimento do nexo causal, entre o evento danoso e a fonte poluidora. Ocorre que este pressuposto que conecta causas e efeitos é, segundo José Rubens Morato Leite e Délton Winter de Carvalho (2007, p.77 apud MILARÉ, 2015, p.431), “o tema onde se concentram os maiores problemas relativos à responsabilidade civil pelo dano ambiental, em virtude mesmo da complexidade inerente aos processos ecológicos”. Isto se dá em razão da dificuldade de identificar o fato motor da poluição, eis que pode derivar de inúmeras circunstâncias concorrentes, simultâneas ou consecutivas, sendo o que Herman Benjamin (1998, p. 44 apud MILARÉ, 2015, p. 431) denomina de “império da dispersão do nexo causal”. 

Nessa senda, considerando que a teoria objetiva está embasada na noção de risco da atividade, a doutrina apresenta três teses principais para interpretar a aplicação da teoria objetiva em matéria ambiental, quais sejam, as teorias do risco proveito, do risco criado e do risco integral, as quais divergem, em especial, quanto à incidência de fatos excludentes do nexo de causalidade.

Pois bem, a teoria minoritária é a do risco proveito, cujos adeptos entendem que somente aqueles que lucram com a atividade que deteriora o meio ambiente devem responder por suas consequências. Este entendimento se mostra prejudicial à coletividade, uma vez que se fosse adotado reduziria o rol dos responsáveis, podendo inclusive o dano ambiental ficar impune (GUERRA; GUERRA, 2014, p. 250).

Por outro ângulo, alguns juristas como José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior, Magda Montenegro e Bruno Albergaria entendem que a responsabilidade objetiva deve ser considerada sob a ótica da teoria do risco criado, ou seja, de modo a admitir a contraprova de excludentes do nexo causal. De acordo com esta corrente, “se o empreendedor assumiu o risco de colocar a atividade no mercado, deve assumir todos os ônus daí decorrentes, exceto aqueles absolutamente imprevisíveis que cortam o nexo causal” (RODRIGUES, 2005 apud THOMÉ, 2016, p. 573).

Sendo assim, impõe-se o dever de reparação do dano ambiental ao sujeito cuja atividade seja potencialmente causadora de prejuízos ao meio ambiente, desde que comprovado o nexo de causalidade entre o dano e a ação ou omissão do poluidor, como sendo fatos constitutivos do direito do autor. Porém, demonstrando o réu a ocorrência de causas excludentes do nexo causal, fica ele isento do dever de compensar os danos que a sua atividade causou, recaindo sobre toda a coletividade o fardo de suportar lesão a seus direitos fundamentais.

É evidente, portanto, que esta teoria foi elaborada para se contrapor aos riscos concretos, marcantes da sociedade de industrial, não sendo suficiente e adequada para cuidar dos riscos inerentes à sociedade de risco, cujos problemas passaram a ser transnacionais, imprevisíveis e atemporais, colocando em perigo não só os elementos naturais, mas a perpetuação da espécie humana.

Por outro lado, a corrente representada por Edis Milaré, Nelson Nery Júnior e Cavalieri Filho, ensina que, havendo dano ambiental adota-se a teoria objetiva apoiada no risco integral, o qual não admite a existência de excludentes do nexo causal. Segundo leciona Cavalieri Filho, “o dever de indenizar se faz presente tão-só em face do dano, ainda nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior” (FILHO, 2004 apud THOMÉ, 2016, p. 573).

Diante da nova realidade mundial, notadamente, da necessidade de lidar com os riscos indefinidos peculiares da sociedade de risco e ainda devido à grande dificuldade de fundamentar o nexo de causalidade entre o dano e a atividade exercida pelo poluidor, Anderson Schreiber vislumbra a inclinação dos julgadores na direção da flexibilização e redução do valor probatório do nexo causal, de modo a potencializar a possibilidade de reparação do dano ambiental. Veja-se a sua lição:

A prova do nexo causal vem perdendo, gradativamente, seu papel de filtro de reparação, passando a ser empregado pelo Poder Judiciário com desenvolta elasticidade em prol da responsabilização de algum agente mais preparado a suportar a ampla reparação dos danos (...). Nesse sentido, observa-se uma ampliação aos poderes do magistrado em relação à avaliação jurídica do nexo de causalidade em matéria de direito ambiental em detrimento das teorias clássicas do nexo causal. Com escopo de atender as demandas da Sociedade de Risco, o julgador deve fazer uso de diversos mecanismos de afrouxamento do nexo de causalidade (...) (apud MILARÉ, 2016, p. 432).

Sendo assim, a maior parte dos doutrinadores diverge quanto a melhor teoria do risco a ser aplicada em caso de dano ambiental: a teoria do risco criado ou a teoria do risco integral. Sobre esta discussão, ressalte-se as particularidades de cada uma delas.

A teoria objetiva fundada no risco criado prega que somente poderá o magistrado determinar o dever de indenizar/reparar o dano ao poluidor que exerce atividade capaz de lesionar o meio ambiente, não abarcando qualquer outro fator que não seja vinculado à atividade econômica. Segundo Annelise Staigleder, isto se refere à teoria da causalidade adequada, pela qual busca-se identificar o fator específico capaz de provocar o dano (MILARÉ, 2015, p.432).

Por sua vez, os defensores da teoria do risco integral alegam que esta é mais geral, eis que abrange todo e qualquer risco conexo à atividade empresária, sendo o empreendedor responsável por todos os seus desdobramentos, pelo que se aplica a teoria da equivalência das condições (sine qua non), a qual prega que mesmo existindo mais de uma fonte possível para gerar o dano, todas são consideradas idôneas a produzi-lo, de forma que a simples existência da atividade é apreciada como motivo para o evento danoso (MILARÉ, 2015, p.432). Sergio Cavalieri Filho esclarece que “o dano não é causado diretamente por uma atividade de risco, mas o seu exercício é a ocasião para a ocorrência do evento” (2014, p. 185 apud MILARÉ, 2015, P. 432).

Frise-se que, o cerne da distinção entre as teorias acima confrontadas é admissão ou não das causas excludentes do nexo de causalidade, sendo que a teoria do risco criado aceita que a ocorrência destes fatos tem o poder de romper a conexão entre a atividade e o dano e, consequentemente, excluir a responsabilidade civil ambiental, ao passo em que a teoria do risco integral prega que, mesmo estando presentes o caso fortuito, a força maior, o fato exclusivo da vítima ou o fato de terceiro, o poluidor deve colaborar na composição do dano ao meio ambiente, pois tem a obrigação de assumir todos os ricos que a sua atividade ocasiona.

O entendimento do douto Procurador de Justiça aposentado Édis Milaré (2015, p.433) é no sentido de que a teoria objetiva firmada no risco criado é uma posição reducionista quando observada no microssistema da reponsabilidade civil ambiental, “posto que na contramão dos avanços da responsabilidade civil contemporânea, que pugna pela máxima ressarcibilidade do dano experimentado (...)”, indicando, assim, a teoria do risco integral como “a que melhor atende à preocupação de se estabelecer um sistema o mais rigoroso possível, ante o alarmante quadro de degradação que se assiste aqui e em todo o mundo”, além disso, busca atender ao clamor de uma sociedade, apoiada no princípio da solidariedade, evitando a privatização do capital e a coletivização do risco.

Sérgio Cavalieri Filho destaca que o dano ao meio ambiente, na verdade, não é rigorosamente provocado por uma atividade de risco, mas o seu desempenho enseja a lesão. Isto posto, o ordenamento jurídico brasileiro adotou, em caso de dano ambiental, a teoria objetiva calcada no risco integral, sendo este o posicionamento predominante na doutrina e nos tribunais (MILARÉ, 2016, p. 573).  

A responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco integral é fixada pelo Superior Tribunal de Justiça através do Recurso Repetitivo Resp 1114398/PR. Veja-se:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS A PESCADORES CAUSADOSPOR POLUIÇÃO AMBIENTAL POR VAZAMENTO DE NAFTA, EM DECORRÊNCIA DECOLISÃO DO NAVIO N-T NORMA NO PORTO DE PARANAGUÁ - 1) PROCESSOSDIVERSOS DECORRENTES DO MESMO FATO, POSSIBILIDADE DE TRATAMENTO COMORECURSO REPETITIVO DE TEMAS DESTACADOS PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL,À CONVENIÊNCIA DE FORNECIMENTO DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIALUNIFORME SOBRE CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FATO, QUANTO A MATÉRIASREPETITIVAS; 2) TEMAS: a) CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE NOJULGAMENTO ANTECIPADO, ANTE OS ELEMENTOS DOCUMENTAIS SUFICIENTES;b) LEGITIMIDADE DE PARTE DA PROPRIETÁRIA DO NAVIO TRANSPORTADOR DECARGA PERIGOSA, DEVIDO A RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRINCÍPIO DOPOLUIDOR-PAGADOR; c) INADMISSÍVEL A EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE PORFATO DE TERCEIRO; d) DANOS MORAL E MATERIAL CARACTERIZADOS; e) JUROS MORATÓRIOS: INCIDÊNCIA A PARTIR DA DATA DO EVENTO DANOSO -SÚMULA 54/STJ; f) SUCUMBÊNCIA. 3) IMPROVIMENTO DO RECURSO, COMOBSERVAÇÃO. 1.- É admissível, no sistema dos Recursos Repetitivos (CPC, art. 543-C e Resolução STJ 08/08) definir, para vítimas do mesmo fato, em condições idênticas, teses jurídicas uniformes para as mesmas consequências jurídicas. 2.- Teses firmadas: a) Não cerceamento de defesa ao julgamento antecipado da lide.- Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 330, I e II) de processo de ação de indenização por danos materiais e morais, movida por pescador profissional artesanal contra a Petrobrás, decorrente de impossibilidade de exercício da profissão, em virtude de poluição ambiental causada por derramamento de nafta devido a avaria do Navio"N-T Norma", a 18.10.2001, no Porto de Paranaguá, pelo período em que suspensa a pesca pelo IBAMA (da data do fato até 14.11.2001); b) Legitimidade ativa ad causam.- É parte legítima para ação de indenização supra referida o pescador profissional artesanal, com início de atividade profissional registrada no Departamento de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, e do Abastecimento anteriormente ao fato, ainda que a emissão da carteira de pescador profissional tenha ocorrido posteriormente, não havendo a ré alegado e provado falsidade dos dados constantes do registro e provado haver recebido atenção do poder público devido a consequências profissionais do acidente; c) Inviabilidade de alegação de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva.- A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador. d) Configuração de dano moral.- Patente o sofrimento intenso de pescador profissional artesanal, causado pela privação das condições de trabalho, em consequência do dano ambiental, é também devida a indenização por dano moral, fixada, por equidade, em valor equivalente a um salário-mínimo. e) termo inicial de incidência dos juros moratórios na data do evento danoso.- Nos termos da Súmula 54/STJ, os juros moratórios incidem a partir da data do fato, no tocante aos valores devidos a título de dano material e moral; f) Ônus da sucumbência. -Prevalecendo os termos da Súmula 326/STJ, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não afasta a sucumbência mínima, de modo que não se redistribuem os ônus da sucumbência. 3.- Recurso Especial improvido, com observação de que julgamento das teses ora firmadas visa a equalizar especificamente o julgamento das ações de indenização efetivamente movidas diante do acidente ocorrido com o Navio N-T Norma, no Porto de Paranaguá, no dia18.10.2001, mas, naquilo que encerram teses gerais, aplicáveis a consequências de danos ambientais causados em outros acidentes semelhantes, serão, como natural, evidentemente considerados nos julgamentos a se realizarem. (STJ - REsp: 1114398 PR 2009/0067989-1, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 08/02/2012, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 16/02/2012).

 Outrossim, além de objetiva, a responsabilidade por dano ambiental no Brasil é também solidária, isto é, todos os agentes causadores da lesão ao meio ambiente, seja de maneira direta ou indireta, poderão ser chamados para figurar no polo passivo de eventual ação de indenização, inclusive o Poder Público, nos termos do artigo 3°, IV da Lei n° 6.938/81. Este entendimento vem sendo apoiado pelo Superior Tribunal de Justiça o qual já dispôs que “mesmo havendo múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio, abrindo-se ao autor a possibilidade de demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo” (STJ, REsp 880.160/RJ; Relator: Min. Mauro Campbell; 2ª Turma; julgamento em 02/05/2010; Dje 27/05/2010).

Este é um mecanismo processual utilizado para facilitar e acelerar a reparação do dano ao meio ambiente. Assim, tanto para investigar o nexo de causalidade, quanto para aplicar a solidariedade dos agentes poluidores, iguala-se “quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem faz mal feito, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando os outros fazem” (STJ, REsp 650728; Relator: Min. Herman Benjamim; Dje: 02/12/2009).

Nesta linha, faz-se importante ilustrar o conceito de “poluidor indireto”, o qual pode ser responsabilizado pela ocorrência de dano ambiental. Com efeito, o modelo de responsabilidade civil objetiva no Direito Ambiental visa a segurança do meio ambiente diante de uma atividade potencialmente causadora de danos. Deste modo, é considerado poluidor indireto aquele cuja atividade está vinculada ao poluidor direto, ou seja, “o poluidor indireto, ao menos em tese, poderia desempenhar um papel relevante na prevenção do dano, podendo ingerir e fiscalizar a atividade do terceiro” (ZAPATER, 2013, p. 365 apud MILARÉ, 2015, p. 442).

2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR DANOS AO MEIO AMBIENTE

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente é terminante ao definir o conceito de poluidor em seu artigo 3°, IV e nele incluir de forma expressa a pessoa jurídica, seja ela de direito público ou privado, que provocar, de forma direita ou indireta, degradação ambiental. Além disso, o artigo 37, §6° da Constituição da República Federativa do Brasil determina que as pessoas jurídicas, de direito público e as de direito privado, que sejam prestadoras de serviços públicos, respondem por todos os danos que seus agentes, no exercício da profissão, causarem a terceiros, incluindo-se, portanto, a prática de atividades que gerem danos ao meio ambiente e prejuízos à coletividade.

Com efeito, a responsabilidade civil pode surgir por ato comissivo ou omissivo. Pois bem, a doutrina entende que o Estado deve ser responsabilizado objetivamente pelas ações de seus agentes no desempenho de suas atribuições, sendo observada a teoria do risco administrativo, ao passo que, na hipótese de omissão, a sua responsabilidade, em regra, é subjetiva (THOMÉ, 2016, p. 578).

Todavia, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu uma exceção na esfera ambiental ao autorizar a imputação objetiva de responsabilidade da Administração Pública, em caso de ato omissivo que concorrer para o dano ao meio ambiente. Veja-se:

ADMINISTRATIVO.  AMBIENTAL.  AÇÃO  CIVIL PÚBLICA. RECURSOS HÍDRICOS.       PRIORIDADE     DO    ABASTECIMENTO    PÚBLICO.    LEI    9.433/1997. RESPONSABILIDADE   CIVIL  DO  ESTADO  POR  OMISSÃO  DE  FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL.  LEI  6.938/1981.  DANO  IN  RE  IPSA  AO  MEIO AMBIENTE. CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL EM ÁREA DE PROTEÇÃO DE MANANCIAIS. RESERVATÓRIO GUARAPIRANGA.  ÁREA  NON  AEDIFICANDI. IMPUTAÇÃO OBJETIVA E EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. MUDANÇAS CLIMÁTICAS.

1.  Trata-se,  na  origem,  de  Ação  Civil  Pública  proposta  pelo Ministério  Público  paulista  contra  o  Estado  de  São  Paulo e a Imobiliária Caravelas Ltda. Nos termos da peça vestibular, a segunda ré  construiu imóvel em área de manancial (represa de Guarapiranga), na  faixa  non  aedificandi.  O  Tribunal  de  Justiça  reconheceu a existência  das  edificações  ilícitas  e  determinou sua demolição, entre outras providências. IMPORTÂNCIA  DA  ÁGUA  2. Indiscutível que sem água não há vida. Por força de lei, abastecimento público é uso prioritário por excelência dos  recursos  hídricos  (art.  1º,  III,  da Lei 9.433/1997). Logo, qualquer  outro  emprego  da  água,  de suas fontes e do entorno dos rios,  lagos,  reservatórios  e  fontes  subterrâneas  que  venha  a ameaçar,  dificultar,  encarecer  ou  inviabilizar o consumo humano, imediato  ou  futuro, deve ser combatido pelo Estado, na sua posição de  guardião  maior  da  vida  das  pessoas, com medidas enérgicas e eficazes de prevenção, fiscalização, repressão e recuperação. (...) RESPONSABILIDADE   CIVIL   AMBIENTAL   DO   ESTADO  POR  OMISSÃO  DE FISCALIZAÇÃO. 9.  Segundo  o  acórdão recorrido, deve ser excluída a responsabilização  do Estado, mesmo que reconheça haver o Ministério Público  notificado  a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, que não utilizou meios efetivos para sanar a violação e fazer cessar o dano. 10.   Nesse   ponto, o   Tribunal  de  Justiça  se  distanciou  da jurisprudência do STJ. Não se imputa ao Estado, nem se mostra viável fazê-lo,  a  posição  de  segurador  universal  da integralidade das lesões  sofridas  por  pessoas  ou  bens protegidos. Tampouco parece razoável,  por  carecer  de  onipresença, exigir que a Administração fiscalize  e  impeça  todo  e  qualquer  ato  de  infração a lei. No entanto,  incumbe ao Estado o dever-poder de eficazmente e de boa-fé implementar  as  normas  em vigor, atribuição que, no âmbito do meio ambiente,  ganha  maior  relevo  diante  da dominialidade pública de muitos dos elementos que o compõem e da diversidade dos instrumentos de prevenção, repressão e reparação prescritos pelo legislador. 11.  Apesar  de  se  ter  por certo a inexequibilidade de vigilância ubíqua,  é mister responsabilizar, em certas situações, o Estado por omissão, de forma objetiva e solidária, mas com execução subsidiária (impedimento  à  sua  convocação per saltum), notadamente quando não exercida,  a tempo, a prerrogativa de demolição administrativa ou de outros  atos  típicos  da  autoexecutoriedade ínsita  ao  poder  de polícia. 12.   Segundo   a   jurisprudência  do  STJ,  "independentemente  da existência    de    culpa,    o   poluidor,   ainda   que   indireto (Estado-recorrente)  (art.  3º  da  Lei  nº  6.938/81), é obrigado a indenizar    e   reparar   o   dano   causado   ao   meio   ambiente (responsabilidade  objetiva)" (REsp 604.725/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 22/8/2005).13. Recurso Especial provido. (REsp 1376199/SP – Recurso Especial 2011/0308737-6; Relator (a): Ministro Herman Benjamin; Segunda Turma; Data de Julgamento:19/08/2014; Dje: 07/11/2016) (grifos nossos).

O jugado acima transcrito, em consonância com demais decisões dos tribunais superiores e a doutrina, confirma a solidariedade do Poder Público no âmbito da responsabilidade civil em matéria ambiental, entretanto, faz a ressalva de que esta responsabilidade deve ser entendida como de execução subsidiária. Ou seja, a Administração Pública participa da obrigação de indenizar como “devedor reserva”, sendo chamada a pagar somente caso o devedor principal não cumpra com o seu dever, resguardando-se, ainda, o direito de regresso. Saliente-se que, sendo o Estado condenado a indenizar danos causados ao meio ambiente, bem de uso comum do povo, a coletividade sofreria ofensa dupla, primeiro devido aos malefícios provenientes do impacto ambiental e, em segundo plano, em razão do ressarcimento do dano, ser efetuado com o dinheiro público (THOMÉ, 2016, p.579).

Sobre o tema, Edis Milaré (2015, p. 444) justifica que “afastando-se da imposição legal de agir, ou agindo deficientemente, deve o Estado responder por sua incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado, que, por direito, deveria sê-lo”. Não se pode deixar de mencionar que estas lições vêm sendo aclamadas pelo Superior Tribunal de Justiça e utilizadas na fundamentação de suas decisões. 


3 CAUSAS E CONSEQUêNCIAS DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO

A Samarco Mineração S/A é uma pessoa jurídica de direito privado, fundada em 1977, que exerce atividade de extração mineral e beneficiamento de ferro, explorando a Mina de Germano, situada no Complexo Alegria, no distrito de Santa Rita Durão, em Mariana/MG. Atualmente, a Samarco Mineração S/A é controlada por duas outras grandes empresas: A Vale S/A e a BHP Billiton Brasil Ltda. (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 11).

O produto extraído da mina é transportado para o Estado do Espírito do Santo, através de minerodutos e seus rejeitos são armazenados em barragens próximas, como a Barragem de Germano, a Barragem de Fundão e a Barragem de Santarém (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 11).

Na tarde do dia 05 de novembro de 2015, a barragem de rejeitos Fundão, localizada no vale do Córrego Fundão, na zona rural do distrito de Bento Rodrigues, a cerca de 23KM (vinte e três quilômetros) do município de Mariana/MG, apesar de estar devidamente licenciada pelos órgãos ambientais competentes, rompeu e seus resíduos atingiram a barragem de Santarém, que sem ter a sua estrutura prejudicada de fato, transbordou, ocasionando danos ambientais, sociais e humanos, em especial, à fauna, à flora e à população do Estado de Minas Gerais (JUSTIÇA AMBIENTAL, 2015, n° 12, p. 3).

A partir desta data, foi instaurado inquérito civil por meio do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais (Nucam) e o Núcleo de Combate a Crimes Ambientais (Nucrim), para a apurar as causas, consequências e os responsáveis pelo maior desastre ambiental da história de Minas Gerais. Para tanto, formou-se uma equipe com 15 (quinze) promotores de justiça e 10 (dez) técnicos ambientais (JUSTIÇA AMBIENTAL, 2015, n° 12, p. 4).

O Ministério Público Federal, em atuação conjunta com o Ministério Público do Estado do Espírito Santo e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, após a instauração do inquérito civil concluiu que o desastre ambiental ocorrido em Mariana/MG foi resultado de falhas previsíveis e previstas na estrutura da barragem de Fundão, segundo consta da Ação Civil Pública movida pelo MPF e distribuída por prevenção aos autos n° 60017-58.2015.4.01.3800 e 69758-61.2915.4.01.3400.

De acordo com informações do Ministério Público Federal, o percurso dos 62 milhões de metros cúbicos de lama resultantes do rejeito da produção de minério de ferro depositada no Rio Doce deixou 19 (dezenove) pessoas mortas, além de mais de 300 (trezentas) famílias desabrigadas e dezenas de cidades sem abastecimento de água por vários dias. Outrossim, destruiu matas ciliares, soterrou nascentes, comunidades e animais, chegando ao mar do Estado do Espírito Santo, no dia 21 de novembro de 2015, às 15h00min (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 12).

Logo após o desastre ambiental, no dia 16 de novembro de 2015, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, juntamente com o Ministério Público Federal e a Samarco Mineração S/A firmaram um Termo de Compromisso Preliminar, cujo objeto é o estabelecimento de caução socioambiental com a finalidade de assegurar o custeio de medidas preventivas emergenciais, mitigatórias, reparadoras ou compensatórias ambientais e socioambientais, no valor de R$1.000.000.000,00 (um bilhão de reais) (INQUÉRITO CIVIL n° MPMG-0024.15.016236-0).

Diante dos fatos, a Força-Tarefa do Ministério Público Federal, responsável pela investigação do rompimento da Barragem de Fundão, ajuizou Ação Civil Pública, com pedido liminar, em face das empresas Samarco Mineração S/A e suas controladoras, bem como da União, Estado de Minas Gerais e Espírito Santo, com o objetivo de compeli-los a reparar integralmente os danos ambientais, sociais e econômicos causados naquela ocasião (MPF, 2016, p. 1).

3.1 DANOS SOCIOAMBIENTAIS

A tragédia de Mariana/MG, considerada o maior desastre ambiental do mundo com barragem de rejeitos, acarretou danos ao meio ambiente, à sociedade e à economia regional da bacia do Rio Doce, chegando ao Oceano Atlântico, pelo município de Linhares/ES, “os prejuízos que se viram às primeiras horas e que aumentaram com o passar do tempo, projetam-se hoje com um devir que não tem tempo certo para findar. Danos contínuos e, em sua maioria, perenes” (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 15).

Dentre os danos socioambientais encontram-se a perda de vidas humanas, da biodiversidade, poluição e contaminação de recursos hídricos, em especial o Córrego de Santarém, o Rio Gualaxo do Norte, o Rio do Carmo e o Rio Doce e seus afluentes, bem como do solo, do ar e destruição do meio ambiente artificial e cultural.

3.1.1 Danos aos Recursos Hídricos

Ao longo do percurso a onda de lama foi levando consigo solo, vegetação e construções, prejudicando o habitat de diversas espécies da flora e fauna brasileira, além de provocar a mortandade de pessoas e animais.

Um dos primeiros impactos da lama proveniente da ruptura da barragem de rejeitos foi a destruição da calha e do curso natural do Córrego de Santarém, eliminando-o completamente. Ocorreu também o assoreamento dos Rios Gualaxo do Norte, Carmo e parte do Rio Doce. Além disso, verifica-se constantemente o carreamento e deposição de sedimentos nos cursos d’água, em razão do depósito da lama minerária nas margens dos rios, prejudicando a capacidade natural de transporte de partículas rumo à sua foz (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 16).

O depósito de substâncias nos rios e córregos geram graves problemas de abastecimento de água, sendo insuficiente para atender as necessidades básicas humanas e animais. O fornecimento de água mineral foi fato propulsor de Ação Civil Pública proposta pela Defensoria Pública da União em prol da população de Governador Valadares/MG.

A poluição dos Rios Gualaxo do Norte e do Carmo foi tão intensa que o IGAM- Instituto Mineiro de Gestão de Águas de Minas Gerais apontou a impossibilidade de coletar amostras para avaliação da qualidade da água (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 17).

Em seguida, os rejeitos provenientes das barragens de Fundão e Santarém atingiram o Rio Doce, que é um rio federal e compõe a principal bacia hidrográfica totalmente inserida na região sudeste. Estudos e relatórios desenvolvidos pelo IBAMA a partir de 05 de novembro de 2015 indicam que o Rio Doce experimentou grandes mudanças em sua composição, contando com a elevação dos níveis de turbidez de sua água, em razão do despejo de lama contaminada por produtos minerários, o que implicou na redução do oxigênio presente na água, chegando a ser inexistente em alguns pontos do rio (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 18).

A Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais em seu Relatório Técnico n° 01/2015, indicou os seguintes impactos ambientais no Rio Doce, principalmente no trecho que passa pelo Parque Estadual Sete Salões:

i) acentuação do processo de assoreamento do Rio Doce, o que compromete o substrato do rio e seu ambiente bentônico, que pela presença desta camada inerte pode impedir o uso e reprodução de peixes e anfíbios. Além de agravar a situação de enchentes e inundações que são um problema recorrente na região; ii) acúmulo de rejeitos de minério de ferro e danificação na vegetação de preservação permanente, o que pode provocar impactos diretos na floração e propagação das espécies; iii) alteração nas condições estéticas do meio, a degradação da paisagem do Rio Doce que está diretamente ligada a identidade da unidade de conservação.

Com a chegada da lama à foz do Rio Doce, no Oceano Atlântico, no Estado do Espírito Santo, constatou-se, pelo Relatório Técnico Parcial emitido em fevereiro de 2016, pelo Departamento de Oceanografia e Ecologia da Universidade Federal do Espírito Santo, a partir de dados colhidos pelo navio Vital de Oliveira, maior turbidez da água oceânica e menor concentração de oxigênio, bem como o aumento da quantidade de metais pesados como Alumínio, Ferro, Manganês e Cromo. Isto acarreta impactos inevitáveis nas áreas de estuários e no chamado Banco dos Abrolhos (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 25).

Importante mencionar que os estuários do Rio Doce são ecossistemas peculiares e altamente sensíveis, onde não só acontece a reprodução de diversas espécies de peixes, como também atua como “berçário” de inúmeras espécies de animais aquáticos. Além disso, o estuário do Rio Doce é habitat de animais em extinção, como o Cardisoma guanhumi, crustáceo popularmente conhecido como guaiamun. O Banco dos Abrolhos também abriga uma grande variedade de espécies da fauna marinha que lá habitam ou fazem rota (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 26).

Ademais, o litoral norte do Espírito Santo também é uma área especial, uma vez que é local de desova de tartarugas marinhas ameaçadas de extinção, dentre elas a Caretta caretta, mais conhecida como tartaruga-cabeçuda e a Dermachelys coriacea, ou tartaruga-de-couro (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 26).

Depois do rompimento da barragem de Fundão, mas antes da lama chegar ao Espírito Santo, as Autoridades competentes firmaram Termo de Compromisso Socioambiental Preliminar com as empresas responsáveis pela extração mineral, no sentido de adotarem medidas emergenciais, com o objetivo de tentar mitigar os efeitos negativos deste desastre ambiental (INQUÉRITO CIVIL n°MPMG-0024.15.016236-0).

3.1.2 Danos à Flora

De acordo com o Relatório Técnico elaborado pelo Instituto Estadual de Florestas – IEF, os rejeitos provenientes do rompimento da barragem de Fundão e o galgamento da barragem de Santarém atingiram 1.587,005 ha (um mil, quinhentos e oitenta e sete hectares e cinco litros) na Bacia do Rio Doce, dos quais 511,087ha (quinhentos e onze hectares e oitenta e sete litros) eram cobertos por vegetação típica de Mata Atlântica, bioma já em extinção (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 36).

Devido às grandes extensões de áreas de preservação permanente, matas ciliares e vegetação em geral devastadas pela onda de lama, desencadeou-se o processo de erosão do solo, mudanças nos fluxos hídricos, assoreamento dos córregos e rios, prejudicando todo o ciclo hidrológico e a manutenção da biodiversidade local (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 36).

Outro problema ocasionado por este desastre ambiental diz respeito à recuperação solo, haja vista que é possível que os rejeitos afetem a sua composição química, principalmente o pH, dificultando ainda mais o desenvolvimento de espécies nativas e, consequentemente, a recuperação da flora.

Tendo em vista que a lama soterrou comunidades e ecossistemas inteiros, não é difícil acreditar que tenha agravado a ameaça de extinção de árvores como o jacarandá-cabiúna, a braúna e o palmito Euterpe edulis, e ainda colocado sob ameaça de extinção outras espécies anteriormente abundantes (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 39).

É no Parque Estadual do Rio Doce, onde se encontra a maior floresta tropical do Estado de Minas Gerais, a qual foi comprometida com a chegada da lama, principalmente as suas matas ciliares e os cursos de água, o que intensificou ainda mais os prejuízos à biota do local (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 39).

3.1.3 Danos à fauna

Conforme o Laudo Técnico Preliminar elaborado pelo IBAMA, em 26 de novembro de 2015, espécies nativas da fauna brasileira que habitavam a área atingida pelos rejeitos provenientes da atividade minerária da Samarco Mineração S/A sofreram sérios impactos (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 40).

A invasão da lama contaminada, em especial nos limites das Unidades de Conservação, reduz a disponibilidade de recursos em áreas outrora consideradas aptas para a perpetuação de diversas espécies de aves, importando no desuso da região, na alteração da alimentação e reprodução, e até mesmo na rota migratória. O consumo de peixes mortos e contaminados pelas avifauna aquática também pode interferir na sua procriação, causando má formação dos ovos e comprometimento de órgãos e estruturas do sistema reprodutivo (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 42).

O IBAMA calcula que os animais fossoriais e de porte pequeno foram dizimados na extensão por onde os rejeitos percorreram. Quanto aos animais domésticos e silvestres, relatórios apontam que eles têm tido dificuldades de acesso à água para dessedentação, devido à grande quantidade de sedimentos depositados nas margens (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 43).

Répteis e anfíbios também morreram em decorrência do escoamento da lama de rejeitos. A herpetofauna remanescente enfrenta o problema do comprometimento do substrato dos cursos d’água e do seu ambiente bentônico, o que interfere na reprodução e dificulta a sobrevivência.

Além disso, pesquisas realizadas pelos órgãos de fiscalização constataram que muitos organismos aquáticos foram soterrados pelos rejeitos que transbordaram da barragem de Fundão, sendo que, até o dia 26 de dezembro de 2015 foram identificados e retirados do Rio Doce 28.000 (vinte e oito mil) peixes mortos (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 49).

Assim, a ictiofauna foi o grupo mais afetado pelos efeitos do rompimento da barragem de Fundão e seus reflexos, sendo que o Instituto Estadual de Florestas, apontou a mortandade geral de peixes nos trechos do Rio Doce, afetando a conservação da biodiversidade e o equilíbrio ecológico, além da indução da migração dos peixes para afluentes do Rio Doce, onde há recursos escassos, sobretudo em função da má qualidade das águas, comprometendo profundamente a sobrevivência (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 48).

Cabe mencionar ainda que, o aumento da turbidez da água bloqueia a entrada de raios solares, impossibilitando a fotossíntese, o que abala os organismos aquáticos produtores, como o fitoplâncton e, consequentemente, desequilibra toda a cadeia trófica.

Além disso, a alteração físico-química provocada pela lama promove a compressão das brânquias, levando os peixes a morte por asfixia. Outro fator apontado como agravante dos danos provocados à ictiofauna é que o desastre ocorreu entre os dias 01 de novembro e 28 de fevereiro, período de reprodução dos peixes e crustáceos, conforme disciplina a Instrução Normativa n° 195/2008 do IBAMA, o que também foi confirmado pelas necropsias feitas em espécies coletadas no Rio Doce, constatando-se que diversos peixes e camarões de água doce estavam prontos para desova (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 48).

Este cenário é propício não só para aumentar o grau de ameaça de extinção das espécies enumeradas na Portaria MMA 455/2014, mas também para reduzir à condição de ameaçadas espécies anteriormente numerosas.

Por fim, ressalte-se que o desastre em comento ultrapassa os limites da mortandade instantânea dos organismos vivos da fauna e flora, eis que sensibiliza os processos ecológicos responsáveis por produzir e conservar a diversidade na Bacia do Rio Doce, acarretando danos ecológicos no presente e para o futuro.

3.1.4 Danos ao Patrimônio Histórico-Cultural, Paisagístico e Arqueológico

Para além do patrimônio paisagístico natural, o desastre ambiental ocorrido em 05 de novembro de 2015 produziu sérias avarias no patrimônio histórico-cultural arqueológico, representado, especialmente, pelos templos religiosos da região, assim como graves impactos no patrimônio cultural imaterial, que corresponde às manifestações culturais e os costumes da população regional.

 Quanto às construções religiosas, as investigações relatam a destruição da Capela de São Bento, localizada no distrito de Bento Rodrigues; danos na fachada e lateral direita, inclusive a quebra de vitrais e da porta de madeira da Capela de Santo Antônio, no distrito de Paracatu de Baixo; e estragos na infraestrutura da Capela de Nossa Senhora da Conceição, em Gesteira, distrito de Barra Longa/MG (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 51).

Somado a estes, o rompimento da barragem de Fundão causou alterações relevantes na paisagem natural do caminho percorrido pela lama contaminada com os rejeitos da atividade minerária, causando danos degressivos, isto é, os pontos mais próximos à barragem experimentaram maiores prejuízos do que as localidades mais afastadas, sendo que o subdistrito de Bento Rodrigues, assentado nas adjacências da barragem de Fundão, foi totalmente soterrado pela lama, segundo o Laudo Técnico Preliminar do IBAMA (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 54).

Toda a microrregião diretamente impactada, composta pelos municípios de Mariana/MG, Barra Longa/MG, Rio Doce/MG e Santa Cruz do Escalvado/MG sofreu grandes prejuízos em todos os setores da economia, desde atividades primárias, como a produção agrícola, pecuária e extrativismo, até a indústria, comércio e turismo. A este respeito, a Força-Tarefa do Ministério Público apurou que o prejuízo econômico privado suportado pela microrregião monta a quantia de R$ 253.056.436,42 (duzentos e cinquenta e três bilhões, cinquenta e seis milhões, quatrocentos e trinta e seis reais e quarenta e dois centavos) (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 56).

O Poder Público Municipal também experimentou a redução de seu erário, em razão da diminuição da arrecadação tributária, das ações emergenciais necessárias para abrandar as consequências do desastre ambiental sobre a população, bem como da perda de receita em serviços essenciais, como o abastecimento de água, o esgotamento sanitário e o fornecimento de energia elétrica (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 57).

A morte de 19 (dezenove) pessoas e a devastação da vida de milhares de seres humanos, que ficaram desabrigados e perderam muito mais que todos os seus bens materiais, mormente, “os atingidos perderam o estilo de vida pacífico de que desfrutavam em comunidade e a tranquilidade que o convívio diário nas comunidades atingidas lhes propiciava” (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 62), demostra que, para além dos danos socioambientais e econômicos, o rompimento da barragem de Fundão acarretou danos de natureza humana que são impossíveis de mensurar e reparar, culminando em danos histórico-culturais imateriais.

O distrito de Bento Rodrigues, conforme já mencionado, foi o mais devastado pela onda de rejeitos que arruinou mais de 180 (cento e oitenta) construções, veículos, maquinários, animais domésticos, lavouras, sepultando comunidades inteiras e com elas a história de vida e tradição de cada indivíduo.

Os povos indígenas e comunidades tradicionais são intimamente vinculados aos recursos naturais, o que majora a sua vulnerabilidade a impactos ambientais. De acordo com o Ministério Público Federal:

Os povos indígenas e as comunidades tradicionais têm um modo diferenciado de apropriação, uso e significação do território, o qual está intimamente ligado à expressão de suas identidades coletivas. O território tradicional e seus elementos naturais são o suporte do modo de vida diferenciado indígena e das comunidades tradicionais, protegidos por tratados internacionais e pela Constituição da República de 1988 (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 70).

É por isso que desastres ambientais como o rompimento da barragem de Fundão, em 2015, alteram drasticamente o modo de vida destes povos, motivando-os a iniciar processos de migração rumo aos centros urbanos e com isso, deixando para trás, sob os destroços, toda a sua expressão cultural.

Desde o acidente com a barragem de rejeitos operada pela Samarco Mineração S/A, em Mariana/MG, os povos indígenas Krenak, Tupiniquim e Guarani e as comunidades tradicionais de quilombolas, ribeirinhos e pescadores artesanais residentes na Bacia do Rio Doce vêm sofrendo com a poluição geral do território, sobretudo com a escassez de água potável, utilizada, em especial, para o consumo direto dos grupos, dessedentação de animais, banho e pesca, o que inviabiliza também as suas atividades agrícolas e a caça.

A tribo Krenak tem uma forte relação espiritual com o Rio Doce, sendo este um forte aspecto de identificação cultural. Neste sentido está o Parecer n° 03/2016/PGR/SEAP, confeccionado pela Perita em Antropologia do Ministério Público Federal, Maria Fernanda Paranhos:

A partir da pesquisa realizada, podemos afirmar que o Rio Doce é um lugar fundamental do território e no modo de ser Krenak. O rio tem um papel ativo não apenas na sustentabilidade e na recreação como também na cosmologia indígena. A relação dos Krenak com o rio é parte ativa nos seus processos socioculturais, influencia sua organização e dinâmica social, sua moral e seus valores ético-espirituais. (...) O Rio Doce é relatado como lugar habitado pelos Krenak não só por atender as suas necessidades biológicas, mas um espaço de reprodução social da sua cultura, espaço da tradição, referência na afirmação da identidade Krenak. (...) A identidade dos Krenak fundamenta-se no pertencimento ao seu território, ao Rio Doce, ao lugar que os orienta.

Além disso, a FUNAI observou que, em conformidade com a crença desta tribo indígena, o desastre ambiental em enfoque provocou a morte do Rio Doce, ou Uatu, de acordo com a linguagem Krenak, o qual é parte fundamental de seus ritos sagrados, gerando sérias disfunções de natureza psíquica nos indígenas, sendo os anciãos os mais abalados (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 75).

A pesca é de grande relevância para os povos indígenas Tupiniquim e Guarani, predominantes no Estado do Espírito Santo, haja vista que essa atividade não se limita à função de garantir a segurança alimentar, mas também é uma característica peculiar do modo de vida da comunidade e, inclusive, é vista como uma maneira de lazer e conservação dos laços sociais.

As tribos Tupiniquim mantêm forte vínculo com o estuário do Piraquê-Açu, “nas histórias de vida fica clara a importância da pesca e da mariscagem”, sendo que, geralmente “o resultado da pesca, quando não destinada à venda e em quantidade suficiente, é distribuída com os parentes, vizinhos e compadres” (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 83).

A preservação do ecossistema praiano e do estuário do rio Piraquê-Açu é igualmente relevante para as tribos Guarani, porque além da pesca ser fonte de alimento, o estuário traduz a noção de tekoha, isto é, a unidade política, religiosa e territorial desse povo, concebido como o “lugar em que se realiza o modelo de ser Guarani” (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 83).

Importante transcrever mais um trecho do laudo pericial antropológico confeccionado pela equipe do Ministério Público Federal sobre a importância dessa região para os indígenas, notadamente, os Guarani:

O rio Piraquê-Açu e o Mangue desempenham um papel também importante como fonte de alimento para a comunidade, visto que a caça também muito apreciada pelos Guarani, é difícil na região devido às poucas áreas de mata preservada, em razão do monocultivo do eucalipto e de outros empreendimentos econômicos que afetaram as terras indígenas de Aracruz (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 83).

Não se pode deixar de assinalar que a diminuição do turismo na região foi um dos mais expressivos impactos do rompimento da barragem de Fundão sobre a economia dos povos indígenas, uma vez que a venda de artesanato era a principal fonte de renda destas comunidades (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 85).

Além dos povos indígenas, ao longo da Bacia do Rio Doce, existem vários grupos de diferentes comunidades tradicionais, dentre elas, os quilombolas[4], os caipiras[5], os pomeranos[6] e os pescadores artesanais.

Os pescadores artesanais suportaram danos ainda mais expressivos, eis que a pesca é uma importante atividade econômica na Bacia do Rio Doce, que gera emprego e renda, especialmente, para as camadas mais pobres da população, bem como tem fundamental influência na alimentação da comunidade.

Conforme dados extraídos do abortado Ministério de Pesca e Aquicultura, em 2010 mais de 600.000 (seiscentas mil) pessoas viviam com o faturamento proveniente da atividade pesqueira artesanal, que além de fone de recursos econômicos é um ofício clássico, que revela um estilo de vida singular. A este respeito, Diegues (1993, p. 22 apud ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.380) leciona:

A essência da pesca artesanal é o conjunto de conhecimentos sobre o meio ambiente, as condições das marés, a identificação dos pesqueiros, o manejo dos instrumentos de pesca, etc. Este conjunto de conhecimentos faz parte dos meios de produção dos pescadores artesanais e, em geral, é transmitido de pai para filho e guardado ciosamente pelos pescadores.

Desde Mariana/MG até o litoral do Espírito Santo foram computados 2.574 (dois mil, quinhentos e setenta e quatro) pescadores profissionais, segundo dados do Sistema Informatizado do Registro Geral da Atividade Pesqueira- SisRGP. Entretanto, considera-se que grande parte dos trabalhadores do setor pesqueiro são informais, sem inscrição no órgão competente (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800, p. 91).

Pois bem, o evento danoso em comento reflete diretamente no modo de vida dos povos indígenas e das comunidades tradicionais da Bacia do Rio Doce, os quais tiveram a própria sobrevivência e a sua tradição e de seus antepassados ameaçadas.

3.2 RESPONSÁVEIS DIRETOS E INDIRETOS

O desastre ambiental iniciado no distrito de Bento Rodrigues, provocou inestimáveis danos, imediatos e futuros, ao patrimônio ambiental, à coletividade[7], mais profundamente, às comunidades da Bacia do Rio Doce e ainda em maior grau, àquelas mais próximas à barragem de Fundão.

Diante disso, nasce o dever de indenizar dos responsáveis de maneira direta ou indireta pela operação da Mina de Germano, bem como dos entres federativos do Estado e seus órgãos e entidades responsáveis pela proteção ambiental e regularização de atividades minerárias.

A Barragem de Fundão não só era utilizada para a deposição de rejeitos provenientes da atividade de extração de minério de Ferro na Mina de Germano, explorada pela Samarco Mineração S/A, como também era usufruída para a mesma finalidade pela Vale S/A (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.380, p. 108).

A empresa BHP Billiton Brasil Ltda, assim como a Vale S/A, é sócia controladora da Samarco Mineração S/A, pelo que também deve figurar no polo passivo de quaisquer ações que visem a composição dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em razão da possibilidade de aplicar-se ao caso o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no artigo 4° da Lei n°9.605/98.

Ademais, o Poder Público, representado por seus entes com competência para gerir assuntos em matéria ambiental, tem a obrigação de atuar de modo a evitar a ocorrência de danos ao meio ambiente, ou caso eles aconteçam, deve agir para que eles sejam reduzidos, promovendo a recuperação ou compensação do dano (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.380, p. 109).

De acordo com as investigações do Ministério Público Federal e demais envolvidos na apuração do caso Samarco, constatou-se o seguinte:

Para a ocorrência de um dano desta monta, concorreram falhas não só do particular explorador da atividade, mas do Estado brasileiro em permitir que a atividade fosse desenvolvida dentro de parâmetros de segurança tais que fossem incapazes de impedir a ocorrência do maior desastre ambiental do país (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.380, p. 110).

Portanto, o Poder Público brasileiro, notadamente a União e o estado de Minas Gerais, por intermédio de seus órgãos e entidades, tais como o IBAMA, Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), IEF, Instituto Mineiro de Gestão de Águas (IGAM) E Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), conjuntamente com as empresas responsáveis pela exploração mineral no Complexo Alegria, tinha o dever de evitar a ocorrência destes danos, sendo que a omissão o Estado, ao exercer um poder de polícia falho, seja na fase de licenciamento, seja na fase de fiscalização da segurança da atividade minerária, é um dos motivos ligados ao resultado danoso (ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.380, p. 111).

Uma vez efetivado o dano, somando esforços com a Samarco Mineração S/A, Vale S/A e BHP Billinton Brasil Ltda., cabe à União, aos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo[8] e suas entidades da Administração, promover medidas com o objetivo de reestabelecer o meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho e, principalmente, garantir a subsistência de todos os seres vivos sobreviventes ao desastre e suas futuras gerações.

3.3 DEVER DE REPARAÇÃO/INDENIZAÇÃO DO DANO AO MEIO AMBIENTE

Não é novidade que o dever de reparar os danos provocados ao meio ambiente goza de expressa previsão constitucional, impondo-se ao poluidor, além da responsabilização civil, sanções administrativas e criminais, consoante estabelece o artigo 225, §3° da Constituição da República Federativa do Brasil.

Ademais, o princípio do poluidor-pagador encontra respaldo na legislação infraconstitucional, notadamente, na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu artigo 4º, VII, ao determinar que: impõe-se ao poluidor e ao predador a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, à medida que, cabe ao usuário contribuir pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

Saliente-se que, a Carta Magna confere atenção especial às atividades minerárias, em seu artigo 225, §2°, impondo ao explorador de recursos minerais, a obrigação de reparar os danos que a sua atividade der causa.

Diante disso, é notável que a Samarco Mineração S/A e suas empresas controladoras se encaixam no conceito de poluidor do artigo 3°, IV da Lei 6.938/81, devendo, pois, responder de maneira objetiva, com fundamento na teoria do risco integral, isto é, independentemente da existência ou não de fatos excludentes do nexo causal, pelos danos que o exercício da sua atividade de mineração deu causa.

Além disso, não se pode deixar de registrar a reponsabilidade civil solidária do Poder Público pela sua omissão no dever de zelar e obstar que os danos acontecessem. A este respeito, vale lembrar as lições de Édis Milaré (2011, p.1262) inclusas na dissertação da ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.380:

O poder público poderá sempre figurar no polo passivo de qualquer demanda dirigida à reparação do meio ambiente: se ele não for responsável por ter ocasionado diretamente o dano, por intermédio de um de seus agentes, o será ao menos solidariamente, por omissão no dever de fiscalizar e impedir que tais danos aconteçam. A propósito, vale lembrar que a Constituição Federal impôs ao poder público o dever de preservar e defender o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Sendo assim, in casu, evidencia-se a responsabilidade civil objetiva solidária entre os autores diretos e indiretos do dano ambiental produzido pelo rompimento da barragem de Fundão. Isto sugere que a obrigação de reparar/indenizar pode ser exigida em sua totalidade de quaisquer dos corresponsáveis, de parte deles ou de todos eles conjuntamente, nos termos dos artigos 264 e 275 do Código Civil.

Saliente-se que este lamentável episódio acarretou graves prejuízos à natureza de maneira geral, como os danos socioambientais, econômicos e humanos, em todo o trecho da Bacia do Rio Doce por onde a lama contaminada percorreu, além dos danos futuros que ainda não puderam ser contabilizados.

Destarte, considerando todo o exposto ao longo deste estudo, as empresas Samarco Mineração S/A, a Vale S/A e BHP Billinton Brasil Ltda., devem ser responsabilizadas objetivamente e sob o alcance da teoria do risco integral, pelos danos ambientais oriundos da má operação da barragem de Fundão, o que causou o seu rompimento, fazendo espargir milhões de metros cúbicos de lama contaminada pelo Rio Doce e seus afluentes até chegar ao Oceano Atlântico, no Estado do Espírito Santo.

Ainda, de modo a assegurar a completa e adequada reparação, o Poder Público e os entes da Administração competentes para assuntos de ordem ambiental e minerária dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, devem assumir posição solidária e subsidiária na execução de medidas eficientes para a recuperação dos espaços atingidos, das funções ecológicas, bem como da qualidade de vida da população afetada, em conformidade com as orientações do princípio da reparação integral.


4 CONclusão

A responsabilidade civil tem sua origem no preceito alterum nom laedere, de Ulpiano, que fundamentou o direito romano e a partir de então passou por constante evolução, ultrapassando o preceito “olho por olho, dente por dente” da Lei de Talião até a introdução da prestação pecuniária, em substituição ao antigo sistema da motu próprio, pela Lex Aquila de damno. Foi neste período que despontou a noção de culpa lato sensu como pressuposto essencial para a caracterização da responsabilidade civil.

Em meados do século XVIII, a Revolução Industrial com todas as suas inovações, notadamente a introdução do maquinismo, foi responsável por um significativo aumento dos acidentes de trabalho, os quais eram considerados, simplesmente, como risco da atividade da classe proletária. Assim, a vulnerabilidade das vítimas diante de seus empregadores dificultava a comprovação da culpa destes, tornando-se praticamente impossível a reparação.

Somado a isto, o modo de produção fabril também colaborou para a eclosão da crise ambiental, no século XX, quando o sistema econômico passou a interferir de maneira dilacerante no meio ambiente, acarretando o desgaste dos recursos naturais e reduzindo a capacidade dos ecossistemas de absorver os impactos provocados pela ação humana.

Diante disso, constatou-se que a responsabilidade civil baseada na culpa não era suficiente para tratar da reparação relativa aos acidentes de trabalho e dos danos ao meio ambiente, assim, surgiu a teoria objetiva, enfatizando a ocorrência do dano e não o seu causador e, para fundamentá-la desabrochou a teoria do risco, pela qual o responsável pelos prejuízos causados por certa atividade é o sujeito que a explora, limitada, no entanto, a situações específicas, como os danos ao meio ambiente.

Como se pode observar, os riscos que motivaram consolidação da objetivação da responsabilidade civil e a teoria do risco são aqueles concretos e previsíveis, decorrentes da sociedade moderna. No entanto, com o passar do tempo, a sociedade pós-industrial, chamada de “sociedade de risco” pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, caracteriza-se pela ocorrência de riscos abstratos, globais e imprevisíveis, como é o caso dos danos ambientais provocados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana/MG, no ano de 2015.

Até a década de 1980, eram escassas e pouco eficazes as normas de proteção ambiental no Brasil. Todavia, este cenário mudou com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, que recepcionou as regras de proteção ambiental anteriormente existentes e inovou ao dedicar um capítulo específico para cuidar destas questões, adotando a visão antropocêntrica protecionista, sob os mandamentos do princípio do Desenvolvimento Sustentável, o qual foi legitimado desde a Conferência de Estocolmo Sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972.

O Código Civil, sancionado em 2002, adota a teoria subjetiva como regra geral, indicando o dolo e a culpa como critérios indispensáveis para caracterizar a obrigação de reparar o dano, segundo dispõe do seu artigo 186, sendo a teoria objetiva aplicada como exceção em casos especiais.

Entretanto, no campo do Direito Ambiental, a responsabilidade civil é tratada de maneira peculiar, prevalecendo normas específicas estabelecidas, sobretudo, a partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.

Na atualidade, após anos de aperfeiçoamento, em especial no campo do Direito Ambiental, consagrou-se quanto à responsabilidade civil objetiva, três espécies da teoria do risco, quais sejam: risco proveito, risco criado e risco integral, que diferem entre si, especialmente, no que se refere à incidência de fatos excludentes do nexo de causalidade.

A ordem constitucional brasileira elenca o meio ambiente como um direito fundamental, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de assegurar a todos um meio ambiente equilibrado, colocando-o, concomitantemente, na posição de direito objetivo e subjetivo. Assim sendo, considerando que a prova do nexo de causalidade na ocorrência de dano ambiental  é bastante complexa e difícil de ser produzida pelas vítimas, o Superior Tribunal de Justiça em harmonia com a doutrina majoritária, adota a teoria objetiva, assentada na teoria do risco integral, para fazer frente aos desastres ambientais da “sociedade de risco”, dispensando, portanto, as causas excludentes do nexo de causalidade, como o caso fortuito, força maior, fato de terceiro ou culpa exclusiva da vítima.

Pois bem, considerando que as atividades de exploração mineral produzem riscos e efeitos prejudiciais como os que ocorreram na Bacia do Rio Doce após o rompimento da barragem de Fundão, os sujeitos diretos e indiretos que a ela se dedicam devem atrair para si o ônus da reparação/indenização, passando a responder objetivamente em face das presentes e futuras gerações, sem demonstração de culpa, porque vigora, no Brasil, o modelo de responsabilidade objetiva pautada na teoria do risco integral.

Isto posto, espera-se que os danos sociais, ambientais e econômicos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão não restem impunes, uma vez que eventual invocação de causas excludentes do nexo de causalidade, à luz da teoria do risco integral, não poderão ser acolhidas, favorecendo uma efetiva realização das funções repressiva, reparatória e social da responsabilidade civil, levando às famílias e comunidades diretamente atingidas por este desastre o sentimento de justiça e esperança de um recomeço. 


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THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. 6. ed. rev., atual e ampl. Salvador: JusPODVIM, 2016.


Notas

[1] O CFC é um gás sintético bastante utilizado em sistemas de refrigeração de eletrodomésticos e aerossóis por não ser inflamável, corrosivo e nem tóxico.

[2] É o complexo de regras impostas aos indivíduos nas suas relações externas, com caráter de universalidade, emanadas dos órgãos competentes. Trata-se, pois, de um conjunto de leis que nascem da vontade geral e passam a integrar o ordenamento jurídico. Portanto, o Direito Objetivo estabelece normas de conduta social, que disciplinam a conduta dos indivíduos. Disponível em: <https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/direito/direito-objetivo-e-direito-subjetivo/20104>;

[3] Se caracteriza por ser um atributo da pessoa, conferindo aos seus sujeitos, poderes, obrigações e faculdades estabelecidos pela lei. Assim, um direito subjetivo requer a presença de três elementos, quais sejam: um sujeito titular do direito, um objeto e uma relação jurídica;

[4] São os indivíduos que residem em quilombos, ou seja, áreas ocupadas por comunidades remanescentes dos antigos quilombos. Disponível em: < http://www.palmares.gov.br/archives/19099>;

[5] Segundo Darcy Ribeiro, trata-se de “um novo modo de vida que se difunde paulatinamente a partir das antigas áreas de mineração e dos núcleos ancilares de produção artesanal e de mantimentos que a supriam de manufaturas, de animais de serviço e outros bens (...)” (RIBEIRO, 1995, p. 380 apud ACP/MPF n° 60017-58.2015.4.01.3800);

[6] Comunidade de origem europeia, que após crises e perseguições sucessivas na Europa, fugiram para o território brasileiro a partir do início da segunda metade do século XIX, e se instalaram, principalmente, nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Rondônia. Hodiernamente, o Espírito Santo abriga uma das maiores colônias pomeranas do mundo, com aproximadamente 140 mil indivíduos, os quais são regionalmente conhecidos como “alemão da grota”.   Disponível em: < http://midiacidada.org/os-pomeranos-um-povo-sem-estado-finca-suas-raizes-no-brasil/>;

[7] Por serem todos titulares do direito ao meio ambiente equilibrado;

[8] Apesar de o desastre ambiental ter iniciado no estado de Minas Gerais, o governo do Espírito Santo, deve colaborar na mitigação e compensação dos danos que atingiram este ente da federação.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Bruna Aparecida Souza. Estudo sobre a responsabilização das empresas e do Estado na ocorrência do dano ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5988, 23 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64514. Acesso em: 24 abr. 2024.