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Incompatibilidade do inquérito policial com a Constituição de 1988

Incompatibilidade do inquérito policial com a Constituição de 1988

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Reflete-se sobre o caráter inquisitivo do inquérito policial, que se afasta de alguns princípios indeléveis da Constituição e do Estado Democrático de Direito.

RESUMO: O presente trabalho abordará o inquérito policial e suas características, a fim de apontar de modo minucioso alguns requisitos inerentes a esta fase da persecução penal que não foram recepcionados pela constituição federal de 1988. Será objeto de estudo a impossibilidade do exercício de alguns princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito, como a inexistência do contraditório e da ampla defesa, previstos no artigo 5º LV da nossa carta magna. De modo detalhado, abordaremos a temática acerca do sistema inquisitivo do inquérito policial e a ofensa de tal sistema aos princípios basilares da constituição federal.

Outro ponto bastante relevante que será abordado é o fato da ausência do cumprimento dos princípios constitucionais na persecução penal extrajudicial tornar o jus puniendi¹ mais moroso e desgastante, pois movimenta a esfera estatal, in casu, representada pela autoridade policial, ministério público e magistrado, que realizam uma série de diligências que muitas vezes devem ser reproduzidas em duplicidade pela inadmissibilidade, ante o não cumprimento dos preceitos fundamentais estabelecidos pela lei maior. Após a análise da deficiência existente hoje no sistema processual penal, apontaremos meios fundamentados de tornar a persecução penal extrajudicial mais produtiva, possibilitando a indicação de provas pelo próprio investigado, a fim de tornar mais célere o procedimento investigatório, bem como, possibilitar a utilização dos meios probatórios colhidos nessa fase processual, a fim de possibilitar o mais célere tramitar dos processos penais e tornar a justiça mais eficiente.

Por fim, concluiremos que a observância dos princípios constitucionais na fase inquisitiva só trará benefícios ao processo penal, possibilitando não só que o inquérito policial encontre indícios de autoria e materialidade delitiva de modo mais certo e célere, como também que seja possível o aproveitamento das provas colhidas na fase pré-processual, impedindo a realização de diligências inúteis e por conseguinte, tornando a justiça penal mais eficiente.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como ponto de partida o estudo do inquérito policial e a ausência dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, bem como a eficácia trazida à justiça ao permitir a participação do investigado durante a fase de investigações, assim, podemos fixar a problemática a ser esclarecida do seguinte modo: É possível ter uma justiça mais eficiente ao permitir a participação do investigado nessa fase pré-processual?

Apontado o problema, resta determinar os meios aptos a ensejar a aplicação de tais princípios ao inquérito policial, bem como demonstrar a incompatibilidade constitucional da persecução penal extrajudicial ao tornar um conjunto de diligências tão importante ao desfecho de uma ação penal à cargo única e exclusivamente daquele que acusa, ou seja, o Estado.

O Estado contemporâneo rege-se por diversos princípios e normas fundamentais atribuídos à uma “norma superior”, denominada constituição federal, que recepciona ou não as demais normas constantes no ordenamento jurídico desse Estado, formando uma hierarquia entre as leis, conhecida majoritariamente pela doutrina como pirâmide Kelsiana. Tais normas são estabelecidas com o fim de atribuir regras não só ao particular, como também ao próprio Estado, limitando suas ações às regras estabelecidas à esta lei maior, nascendo assim, o Estado Democrático de Direito.

No entanto, como será apontado em capitulo próprio, o nosso atual inquérito policial, constante no artigo 4º e seguintes do decreto lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941 (código de processo penal), é realizado como um sistema totalmente arcaico, impede o exercício do contraditório e ampla defesa, tendo como destinatário o ministério público e o juiz, possibilitando o conhecimento dos fatos imputados ao investigado e futuro acusado apenas após a formação de todo um conjunto de atos já preparados à puni-lo, criando um juízo sobre sua culpa.

Em contrapartida ao descumprimento das normas constitucionais e aos prejuízos que o sistema inquisitivo causa ao acusado, deve-se abordar os prejuízos causados ao Estado pela designação de diligências desprovidas de proteção constitucional, ensejando a repetição dos atos durante a fase processual, tornando o processo repetitivo de desgastante.

A metodologia utilizada nesse artigo tem o escopo principal de apontar falhas na execução da persecução penal extrajudicial e, por conseguinte, informar meios de melhoria na eficácia da justiça penal, tornando o processo penal mais justo para o acusado e mais eficaz para o Estado, pois um dos maiores debates no mundo jurídico hoje é o alto índice de ações penais em trâmite, sendo totalmente necessário o estudo acerca de meios para viabilizar a eficiência da ação penal sem causar prejuízos ao acusado ou à sociedade em geral.


1 - do INQUÉRITO POLICIAL.

Iniciaremos neste capítulo um relato acerca do inquérito policial, sua natureza jurídica, formas procedimentais e posicionamento doutrinário e jurisprudência que versa sobre a matéria. Adiante, será abordada a ausência de aplicação de alguns princípios constitucionais durante a fase inquisitiva, ante ao fator histórico do diploma em estudo, sendo realizadas ressalvas quanto à incomutabilidade do instrumento da investigação preliminar com nossa constituição e prejuízos que tal incompatibilidade traz à prática do processo penal.

Este capítulo trata-se de um preparo do leitor para compreensão dos capítulos posteriores, pois antes de demonstrar o motivo pelo qual o inquérito policial é incompatível com a Constituição Federal de 1998 e como tal incompatibilidade impede a aplicação eficaz da justiça criminal, necessário se faz apontar como ocorrem as diligências preliminares.

1.1 INTRODUÇÃO.

O inquérito policial encontra-se positivado no artigo 4º e seguintes do decreto lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941 (código de processo penal), sendo expresso no próprio texto legal do citado artigo que “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e sua autoria”. Tal regulamentação do papel da polícia judiciária, diga-se desde já, indispensável à manter a segurança e preservação da ordem pública, foi recepcionado pela constituição federal de 1988, conforme texto previsto no artigo 144 e parágrafos do referido diploma legal. Nas palavras do professor Aury Lopes Junior:

“A investigação preliminar é uma peça fundamental para o processo penal. No Brasil, provavelmente por culpa das deficiências do sistema adotado (o famigerado inquérito policial), tem sido relegada a um segundo plano. Apesar dos problemas que possam ter, a fase pré-processual (inquérito, sumário diligências prévias, investigação etc.) é absolutamente imprescindível, pois um processo penal sem a investigação preliminar é um processo irracional, uma figura inconcebível segundo a razão e os postulados processo irracional, uma figura inconcebível segundo a razão e os postulados básicos do processo penal constitucional” (Junior, Aury Lopes. Direito Processual Penal. Saraiva, 2014, p. 188) .

Com isso, demonstra-se que não há inconstitucionalidade na existência do inquérito policial, mas sim, no conjunto de diligências que o compõe, vez que utiliza-se ainda o padrão de execução atribuído pelo código de processo penal datado de 1941, impossibilitando ao acusado o exercício de garantias constitucionais, como o contraditório, ampla defesa, e por conseguinte, do devido processo legal.

As formas procedimentais da investigação preliminar serão o ponto chave ao apontamento da incompatibilidade das diligências policiais com nossa carta magna, sendo detalhadamente descrita as ofensas aos princípios constitucionais que a fase inquisitiva viola e como tal violação impede a aplicação efetiva da justiça penal.

A natureza jurídica do modelo de investigação preliminar criminal adotado pelo Brasil que, sem sombra de dúvidas, é requisito intrínseco do nosso estudo, será abordada, bem como sua necessária evolução ante ao marco histórico que norteia a matéria, pois numa sociedade como a nossa, que se desenvolve e evolui de forma célere, as normas e procedimentos jurídicos/sociais não devem carecer de evolução simultânea, o que será aprofundado de modo mais detalhado no terceiro capítulo deste artigo. Por fim, necessário salientar que ao final do capítulo, demonstraremos os pontos ultrapassados pelo inquérito policial e destacaremos a necessidade de implantação dos princípios do contraditório e ampla defesa na fase pré-processual, a fim de atender as necessidades da realidade da sociedade contemporânea.

1.2 DA NATUREZA DOUTRINÁRIA DO INQUÉRITO POLICIAL.

Como mencionado anteriormente, o inquérito policial está previsto no artigo 4º e seguintes do decreto lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941 (código de processo penal) e a competência da investigação preliminar atribuída à polícia judiciária no artigo 144 da Constituição Federal. É cediço que o procedimento preliminar tem o escopo de reunir elementos de autoria e materialidade delitiva, contribuindo com o acervo probatório que será instruído na ação penal.

O inquérito policial é classificado majoritariamente pela doutrina como o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária, cujo objetivo é investigar as ações penais, tendo como característica o fato de ser escrito, sigiloso, dispensável e inquisitivo. Dentre todas as características do inquérito policial, a que mais se destaca para o nosso estudo é o fato de ser um sistema sigiloso e inquisitivo, pois vivemos em um Estado Democrático de Direito, onde não deveria admitir-se uma polícia inquisitiva, tão pouco um procedimento investigativo de caráter sigiloso.

O inquérito policial existe no ordenamento jurídico com o fim de esclarecer a materialidade e autoria delitiva que estava oculta e assim, evitar a realização de acusações infundadas.

1.3 PROCEDIMENTOS DA INESTIGAÇÃO PRELIMINAR.

A investigação criminal só existe quando há a o conhecimento de uma prática tipificada como crime pela autoridade policial, que é denominada notitia criminis. A doutrina define a notitia criminis como o conhecimento (espontâneo ou provocado), pela autoridade policial, de um fato aparentemente criminoso.

“A notícia do crime pode chegar à autoridade policial pelas seguintes formas: a) Coercitiva: por meio da condução e da apresentação à Delegacia de uma pessoa presa em flagrante. b) Imediata ou direta ou espontânea ou inqualificada: por meio das atividades rotineiras (por exemplo, ronda) ou de comunicação não formal, como no caso de denúncia anônima ou feita pela imprensa falada ou escrita. Sobre denúncia anônima, há dois posicionamentos: 1) não impede a instauração do inquérito policial, desde que a autoridade policial se certifique da idoneidade da comunicação; 2) impede a instauração do inquérito policial, sendo inconstitucional, por violar o artigo 5º, IV da Constituição Federal” (Messa, Ana Flavia. Curso de Direito Processual Penal. Saraiva, 2014, p. 233).

Ao receber a notitia ciminis, a autoridade policial deve formalizar o início do processo de investigação do fato criminoso, por meio do inquérito policial, iniciando os autos por meio da peça adequada, conhecida como portaria. O prosseguimento do inquérito policial ficará subordinado ao tipo de crime cometido pelo suposto autor, pois em hipótese de ação penal privada (calúnia, difamação, etc...), dependerá as investigações de requerimento do ofendido. Por seu turno, os crimes de ação penal pública condicionada à representação (lesão corporal, furto simples, etc...), condiciona a investigação à representação do ofendido, o que ocorre também em caso de ações condicionadas à requisição do Ministro da Justiça, vez que apenas este tem competência para requerer o prosseguimento do inquérito policial. Por fim, nas hipóteses de ação penal incondicionada, o inquérito policial pode ser instaurado de ofício, nos termos do artigo 5º do Código de Processo Penal.

Superada essa fase inicial do inquérito policial, compete à autoridade policial cuidar da preservação das provas colhidas no local do crime, além de colher o depoimento do ofendido e do indiciado, juntando aos autos as folhas de antecedentes criminais deste, sem prejuízo das demais diligências previstas no artigo 6º, inciso de I à X do Código de Processo Penal. Ressalta-se que ante o caráter sigiloso e inquisitivo da investigação preliminar, durante todo o inquérito policial, não haverá qualquer manifestação ou vista dos autos pelo indiciado salvo hipótese de depoimentos colhido pela autoridade, bem como vista dos autos por advogado, conforme previsto no artigo 7º da lei 8.906/94.

O encerramento da peça inquisitorial ocorrerá após a colheita das provas que a autoridade policial, ministério público e autoridade judiciária entenderem cabíveis à ação penal, encerrando-se os autos do inquérito por meio da peça chamada relatório, onde a autoridade policial realizará um resumo de todo o conteúdo da investigação, indicando a existência ou inexistência de autoria e materialidade delitiva, “O encerramento do inquérito policial poderá ficar suspenso quando houver o trancamento da investigação por meio de habeas corpus, alegando o não cabimento da instauração do inquérito policial. É medida excepcional, ou seja, somente pode ser decretado quando houver evidente falta de justa causa, caracterizada quando se verifica a atipicidade do fato investigado ou evidente impossibilidade de o indiciado ser o autor da infração, ou quando já tiver ocorrido extinção da punibilidade ou investigação infundada, ou seja, sem a menor base de prova” (Messa, Ana Flavia. Curso de Direito Processual Penal. Saraiva, 2014, p. 237).

Haverá hipóteses de não conclusão do inquérito policial por ausência de justa causa para ação penal, sendo vedado à autoridade policial arquivar os autos sem autorização da autoridade judiciária, consoante artigo 17 do Código de Processo Penal.

Encerrada a investigação criminal, os autos de inquérito serão remetidos ao juízo competente e servirá de base para o oferecimento de denúncia ou queixa, conforme inteligência do artigo 12 do Código de Processo Penal.

1.4 DO CARÁTER INQUISITIVO DO INQUÉRITO POLICIAL.

O sistema inquisitivo detém raízes do processo inquisitório iniciado por volta do século XII ao XIV, que substituiu o modelo acusatório que predomina à época. Diferente do modelo acusatório que tinha como principal característica o ato da própria vítima exercer o jus puniendi, o sistema inquisitivo atribuía ao Estado a responsabilidade pelo poder de acusar e punir o autor do crime, sendo que no século XIII, igreja passou a utilizar-se desse meio punitivo, instituindo o Santo Ofício, conhecido popularmente como Tribunal da Santa Inquisição.

Nesse modelo processual, “o Estado atuava como vítima, acusador e juiz, sendo a essência do sistema inquisitório um ‘desamor’ total pelo contraditório. Originariamente, com relação à prova, imperava o sistema legal de valoração (a chamada tarifa probatória). A sentença não produzia coisa julgada, e o estado de prisão do acusado no transcurso do processo era uma regra geral” (Junior, Aury Lopes. Direito Processual Pena. Saraiva, 2014, p. 73).

Hoje, temos um sistema punitivo oriundo do constitucionalismo que teve marco histórico no Brasil em 1934, sendo adotado também pela atual carta magna, onde se impera a exegese dos princípios e normas constitucionais elaboradas pelo povo por meio do poder constituinte originário e modificado de forma rígida pelo constituinte reformador, onde se respeita diversos direitos fundamentais.

No entanto, o inquérito policial ainda detém traços do sistema de persecução já defasado, onde emprega-se completa liberdade estatal para reunir meios probatórios contra um cidadão, imperando-se ainda o desamor pelo contraditório e ampla defesa. Dentre os membros da Polícia judiciária ainda vigora aquele costume oriundo da fase ditatorial vivida pelo Brasil entre os anos de 1964 e 1985, devendo ocorrer mudança nesse sentido.

As características únicas do inquérito policial é o que torna o procedimento investigativo brasileiro único, pois tais características o diferencia de todos os outros meios de investigação previstos no ordenamento jurídico, ante ao marco histórico que gravita a carreira policial no Brasil. As características dessa fase pré-processual como já mencionado alhures, consiste no conjunto de diligências realizadas pela autoridade policial de forma, escrita, sigilosa, dispensável e inquisitiva, onde de modo algum admite-se o exercício do contraditório.

A inquisição do inquérito policial é sua característica mais relevante ao nosso estudo, pois a lei atribui liberdade excessiva ao ente representante do Estado (in casu a polícia judiciária) para conduzir a investigação, sem possibilidade da arguição nessa fase pré-processual de suspeição da autoridade policial, consoante previsão do artigo 107 do código de processo penal.

Como se vê, a lei atribui à autoridade investigadora total liberdade para realização de suas diligência sem qualquer possibilidade de oposição recursal por parte do investigado.

O posicionamento acima narrado é majoritário na doutrina, pois o professor Fernando Capez posiciona-se em sentido idêntico, vejamos:

“Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para a sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de ofício, empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento do crime e da sua autoria. É característica oriunda dos princípios da obrigatoriedade e da oficialidade da ação penal. É secreto e escrito, e não se aplicam os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois, se não há acusação, não se fala em defesa. Evidenciam a natureza inquisitiva do procedimento o art. 107 do Código de Processo Penal, proibindo arguição de suspeição das autoridades policiais, e o art. 14, que permite à autoridade policial indeferir qualquer diligência requerida pelo ofendido ou indiciado (exceto o exame de corpo de delito, à vista do disposto no art. 184). O único inquérito que admite o contraditório é o instaurado pela polícia federal, a pedido do Ministro da Justiça, visando à expulsão de estrangeiro”.(Capez, Fernando. Curso de Processo Penal. Saraiva, 2014, p. 110)

Verifica-se que o posicionamento doutrinário faz interpretação extensiva da norma contida no artigo 5º, LV da Constituição Federal, pois aplicam a inquisitoriedade à investigação preliminar, sob o fundamento de caráter meramente informativo, ignorando o fato de tratar-se de um processo de colheita de provas, que serão usadas durante a ação penal, requerendo a realização de novas diligências em fase de ação penal, tornando o poder punitivo do Estado demasiadamente ineficaz ante à dupla realização de diligências probatórias (durante o inquérito policial e ação penal).

1.5 DO CARÁTER MERAMENTE INFORMATIVO.

O caráter inquisitivo do inquérito policial decorre do fato das diligencias preliminares serem meramente informativas, o que justifica de forma errônea a não admissão do contraditório e a ampla defesa durante a fase pré-processual. Há um prejuízo estatal em tornar a investigação mero meio de informação para constituição da ação penal, vez que todas as provas instruídas na fase inquisitiva se tornam ineficazes, necessitando de produção de novo conjunto probatório, o que torna a ação penal mais morosa e ineficaz.

Como regra geral, “pode-se afirmar que o valor dos elementos coligidos no curso do inquérito policial somente serve para fundamentar medidas de natureza endoprocedimental (cautelares etc.) e, no momento da admissão da acusação, para justificar o processo ou o não processo (arquivamento)”. (Junior, Aury Lopes. Direito Processual Penal. Saraiva, 2014, p. 244).

Nas palavras do professor Fernando Capez:

“O inquérito policial tem conteúdo informativo, tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, conforme a natureza da infração, os elementos necessários para a propositura da ação penal. No entanto, tem valor probatório, embora relativo, haja vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, nem tampouco na presença do juiz de direito. Assim, a confissão extrajudicial, por exemplo, terá validade como elemento de convicção do juiz apenas se confirmada por outros elementos colhidos durante a instrução processual” (Capez, Fernando. Curso de Processo Penal. Saraiva, 2014, p. 111).

No mesmo sentido os tribunais pátrios se manifestam sobre o tema, senão vejamos:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CRIMINAL. DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. ARTS. 144, § 4º, E 129, VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OFENSA REFLEXA AO TEXTO CONSTITUCIONAL. INQUÉRITO POLICIAL. VÍCIOS. AÇÃO PENAL. NÃO CONTAMINAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO: “I – A alegada violação aos postulados constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, em regra, configura ofensa reflexa ao texto constitucional. II – Os vícios eventualmente existentes no inquérito policial não contaminam a ação penal, que tem instrução probatória própria. III – Agravo regimental improvido” (STF , 1ª T., AI 687893AgR/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe, 19 set. 2008).

O caráter meramente informativo da investigação preliminar se tornou tão pacífico entre a jurisprudência e a doutrina que a lei 1.690/2008 deu nova redação ao artigo 155 do Código de Processo Penal, vedando ao magistrado condenar o acusado com base exclusivamente no inquérito policial ante seu caráter informativo.

A ausência de valor probatório no inquérito policial se mostra extremamente antagônico ao destino que deveria sujeitar-se as carreiras policiais, já que é fator base de identificação da persecução penal extrajudicial, no entanto, o entendimento atual é que o inquérito policial tem conteúdo informativo, tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, conforme a natureza da infração, os elementos necessários para a propositura da ação penal, sendo seu valor probatório relativo, haja vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa. Assim, a confissão extrajudicial, por exemplo, terá validade como elemento de convicção do juiz apenas se confirmada por outros elementos colhidos durante a instrução processual. Esse entendimento acabou por se tornar letra expressa do art. 155 do CPP, o qual dispõe que: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação”. (Capez. Curso de Processo Penal. Saraiva, 2014, p. 111).

1.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.

O ponto chave deste capítulo é demonstrar o que é o inquérito policial que, resumidamente, trata-se do conjunto de diligências realizado pela polícia judiciária, cujo fim é apurar a existência de indícios de autoria e materialidade delitiva, tratando-se de um sistema, escrito, sigiloso, dispensável e inquisitivo, onde de modo algum admite-se o exercício do contraditório, contendo caráter meramente informativo, cuja produção de provas impossibilita a fundamentação da sentença penal condenatória³. Conclui-se assim, que a função do inquérito policial é apenas reunir os elementos necessários que possibilite a convicção do membro do Ministério Público à reconhecer a existência de materialidade e autoria delitiva, para que possa propor a ação penal.

No entanto, a ausência dos princípios constitucionais durante a investigação preliminar traz prejuízos à aplicação da justiça penal de forma incontestáveis, assim, a fim de fazer com que o tema seja de fato compreendido, necessário se demonstra o estudo detalhado desses princípios constitucionais ausentes na fase inquisitiva e como suas aplicações faria com que o defasado inquérito policial atenda a realidade/necessidade da sociedade atual.


2 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INERENTES AOS PROCESSOS EM GERAL

2.1 INTRODUÇÃO.

Conforme mencionado no capítulo anterior, a ausência de alguns procedimentos adotados pela constituição federal de 1988, incompatibiliza o inquérito policial com os textos da carta magna, vez que é indispensável a introdução de alguns princípios basilares de um Estado Democrático de Direito a todos os processos, devendo abrir grande ênfase à palavra “todos”, sem fazer qualquer diferenciação sobre processo e procedimento.

Sabendo-se que o Brasil adota o constitucionalismo para reger a vida do país, tornando certa a superioridade hierárquica da norma constitucional em contrapartida a todas as outras, indiscutível a introdução dos princípios constitucionais aos processos em geral.

De acordo com o procedimento estudado no capítulo anterior, o inquérito policial, detém diversos procedimentos que violam dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa. Para melhor compreender o motivo que enseja a violação de tais princípios, necessária a análise individual de cada um deles, para entender o porquê são indispensáveis, tornando qualquer norma anterior à 1988 que não respeita tais princípios incompatíveis com a carta magna vigente.

2.2 – DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.

O Princípio do contraditório detém raízes que se originam desde a idade média, sendo que no Brasil detém maiores contornos desde a constituição de 1891, onde já havia a impossibilidade de existência de processos secretos e inquisitivos. Porém, o tema ganhou maiores contornos durante a constituição de 1934 em seu artigo 113, onde trata dos direitos e garantias individuais.

Na contemporaneidade, o contraditório encontra-se positivado no artigo 5º, LV da constituição federal, sendo este um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, pois, a partir do contraditório, existe a possibilidade do exercício de defesa do cidadão. O contraditório, entendido como a ciência bilateral dos atos do processo com a possibilidade de contrariá-los, é composto por dois elementos: informação e reação, sendo esta meramente possibilitada em se tratando de direitos disponíveis. A audiência bilateral é requisito indispensável para garantir a justiça das decisões.

Assim, como o princípio do devido processo legal, o princípio do contraditório é necessário para que o indivíduo tenha conhecimento sobre os fatos a ele imputados e por conseguinte, possa se defender das alegações a ele inicialmente lançadas, sendo no processo penal quase sempre pela via popular, ou seja, pela notitia criminis, sob pena de nulidade do processo.

“A bilateralidade da ação gera a bilateralidade do processo, de modo que as partes, em relação à autoridade, não são antagônicas, mas colaboradoras necessárias. O juiz coloca-se, na atividade que lhe incumbe o Estado-Juiz, equidistante das partes, só podendo dizer que o direito preexistente foi devidamente aplicado ao caso concreto se, ouvida uma parte, for dado à outra manifestar-se em seguida. Por isso, o princípio é identificado na doutrina pelo binômio ciência e participação” (Curso de Direito Processual Penal – Capez, p. 432).

O binômio pretendido com a aplicação do contraditório nas ações penais, é necessário principalmente pelo fato do acusado ser “perseguido” pelo Estado na pessoa dos representantes de três órgãos diferentes (delegado de polícia, ministério público e juiz), necessitando da oportunidade de apresentar fatos impeditivos ou modificativos, a fim de demonstrar sua inocência (em se tratando de ação penal), inclusive, podendo colaborar com a identificação da existência de materialidade delitiva ou mesmo com a indicação da autoria, contribuindo de forma bastante importante com o Estado e contribuindo com a aplicação do princípio da verdade real.

2.2.1 DA AUSÊNCIA DO CONTRADITÓRIO NA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR

Diferente do que ocorre na ação penal (persecução penal processual), o indiciado não tem a oportunidade de apresentar qualquer defesa na fase inquisitiva (inquérito policial) que é objeto do nosso estudo, vez que tal procedimento não permite ao investigado a proteção do crivo do contraditório. A fundamentação adotada para embasar o sistema inquisitivo do inquérito policial é necessidade de impedir que o indiciado atrapalhe as investigações policiais interferindo na busca do Estado por provas aptas a ensejar o encontro dos indícios de autoria e materialidade delitiva.

Todavia, na prática não é bem assim que ocorre, pois a resistência do autor de um crime em facilitar a busca da verdade real é presumida, fato que não deve impedi-lo de se defender na fase pré-processual, já que há anos a polícia judiciária instaura inquéritos policiais em que o investigado tem total conhecimento dos atos investigativos, podendo atrapalhar as diligências policiais no momento que quiser, demonstrando que a ausência de defesa técnica não impede tal ato.

Um exemplo muito comum de publicidade dos atos do inquérito policial hoje, é a divulgação de interceptações telefônicas por meio de programas jornalísticos, interceptações estas que ainda estão ocorrendo, deixando claro que o caráter sigiloso do procedimento investigativo ocorre apenas no tocante à impossibilidade do agente em realizar a defesa técnica.

Há poucos doutrinadores que entendem que a existência do contraditório na investigação preliminar deve ser potencializada por exigência constitucional, pois o artigo 5º LV da Constituição federal, não pode ter interpretação restritiva ou limitada, atendendo a todos os processos e procedimentos opostos pelo poder público no território nacional. Assim, nas palavras do Doutrinador Aury Lopes Junior, “qualquer forma de imputação determinada representa uma acusação em sentido amplo. Por isso o legislador empregou acusados em geral, para abranger um leque de situações, com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal (vinculada ao exercício da ação penal) e com um claro intuito de proteger o sujeito passivo” (Junior, Aury Lopes. Direito Processual Penal. Saraiva, 2014, p. 254 à 257).

No mais, é sabido que mesmo o investigado não tendo acesso aos autos do inquérito, é permitido ao advogado livre acesso por força do artigo 7º da lei 8.906/94 (estatuto da advocacia). No entanto, basta leiga análise dos preceitos fundamentais na nossa carta magna para constatar a inconstitucionalidade do sistema inquisitivo do inquérito policial, vez que a ausência do contraditório nessa fase, permite apenas que o ministério público e o juiz colham provas de acusação, sendo que ao iniciar o processo penal, o acusado deve apresentar contraprovas sobre um sistema acusatório já constituído.

Destaca-se que a ausência dos princípios constitucionais no inquérito policial, apenas atrasa a persecução penal e por conseguinte, a eficácia da justiça, vez que todo o trabalho realizada pela polícia judiciária se torna “inaplicável” pela ausência das garantias constitucionais, importando apenas pela repetição exaustiva de provas que poderiam já terem sido colhidas e constituídas, apoiando a razoável tramitação do processo, economia processual e consequentemente a eficácia da justiça, tema que será abordado com mais força nos capítulos posteriores.

Em todo caso, a decorrência lógica da ausência do contraditório na fase inquisitiva impede a condenação do acusado com base nas provas produzidas durante a investigação, por constituir afronta incontroversa à constituição federal. Esse é o entendimento firmado pela jurisprudência, pois, as provas produzidas em fase inquisitorial devem ser ratificadas durante a fase processual, sob o crivo do contraditório, sob pena nulidade, vejamos:

PENAL. RECURSO DA ACUSAÇAO. PLEITO CONDENATÓRIO. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇAO APENAS COM FUNDAMENTO NAS PROVAS DO INQUÉRITO POLICIAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. NAO INCORRE NO CRIME DE FALSIDADE O ACUSADO QUE, AO SER OUVIDO PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL OU JUDICIAL, ATRIBUISE IDENTIDADE FALSA, POIS, O FAZ VALENDO-SE DO SEU DIREITO DE AUTO DEFESA. 1. Impõe-se a absolvição do Réu quando as provas a ele adversas forem produzidas somente no inquérito policial e não forem ratificadas pelos elementos de convicção colhidos na fase processual sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. A ausência das garantias constitucionais no processo inquisitivo faz com que as provas nele produzidas mostrem-se de caráter meramente subsidiário, não bastando, por si sós, para firmar sentença de conteúdo condenatório. 2. Não caracteriza o delito de falsa identidade o comportamento de quem, no momento da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante ou no Auto de Interrogatório em juízo, sem apresentar qualquer documento, limita-se verbalmente a falsear o nome próprio, porque a ação se enquadra dentre prerrogativas de autodefesa do acusado, amparadas pelo direito constitucional de permanecer em silêncio, consagrado no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal.I

(TJ-ES - APR: 11060074702 ES 11060074702, Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Data de Julgamento: 10/10/2007, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 21/11/2007).

O caráter meramente subsidiário das provas produzidas durante a fase inquisitiva, demonstram a necessidade urgente da reforma do instituto do inquérito policial, vez que a oportunidade de se manifestar e ser cientificado sobre qualquer ato do processo, sendo ele judicial ou extrajudicial, é garantia inerente ao Estado Democrático de Direito, sendo sua aplicação necessária ao esclarecimento dos processos em geral, constituindo a violação do princípio do contraditório, afronta à constituição federal, tornando qualquer norma em contrário incompatível com a carta magna.

2.3 DO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA.

Decorrente do princípio narrado no subcapítulo anterior, que permite a ciência e a oportunidade do agente em se defender de qualquer acusação a ele imputada, o princípio da ampla defesa possibilita ao cidadão embasar sua defesa de forma ampla, utilizando-se de todos os meios de provas permitidos em lei.  “A ampla defesa é uma decorrência do contraditório (‘reação’). É assegurada ao indivíduo a utilização, para a defesa de seus direitos, de todos os meios legais e moralmente admitidos”. (Manual de Direito Constitucional, – Novelino, p. 539). Tal princípio também encontra-se positivado no artigo 5º, LV da constituição federal.

Nas palavras do professor Norberto Avena, “a ampla defesa traduz o dever que assiste ao Estado de facultar ao acusado toda a defesa possível quanto à imputação que lhe foi realizada. Este princípio, como vimos no tópico anterior, guarda intrínseca relação com o direito ao contraditório.

 “A concepção moderna da garantia da ampla defesa reclama, para a sua verificação, seja qual for o objeto do processo, a conjugação de três realidades procedimentais, genericamente consideradas, a saber: a) o direito à informação (nemo inauditus damnari potest); b) a bilateralidade da audiência (contraditoriedade); c) o direito à prova legalmente obtida ou produzida (comprovação da inculpabilidade)” (Processo Penal Esquematizado, – Avena, p. 75)

A ampla defesa é direito concedido à todos os cidadãos, sendo garantida sua aplicação desde a constituição de 1934, independente de raça, cor, sexo e classe social, por tais razões, é concedido pelo Estado ao acusado que não pode constituir defensor particular, a assistência jurídica integral e gratuita, nos termos do artigo 5º, LXXIV da constituição federal.

Em se tratando de ampla defesa, destaca-se que a posição consagrada no art. 5º, LV, da Constituição, utiliza o adjetivo ampla defesa, enfatizando o alcance da proteção, de modo que deve ser exercida com todos os meios e recursos a ela inerentes.

Ora, vislumbrando os temas já abordados acima, claramente resta incontroverso que durante a persecução penal extrajudicial existe uma atuação de caráter coercitivo contra o investigado, sendo absolutamente aceitável que é ofensa à presunção de inocência a diligência estatal que investiga o cidadão sem possibilitar a mínima contrapartida no tocante à sua defesa.

O professor Aury Lopes Junior, salienta de forma sábia a intensão do constituinte:

“o constituinte ao assegurar a ampla defesa aos litigante em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral a possibilidade de defesa por todos os meios legais, não sendo possível afastar o sujeito passivo da investigação preliminar da abrangência da proteção, pois é inegável que ele encaixa na situação de “acusados em geral”, tratando-se de um dilema sério e uma vez mais devemos encontrar meios de aplicar as garantias asseguradas pelo constituinte” (Junior, Aury Lopes. Direito Processual Penal. Saraiva, 2014, p. 263).

A natureza sigilosa da investigação preliminar impede eficácia da aplicação da ampla defesa durante essa fase pré-processual, vez que defensor deve atuar rodeado de uma série de garantias que lhe permita uma completa independência e autonomia em relação ao juiz, promotor e à autoridade policial. Nesse sentido, a Constituição brasileira dispõe, no art. 133, que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. A regulamentação do dispositivo constitucional encontramos na Lei n. 8.906/94, que disciplina a atuação do advogado e defensor do acusado.

Porém, como atribuir liberdade profissional na defesa dos direitos da população, quando o advogado fica adstrito apenas à vista dos autos do inquérito policial por força do que estabelece o artigo7º da lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), havendo posicionamento do Supremo Tribunal Federal (súmula vinculante nº 14 do STF) favorável nesse sentido, possibilitando o acompanhamento e fiscalização da autoridade policial para evitar abuso de poder e autoridade, mas, sem qualquer possibilidade de oferecer defesa ou indicar meios eficazes de busca de provas dos indícios de autoria e materialidade delitiva.

No mais, a violação dos dispositivos constitucionais em comento, torna o inquérito policial meio meramente informativo, obrigando o acusador no curso da ação penal a apresentar novo conjunto probatório, sob o crivo do contraditório e ampla defesa, o que torna a ação penal mais morosa e ineficaz.

2.4 DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.

Conhecido, igualmente, como princípio do estado de inocência (ou da não culpabilidade), significa que todo acusado é presumido inocente, até que seja declarado culpado por sentença ondenatória, com trânsito em julgado.

“Encontra-se previsto no art. 5.°, LVII, da Constituição. Tem por objetivo garantir, primordialmente, que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa. As pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável que o Estado-acusação evidencie, com provas suficientes, ao Estado/juiz, a culpa do réu” (Nucci, Guilherme Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. Saraiva, 2014, p. 67).

A doutrina ainda conceitua o princípio de não culpabilidade como “o fato de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Assim, nada mais natural que a inversão do ônus da prova, ou seja, a inocência é presumida, cabendo ao MP ou à parte acusadora (na hipótese de ação penal privada) provar a culpa. Caso não o faça, a ação penal deverá ser julgada improcedente” (Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Saraiva, 2014, p. 915)

Tal princípio visa garantir ao ser humano uma condição de inocência até que todas as provas colhidas sejam apreciadas pelo magistrado, sob o crivo dos princípios constitucionais assim, possa ocorrer alguma manifestação contrária ao estado natural do ser humano.

É fato que o homem nasce com o estado natural de inocência, dessa forma, devendo prevalecer tal Estado até que seja considerado culpado nos termos da constituição da república. Assim, o ato de ceifar do investigado as garantias constitucionais citadas nos capítulos acima, demonstra flagrante violação do princípio da presunção de inocência, vez que impossibilita a garantia de direitos inerentes a todos os homens em seu estado natural.

2.4 DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Ante ao narrado anteriormente, fica claro que o procedimento arcaico do inquérito policial hoje traz severos prejuízos ao investigado, quando lhe impossibilita o acesso aos princípios do contraditório e ampla defesa, contudo, tal ato traz maiores prejuízos ao Estado, que se obriga, durante à fase inquisitiva, a proceder um conjunto de diligências informativas, a fim de apurar indícios de autoria e materialidade e, devido ao fato da inaplicabilidade das garantias fundamentais, o Estado se obriga a reproduzir os conjuntos de diligências durante a fase processual, tornando os processos judiciais longos e ineficazes, causando severo prejuízo ao princípio da supremacia do interesse público. Assim, ante ao narrado, a necessidade de implantação das garantias constitucionais aos procedimentos defasados do inquérito policial é necessária e urgente, haja vista que o procedimento adotado atualmente causa prejuízo tanto ao Estado, quanto ao particular.


3. DOS PREJUÍZOS DECORRENTES DA AUSÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO INQUÉRITO POLICIAL.

3.1 INTRODUÇÃO.

Como mencionado durante todo o trabalho, a ausência do cumprimento dos preceitos fundamentais estabelecidos pela carta magna de 1988 durante o inquérito policial, traz flagrante violação de direitos fundamentais do cidadão cometidos pelo próprio Estado, que tem o dever de manter a preservação de sua lei maior. Ora, a violação Estatal das normas jurídicas não é exclusividade única da persecução penal extrajudicial, pois é sabido que o poder público é um dos maiores “clientes” do poder judiciário (se não for o maior) na atualidade. Porém, o objeto de nosso estudo no momento é apenas a deficiência do sistema inquisitivo como consequência lógica da ausência do cumprimento Estatal das normas conferidas constitucionalmente.

A incompatibilidade do atual inquérito policial com a constituição federal de 1988 e nesse caso trazemos o termo incompatibilidade e não inconstitucionalidade pelo fato da norma que regulamenta o inquérito policial (decreto lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1.941) ser anterior à promulgação da nossa lei maior, consiste na ausência do cumprimento dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa (artigo 5º, LV da constituição federal) durante a fase inquisitiva, ocasionando prejuízos ao cidadão investigado, bem como à coletividade que vislumbra diariamente a realização de procedimentos estatais que quase sempre são morosos e ineficazes, ocasionando um absurdo descumprimento da celeridade processual, e por conseguinte, tornando o poder de punir do Estado quase que ineficaz.

3.2 DOS BENEFÍCIOS DA IMPLANTAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NA FASE INQUISITIVA.

O contraditório deve ser admitido na investigação criminal, pois esse procedimento é um procedimento administrativo, composto por um conflito de interesses, que expressa a existência de litigantes, que proporciona uma carga processual, e origina a necessidade de garantias inerentes ao processo, sendo que o sistema que vigora atualmente está totalmente defasado.

Foi mencionado nos capítulos anteriores que o inquérito policial se trata de um conjunto de diligências realizados pela polícia judiciária, cujo o fim é apurar a existência de indícios de autoria e materialidade delitiva, tratando-se de um sistema, escrito, sigiloso, dispensável e inquisitivo, onde de modo algum admite-se o exercício do contraditório e ampla defesa, contendo caráter meramente informativo.

Tal procedimento é norteado pelas diligências necessárias ao agrupamento do conjunto probatório, para que seja caracterizada a materialidade do delito (existência de fato criminoso), bem como encontrada a autoria delitiva, sendo que junto à autoridade policial que é responsável pelo instrução do inquérito policial, está o acompanhamento do poder judiciário na pessoa do magistrado e do ministério público na pessoa do promotor de justiça, formando uma tríplice entidade Estatal responsável pela persecução penal extrajudicial.

A questão acentuada neste trabalho é a ausência do contraditório, da ampla defesa e por conseguinte do devido processo legal durante a fase inquisitiva que, como mencionado acima, trata-se das diligências realizadas pela polícia judiciária com o acompanhamento do poder judiciário e do ministério público, tornando tal procedimento extremamente desproporcional ao cidadão que terá três entes da justiça realizando diligências e colhendo provas, sendo que em contrapartida o investigado não tem sequer a possibilidade de ter ciência sobre os fatos a ele imputados ou mesmo indicar meios probatórios que poderiam indicar a verdadeira autoria delitiva.

Mais do que a mera proteção do acusado, a incorporação dos princípios do contraditório e da ampla defesa durante a fase de investigação trará benefícios de magnitudes indiscutíveis à sociedade em geral, vez que a possibilidade da colheita de contraprova de autoria e materialidade delitiva durante a fase extraprocessual permitirá que as provas produzidas durante a fase de investigação sejam aproveitadas e utilizadas durante a fase processual, fazendo com que o processo seja mais célere e a ação penal promovida pelo Estado mais eficaz.

Ora, a possibilidade do investigado informar a inexistência de materialidade do crime ou a verdadeira autoria delitiva durante a investigação e ainda que não informe a verdadeira autoria do delito, apresente informações aptas a possibilitar que a polícia judiciária encontre o autor do crime, já que o investigado muitas vezes tem maior possibilidade de oferecer tais informações, fará com que a ação penal seja proposta antes do prazo prescricional, fazendo com que a justiça não continue com aquele status de impunidade, tão comum na contemporaneidade.

O jurista Godoy Neto salienta que a “processualização do inquérito policial é necessária, ante ao poder que será atribuída às provas produzidas durante o procedimento investigatório, senão vejamos:

“Atualmente, se discute, e muito, a necessidade deste procedimento investigatório, pois alguns doutrinadores sustentam veementemente que tal procedimento é absolutamente desnecessário, destituído de qualquer utilidade tendo em vista a exigência da confirmação do resultado das investigações em juízo. Contudo. Tal posição não merece respaldo, vez que não só há os que defendem a ideia de que é o inquérito policial de extrema importância, pois respalda a maioria das condenações criminais, como à referida fase da persecução penal foi conferido caráter constitucional, consoante artigo 144 e parágrafos da Constituição Federal. Um posicionamento muito importante e que vem adquirindo adeptos, defende a ‘processualização’ do inquérito policial, que consiste no afastamento do mecanismo inquisitorial da investigação preliminar, admitindo-se assim o contraditório e a ampla defesa. A ‘processualização’ seria uma saída rumo ao fortalecimento do procedimento e ensejaria a não repetição em Juízo, das provas obtidas no procedimento investigatório, mas sua integração ao conjunto probatório processual, contribuindo na economia estatal durante o exercício do jus puniendi” (Neto, Godoy. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 14 – jul./dez. 2009. p. 174/175).

A medida referenciada acima, atribui de fato maior eficiência ao rápido exercício da aplicação da justiça por parte do Estado, que ao reformar o nosso defasado sistema de investigação, acabando com sua inquisitoriedade, fará com que a ação penal tramite de modo mais célere e como decorrência, teremos o exercício de um sistema que propicia muito mais eficácia probatória ao invés de ser mero informe judicial.

3.3 DOS PREJUÍZOS EM MANTER UM SISTEMA MERAMENTE INFORMATIVO.

A ausência da aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa durante o inquérito policial, traz severos prejuízos à ação penal, pois há necessidade de que as provas produzidas durante a fase inquisitorial sejam repetidas durante a ação penal, tendo em vista o caráter meramente informativo atribuído ao inquérito policial.

A solução para acabar com tal prejuízo, e de fato tornar o sistema investigativo mais eficaz, é a “processualização” do inquérito policial, pois desse modo, a investigação se subordinaria ao crivo do contraditório e ampla defesa, sendo as provas colhidas durante a fase preliminar, plenamente aceitas durante a instrução processual, impedindo a repetição de atos processuais, tornando o jus puniendi mais célere e eficaz.

Mesmo porque, falar em celeridade no ordenamento jurídico atual não é só uma questão de mera melhoria, mas sim, de necessidade, pois celeridade e eficácia nas decisões judiciais é o que se busca no avanço dos estudos das ciências jurídicas.

Obviamente, a aplicação do princípio do contraditório durante a fase de investigação preliminar, não conspira contra o sucesso do inquérito policial, mas sim, garantirá legitimidade das conclusões das investigações, vez que este consiste em agilizar os atos processuais visando coibir os atos protelatórios, aumentando assim, a eficácia da lei e do direito de punir do Estado, visando desafogar os ofícios criminais e gabinetes dos magistrados, ante ao elevado índice de processos que praticamente se eternizam. Deve-se valorar o inquérito policial com a finalidade de torná-lo mais célere recuperando o seu valor processual e jurídico, elevando a qualidade do trabalho investigatório, valorizando o próprio Delegado de Polícia e seus agentes (Neto, Godoy. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 14 – jul./dez. 2009. p. 190).

Desse modo, a adoção dos princípios do contraditório dá ao inquérito policial outra natureza, não de peça meramente informativa, que é o que se busca neste trabalho, mas a de valor de prova na instrução e consequentemente, atribuir maior eficácia e celeridade à prestação jurisdicional.

Assim, ante ao prejuízo Estatal pela deficiência de caráter constitucional do inquérito policial, indispensável é a reforma do código de processo penal (decreto lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1.941), no tocante aos procedimentos do inquérito policial e principalmente, necessitamos de uma reforma no posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca do caráter inquisitivo e sigiloso do procedimento investigativo, pois a inclusão dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa durante a persecução penal extrajudicial evitará que o judiciário seja acometido por ações penais que devido à realização de diligências repetitivas e desgastantes por serem realizadas em demasia, torne o processo penal ineficaz ou na melhor das hipóteses, menos ineficaz.

3.4 DA NECESSÁRIA MUDANÇA NA LEGISLAÇÃO QUE DISCIPLINA O INQUÉRITO POLICIAL.

A mudança da legislação deve se iniciar pelos profissionais das ciências jurídicas, nesse caso, não falo do caráter meramente legislativo da matéria, mas também da mudança do entendimento quanto ao tema e da cobrança dos parlamentares por aqueles que não só entendem da matéria, mas também convivem com o exercício prático da atividade policial e jurisdicional do processo penal.

Segundo informações da internet, o Brasil hoje, possui mais de um milhão de advogados, sendo trezentos mil profissionais só no Estado de São Paulo¹, fato que demonstra a potencialidade dos juristas em cobrar nossos legisladores de forma técnica a darem mais atenção ao fato de executarmos um inquérito policial com procedimentos incompatíveis com a Constituição Federal há mais de vinte e nove anos.

A Ordem dos Advogados do Brasil detém uma estrutura e um poder histórico capaz de contribuir de modo rigoroso na reforma do código de processo penal no tocante ao inquérito policial, pois trata-se de uma entidade sui generis, já que representa profissionais que exercem atividade de caráter privado que o poder constituinte originário considerou indispensável à administração da justiça². Devemos ainda considerar o fator histórico que norteia a relevância da reinvindicação do profissional advogado que já exerceu no Brasil, papel relevante ao retorno da democracia em diversas oportunidades, sendo seu papel na reforma do inquérito policial indispensável e de grande peso, pois o assunto em questão se refere ao cumprimento dos requisitos inerente ao Estado Democrático de Direito que a advocacia lutou por anos para preservar.

A magistratura por sua vez, ainda que não detenha o número de profissionais tão volumoso como é o caso da advocacia, detém relevante papel na reforma do inquérito policial, já que ao poder judiciário compete o exercício do controle e aplicação normativa.

No mais, os magistrados são os principais afetados pela ineficácia resultante do sistema investigatório no Brasil, posto que ao judiciário incumbe o dever de não aceitar as provas produzidas durante uma fase que carece de cumprimento de preceitos fundamentais, sofrendo com o vasto número de ações penais que quase se eternizam.

Por sua vez, a sociedade não se escusa do dever de participar das lutas pela melhoria da justiça, posto que são as principais afetadas pela ausência da eficácia do Estado durante a aplicação da justiça, por possuírem o papel de vítima. Ora, a população deve ter papel significativo na reforma e prevenção das deficiências do poder público, não devendo participar de importantes reformas legais como meros telespectadores, pois a sociedade é a vítima dessa ineficiência do poder Estatal. O inquérito policial é um procedimento realizado pelo poder público a fim de garantir a paz social, sendo custeado pelo erário público que consiste na contribuição financeira da população a fim de satisfazer as necessidades da coletividade, assim, a eficácia e eficiência do poder público como contrapartida não é um favor, é obrigação.

A ineficiência do poder público naquilo que concerne ao inquérito policial é derivada da inobservância dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa durante esta fase inquisitiva, tornando os conjuntos de diligências já realizados inúteis, forçando a repetição de atos concluídos durante a fase processual, abaloando o judiciário com demandas que quase se eternizam, tornando o poder de punir do Estado frágil e absolutamente ineficaz, sendo a reforma do direito processual penal no tocante ao inquérito policial necessária e urgente, competindo a iniciativa à todos os interessados que vai de profissionais do Direito à sociedade em geral.

3.5 DO INQUÉRITO POILICAL CONSTITUCIONAL.

Havendo reforma na norma que disciplina o inquérito policial, introduzindo o exercício do contraditório e ampla defesa pelo indiciado, falaremos de um inquérito policial novo, em que possamos visualizar uma aplicação completa daquilo que visualizamos num Estado Democrático de Direito, pois haverá um procedimento compatível com as regras constitucionalmente previstas.

Visualizemos um Estado em que de fato todos sejam iguais perante a lei, onde ocorrerá não só a observância das normas, mas sua fática aplicação isonômica, sendo o indiciado tratado como inocente e não mais como mero “criminoso”, podendo se socorrer das garantias constitucionais, a fim de proporcionar-lhe maiores garantias para sua defesa, pois desse modo, terá conhecimento prévio dos atos que lhe são imputados.

No mais, ainda como decorrência lógica da observância dos princípios constitucionais, haverá colheita de provas durante a investigação preliminar e não só de informações, como ocorre em nosso atual sistema jurídico, podendo ser integrada durante a ação penal, tornando o processo penal mais célere e eficaz, fato que se busca no ordenamento jurídico atual.

Não obstante, verifica-se que a existência de um inquérito policial com natureza constitucional, não traz sequer um prejuízo à sociedade, mas apenas melhorias, pois teremos maiores meios de buscar a verdade real, proporcionando maior eficiência no uso do conjunto probatório e deixando a ação penal mais célere.

Dessa forma, o inquérito policial constitucional, é aquele em que podemos visualizar total aplicação das regras estabelecidas pela lei maior, onde opera com prevalência os direitos de primeira dimensão, proporcionando ao sistema investigativo uma forma probatória e por conseguinte, tornando a ação penal mais eficaz, cumprindo com grande parte dos objetivos buscados por um Estado Democrático de Direito.


4. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS.

O presente trabalho apresentou a forma de execução do inquérito policial, apontando de forma veemente sua natureza jurídica, fatores históricos e a relevância do instituto na preservação dos direitos dos cidadãos. Foi referenciado ainda as violações ao princípio do contraditório e da ampla defesa durante a fase inquisitiva e as consequências de tais violações. Na sequência, foi apresentado as características dos princípios do contraditório e ampla defesa, fator histórico e suas prerrogativas garantidas num Estado Democrático de Direito, observando-se sua inexistência dentro do sistema investigativo atual.

Já no terceiro capítulo, foram apontados os prejuízos da ausência dos princípios constitucionais durante a fase inquisitiva e a consequência de tais prejuízos, bem como a necessidade de reforma das normas que dispõem sobre o inquérito policial, a fim de encontrar um sistema punitivo estatal completo, célere e ineficaz.

Pois bem, o presente trabalho teve o escopo de demonstrar a necessidade da existência do inquérito policial em nossa sociedade, informando apenas a desesperada necessidade de reforma do instituto, para preservar os princípios constitucionais inerentes aos indiciados e principalmente, proporcionar a um instituto tão importe como o inquérito policial, maior eficácia.

Tal eficácia prescinde da introdução dos princípios do contraditório e ampla defesa nessa fase preliminar, tendendo a possibilitar eficácia probatória nas diligências realizadas sob o comando da autoridade policial, retirando de vez o caráter meramente informativo inerente ao defasado inquérito policial que presenciamos nos dias atuais, pois como já estudado, as provas produzidas durante a fase preliminar, devem obrigatoriamente ser produzidas novamente em juízo com a incidência do crivo do contraditório, sob pena de violar um direito fundamental e acarretar um dano irreparável ao acusado.

Assim, em se tratando de repetição exaurida de provas já produzidas durante a fase de investigação, é inegável desvantagem processual que sobre o Estado, vez que a nova produção de provas, que em razão da mudança da situação fática existente na fase de sua elaboração (durante a ação penal), em razão do desaparecimento, ou modificação substancial do objeto, não retornará com a mesma eficácia de quando produzida pela autoridade policial.

Assim, a proposta de reforma do instituto do inquérito policial, a fim de adequá-la às regras estabelecidas pela Constituição Federal, trará benefícios ao indiciado que poderá utilizar-se de suas garantias constitucionais para provar sua inocência, se for o caso, além de possibilitar a produção de provas durante a fase preliminar de forma apta à ensejar seu uso durante a instrução processual e por conseguinte, conferir maior eficácia do Estado durante o exercício do jus puniendi.

Diante do narrado e à luz dos princípios constitucionais estudados, não há discussão quanto ao fato do indiciado ser sujeito de direitos garantidos constitucionalmente, tão pouco quanto ao fato da constitucionalização do inquérito policial proporcionar maior celeridade e eficácia à ação penal, assim, demonstrando-se que a proposta de reforma do inquérito policial é medida que se impõe, pois, a coletividade vem perdendo com o defasado procedimento investigativo.

Desse modo, conclui-se que o inquérito policial tem importante papel na sociedade, vez que resguarda direitos da coletividade, sem prejuízo da presunção de inocência do indivíduo, bastando apenas tornar esse importante instituto mais enquadrado ao crivo dos princípios constitucionais, possibilitando que suas diligências estejam aptas à ensejar provas de condenação ou absolvição e assim, contribuir com uma justiça mais célere, eficaz e enquadrada nos princípios protetores do nosso Estado Democrático de Direito.


REFERÊNCIAS

Avena, Processo Penal Esquematizado, Saraiva, 2014, p. 75.

Capez, Fernando. Curso de Processo Penal. Saraiva, 2014, p. 110 a 111 e p. 432.

Consultor jurídico, País da advocacia. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-nov-18/total-advogados-brasil-chega-milhao-segundo-oab>. Acesso em 05 de outubro de 2017.

Decreto lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941 (código de processo penal), dispõe sobre a justiça penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>.  Acesso em 05 de outubro de 2017.

Junior, Aury Lopes. Direito Processual Penal. Saraiva, 2014, p. 73, 188, 254 a 257 e p. 263.

Jusbrasil, Rede de ensino Luiz Flávio Gomes. Disponível em: <https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/105791/inquerito-policial-qual-seu-conceito-finalidade-e-caracteristicas-michele-melo>. Acesso em 05 de outubro de 2017.

Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Saraiva, 2014, p. 915

Messa, Ana Flavia. Curso de Direito Processual Penal. Saraiva, 2014, p. 233, 237.

Neto, Godoy. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 14 – jul./dez. 2009. p. 174/175).

Novelino, Manual de Direito Constitucional, p. 539.

Nucci, Guilherme Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. Saraiva, 2014, p. 67

Reis, Alexandre Cebrian. Curso de Direito Processual Penal. Saraiva, 2014, p. 237.

STF , 1ª T., AI 687893AgR/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe, 19 set. 2008.

TJ-ES- APR: 11060074702 ES 11060074702, Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Data de Julgamento: 10/10/2007, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 21/11/2007.


Nota

¹ Poder do Estado em elaborar normas e punir o particular.


Autor

  • Denis Lopes

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