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Memoriais em crime de competência do tribunal do júri

Memoriais em crime de competência do tribunal do júri

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Trata-se de memoriais onde se pleiteia a absolvição sumária de homicídio pelo reconhecimento da legítima defesa e, alternativamente, requer-se o conclusão da inexigibilidade de conduta diversa, como causa supra legal de excludente de culpabilidade.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1º VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ITABAIANA/SE.

Processo n.º............................

FULANO DE TAL, já qualificado nos autos da ação penal que lhe move a Justiça pública, em trâmite por este r. juízo vem, respeitosamente, oferecer os presentes MEMORIAIS, em substituição aos debates orais de estilo, na forma seguinte.

O réu foi denunciado e encontra-se processado perante este Juízo, pelo suposto cometimento do crime previsto no artigo 121, parágrafo 2º, inciso IV do Código Penal Brasileiro.

Em memoriais o douto representante do Ministério Público requer a procedência da ação com a consequente pronúncia do acusado.

A defesa por seu terno tentará demonstrar doravante que a ação penal não deverá prosperar, pelo menos nos moldes em que foi proposta.


Da Situação Fática____________________________________________

Na data, horário e local descritos na vestibular acusatória, o denunciado teria desferido golpes de faca contra a vítima  cicrana , provocando-lhe as lesões do laudo cadavérico de fls.............., que foram a causa de sua morte.

Segundo consta dos autos, réu e vítima eram amigos e se desentenderam pelo fato da vítima ofender a esposa do réu..., com palavras de baixo calão,

No decorrer da instrução ficou demonstrado à saciedade que a vítima, em data anterior aos fatos teria tentado “matar” o réu, ocasião em que teria desferidos golpes de arma branca contra o réu, não conseguindo seu intento graças à intervenção de terceiros que o impediram.

Após os fatos narrados acima, a vítima passou a ameaçar de morte  o réu e seus familiares, fato que culminou com o desfecho trágico objeto da denúncia.

Excelência, desde as mais remotas eras o homem tem observado seu próprio comportamento, questionando-o e buscando entendê-lo.

No que tange ao crime, enquanto fato da vida humana,  pode-se notar que escritores de distantes tempos já o comentavam.

Veja-se o exemplo de Ésquilo em Orestíada e Eurípedes em Orestes e Electra. Até mesmo Shakespare, em Hamlet, Otelo e Macbeth observa o crime como fenômeno da vida do homem.

Nesse particular, um aspecto é digno de nota: OS MOTIVOS que levaram o acusado a desferir os “golpes de faca”, que lesionaram a vítima. No motivo situa-se o significado do crime. Não se concebe um ilícito penal sem motivo.

O réu, ouvido através de Carta Precatória, asseverou que a vítima era seu amigo e que, em data anterior aos fatos teve uma breve discussão com esta, pelo fato desta ter ofendido sua esposa com palavras de baixo calão.

Ocorre que, com já dito, após os fatos narrados acima, o réu passou a ser ameaçado de morta  pela vítima, que era pessoa violente e costumava andar armada.

Os depoimentos das testemunhas não desmentem a versão do réu.

Desnecessário, porém oportuno lembrar que o réu agiu amparado pela excludente da legítima defesa.


Da Legítima Defesa___________________________________________

Como é cediço, a legítima defesa está prevista no Código Penal Brasileiro, mais especificamente nos artigos 23, II e 25, que assim dispõem:

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:

(...)

II - em legítima defesa;

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando  moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Realmente o acusado admitiu que a vítima foi atingida e lesionada pela faca que este portava na ocasião, entretanto alegou que a Jurisprudência é mansa e pacífica e tem decidido que:

"É a reação imediata à ameaça iminente ou agressão atual a   direito próprio ou de outrem (TJSP, RT 518/349)".

"Em face da agressão injusta, a vítima tem a faculdade legal  e o  dever moral de obstá-la, mesmo recorrendo ao exercício de violência (TJSP, RT 624/303, TACrSP, JULGADOS 75/406)".

"A LEGÍTIMA DEFESA PRÓPRIA: QUANDO A LEI FALA EM   LEGÍTIMA DEFESA ESTREME DE DÚVIDA, O ENTENDIMENTO QUE SE TEM EM CONTA A TAL RESPEITO É O QUE RESULTA DA PROVA APURADA NO PROCESSO, NO FATO REAL, TUDO QUE RESPEITA O SEU CONTEÚDO. É UMA CONOTAÇÃO TÉCNICO-JURÍDICA DE NATUREZA ESPECÍFICA, EXCEPCIONAL, COMPREENDENDO EM SEUS EXTREMOS A APRECIAÇÃO DA PROVA PRODUZIDA, AINDA QUE MINGUADA E FALHA, MAS QUE PROJETE UM ACONTECIMENTO E SEU DESENROLAR DE MANEIRA TAL QUE OUTRA FORMA NÃO PODE SER ADMITIDA, A NÃO SER EM MERA CONJECTURA, EM DECORRÊNCIA DE PRESUNÇÃO. DAR OUTRA INTERPRETAÇÃO À EXPRESSÃO LEGAL IMPORTA EM ESTABELECER UMA ACUSAÇÃO DECORRENTE DE PRONÚNCIA E IMPOR AO JÚRI UM JULGAMENTO QUE, DESDE LOGO, SERIA INÚTIL, RECONHECIDA QUE POSSA SER, DE PRONTO, A EXCLUDENTE DA LEGÍTIMA DEFESA OU OUTRA QUALQUER" (TJSP - Rec. - Rel. Des. Hoeppner Dutra - RJTJSP 43/351).

É do entendimento de nossos Doutrinadores:

"A legítima defesa na opinião de ALCÂNTARA MACHADO,  apresenta-se sem certos requisitos de que se reveste na legislação em vigor. Na defesa de um direito, seu ou de outrem injustamente atacado ou ameaçado, omnis civis est miles, ficando autorizado à repulsa imediata. Também é dispensada a rigorosa propriedade dos meios empregados, ou sua precisa proporcionalidade com a agressão. Uma reação ex improviso não permite uma escrupulosa escolha dos meios, nem comporta cálculos dosimétricos: o que se exige é apenas a moderação do revide, o exercício da defesa no limite razoável da necessidade.

No pensamento do doutrinador EDMUNDO MEZGER, esclarece com precisão dizendo que: 

"Não é exigida a uma absoluta paridade entre ataque e defesa:  em caso de necessidade, pode o agredido recorrer ao emprego dos meios mais graves, a morte do agressor, para defender-se contra ataque dirigido ao seu interesse juridicamente tutelado, ainda quando este último seja, p. ex. , um simples interesse patrimonial. Em tais hipóteses, o que é imprescindível é que o agredido não tenha à sua disposição um meio menos grave de repelir o ataque".

Guilherme de Souza Nucci, em seu Código Penal Comentado, conceitua a legítima defesa como:

“A defesa necessária empreendida contra agressão injusta, atual  ou iminente, contra direito próprio ou de terceiro, usando, para tanto, moderadamente, os meios necessários. Trata-se do mais tradicional exemplo de justificação para a prática de fatos típicos. Por isso, sempre foi acolhida, ao longo dos tempos, em inúmeros ordenamentos jurídicos, desde o direito romano (...). Valendo-se da legítima defesa, o indivíduo consegue repelir agressões indevidas a direito seu ou de outrem, substituindo a atuação da sociedade ou do Estado, que não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, através dos seus agentes. A ordem jurídica precisa ser mantida, cabendo ao particular assegurá-la de modo eficiente e dinâmico”.


Da Repulsa com os meios necessários_____________________________

Entende-se como meios necessários aqueles indispensáveis de que dispõe o agredido no momento da agressão para a sua defesa. MANZINI diz que:

"O confronto deve ser feito entre os meios defensivos que o  agredido tinha à sua disposição e os meios empregados. Se estes eram os únicos que in concreto tornavam possível a repulsa da violência de outrem, não haverá excesso, por maior que seja o mal sofrido pelo agressor".

O réu foi agredido e reagiu em legítima defesa, cabendo perfeitamente a absolvição sumária, ora pleiteada pela defesa.

Nenhuma testemunha presenciou os fatos.

Forçoso, portanto, admitir inexistirem provas suficientes para a pronúncia do denunciado na prática do crime supramencionado, razão pela qual pugna-se pela ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA.


Da Jurisprudência____________________________________________________

Ementa: HOMICIDIO. ABSOLVICAO LIMINAR. NA AUSENCIA DE PROVA TESTEMUNHAL OU DE ELEMENTOS OBJETIVOS DESMERECEDORES DA PALAVRA DO REU, ESTA DEVE SER ACEITA, ESPECIALMENTE QUANDO A VITIMA E CONHECIDO ASSALTANTE. (Recurso Crime Nº 686061771, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alaor Antônio Wiltgen Terra, Julgado em 12/03/1987)

Encontrado em: Segunda Câmara Criminal Diário da Justiça do dia ABSOLVICAO SUMARIA. - LEGITIMA DEFESA. TESTEMUNHA.... INEXISTENCIA. CABIMENTO. - LEGITIMA DEFESA ESTREME DE DUVIDA. - PALAVRA DO REU. VALOR. Recurso

TJ-RS - Recurso Crime RC 683001648 RS (TJ-RS)

Data de publicação: 03/03/1983

Ementa: ABSOLVICAO SUMARIA. AUSENCIA DE TESTEMUNHAS PRESENCIAIS. E ADMISSIVEL A ABSOLVICAO LIMINAR, MESMO NA FALTA DE TESTEMUNHAS DO FATO, SE A PALAVRA DO REU VEM CONFORTADA PELOS DEMAIS SUBSIDIOS PROBATORIOS CONSTANTES DOS AUTOS, A PONTO DE ENSEJAR AO JUIZ A CONVICCAO DE SUA INOCENCIA. RECURSO DE OFICIO NAO PROVIDO. (Recurso Crime Nº 683001648, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Ricardo Vinhas, Julgado em 03/03/1983)

Encontrado em: Segunda Câmara Criminal Diário da Justiça do dia CPP-411 CP -21 ABSOLVICAO SUMARIA. - LEGITIMA... DEFESA. TESTEMUNHA. INEXISTENCIA. CABIMENTO. - QUANDO CABE. Recurso Crime RC 683001648 RS (TJ-RS) João

TJ-RS - Recurso Crime RC 683024244 RS (TJ-RS)

Data de publicação: 25/08/1983

Ementa: ABSOLVICAO SUMARIA. A VITIMA FOI ABATIDA COM UM GOLPE DE FACA DADO PELO REU EM REVIDE A AGRESSAO QUE ALEGA TER SOFRIDO. AUSENCIA DE TESTEMUNHAS. REU COM 51 ANOS, COM ANTECEDENTES ABONADOS E COM LESAO CORPORAL CONSTATADA EM EXAME PERICIAL, TUDO INDICANDO A VERACIDADE DE SUA ALEGACAO. RECURSO NECESSARIO IMPROVIDO. (Recurso Crime Nº 683024244, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gilberto Niederauer Corrêa, Julgado em 25/08/1983)

Encontrado em: Terceira Câmara Criminal Diário da Justiça do dia ABSOLVICAO SUMARIA. LEGITIMA DEFESA. TESTEMUNHA.... INEXISTENCIA. Recurso Crime RC 683024244 RS (TJ-RS) Gilberto Niederauer Corrêa

TJ-PR - Recurso Crime Ex Off e em Sent Estrito RC 405456 PR Recurso Crime Ex Off e em Sent Estrito 0040545-6 (TJ-PR)

Data de publicação: 29/06/1995

Ementa: Legitima defesa. Absolvicao sumaria. Admissibilidade, na especie, nao obstante a inexistencia de testemunhas oculares. Versao do reu aceita, por estar cercada de coerencia e se apresentar sem nenhum elemento probante que a contrarie. Sentenca absolutoria confirmada. Recursos improvidos.

TJ-PR - Recurso em Sentido Estrito RECSENSES 299209 PR Recurso em Sentido Estrito 0029920-9 (TJ-PR)

Data de publicação: 28/12/1994

Ementa: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - PRONUNCIA - HOMICIDIO - AUSENCIA DE TESTEMUNHAS VISUAIS DO FATO - PALAVRA APENAS DO REU - INEXISTENCIA DE QUALQUER PROVA OUTRA QUE A CONTRARIE, INCLUSIVE, CIRCUNSTANCIAIS - POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA DESCRIMINANTE PUTATIVA INVOCADA - ABSOLVICAO SUMARIA - RECURSO PROVIDO. Instituto especial que e, a legitima defesa nao pode assentar-se em suposicoes e hipoteses imaginosas. Seu reconhecimento exige prova, ainda que minima, mas, seria e convincente. Se nao existem testemunhas presenciais do fato e tudo gira em torno da palavra do reu, esta deve merecer credito, sendo sua versao aceitavel, desde que nao infirmada por qualquer outro motivo, inclusive, pelas demais circunstancias dos autos. O mesmo deve ser observado com relacao a escusativa da descriminante putativa. A versao do reu sendo estreme de duvida, autoriza o decreto de absolvicao sumaria.

Encontrado em: EM SENTIDO ESTRITO, HOMICIDIO SIMPLES, LEGITIMA DEFESA PUTATIVA, OCORRENCIA, IMPRONUNCIA - IMPROCEDENCIA..., ABSOLVICAO SUMARIA, CPP - ART 411 . Recurso em Sentido Estrito RECSENSES 299209 PR Recurso

TJ-PR - Recurso em Sentido Estrito RECSENSES 138714 PR Recurso em Sentido Estrito 0013871-4 (TJ-PR)

Data de publicação: 20/12/1990

Ementa: Recurso em Sentido Estrito. - Homicidio simples. - Legitima defesa. - Inexistencia de testemunha ocular. - A ausencia de testemunha presencial nao bastapara autorizar a absolvicao sumaria do acusado. Imprescindivel a credibilidade absoluta da versao sustentadapelo reu; nao sendo esta de cristalina transparencia, marcada, ao reverso, por duvidas inequivocas, ''primafacie'', a inviabilidade do recurso resulta inafastavel. - Recurso improvido.

Encontrado em: ESTRITO, HOMICIDIO SIMPLES, ABSOLVICAO SUMARIA - LEGITIMA DEFESA, TESTEMUNHAS - AUSENCIA, PROVA

Caso não seja este o entendimento de Vossa Excelência, em eventual decisão de pronúncia, requer seja AFASTADA A QUALIFICADORA DE USO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA, já que o réu, por ocasião dos fatos, sentindo-se ameaçado, logo após a vítima “puxar uma arma por baixo da camisa”, veio a atingir a mesma com dois golpes de faca.

Incontestável que todas as condições para a legítima defesa encontram-se satisfeitas. Assim, forçoso que o réu seja absolvido por ter agido em legítima defesa.


Da Inexigibilidade de Conduta Diversa___________________________

Caso o Emérito Julgador não entenda cabível a configuração da Legítima Defesa, adequa-se ainda, perfeitamente ao caso, a inexigibilidade de conduta diversa. Trata-se aqui de causa excludente da culpabilidade do agente.

Há grande discussão teórica a respeito da inclusão ou não da culpabilidade no conceito analítico ou dogmático de crime. Para uns, o crime seria uma ação típica, ilícita e culpável; para outros o crime não passa de uma ação típica e ilícita, ficando a culpabilidade apenas como pressuposto da pena.

Não cabe agora discutir qual o entendimento doutrinário correto. É necessário ressaltar apenas que não sendo culpável o réu (e será cabalmente comprovado adiante que não o é), estará isento de pena.

Inicialmente, deve-se atentar ao conceito de culpabilidade, este retirado do Código Penal Comentado de Guilherme de Souza Nucci:

“Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o  fato e seu autor, devendo o agente (...) ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo”.

Do conceito dado por Nucci, logo se podem tecer duas observações muito pertinentes ao caso. Em primeiro lugar, sobre o juízo de reprovação social, que sociedade teria condições de censurar um homem que almeja salvar sua própria vida, mesmo que para isso tenha optado pelo caminho do juridicamente incorreto? E mais, haveria possibilidade de que ele se valesse de outra forma que não esta? Havia exigibilidade de que, no calor do momento, agisse de maneira diversa?

O mesmo autor faz ainda outra brilhante constatação:

“A culpabilidade é o elemento essencial, moral e ético, que serve  de ligamento entre crime e pena, justamente por estar presente nos dois cenários: é imprescindível para a constatação do crime, mas também para a aplicação da pena. (...) Cometido o fato típico e antijurídico, para verificarmos se há crime, é imperioso constatar a existência de reprovabilidade do ato e de seu autor.”

O Código Penal Brasileiro, em seu art. 22, assim dispõe:

Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita  obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

Assim, o autor enquadra-se na situação de inexigibilidade de conduta diversa, ensejada por coação irresistível. Os elementos da coação serão a seguir descritos, e restará clara sua condizência com o caso em análise:

a) Existência de uma ameaça de dano grave, injusto e atual, extraordinariamente difícil de ser suportado pelo coato;

Ora, não se pode falar em ameaça maior que a de morte, como a vítima reiteradamente fez contra o réu e sua família. Esta afirmação é corroborada nos autos, como mostra o trecho do depoimento prestado em juízo por ................:

“..................................”.

b) Inevitabilidade do perigo na situação concreta do coato;

Uma vez que a vítima resolvesse concretizar suas ameaças e atirar, o dano poderia ser irreversível, e quanto a isso não há dúvidas.

c) Ameaça voltada diretamente contra a pessoa do coato ou contra suas pessoas queridas;

Como exaustivamente demonstrado, a vítima ameaçava não só a integridade do réu como a de seus familiares, inclusive sua esposa.

d) Irresistibilidade da ameaça avaliada segundo o critério do homem médio.

Não era de se esperar conduta diversa de qualquer outro homem de cognição normal. Ora, é o instinto humano de sobrevivência! Para proteger a própria vida, qualquer ser humano seria capaz de se valer de qualquer meio que tivesse à sua disposição para tal. O réu não realizou nenhum comportamento repreensível, apenas seguiu sua natureza e se defendeu.

Assim já decidiu o TRF da 4ª Região:

Ementa: PENAL. FALSO TESTEMUNHO.  AUTOINCRIMINAÇÃO. INEXIGIBILIDADEDE CONDUTA DIVERSA. EXCLUDENTE DA CULPABILIDADE. DÚVIDA RAZOÁVEL.ABSOLVIÇÃO. 1. Embora as narrativas apresentadas pelo apelante durante o inquérito policial e a ação cível sejam contrapostas, não há nos autos elementos suficientes para se aferir qual delas é verdadeira. 2. Existindo a possibilidade de que a versão apresentada no inquérito policial seja falsa, deve ser ponderado que ninguém é obrigado a se autoincriminar ou a produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere), podendo o cidadão potencial cometedor de um crime não apenas permanecer calado, mas também tecer alegações inverídicas, narrando a versão que mais lhe beneficie, sem que, com esse agir, venha a sofrer persecução criminal.Trata-se de corolário do direito à autodefesa, erigido pela Constituição Federal de 1988 à condição de garantia fundamental do cidadão (artigo 5º, inciso LXIII). 3. Com a alteração do art. 386 , VI , do Código de Processo Penal introduzida pela Lei nº 11.690 /08, a dúvida acerca da excludente de culpabilidade (inexigibilidade deconduta diversa) resolve-se em benefício do réu, impondo-se sua absolvição. (APELAÇÃO CRIMINAL ACR 7204 SC 0001569-28.2008.404.7204, Data de publicação: 06/06/2013)

Tendo em vista a acertada decisão, inegável a necessidade de absolvição nos casos de inexigibilidade de conduta diversa.


Do Afastamento da Qualificadora_______________________________

A qualificadora de recurso que dificulta ou impossibilita a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV, do C.P) somente se caracteriza quando este recurso for, no mínimo equivalente àquelas situações descritas no início do inciso, ou seja, este recurso tem que ser revestido de características insidiosas, traiçoeiras, totalmente inesperadas, não existiu nos autos prova que esta situação tenha ocorrido, aliás, a própria denúncia não descreve com objetividade as circunstâncias em que o crime teria ocorrido.

Comungando de idêntico entendimento é a manifestação do Tribunal de Justiça de São Paulo, inserta na RT nº 643/274, cuja compilação afigura-se obrigatória, por abordar situação análoga, embora diversa, da presente:

"A qualificadora do homicídio consistente no emprego  de recurso que dificulte ou impossibilite a defesa do ofendido não resta demonstrada se não se pode falar em ataque sorrateiro, insidioso, inesperado, a tanto não correspondendo a circunstância de o acusado ter segurado a vítima enquanto o co-réu a esfaqueava uma vez verificados os fatos no curso de uma briga, traduzindo mero desdobramento do entrevero".

Ante pois, a tal contexto, impossível é manter-se a qualificadora.

Explicita CEZAR ROBERTO BITENCOURT que:

“a surpresa constitui um ataque inesperado, imprevisto  e imprevisível, além do procedimento inesperado, é necessário que a vítima não tenha razão para esperar a agressão ou suspeitar dela”.  (g.n.)

Acrescenta, ainda: “A surpresa assemelha-se muito à traição. Não basta que a agressão seja inesperada; é necessário que o agressor atue com dissimulação, procurando, com sua ação repentina, dificultar ou impossibilitar a defesa da vítima”


Dos Requerimentos____________________________________________

Diante da exaustiva exposição, requer-se:

a) no mérito, seja o Réu absolvido sumariamente, por ter agido em legítima defesa;

b) não sendo este o entendimento de V. Exa., seja aplicada a inexigibilidade de conduta diversa, e, portanto, a exclusão da culpabilidade do réu.

c) no caso de eventual decisão de pronúncia, que seja afastada a qualificadora descrita no inciso IV do Parágrafo 2º do Artigo 121 do Código Penal (recurso que...), diante da manifesta deficiência probatória de sua ocorrência.

d) ainda no caso de eventual decisão de pronúncia, que seja dado ao réu a oportunidade de aguardar seu julgamento em liberdade, diante dos motivos já elencados.

Nesses termos,

Pede deferimento.

De São Paulo para Itabaiana, ... de... de 2017.

José Roberto Telo Faria

Advogado – OAB/SP 207.840


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIA, José Roberto Telo. Memoriais em crime de competência do tribunal do júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5799, 18 maio 2019. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/65838. Acesso em: 25 abr. 2024.