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A continuidade dos serviços públicos, a supremacia do interesse público e a greve dos servidores públicos

Um paralelo entre o direito do trabalhador, a prestação do serviço público e a sua natureza pública

A continuidade dos serviços públicos, a supremacia do interesse público e a greve dos servidores públicos: Um paralelo entre o direito do trabalhador, a prestação do serviço público e a sua natureza pública

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O artigo busca verificar em que medida a greve dos servidores públicos fere o princípio da continuidade dos serviços públicos, bem como o da supremacia do interesse público sobre o privado, frente a natureza pública do serviço prestado.

INTRODUÇÃO

A Administração Pública é regida por normas e princípios centrais que ajudam entre outras coisas, a definir graus de licitude e abusividade de certas condutas, onde dentro destes princípios destacam-se três na presente pesquisa: continuidade dos serviços públicos, supremacia do interesse público sobre o privado e indisponibilidade do interesse público.

A Administração Pública, segundo entende Alexandre Mazza (2012), deve ser compreendida sob duas óticas: Objetiva e Subjetiva. A primeira significa a atividade que é voltada à defesa do interesse público pelo estado, enquanto a segunda designa o complexo de agentes, órgãos e pessoas jurídicas competentes para desempenhar as atividades administrativas.

Dentre as atividades administrativas a serem desempenhadas, repousa o serviço público que, na visão de Celso Antônio Bandeira de Mello (2007), corresponde a atividade destinada à satisfação da coletividade de modo geral, prestada através do Estado que assume as rédeas para tal prestação, consagrando prerrogativas de supremacia em favor de interesses públicos.

O serviço que tem por natureza o atendimento ao público e às suas necessidades e satisfações é balizado por diversas fontes do direito na legislação brasileira, destacando-se além da legislação, a existência de princípios reguladores, como a indisponibilidade do interesse público, a continuidade dos serviços públicos e a supremacia do interesse público sobre o privado.

O princípio da continuidade dos serviços públicos é raiz premente dos serviços públicos, eis que presta a simples ideia geral de que todo serviço público é contínuo e não pode ter sua prestação interrompida, senão em três hipóteses, quais sejam: razões de ordem fática e técnica, inadimplemento do consumidor e greve dos servidores públicos.

Neste ponto, José dos Santos Carvalho Filho (2013) entende que os serviços públicos não devem sofrer interrupção, tendo sua prestação de forma contínua para evitar colapso nas múltiplas atividades particulares. O autor ainda entende que a continuidade deve estimular a figura do Estado e, consequentemente da Administração Pública, a alcançar o aperfeiçoamento e a extensão do serviço, inovando se necessário no que tange às modernas tecnologias, adequadas à adaptação da atividade às novas exigências sociais que podem se modificar com o decurso do tempo.

Por sua vez, o princípio da supremacia do interesse público transmite a ideia de que o interesse da coletividade deve se sobrepor ao interesse individual, sendo norma cogente, ou seja, de aplicabilidade obrigatória, reconhecida pela doutrina e jurisprudência e de ampla defesa social. Aqui, leva-se em conta o benefício social do trabalho que está sendo exercido, ainda que haja algum interesse estatal imediato.

No que tange à destinação da atividade administrativa, Carvalho Filho (2013) entende que não é o indivíduo em si (particular) o destinatário da atividade administrativa, mas sim a coletividade, onde o Estado deve ser dedicado a atender o interesse público. Ressalta ainda o autor que certa vez haverá um conflito entre o interesse público e o interesse privado, mas ocorrendo esse conflito, há de prevalecer o interesse público.

Dentro desta prestação de serviço, indispensável se faz o reconhecimento da pessoa que executa tal trabalho, nomeado de Agente Público, em especial a categoria de servidor público. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2014) pondera que São servidores públicos em sentido amplo as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos, que são recolhidas através de tributos pagos pela sociedade.

Na medida em que o interesse público deve preponderar-se sobre os interesses privados, bem como que a prestação dos serviços públicos deve ser contínua, a Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988 reconheceu o direito de greve aos servidores públicos, apesar da lacuna em sede de lei ordinária a ser preenchida.

O direito de greve é um direito constitucionalmente previsto nos artigos 9º 37, VII da Constituição de 1988, sendo o primeiro destinado aos trabalhadores da iniciativa privada, enquanto o segundo prevê tal direito aos servidores públicos. Em relação a estes trabalhadores, o instituto da greve apesar de reconhecer um direito, cria um conflito de interesses entre a figura do servidor e a sociedade, vez que possuem choques de interesses.

Como mencionado, o interesse público é tratado como supremo em relação aos interesses particulares, bem como a continuidade dos serviços públicos se torna regra quanto à sua prestação. Desta forma, há um conflito de interesses, uma verdadeira luta de classes entre a figura do empregador (Estado) e a dos empregados, situação conhecida desde os tempos antigos quando foram datadas as primeiras greves de acordo com José Luiz Ferreira Prunes (1998).

Assim, neste contexto, o objetivo da presente pesquisa é verificar em que medida a greve dos Servidores Públicos fere os Princípios da Continuidade dos Serviços Públicos e a Supremacia do Interesse Público sobre o Privado, considerando ser pública a natureza do serviço prestado e a evidente contraprestação recebida pelo desempenho do mesmo.

Para tanto, o presente trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, verificou-se a conceituação de Administração Pública, de servidores públicos, de serviço público e apontou princípios que devem reger cada uma dessas figuras, em especial no que tange à prestação de serviços públicos.

No segundo capítulo foi abordado de forma direta o direito de greve previsto na Constituição de 1988, bem como na Consolidação das Leis do Trabalho,  superando conceitos, princípios, hipótese de abandono de emprego, espécies de greve, para, finalmente no terceiro capítulo responder sobre a possibilidade de greve dos servidores públicos e se ela ofende à supremacia do interesse público sobre o privado e à continuidade dos serviços públicos, utilizando-se de abordagem filosófica, de doutrina e jurisprudência para abordagem a questão.

José dos Santos Carvalho Filho foi o marco teórico para o enfrentamento acerca da base principiológica de Direito Administrativo, bem como de questões atinentes aos serviços públicos de modo geral. Do mesmo modo, Vólia Bomfim Cassar serviu como fundamento teórico sobre a figura da greve, elucidando espécies de movimento paredistas existentes e apontando qual é caracterizada como greve lícita e ilícita. Quanto à base filosófica, Will Kymlicka serviu de instrumento para os apontamentos acerca do Utilitarismo, enquanto Norberto Bobbio e Georg Wilhelm Hegel serviram de alicerce para a tese de Organicismo.

A metodologia fenomenológica heideggeriana (2005) foi o fio condutor da presente pesquisa vez que possibilitou o desvelamento do embate entre o direito fundamental de greve dos servidores públicos e a figura do Estado que deve atender às necessidades adiáveis e inadiáveis de seus cidadãos, pois seus interesses são tidos como supremos.

A contribuição da presente pesquisa foi no sentido de trazer a visibilidade de que a greve dos servidores públicos apesar de ser um direito constitucionalmente previsto, necessita de maior atenção, pois, ao passo de que é considerado um direito fundamental do trabalhador, não foi regulado por lei específica, sendo-lhe aplicado analogicamente a Lei nº 7.783/1989. 


1  ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O SERVIÇO PÚBLICO: SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

A origem da palavra Administração conforme Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1979), pode ter dois fundamentos, uma indicando que o prefixo ad conjuntamente com ministro indica a ideia de servir, enquanto para outros ad manus thaere envolve a ideia de gestão. 

A Administração Pública pode ser compreendida sob duas óticas, quais sejam objetivo e subjetivo. De modo subjetivo, também chamado de formal ou orgânico, representa as pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos encarregados de exercer a função administrativa, enquanto de modo objetivo também denominado material ou funcional corresponde a natureza da atividade exercida pelos entes ora mencionados, ou seja, a Administração Pública é a sua própria função administrativa e que incumbe predominantemente ao Poder Executivo, como se posiciona Maria Sylvia Zanella di Pietro (2014).

Di Pietro (2014) traz ainda uma outra classificação para a forma objetiva e subjetiva de se enxergar o conceito de Administração Pública:

[…] em sentido amplo, a Administração Pública subjetivamente considerada, compreende tanto os órgãos governamentais, supremos, constitucionais (Governo), aos quais incumbe traçar os planos de ação, dirigir, comandar, como também os órgãos administrativos, subordinados, dependentes (Administração Pública em sentido estrito), aos quais incumbe executar os planos governamentais; ainda em sentido amplo, porém objetivamente considerada, a Administração Pública compreende a função política, que traça as diretrizes governamentais e a função administrativa, que as executa

[…] em sentido estrito, a Administração Pública compreende, sob o aspecto subjetivo, apenas os órgãos e, sob o aspecto objetivo, apenas a função administrativa, excluídos, no primeiro caso, os órgãos governamentais e, no segundo, a função política (DI PIETRO, 2014, p. 50).

Desta forma, verifica-se que a Administração Pública pode ser considerada de modo simples como a atividade de dirigir e planejar as atividades do Estado, bem como de executá-las.

Para que tais atividades sejam desenvolvidas, diversos são os princípios que as norteiam, entre eles: legalidade, supremacia do interesse público sobre o privado e continuidade dos serviços públicos.

O princípio da legalidade, segundo Carvalho Filho (2013) transmite a ideia de que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei, e não o sendo, tal atividade passa a ser considerada ilícita. Este axioma é relevante, considerando-se que subordina por completo o administrador e seus encarregados aos preceitos legais, adequando-os às finalidades normativas.

O princípio da legalidade, mais que um postulado constitucional, pode ser considerado uma importante ferramenta para a garantia e efetivação dos direitos da coletividade, autorizando-se a coletividade verificar o confronto entre a atividade administrativa e a legislação.

Sabendo-se que os serviços públicos buscam atender às necessidades da coletividade e satisfazer as necessidades do Estado, tem-se, ainda, o princípio da Continuidade dos Serviços Públicos e da Supremacia do Interesse público sobre o Privado.

O princípio da continuidade dos serviços públicos transmite a ideia de que o serviço público não pode parar, ele deve ser contínuo em razão de sua natureza: pública.

Neste ponto Carvalho Filho (2013) pondera:

A consequência lógica desse fato é a de que os serviços públicos não podem ser interrompidos, devendo, ao contrário, ter normal continuidade. Ainda que fundamentalmente ligado aos serviços públicos, o princípio alcança toda e qualquer atividade administrativa, já que o interesse público não guarda adequação com descontinuidades e paralisações na Administração (CARVALHO FILHO, 2013, p. 36).

Por sua vez, a supremacia do interesse público contempla o sentido de que o interesse da coletividade deve se sobrepor ao interesse individual, sendo norma cogente, reconhecida pela doutrina e jurisprudência e de ampla defesa social.

Para a compreensão do conceito de serviço público são levantadas duas vertentes a este propósito. Assim, há o entendimento de um sentido amplo e um sentido estrito, na esteira de Odete Medauar (2007).  Deste modo, serviço público em sentido amplo corresponde à atividade prestacional em que o poder público propicia algo necessário à vida coletiva, como, por exemplo, água, energia elétrica, transporte urbano.

Nesta mesma vertente, Edmir Netto de Araújo apresenta uma visão que, segundo ele, é adotada por doutrinadores de escolas estrangeiras e nacionais:

Todo aquele que o Estado exerce direta ou indiretamente para a realização de suas finalidades, mas somente pela Administração, com exclusão das funções legislativa e jurisdicional, sob normas e controles estatais, para satisfação de necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado (ARAÚJO, 2010, p. 123).

Assim, o serviço público em sentido amplo abrange todas as atividades exercidas pela figura da Administração Pública sem distinguir a atividade jurídica, material e econômica.

Por outro lado, existe o sentido estrito da definição de serviço público, que excluem as funções legislativa e jurisdicional, e ainda consideram o serviço público atividade distinta do poder de polícia do Estado. Neste sentido, pondera Marçal Justen Filho:

Serviço Público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, insuscetíveis de satisfação adequada mediante os mecanismos da livre iniciativa privada, destinada a pessoas indeterminadas, qualificada legislativamente e executada sob regime de direito público (JUSTEN FILHO, 2010, p. 692).

Para que se chegasse ao conceito que hoje vigora sobre serviço público, Di Pietro (2014) entende que considerando as transições no tempo, os autores com influência da chamada Escola do Serviço Público adotaram três critérios, quais sejam: 1) Subjetivo; 2) Material; 3) Formal.

Justen Filho (2010) propõe que o primeiro deles considera a pessoa jurídica que é a prestadora do serviço, ou seja, aqui seria considerado o Estado, eis que o mesmo é o prestador do serviço público.

O segundo critério adotado refere-se à atividade exercida, ou seja, a necessidade de satisfazer as necessidades da coletividade. Há, ainda, o terceiro e último critério que considera o regime jurídico o qual é submetido, ondem no caso dos serviços públicos, seria regime de direito público originado no direito comum.

Dentro da seara de serviços públicos, uma definição é de extrema importância: serviços essenciais e não essenciais. A Lei nº 7783, de 28 de junho de 1989 inseriu em seu artigo 10 um rol exemplificativo de atividades consideradas serviços públicos de natureza essencial, qual seja:

Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:

I — tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II — assistência médica e hospitalar;

III —distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV— funerários;

V — transporte coletivo;

VI — captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII — telecomunicações;

VIII — guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX — processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X — controle de tráfego aéreo;

XI — compensação bancária (BRASIL, 1989a).;

Os serviços considerados essenciais não podem ser paralisados no período do movimento paredista, e os grevistas deverão garantir sua eficiente prestação para que atenda às comunidades inadiáveis da coletividade, ou seja, aquelas que coloquem em perigo iminente a sobrevivência, saúde ou ainda segurança da população de acordo com o artigo 11 da Lei nº 7783/1989:

Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população (BRASIL, 1989a).

Celso Antonio Bandeira de Mello (2007) classifica os serviços públicos em: públicos e de utilidade pública; próprios e impróprios do Estado; administrativos e industriais; “uti universi” e “uti singuli”.

Em relação à prestação dos serviços públicos, importante se faz mencionar que são balizados através de princípios considerados reconhecidos, onde ganham destaque acentuado: generalidade, continuidade, eficiência e modicidade. O princípio da generalidade, segundo Carvalho Filho (2013), indica que o serviço público deve ser prestado com a maior amplitude possível beneficiando o maior número de indivíduos, bem como deve ser prestado sem discriminação pelos usuários, quando eles tenham as mesmas condições técnicas e jurídicas para usufruir.

Em relação ao princípio da continuidade indica que o serviço público deve ser prestado de forma contínua e ininterrupta, vez que possui a natureza pública, ou seja, atende as demandas da coletividade. Neste ponto, Carvalho Filho pondera que

A consequência lógica desse fato é a de que os serviços públicos não podem ser interrompidos, devendo, ao contrário, ter normal continuidade. Ainda que fundamentalmente ligado aos serviços públicos, o princípio alcança toda e qualquer atividade administrativa, já que o interesse público não guarda adequação com descontinuidades e paralisações na Administração (CARVALHO FILHO, 2013, p. 36).

No que tange à eficiência, Carvalho Filho (2013) clama que o Estado deverá prestar o serviço com a maior eficiência possível, devendo o Poder Público se atualizar com novas tecnologias, evitando o maior dispêndio.

Por fim, devem ainda ser os serviços públicos prestados com base no princípio da modicidade. Sobre este axioma Sérgio de Andréa Ferreira (1985) dedica:

Traduz a noção de que o lucro, meta da atividade econômica capitalista, não é objetivo da função administrativa, devendo o eventual resultado econômico positivo decorrer da boa gestão dos serviços, sendo certo que alguns deles, por seu turno, têm de ser, por fatores diversos, essencialmente deficitários ou, até mesmo, gratuitos (FERREIRA, 1985, p. 235).

Isto significa que se entende por modicidade que os preços devem ser reajustados de acordo com o poder aquisitivo do usuário, a fim de que por problemas financeiros não seja afastado da categoria de beneficiário do serviço.

Os agentes públicos são figuras indispensáveis no exercício da Administração Pública, vgeneralidadeisto que não se pode abstrair dos agentes para a projeção dos interesses estatais, e correspondem àqueles que de qualquer modo executam uma função pública em nome do Estado, neste sentido José dos Santos Carvalho Filho ensina:

Agentes públicos são todos aqueles que, a qualquer título, executam uma função pública como prepostos do Estado. São integrantes dos órgãos públicos, cuja vontade é imputada à pessoa jurídica. Compõem, portanto, a trilogia fundamental que dá o perfil da administração: órgãos, agentes e funções (CARVALHO FILHO, 2013, p. 18).

Para o exercício regular de trabalho de tais agentes, além das diretrizes legais, devem ser observados os denominados princípios administrativos, que irão inspirar a forma de agir da Administração Pública, ou seja, são ensinamentos pré-normativos que irão balizar a conduta do estado quando no exercício de suas atividades administrativas.

Os princípios administrativos se dividem em dois grandes grupos: Expressos e Reconhecidos. São expressos aqueles princípios reconhecidos constitucionalmente como legais, e onde lhe foi atribuído texto legal. Dentro dos princípios expressos temos: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, todos expressos no artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988 - CRFB de 1988.

Por sua vez, os princípios reconhecidos são aqueles como o próprio nome já diz, reconhecidos pela doutrina e jurisprudência como também balizadores do Direito Administrativo, quais sejam: supremacia do interesse público sobre o privado, autotutela, indisponibilidade, continuidade dos serviços públicos, segurança jurídica (proteção à confiança), precaução e razoabilidade.

Em relação aos agentes públicos, mister se faz salientar que são divididos em quatro grandes grupos que contemplam: agentes políticos, servidores públicos, militares e particulares em colaboração com o poder público, onde será de grande valia para a presente pesquisa os servidores públicos.

Os servidores públicos são figuras de importância para a execução dos atos da Administração Pública, considerando-se inclusive indispensáveis para tal e possuem vínculo empregatício com o estado, como propõe Di Pietro

São servidores públicos em sentido amplo as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos (DI PIETRO, 2014, p. 598).

No que tange à sua classificação por espécies de contratos, os servidores públicos compreendem três espécies de pessoas, segundo José dos Santos Carvalho Filho (2013): Servidores Estatutários, Empregados Públicos e Servidores Temporários. São considerados Estatutários aqueles empregados sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargos públicos. São Empregados Públicos aqueles contratados pela Administração sob regime celetista e ocupantes de empregos públicos, e, por fim são Servidores Temporários aqueles contratados por prazo determinado para atender à necessidade extraordinária de interesse público, exercendo função e não estando vinculados a cargos ou empregos.

Tema de grande relevância para a presente pesquisa é a possibilidade de exercício de greve no setor público. A greve é um direito expressamente reconhecido na CRFB/1988,

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei (BRASIL, 1988).

Apesar de nascida entre trabalhadores da iniciativa privada, a CRFB de 1988 contemplou aos servidores públicos tal direito em seu artigo 37, VII, revelando-se uma verdadeira Carta Cidadã:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[…]

VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica (BRASIL, 1988).

Aos grevistas do setor público, em virtude de ausência de legislação específica quanto ao movimento paredista, aplica-se a Lei nº 7783, 28 de junho de 1989 (BRASIL, 1989), em atenção ao reclame constitucional de “lei específica”, por aplicação analógica dos trabalhadores da iniciativa privada, conforme será demonstrado no espaço abaixo que tratará exclusivamente do direito de greve.


2  DO DIREITO FUNDAMENTAL DE GREVE

No Brasil, o direito de greve é contemplado na CRFB de 1988, mais especificamente em seu art. 9º:

É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender (BRASIL, 1988).

A Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989 (BRASIL, 1989), que versa sobre o exercício do direito de greve, dando-lhe ainda outras disposições, precisamente em seu artigo 2º conceitua tal movimento como suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador. A partir do conceito exposto, verifica-se que a greve tem por características: coletividade, duração provisória, pacificidade e podendo abranger os funcionários em sua totalidade ou não.

Em relação à coletividade da greve, é um requisito necessário e previsto na Constituição ao ser mencionado o termo “competindo aos trabalhadores”, ou seja, explicitando que é necessária a manifestação conjunta de interesses.

Acerca do prazo de duração do movimento paredista, é importante ressaltar que não há um prazo máximo, pois, como bem salienta o Supremo Tribunal Federal (STF), a presença nas manifestações em busca de melhores condições de trabalho não caracteriza falta grave, nem sequer faltas injustificadas, sendo estendido este direito aos servidores públicos a teor da Súmula 316 (BRASIL, 2016).

A súmula veio para regular e esclarecer uma controvérsia existente que dizia respeito à greve e ao abandono de emprego, pois, nos termos do artigo, 482, inciso I do Decreto-Lei nº 5452 de 1 de maio de 1943 (BRASIL, 1943), CLT, as faltas injustificadas pelo período consecutivo de 30 (trinta) dias configura abandono de emprego.

Em relação ao período de duração da greve, a lei de greve (BRASIL, 1989) estabelece (artigo 11) que o sindicato dos trabalhadores deverá comunicar com 72 (setenta e duas) horas de antecedência em caso de serviços de natureza essencial, ou em 48 (quarenta e oito) horas de antecedência nas hipóteses de serviços não essenciais. A ausência de comunicação prévia enseja em abusividade do movimento grevista e na sua consequente declaração de ilegalidade.

A greve deve se constituir em suspensão de natureza coletiva, ou seja, não será considerada greve se apenas um funcionário paralisar suas atividades, mesmo que com a finalidade de melhoria das condições de trabalho. Deve ser, também, temporária, e não definitiva, na medida em que, se for por prazo indeterminado, poderá caracterizar abandono de emprego, constituindo justa causa para despedida.

Quanto à paralisação total ou parcial dos grevistas em seus postos de trabalho, esta é uma prerrogativa assegurada por lei aos trabalhadores na busca de paridade de armas nas relações de trabalho, bem como de melhorias nas condições laborais.

Sobre estas características, Mauricio Godinho Delgado propõe:

A figura paredista tem traços característicos destacados. Trata-se essencialmente, do caráter coletivo do movimento; da sustação provisória de atividades laborativas como núcleo desse movimento, embora, às vezes associada a atos positivos concertados; do exercício do direito de coerção, que representa; dos objetivos profissionais ou extraprofissionais a que serve; do enquadramento variável de seu prazo de duração (regra geral, suspensão contratual, podendo, entretanto, convolar-se em interrupção) (DELGADO, 2014, p. 1475).

Deste modo, a greve é um importante instrumento jurídico na luta de classes e forças entre o empregado e empregador, ou seja, hipossuficiente e detentor do poder.

No que tange à classificação e aos tipos de greve existentes, Vólia Bomfim Cassar (2016) pondera que existem doze tipos de greve, quais sejam: a) greve de ocupação ou de habitação; b) yellow-dog-contracts; c) greve de braços caídos ou greve de tartarugas; d) greve branca; e) greve de rodízio ou rotativa; f) greve intermitente; g) greve de padrão ou greve de zelo ou operação padrão; h) greve de solidariedade; i) greve de fome; j) greve geral; K) greve selvagem; l) greve política.

A greve de ocupação ou de habitação ocorre quando os funcionários que aderiram à greve invadem a empresa para impedir a produção ou o desenvolvimento do trabalho dos outros funcionários que se recusaram a aderir ao movimento. Este tipo de greve é considerado abusiva, e para que o empregador possa ter restabelecido o seu domínio sobre a sua propriedade, o STF através da edição da Súmula Vinculante 23 (BRASIL, 2009) firmou a competência da justiça do trabalho para ações possessórias em virtude da ocorrência de movimento paredista, por exemplo, em caso de greve e invasão à empresa, deverá o empregador propor ação de reintegração de posse frente à Justiça do Trabalho.

Para Cassar (2016), o movimento Yellow-dog-contracts ainda não é conhecida no Brasil e ocorre quando o serviço fica suspenso nas empresas que contratam seu quadro de funcionários com salários ou condições inferiores às condições mínimas estabelecidas em contratos coletivos.

A greve de braços caídos ou operação tartaruga é tida por Nascimento (2007) como uma forma de “greve branca”, não declarada e que consiste na redução do trabalho sem que os trabalhadores deixem o serviço, normalmente utilizada nos serviços públicos e para este autor, não é considerada uma espécie real de greve.

Por sua vez, a greve de rodízio é percebida por Mario Pinto (1965) como uma forma de paralisação pouco a pouco, onde dentro da empresa para primeiramente um setor e posteriormente outro, estabelecendo-se paralisações em cadeia, afetando o desenvolvimento do trabalho e a cadeia de produção.

Neste sentido, Mario Pinto (1965) analisa que a greve intermitente é aquela que sofre suspensões e posteriormente retorna, enquanto a greve padrão consiste no excesso de zelo empregado na atividade, de modo a retardar a produção e atrapalhar o desenvolvimento do trabalho.

A greve de solidariedade é a greve que se insere em outra empreendida por outros trabalhadores, devendo haver relação de interesses entre as categorias. Para este tipo de greve, Cassar (2016) pondera pela sua ilegalidade e flagrante abusividade, pois a greve tem de ser deflagrada para benefícios de sua categoria e não da categoria de outros empregados.

A greve de fome é aquela em que os grevistas não se alimentam para chamar a atenção das autoridades. A greve geral é a paralisação de uma ou mais classes de obreiros e com âmbito nacional. Por fim a greve política é dirigida contra o Poder Público em busca de reivindicações não passíveis de negociação coletiva. Neste sentido, Vólia Bomfim Cassar (2016) reconhece a abusividade desta última espécie.

Antes de jurídico, a greve é um fenômeno da sociologia, tendo surgido antes da regulamentação dos direitos trabalhistas. Carlos Alberto Barata Silva (1973) explica que em caráter etimológico a palavra “greve” é derivada do francês grève, que significa “gravetos”. Os trabalhadores franceses do século XVII, infelizes com as condições de trabalho que lhe eram impostas, reuniram-se em praças de Paris, momento em que suspendiam as atividades e juntavam gravetos trazidos pelas enchentes do Rio Sena.

Amauri Mascaro Nascimento (2007) afirma que a greve possui raízes na idade antiga, especificamente no século XII a.C., no que se chamou de “greve das pernas cruzadas”, ocorrida no Egito.

Acerca dos direitos básicos à época em que as greves despontaram, Rinaldo Rapassi (2005), entende que apesar da Revolução Francesa tenha favorecido a igualdade e a liberdade, princípios revolucionários da época ao lado do sentimento de fraternidade, a burguesia européia não se preocupava em assegurar os direitos mínimos que fossem de empregados de qualquer natureza, o que auxiliou ferrenhamente na luta de classes.

Acerca dos objetivos do movimento grevista, Arnaldo Süssekind (2004, p. 473) pondera que estes devem ter claramente cunho relacionado à relação de emprego e devem ter a possibilidade de serem tratados em sede de convenção ou acordo coletivo, laudo arbitral ou sentença normativa de tribunal do trabalho.

No plano internacional, o direito de greve é considerado como condição de garantia fundamental da classe trabalhadora, de acordo com João Humberto Cesario (2011), pois a ementa 363 do Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho- OIT, assegura que:

EMENTA 363 – O direito de greve dos trabalhadores e suas organizações constitui um dos meios essenciais de que dispõem para promover e defender seus interesses profissionais. 

EMENTA 364 – O comitê sempre estimou que o direito de greve é um dos direitos fundamentais dos trabalhadores e de suas organizações, unicamente na medida em que constitui meio de defesa de seus interesses (OIT, 2016).

No Brasil, José Luiz Ferreira Prunes (1988) pondera que as primeiras paralisações de trabalhadores ocorreram no tempo da escravatura, e em 1858 no estado do Rio de Janeiro os tipógrafos que laboravam para o ente estatal aderiram à greve para melhoria salarial e de condições de trabalho.

No início a greve não era tratada nas constituições, tendo aparecido pela primeira vez na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937 prevista como um recurso antissocial, ou seja, como um delito:

Art 139 - Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum.

A greve e o lock-out são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional (BRASIL, 1937).

Com o passar dos anos e o advento da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946, o exercício de greve enfim foi reconhecido como um direito dos trabalhadores, todavia mediante um reclame constitucional: uma lei para regular este direito:

Art. 158 - É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará (BRASIL, 1946).

Com a Constituição de 1988, o direito de greve foi amplamente debatido e tratado, sendo elevado tal direito ao status de direito fundamental, bem como sua aplicação foi ampliada atingindo os servidores públicos, ultrapassando as barreiras da iniciativa privada. Como efeito da constitucionalização e legalização da greve, estabeleceu que a lei (específica, que posteriormente criou-se a Lei nº 7783/1989) definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, mas sujeitando os abusos cometidos e seus responsáveis às penas da lei. 

A Lei nº 7.783/89 que surgiu após a conversão da Medida Provisória nº 59 de 26 de maio de 1989 na atual lei de greve, foi criada para estabelecer os ditames do exercício do direito de greve para os trabalhadores da iniciativa privada, a teor do artigo 9º da CRFB/88.

É importante salientar quanto à aplicabilidade da Lei nº 7783/1989 aos servidores públicos civis que o STF no ano de 2007 decidiu pela aplicabilidade da mencionada lei ao setor público, ante a ausência de legislação específica por omissão do legislador, alterando a jurisprudência da década de 1990, conforme Delgado

O Supremo Tribunal Federal, de todo modo, em 2007, embora não se referindo ao conceito de regra de eficácia contida, porém à omissão legislativa, alterou sua jurisprudência construída nos anos de 1990, determinando a aplicação da Lei n. 7783/89 à área pública, nesta temática, até que seja editada a lei específica que se fala o artigo 37, VII, do Texto Magno (DELGADO, 2014, p. 1490).

Na doutrina pátria a greve dos servidores públicos não é questão pacífica, principalmente entre os visionários de direito público e os do direito privado. Os autores de direito público entendem que o direito a greve fere premissas basilares do direito administrativo, como supremacia do interesse público sobre o privado e continuidade dos serviços públicos. Nesta perspectiva, Süssekind (2004) aduz que a continuidade dos serviços públicos e regularidade são princípios atinentes e essenciais para a prestação do serviço público e para a atividade administrativa.

Na contramão deste pensamento, os doutrinadores do direito privado entendem a greve como um direito constitucionalmente reconhecido e, portanto, plenamente possível, atrelado à dignidade do trabalhador. Nesta linha de raciocínio, Süssekind expõe que

[…] poderá ser a Lei 7.783/89 invocada por analogia nas greves de servidores públicos, naquilo que não for incompatível com a natureza e os objetivos do serviço público (SÜSSEKIND, 2004, p. 468).

Assim, verifica-se que na legislação brasileira, apesar de ausente lei específica quanto ao direito de greve dos servidores públicos, os tribunais superiores têm ventilado matérias de aceitação da deflagração do movimento paredista por estas pessoas, embora na doutrina ainda exista o conflito entre o direito público e o direito privado.


3 DA POSSIBILIDADE DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS NO CONFRONTO COM O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS E A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

Considerando a natureza pública do serviço prestado pelo servidor público, uma das teses a desfavor ao exercício do direito de greve por estes trabalhadores é sobre o risco que a paralisação cause prejuízos à sociedade, assim como o conflito de interesses e de leis, pois, de um lado, tem-se o direito de greve e do outro, a supremacia do interesse público sobre o privado e a continuidade dos serviços públicos.

A CRFB de 1988 além de prever direito de greve já existente na Constituição de 1946, trouxe novas disposições e abrangeu o tema de forma mais completa, sem se esquecer dos servidores públicos, apesar da omissão legislativa quanto ao exercício de greve dos mesmos. A Constituição de 1988 ultrapassou barreiras e previu ainda o direito à sindicalização, antes somente existente para os obreiros da iniciativa privada. Ao mesmo tempo em que se criou uma maior efetivação do direito de greve aos servidores públicos, o legislador provocou um verdadeiro impasse que circunda entre a dignidade dos cidadãos versus a dignidade do trabalhador da área pública.

Vigorou no Brasil a Lei nº 4.330 de 1 de junho de 1964 que regulava o direito de greve na forma do artigo 158 da CRFB de 1988, que previa em seu artigo 4º a proibição de exercício da greve, qual seja:

A greve não pode ser exercida pelos funcionários e servidores da União, Estados, Territórios, Municípios e autarquias, salvo se se tratar de serviço industrial e o pessoal não receber remuneração fixada por lei ou estiver amparado pela legislação do trabalho (BRASIL, 1964)

Ainda neste âmbito de proibição do movimento paredista por servidores públicos, independente da esfera à qual pertence, o artigo 37 da Lei nº 6.620, de 17 de dezembro de 1978, a Lei de Segurança Nacional: 

Cessarem funcionários públicos, coletivamente, no todo, ou em parte, os serviços a seu cargo.

Pena: detenção, de 8 meses a 1 ano.

Parágrafo único - Incorrerá nas mesmas penas o funcionário público que, direta ou indiretamente, se solidarizar com os atos de cessação ou paralisação do serviço público ou que contribua para a não execução ou retardamento do mesmo (BRASIL, 1978)

Na contramão da tipificação da greve como um delito, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 mudou este panorama, contemplando o direito de greve aos servidores públicos, independente da esfera à qual se filie: municipal, estadual ou federal, e indo além da previsão existente na Constituição de 1946.

A omissão legislativa existente quanto ao exercício de greve fez com que muitos sindicatos de servidores públicos das mais diferentes espécies ingressassem com ações perante o Poder Judiciário para que fosse reconhecido este direito e para que não caracterizasse abusividade do movimento paredista através do Mandado de Injunção, conforme artigo 5º, inciso LXXI:

[…] conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (BRASIL, 1988).

Dentre os mandados de injunção impetrados, um é o que ganha destaque na busca pelo direito de greve dos servidores públicos: MI nº 670/ES julgado em 2007 pelo STF e considerado pioneiro na luta pela aplicabilidade da Lei 7783/1989 aos trabalhadores da iniciativa pública. Este remédio constitucional foi impetrado pelo Sindicato da Polícia Civil do Espírito Santo- SINDPOL- e que resultou na aplicabilidade direta da Lei 7783/1989:

MANDADO DE INJUNÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL (CF, ART. 5º, INCISO LXXI). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS (CF, ART. 37, INCISO VII). EVOLUÇÃO DO TEMA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA SEGURANÇA JURÍDICA E À EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA INTERPRETAÇÃO DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS Nos 7.701/1988 E 7.783/1989. (MI 670/ES, Relator: MAURÍCIO CORRÊA, Data de Julgamento: 25/10/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 31/10/2008) – sem grifo no original (BRASIL, 2008a). 

Outro caso em que a aplicabilidade da Lei n 7783/89 efetivou-se foi no MI nº 712/PA com o voto de autoria do relator Ministro Eros Grau no ano de 2008: 

MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR QUANTO À

SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. [...] 2. A Constituição do Brasil reconhece expressamente possam os servidores públicos civis exercer o direito de greve --- artigo 37, inciso VII. A Lei n. 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, afirmado pelo artigo 9º da Constituição do Brasil. Ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis. 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/88 exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto da Constituição. [...] 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Sua auto- aplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. [...] 9. A norma veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a coesão social. 10. A regulamentação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo porque "serviços ou atividades essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a "serviços públicos"; e vice-versa. 11. Daí porque não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. [...] 12. O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de que a Corte estaria então a legislar o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil]e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. 16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da Constituição do Brasil. (MI 712/PA, Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento: 25.10.2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 31.10.2008) – sem grifo no original. (BRASIL, 2008b).  

As decisões acima expostas aplicam aos servidores públicos civis a Lei nº 7783/89 no que lhe couber quanto ao exercício do direito de greve, consagrando a aplicabilidade por analogia da norma, eis que, como já mencionado, esta Lei nasceu para atender aos trabalhadores da iniciativa privada.

Questão já trazida é a do princípio da continuidade dos serviços públicos. O serviço público, considerando a sua natureza pública e a de atender, precipuamente às necessidades inadiáveis da sociedade, via de regra não pode ser paralisado, eis que geraria um verdadeiro caos nos direitos dos cidadãos e instauraria uma enorme desordem em nossa sociedade.

Aqui busca-se a satisfação do interesse público, ou seja, demonstra que a finalidade do Estado deve se aliar à necessidade e comodidade da população, garantindo assim à sociedade o fornecimento de um serviço adequado e de suas vantagens prestacionais.

A continuidade dos serviços públicos é um axioma que determina características essenciais a estas espécies de serviços e, neste sentido, Araújo (2010) entende que a não interrupção, disponibilidade dos serviços quando acionados, delegação de competências, substituição funcional e a aplicabilidade às concessões e permissões preenchem este rol de caracteres.

A continuidade não deve somente manter os serviços de forma contínua, é princípio que vai além e que, na visão de José Cretella Júnior: 

[…] o cuidado que a Administração demonstra para assegurar a prestação contínua e regular dos serviços públicos pode ser aferido na criação de institutos como os da suplência, da delegação e da substituição, ou na punição dos agentes que concorrem para a interrupção ilegítima dos serviços (CRETELLA JR, 1976, p. 37).

Apesar desse importante princípio vedar a interrupção dos serviços públicos, ele não é absoluto, comportando determinadas exceções, quais sejam: o inadimplemento do usuário na hipótese de serviço público singular remunerado por tarifa; a interrupção dos serviços em hipóteses de necessidade de reparos e obras; e o direito de greve dos servidores públicos, tema deste trabalho.

Em relação à greve dos servidores públicos enquanto hipótese de restrição ao princípio da continuidade dos serviços públicos, Araújo analisa que:

[…] o direito de greve nos serviços públicos sempre foi vedado com base no princípio da continuidade dos serviços públicos. Essa vedação era absoluta, mas a atual Constituição Federal a abrandou, admitindo tal tipo de greve nas condições a serem definidas em lei complementar, que, até o momento, não foi promulgada (ARAÚJO, 2010, p. 87).

No mesmo sentido acima e em relação ao status absoluto deste axioma, Moacyr Lobo da Costa pondera que:

[…] quanto ao direito de greve dos servidores públicos, tal direito vinha sendo, como tal fundamento, expressamente vedado pelo ordenamento constitucional (art. 157, § 7º da CF de 1967; art. 162, da EC de 1969), mas o texto vigente o admitiu, nas condições a serem definidas em lei complementar, consideradas as atividades essenciais e o atendimento às necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º, §§1º e 2º; art. 37, VII, da CF). Esta lei ainda não existe, pois a Lei Federal n. 7783, de 28 de junho de 1989, apesar de definir como serviços essenciais quase que somente serviços públicos tradicionais (art. 10 e incisos), não é aplicável a servidores da Administração direta, indireta e fundacional (art. 16) (COSTA, 1997, p. 33).

A flexibilização do princípio da continuidade em prol da greve dos servidores públicos certamente caminha para um conflito de interesses, pois, se o serviço possui natureza pública e atende às necessidades inadiáveis de toda uma coletividade, razão se faz para pensar que o movimento grevista não é passível de conciliação com as necessidades sociais, entendimento que ganha respaldo de Araújo (2010).

Desta forma, no que tange ao princípio da continuidade dos serviços públicos, verifica-se que, frente a amplitude concedida pela CRFB de 1988 ao direito de greve dos trabalhadores do setor público, não há a prima facie qualquer ilegalidade ou confronto de normas, tendo em vista que a suspensão do serviço público por seus agentes é hipótese de exceção à continuidade destes serviços.

Ainda que seja aceita a greve dos servidores como forma de exceção ao princípio da continuidade dos serviços públicos, o conflito de interesses entre trabalhador e sociedade permanece e não ganhou uma solução por completo, pois permanece a lacuna legislativa e aplicabilidade analógica da Lei nº 7.783/89. Neste ponto entre a luta de forças e de direitos surge o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.

O Estado é o titular do interesse público, pois nele é vista a síntese de coletividade e sociedade, podendo ele, enquanto autoridade, dispor desse interesse e somente em hipóteses previstas legalmente, em extrema observância ao princípio da legalidade, ou seja, os agentes públicos no desempenho de suas funções são vedados de dispor de qualquer interesse público ou ainda de fazer prevalecer a sua vontade, pois, como entende Araújo (2010), os agentes públicos detém tão somente a guarda do interesse público e não a sua titularidade.

Assim, observa-se que o interesse público é indisponível e, como consequência disso, Araújo (2010) assim se posiciona:

Os poderes atribuídos ao administrador, com efeito, são estes: guarda, gerenciamento, fiscalização etc., em oposição aos poderes característicos de proprietário, como alienação e disposição (ARAÚJO, 2010).

O fato do interesse público ser indisponível eleva tal interesse à condição de inalienável, impenhorável, intransigível, intransferível a particulares e, na visão de Celso Antônio Bandeira de Mello (2007), este conjunto representa a sua indisponibilidade.

Diante do paradigma entre o direito fundamental de greve dos servidores públicos e da indisponibilidade do interesse público, surge um conflito para ser dirimido acerca de que medida a greve dos servidores públicos pode ser realizada enquanto o interesse público é supremo ao privado e deve prevalecer.

A supremacia do interesse público sobre o privado representa um princípio balizador das atividades dos servidores públicos e do direito administrativo e na visão de Celso Antônio Bandeira de Mello

Trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o particular, como condição até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último. É pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos e resguardados (MELLO, 2007, p. 60).

Assim como Bandeira de Mello, Di Pietro (2014) entende que o interesse público, por sua característica de indisponível é supremo e que o interesse dos particulares é reflexo:

Se a lei dá à Administração os poderes de desapropriar, de requisitar, de intervir, de policiar, de punir, é porque tem em vista atender ao interesse geral, que não pode ceder diante do interesse individual (DI PIETRO, 2014, p. 70).

Considerando que a atribuição estatal está pautada no atendimento das necessidades da sociedade, não se admite que ele, através de seus agentes e entidades, atue na contramão ou sem o respaldo de interesse público existente de fato.

O princípio da supremacia do interesse público, na visão de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1989), deve ser chamado de princípio da finalidade pública, considerando ser o atendimento à coletividade a finalidade e raiz da existência da Administração Pública e da atuação do Administrador, sendo instrumento balizador de extrema importância no Direito Administrativo.

De acordo com Daniel Sarmento (2004), esta sobreposição de interesse público sobre o particular com a ideia de anulação do direito privado é decorrente principalmente de duas correntes filosóficas que possuem traços em comum: organicismo e o utilitarismo, enquanto a ideia de sobreposição do interesse privado sobre o público, de acordo com Norberto Bobbio (2000), deriva do individualismo.

O organicismo funda-se na concepção de que cada pessoa é integrante de uma sociedade, seria um fragmento dessa sociedade e que o bem de cada pessoa apenas estaria satisfeito se o bem comum for alcançado, e para isso, segundo Gustavo Binenbojm (2008), o interesse do grupo social goza de supremacia sobre o interesse de particulares. Neste sentido, Georg Wilhelm Hegel (2003, p. 217) assume que “[…] os indivíduos têm no Estado o seu mais elevado ser”.

O organicismo proposto por Hegel (2003) foi a base teórica de diversos sistemas políticos existentes ao decorrer do século XX, inclusive o comunismo, onde a ideia da felicidade como um processo coletivo abriu as portas para a liberdade e fins de governos ditatoriais, colocando a figura do Estado e de sua Administração Pública como responsáveis diretos pela finalidade a ser atingida na vida dos cidadãos.

Por outro lado, tem-se a figura do Utilitarismo que, de maneira simples afirma que o ato ou procedimento moralmente correto é o que proporciona a felicidade da maior quantidade de pessoas, e não de todos como no organicismo. Aqui ainda como bem salienta Will Kymlicka (2006), o utilitarismo estaria intimamente ligado a moral humana, e esta moral seria desenhada a partir da maximização da felicidade dos seres humanos.

Uma das características utilitaristas que ganha destaque é o denominado consequencialismo, que requer a análise quanto à importância da atitude a ser tomada, e, se ela causará a maximização de felicidade, impedindo de pronto que as vedações morais sem uma explicação sólida sejam utilizadas, havendo uma razão e um pensamento para os malefícios e para os benefícios das condutas adotadas.

Nesta esteira de consequencialismo, pode-se citar que a greve dos servidores públicos apesar de estar prevista constitucionalmente e corresponder ao exercício de um direito considerado fundamental aos trabalhadores, seja da iniciativa privada, seja do setor público, seria ruim por ferir a prestação de atendimento básico de necessidades, por vezes vitais, do povo, não contendo lados positivos para a população.

O filósofo Kymlicka descreve que o utilitarismo possui dois atrativos que o diferencia de outras correntes filosóficas:

[…] são o fato que ele se amolda à nossa intuição de que o bem-estar humano tem importância e à nossa intuição de que as regras morais devem ser testadas no que diz respeito a suas conseqüências para o bem-estar humano. E, se aceitamos esses dois pontos, então, o utilitarismo parece uma decorrência quase que inevitável. Se o bem-estar humano é o bem de que se ocupa a moralidade, então, com certeza, o melhor ato em termos morais é aquele que maximiza o bem-estar humano, dando igual peso ao bem-estar de cada pessoa. Os que crêem que o utilitarismo tem de ser verdadeiro estão convencidos de que qualquer coisa que negue qualquer uma dessas duas intuições deve ser falsa (KYMLICKA, 2006, p. 14).

A felicidade extremada alcançado a maior quantidade de pessoas possível é chamada pelos utilitaristas de utilidade. O atendimento da utilidade de todas as pessoas é impossível, logo, a visão consequencialista de promover a utilidade das pessoas, e quando promovida, estaria sendo satisfeita todas as preferências de todas as pessoas é equivocada. Isto se dá pela ausência de recursos para que todos sejam atingidos.

Da impossibilidade de se atender a todos é que se situa a supremacia do interesse público sobre o privado, ou seja, o interesse da população em manter o seu serviço público funcionando prevalece sobre a greve dos servidores públicos, considerando-se que os destinatários dos serviços estão em maior número do que os responsáveis por prestarem o serviço, afastando de vez a ideia individualista pregada nos movimentos grevistas.

Neste sentido Kymlicka afirma que

[…] as preferências de algumas pessoas não estarão satisfeitas se estiverem em conflito com o que maximiza a utilidade de maneira geral. Isso é infeliz. Mas, como os vencedores necessariamente ultrapassam o número de perdedores, não há nenhuma razão pela qual as preferências dos perdedores devam ter precedência sobre as preferências mais numerosas (ou mais intensas ) dos vencedores.

[…] portanto, devemos proporcionar conseqüências que satisfaçam o maior número de preferências entre as pessoas da sociedade (KYMLICKA, 2006, p. 25)

Desta forma, pode-se concluir que o interesse público sobre o privado é preceito fundamental na prestação do serviço público e no mundo do dever-ser, vez que, na prática, o que se vê é a concessão do exercício do direito de greve por uma legislação que não lhe é própria, bem como trazendo prejuízos à coletividade em prol de interesses particulares, considerando ser a greve um obstáculo aos direitos dos cidadãos à efetiva prestação dos serviços pelo qual pagam através do recolhimento de tributos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de ser um direito constitucionalmente previsto, o direito de exercício de greve pelos servidores públicos do Brasil ainda é um tema que levanta bastante controvérsias, considerando-se a indisponibilidade do interesse público, a supremacia deste citado interesse e ainda a ausência de legislação específica sobre o tema, que é um requisito para o reconhecimento e efetivação deste direito.

Com o decorrer do trabalho pôde-se concluir pela fundamentalidade do direito de greve e a sua constitucionalização cada vez mais ampla, onde o mesmo sofreu uma enorme evolução da Constituição de 1946 para a Constituição de 1988, estendendo-se este direito para os servidores públicos que, por vezes, possuem seus salários congelados e não possuem reajustes salariais durante anos, além de pressionar o Poder Público por melhores condições de trabalho, mesmo ganhando em algumas oportunidades mais de 30 (trinta) vezes o salário de um cidadão comum.

Importante ainda ressaltar que o STF em papel unânime no ano de 2007 tomou a frente desta discussão e decidiu pela aplicabilidade da Lei 7.783/89 aos trabalhadores do setor público, reconhecendo a omissão legislativa existente, e, ao mesmo tempo, buscando atender ao requisito constitucional do artigo 37, VII, CRFB de 1988, qual seja, lei específica regulando sobre o tema.

Apesar da aplicação da Lei 7.783/89 a estes trabalhadores, esta lei foi criada para atender aos obreiros da iniciativa privada e aplicada aos agentes públicos por meio da analogia. A aplicação da lei de greve a estes não preencheu a lacuna que ainda precisa ser exaurida através da criação da lei voltada para o interesse desta categoria de trabalhadores, ou seja, a greve é exercitada, mas sem preenchimento de todos os seus requisitos.

É válido salientar ainda que, o exercício do direito de greve pelos servidores públicos não confronta o princípio da continuidade dos serviços públicos, eis que, este axioma não possui caráter absoluto, permitindo-se hipóteses em que o serviço público pode ser suspenso, e uma delas é justamente a deflagração de movimento paredista por trabalhadores da iniciativa pública.

Ainda é possível traçar que o direito da coletividade está assegurado não somente por correntes filosóficas como organicismo e o utilitarismo, mas também por princípios dentro do direito brasileiro como o da indisponibilidade do interesse público e a supremacia do interesse público, principalmente no que tange à adequada prestação dos serviços públicos.

Respondendo à indagação proposta nesta pesquisa verifica-se que a greve dos servidores públicos no direito pátrio é regulamentada pelo artigo 37, VII da CRFB de 1988 e exercida dentro dos limites e ditames da Lei 7.783/89, denominada lei de greve. Verifica-se ainda que esta greve não fere os princípios da continuidade dos serviços públicos, mas que fere sim a supremacia do interesse público sobre o privado e o princípio da indisponibilidade do interesse público, tendo em vista que a natureza do serviço prestado é pública. 

Por fim, permitir o exercício de greve pelos funcionários públicos sem que haja lei específica regulamentadora é permitir a preponderância do individualismo e ir na contramão do Direito Administrativo e das funções públicas, pois trata-se de uma verdadeira supremacia do interesse privado sobre o público.


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Renovar. 2008

BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. Tradução Marco Aurelio Nogueira.  6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2000.

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______. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm>. Acesso em: 27 jul. 2016.

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Autor

  • Pedro Carvalho Goularte

    Advogado Especialista na área de Fazenda Pública em Juízo pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Bacharel em Direito pela Faculdade Estácio de Sá de Vitória. Pós graduando em Direito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante. Coordenador das cadeiras de Direito do Trabalho e Direito do Consumidor da C&G Advocacia e Consultoria Jurídica. Membro da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB/ES.

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, Pedro Carvalho Goularte. A continuidade dos serviços públicos, a supremacia do interesse público e a greve dos servidores públicos: Um paralelo entre o direito do trabalhador, a prestação do serviço público e a sua natureza pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5497, 20 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67596. Acesso em: 19 abr. 2024.