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O feminicídio dois anos após a promulgação da lei

O feminicídio dois anos após a promulgação da lei

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A obra possui o objetivo de analisar a realidade, dados, legislações e medidas protetivas referentes ao assassinato de mulheres em contextos marcados pela desigualdade de gênero e propor um novo olhar sobre este tema.

INTRODUÇÃO

Este estudo tem por objetivo analisar a realidade, dados, legislações e medidas protetivas referente ao assassinato de mulheres em contextos marcados pela desigualdade de gênero e propor um novo olhar sobre este tema, promovendo um questionamento sobre o real fator que propicia a existência da prática deste crime e a efetividade da aplicação da lei para mitigar a prática deste crime.

Após a realização de pesquisas bibliográficas e de campo para fundamentação de nossos entendimentos sobre o tema, salta aos olhos o fato de este crime ser cometido por homens, contra mulheres, motivado por uma questão de gênero.

Na medida em que aprofundamos nossa investigação, passamos a questionar a origem do problema, buscando entender a ligação entre as violências contra a mulher e a questão de gênero. Passamos a buscar entendimentos mais profundos no sentido de explicar a origem da deturpação da ótica do ser masculino sobre a figura da mulher.

As constatações obtidas em nosso trabalho de pesquisa nos indicaram que esta construção desvirtuada da figura da mulher, construída a partir da visão masculina, pode ser percebida, entendida e cuidada, para auxiliar as ações que resultem na redução dos índices de violência contra a mulher.

A pesquisa está subsidiada em diversos artigos, trabalhos científicos, livros, doutrinas e outras publicações que enriqueceram nossos entendimentos. Também visitamos Delegacias comuns e Delegacias de Defesa da Mulher dos municípios de Sorocaba, Tatui e Itapetininga para a exposição de perguntas através de questionário que oportunamente será introduzido neste trabalho.

Para completar nossa análise, consultamos duas psicólogas clínicas que nos ajudaram a compreender a importância do reconhecimento de um possível agressor em um ambiente familiar ou profissional.

Nosso trabalho se propôs fazer uma reflexão sobre este tema tão intrigante, que expõe mulheres de todo país ao risco de ter seus valores, seus sentimentos, sua dignidade e seu bem maior, a sua vida, conduzida por alguém com quem se convive e com vínculo afetivo de onde brota um sentimento doentio que cresce e se alimenta de fantasias e que podem fazer desaparecer a paz nas relações afetivas ou familiares, além de poder levar à privação da vida de alguém despropositadamente.


1 FEMINICÍDIO

1.1 Definindo o feminicídio

O feminicídio é uma qualificadora de homicídio que foi incluída no Código Penal Brasileiro pela Lei n° 13.104, de 09 de março de 2015, que alterou o artigo 121 do Código Penal (Decreto – Lei nº 2.848/1940). Esta lei é aplicada em caso de assassinato praticado contra mulheres em razão de gênero, seja por discriminação à condição de mulher ou por violência doméstica e familiar.

Para entender o que é o feminicídio, é necessário compreender o que é violência de gênero, já que este crime é a expressão extrema, final e fatal das diversas violências que atingem as mulheres em sociedades marcadas pela desigualdade de poder entre os gêneros masculino e feminino e por construções históricas, culturais, políticas e sociais discriminatórias. É um crime de homicídio doloso qualificado contra a vida da mulher, que mesmo não sendo produto de uma relação de afeto, será considerado feminicídio pela condição de ser mulher.

Segundo a socióloga Eleonora Menicucci, professora titular de Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo e ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, em seu discurso na cerimônia de sanção da lei de feminicídio:

O feminicídio é a morte violenta de mulheres por razões de gênero. Trata-se de um crime de ódio. Seu conceito surgiu na década de 70 com o fim de reconhecer e dar visibilidade à discriminação, opressão, desigualdade e violência sistemática contra as mulheres que em sua forma mais extrema, culmina na morte.

 A socióloga explicita sobre a modalidade, de forma a esclarecer sobre a amplitude dos atos envolvidos na prática deste crime bem como salienta a respeito de suas origens: 

 Essa forma de assassinato não se constitui em evento isolado e nem repentino ou inesperado; ao contrário, faz parte de um processo contínuo de violências, cujas raízes misóginas, caracterizam o uso de violência extrema. Inclui uma vasta gama de abusos, desde verbais, físicos e sexuais, como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie”. (Trecho extraído da íntegra do discurso divulgado em 09/03/2017 pela Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres – Secretaria de Governo da Presidência da República.

Podemos constatar que estas desigualdades e descriminações envolvidas neste tipo de crime manifestam-se de diversas formas, no âmbito doméstico e familiar, que vão do acesso desigual a oportunidades e direitos até violências mais graves. É esse círculo que alimenta a perpetuação dos casos de assassinatos de mulheres por parentes, parceiros ou “ex” que, motivados por um sentimento de posse, não aceitam o término do relacionamento ou a autonomia da mulher.

Com a crescente pressão da sociedade civil, que vinha denunciando a omissão e a responsabilidade do Estado na perpetuação do feminicídio, o crime foi definido legalmente. A Lei foi criada a partir de uma recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (CPMI – VMC), que investigou a violência contra as mulheres nos Estados brasileiros entre março de 2012 e julho de 2013 (Senado Federal 2013).

Assim, segundo o Código Penal, feminicídio é: “assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino”, isto é, quando o crime envolve “violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. A pena prevista para o homicídio qualificado é de reclusão de 12 a 30 anos.

Ao incluir o feminicídio como circunstância qualificadora do homicídio, o crime foi adicionado ao rol dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/1990) desde 2015, como o estupro, o genocídio e o latrocínio. Foram reconhecidos ainda, como causas de aumento da pena em 1/3, o cometimento do crime durante a gestação ou nos três primeiros meses posteriores ao parto, contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos de idade, ou de mulher com deficiência, ou, ainda, na presença de ascendentes ou descendentes da vítima (Lei nº 13.104/2015). Para além do agravo da pena, o aspecto mais importante da tipificação, segundo especialistas, é chamar atenção para o fenômeno e promover uma compreensão mais acurada sobre sua dimensão e características nas diferentes realidades vividas pelas mulheres no Brasil, permitindo o aprimoramento das políticas públicas para coibi-lo. (PRADO e SANEMATSU, 2017).

A tipificação do feminicídio vinha sendo reivindicada por movimentos de mulheres ativistas e pesquisadoras, como um instrumento essencial para tirar o problema da invisibilidade e apontar a responsabilidade do Estado na permanência destas mortes.

Neste sentido, indiscutivelmente todas as mulheres conquistaram um avanço na lei que as protege.

1.2 Questão histórica sobre o posicionamento da mulher na sociedade

O legado de leis discriminatórias contra a mulher brasileira é implacável e pode ser reconhecido através dos tempos.

Como exemplos das construções dos lugares desiguais de homens e mulheres na sociedade, a legislação do Brasil Colônia dava aos maridos o direito de assassinar as mulheres. (PRADO e SANEMATSU, 2017).

Por outro lado, nosso Código Civil, que vigorou de 1916 a 2002, considerava mulheres casadas incapazes, assim como ocorreu com a escravidão, que legalizava o tratamento de seres humanos negros e negras como “coisas”.

Outro exemplo é o Código Penal brasileiro, datado de 1940, e que até recentemente previa a extinção da punibilidade a um estuprador caso se casasse com a vítima. A própria Lei n° 9.099/1995, que instituiu os Juizados Especiais Criminais destinados a processar os delitos de menor potencial ofensivo, levou a banalização dos casos de violência doméstica contra mulheres, propondo, por exemplo, punições alternativas para os agressores, com a doação de cestas básicas ou o pagamento de multas.

Sem dúvida, para eliminar o legado negativo de leis discriminatórias contra a mulher ao longo do tempo, é necessário promover atualizações na própria doutrina jurídica, uma vez que a assimilação e a prática de novos modelos de relações humanas não ocorrem de forma imediata. (CEPIA 2013, Violência Contra a Mulher e Acesso á Justiça)

1.3 Entendendo o requisito normativo: “razões da condição de sexo feminino”

Tendo em vista que a qualificadora do crime de feminicídio não se refere a uma questão de sexo (categoria que pertence à biologia), mas a uma questão de gênero (referente à sociologia, a padrões sociais do papel que cada sexo desempenha), é conveniente que façamos algumas considerações sobre esta particularidade, bem como as circunstâncias que caracterizam as “razões de condição de sexo feminino”.

 A violência de gênero envolve uma determinação social dos papéis masculino e feminino. Estes papéis atribuídos a homens e mulheres são acompanhados de códigos de conduta introjetados pela educação diferenciada que atribui o poder de controle das circunstâncias ao homem, o qual as administra com a participação das próprias mulheres, o que tem significado ditar-lhes rituais de entrega incondicional, contenção de vontades, recato sexual, a vida voltada para questões meramente domésticas e a priorização da maternidade de maneira geral. Mesmo muitas mulheres que trabalham e que têm estabelecido relações profissionais, muitas vezes não abandonam o sistema de controle a que se veem submetidas. (GOMES, 2014).

Desta forma, fica então caracterizado uma desbalanceada relação entre os sexos que comumente cria uma aparência não de interdependência, mas sim de uma hierarquia autoritária. Tal situação cria condição para que o homem sinta-se legitimado a fazer uso da violência e nos permite compreender vítima da agressão a ficar muitas vezes inerte, e, mesmo quando toma algum tipo de atitude, acabe por se reconciliar com o companheiro agressor, depois de reiterados episódios de violência. Ouvimos muito isso por parte dos delegados e atendentes que entrevistamos nas Delegacias de Defesa das Mulheres (DDMs) visitadas em nossa pesquisa de campo e, oportunamente apresentaremos nossos achados. (GOMES, 2014).

Quanto às circunstâncias que caracterizam as “razões de condição de sexo feminino”, devemos apontar as seguintes:

  • violência doméstica e familiar contra a mulher;
  • menosprezo à condição de mulher;
  • discriminação à condição de mulher.

1.4 Evolução da proteção legal até o advento da lei do feminicídio

Como já é de entendimento de muitos magistrados, a subjugação máxima da mulher por meio de seu extermínio tem raízes históricas na igualdade de gênero e sempre foi invisibilizada e, por consequência, tolerada pela sociedade.

Entretanto, é importante registrar que nem todo homicídio de mulheres é motivado por questões de gênero, ou seja, não se pode generalizar a aplicação do conceito de feminicídio indistintamente.

Neste ponto vale esclarecer que o homicídio de mulher (ou feminicídio) é enquadrado no Art 121 do nosso Código Penal. Trata-se de um crime de homicídio quando promovido contra a mulher não por razões decorrentes do fato de ela ser mulher.

Motivados pela política internacional de outros países que já levantavam a bandeira, pela necessidade de se atentar para a incidência de crimes contra a mulher e pressionados por casos reais de notoriedade nacional contra a integridade de mulheres, o Estado brasileiro se viu imbuído a criar em a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340) em 2006 e os parâmetros que definem a violência doméstica contra a mulher foram estabelecidos como: qualquer ação ou omissão que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, independente da orientação sexual. 

Esta lei trouxe institutos e medidas protetivas importantes às mulheres no âmbito doméstico (laços de convivência) e no âmbito familiar (laços de parentesco).

Já a preocupação de criar uma legislação específica no Brasil para punir e coibir o feminicídio segue as recomendações de organizações internacionais, como a Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW) e o Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), ambos da ONU.

As Diretrizes Nacionais para Investigar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres (ONU Mulheres, 2016), aponta que o gênero se refere a construções sociais dos atributos femininos e masculinos definidos como papéis percebidos como inerentes à “feminilidade” ou à “masculinidade”. Os papéis de gênero podem ser descritos como comportamentos aprendidos em uma sociedade, comunidade ou grupo social nos quais seus membros são condicionados a considerar certas atividades, tarefas e responsabilidades.

Cada um desses papéis é reproduzido por atitudes, comportamentos, valores e hábitos que variam segundo a idade, raça, etnia, classe social, situação econômica, religião ou outras ideologias, assim como pelo meio geográfico e o sistema econômico, cultural e político e de cada sociedade. Portanto, vão se materializar de diferentes maneiras históricas e culturais, variando no tempo e no espaço, entre países e dentro de um mesmo país.

Independente das diferenciações culturais, o feminicídio discorre a cerca de uma relação na qual a condição de ser mulher está presente, e a relação familiar e até mesmo social, em que a figura da descriminização esteja presente, será considerada feminicida.

1.5 Modalidades de assassinatos reconhecidos como feminicídio

(ONU Mulheres, 2014; Diretrizes Nacionais; Modelo de Protocolo Latino-Americano)

1.6 Reconhecendo o agressor

É notório e merecidamente reconhecido que a criação das Leis 11.340/06 – Lei Maria da Penha – que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, 13.104/15 que alterou o código penal incluindo mais uma qualificadora do crime de homicídio, o feminicídio – quando o crime for praticado contra a mulher por razões da condição de gênero – veio trazer garantias e maior proteção às mulheres que sofrem quaisquer tipos de violências, sejam elas praticadas por seus companheiros, superiores a quem são subordinadas profissionalmente, ou ainda todo tipo de homem que venha a praticar esse crime.

As leis trouxeram a sociedade grandes discussões e reflexões a respeito da violência doméstica contra a mulher e do crime de homicídio em sua modalidade qualificadora feminicídio. Ao colocar a mulher no centro das discussões, o que se encontra fatalmente são dados alarmantes e preocupantes.

Uma pesquisa do Instituto Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança e divulgada pela Revista Exame, revela que uma em cada três mulheres sofreram algum tipo de violência no último ano. Só de agressões físicas, o número é alarmante: 503 mulheres brasileiras vítimas a cada hora. Os dados mostram ainda que 22% das mulheres brasileiras sofreram ofensa verbal no ano passado, um total de 12 milhões de mulheres. Além disso, 10% das mulheres sofreram ameaças de violência física, 8% sofreram ofensa sexual, 4% receberam ameaça com faca ou arma de fogo, e ainda 3% ou 1,4 milhões de mulheres sofreram espancamento ou tentativa de estrangulamento e 1% levou pelo menos um tiro.

A pesquisa mostra ainda que, entre as mulheres que sofreram violência, 52% se calaram. Apenas 11% procuraram uma delegacia da mulher e 13% preferiram o auxílio da família. O agressor, na maior parte das vezes, é um conhecido (61% dos casos). Em 19% das vezes, eram companheiros atuais das vítimas e em 16% eram ex companheiros. As agressões mais graves ocorreram dentro da casa das vítimas em 43% dos casos, ante 39% nas ruas.

O levantamento do Instituto Datafolha de 2016 apontou que 40% das mulheres acima de 16 anos sofreram algum tipo de assédio, o que inclui receber comentários desrespeitosos nas ruas (20,4 milhões de vítimas), sofrer assédio físico em transporte público (5,2 milhões) e ou ser beijada ou agarrada sem consentimento (2,2 milhões de mulheres). Os assédios mais graves aconteceram entre adolescentes e jovens de 16 a 24 anos e entre mulheres negras. Só entre as vítimas de comentários desrespeitosos, 68% eram jovens e 42% mulheres negras. Já em assédio físico em transporte público, 17% eram jovens e 12% negras.

E esse tipo de violência todo mundo percebe. Cerca de 66% dos brasileiros presenciaram uma mulher sendo agredida fisicamente ou verbalmente em 2016. E, em vez de o cenário ter melhorado, a sensação da maioria dos brasileiros (73%) é de que a violência contra a mulher aumentou ainda mais na última década. A maior parte das mulheres (76%) acreditam no mesmo.

Muito mais que apontar esses dados, o presente artigo quer trazer à tona um assunto ainda pouco discutido no âmbito dessas leis. As questões que nos cercam nesse ponto são: Como as mulheres podem reconhecer um possível agressor e se precaver das investidas do mesmo? O que deve ser feito para afastar essa possível agressão?

Tratar de assunto tão polêmico e delicado, requer cuidado e sensibilidade, uma vez que tratamos de seres humanos expostos, muitas vezes em suas fragilidades, aos mais diversos tipos de agressões que possam ser cometidas contra elas. É claro que cada situação deve ser analisada de forma única e profunda na medida em que se fizer necessário. Por isso o assunto aqui sob análise encontra-se de forma genérica.

Toda agressão, em qualquer que seja a sua forma, como já vimos neste artigo, percorre um caminho que culmina com o fato ocorrido. Tão importante quanto a punição do agressor depois ter cometido tal fato, ou ainda, as medidas protetivas que se seguem após o evento, seria reconhecer a sua figura antes do crime. Porém sabemos que nem sempre isso é possível, seja pelo envolvimento sentimental que a vítima possui com o agressor, ou ainda pela falta de esclarecimento e conscientização da sociedade. Esta última como vimos é dever do Estado em cumprir, uma vez que ajudar as vítimas a reconhecerem seus possíveis agressores teria como consequência a coibição do fato em si, e isto traria benefícios tanto para o Estado quanto para a pessoa em grau de maior importância.

O ambiente doméstico desde os tempos mais distantes tem seu revelado como principal reduto nas práticas do crime contra a mulher, seja ele cometido por seu companheiro, através de uma relação de emprego ou ainda familiar. O reconhecimento do agressor quando este pertence ao seu núcleo familiar é sempre tarefa difícil e, por diversas vezes dolorosa. Mesmo depois do fato consumado, vimos que 52% das mulheres que sofreram a violência se calaram. Se difícil é tomar a decisão de denunciar um agressor após o cometimento da agressão, torna-se ainda tarefa quase impossível identificar esse agressor e tomar a decisão de romper o laço que o une a ele e, nos casos mais graves de pedir ao Estado proteção para que a agressão não se concretize de fato.

Neste sentido, a especialista em Sexologia, Psicologia Clínica de adultos e Psicoterapia Camila Rodríguez Fernández publicou no site Portal Raízes, um estudo revelando dez características de um possível agressor de mulheres. Sendo este, fato pertinente ao artigo em questão, subscrevemos essas características abaixo:

1

Carência afetiva

Nas palavras do psicoterapeuta Paulo Silvio Antolini: “A carência não é gerada pela falta de “qualquer coisa”, mas pela falta de sentimentos essenciais, necessidades não atendidas no momento e da forma adequada, deixando lacunas que, não identificadas, desencadeiam reações e comportamentos que muitas vezes nem a própria pessoa entende. Mas grande parte das pessoas sequer admite que possa estar ocorrendo influências desse tipo em seu comportamento”.

2

Variações cognitivas

Pensamentos equivocados sobre as diferenças sexuais: a aparente inferioridade da mulher é uma justificativa para violência.

3

Dificuldade de comunicação

A maioria das pessoas tem dificuldade em se comunicar com os outros. Muitos vencem a barreira da timidez e fala de seus sentimentos a pessoas mais próximas. O estressado fala o que vem à cabeça e magoa com a insensatez da eloquência. O terceiro tipo de pessoas com esse problema é aquele homem que odeia ser o centro das atenções, mas se sente o centro das atenções o tempo todo. Seja o tímido, o ‘boca suja’ ou o dissimulado, todos estão no rol dos que apresentam certo grau de dificuldade para interagir.  A solução é ouvir e depois falar com calma e moderação. Para o jornalista Luiz Paulo Horta “A diferença entre o herói audaz e o insensato é tênue, é uma espécie de faro que tem a ver com o destino de cada um”.

4

Dificuldade na solução de problemas

A habilidade em resolver problemas nasce com a gente. Mas três regrinhas podem ajudar: Primeira, mergulhe no problema para conhecê-lo por inteiro. Segunda, determine o que precisa ser feito. Terceira, execute. Além destas vocês pode, por exemplo, conversar com outras pessoas, escrever possíveis soluções ou separar um tempo para relaxar e refletir. Muitas vezes a solução se apresenta quando menos se espera.

5

Baixo nível de autoestima

As pessoas com sintomas de baixa autoestima se sentem inadequadas para enfrentar os desafios do dia a dia. Não acreditam no seu potencial na própria capacidade de oferecer respostas às questões da vida. Por isso têm uma estrutura emocional pouco sólida. Daí o pessimismo e a negatividade para alcançar suas realizações pessoais, profissionais e emocionais. A solução: Entender os padrões de pensamentos, de sentimentos e atitudes da pessoa é um processo chave para o entendimento das crenças negativas, bloqueios e medos.

6

Baixa tolerância diante da frustração

Difícil para qualquer pessoa lidar com a frustração diante das expectativas que a vida oferece. Na área do comportamento emocional a intolerância quanto à rejeição é um dos fatores apontados pelos psicólogos como determinantes da agressão. Somente as pessoas com sólido equilíbrio emocional consegue lidar com este sentimento. Como podemos notar uma pessoa assim? A psicóloga portuguesa Catarina Vargues Conceição mostra o caminho: “A baixa tolerância à frustração pode ser percebida através de manifestações de irritabilidade fácil, comportamentos e comunicação não assertiva, desmotivação e desistência de tarefas ou objetivos”.

7

Dificuldades específicas como, por exemplo, ciúmes patológicos

O ciúme patológico injustificado é uma das principais causas da agressão do homem à mulher. A psicóloga Cristiana Pereira, da Oficina de Psicologia, ensina como identificar o ciumento patológico: “A pessoa não suporta que outros rodeiem o seu companheiro, especialmente do sexo oposto. Examina com frequência os objetos pessoais do companheiro. Apresenta uma personalidade dominante, querendo, por isso controlar tudo à sua volta”.  

8

Demonstração de machismo

Existem alguns comportamentos machistas em nosso cotidiano que nem nos damos conta. A jornalista Maíra Liguori priorizou outras atitudes relacionadas ao machismo: “Quando uma mulher não consegue concluir sua frase porque é constantemente interrompida pelos homens ao redor”. “Quando um homem dedica seu tempo para explicar algo óbvio a você, como se não fosse capaz de compreender, afinal você é mulher”. “Violência emocional por meio de manipulação psicológica que leva a mulher e os outros a acharem que é incapaz”. São atitudes do comportamento machista que se revela no estupro, na violência doméstica, na restrição econômica, na submissão e na subserviência.

9

Álcool e outras drogas. Neste caso o vício atua como agente desinibidor

Dráuzio Varella publicou na revista Science um artigo em que discute sobre a bioquímica e os fatores sociais envolvidos na violência. Nesta pesquisa traça o papel do álcool na violência através da experiência desenvolvida com ratos. Nesta pesquisa também está claro que o álcool e as outras drogas mudam o comportamento natural também nas pessoas drogadas.

10

Transtorno de personalidade. Entre os mais frequentes estão à atitude antissocial e o narcisismo

Três pontos pra identificar um antissocial: Quando ouve vozes de outros empaca para não participar da roda de conversas. Inventa que está ocupado nos fins de semana para não ter de sair de casa. Ignora as mensagens recebidas pelas redes sociais. E o narcisista tem um padrão de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia que, geralmente, começa no início da idade adulta. E se manifesta em várias situações, inclusive na agressão às mulheres.

Fonte: PORTAL RAÍZES

De fato reconhecer um possível agressor não é tarefa das mais simples, se o fosse, o Brasil não teria a quinta maior taxa de feminicídios do mundo. Os dados trazem o feminicídio como tragédias anunciadas, por isso, são evitáveis. Mas como evitar?  

Queremos nessa abordagem levantar essa questão, sobre políticas de tratamento às pessoas que possuem algum tipo de transtorno psicológico que hoje não às necessidades de mulheres que se encontram em situações de agressão ou de iminente agressão. Infelizmente a aplicabilidade da lei ainda é ineficaz nesse sentido.

1.7 Estatísticas

Fonte: REVISTA EXAME (07/2017).      

1.8 Medidas protetivas

Há três pontos relevantes a se comentar quanto á criação de medidas protetivas para os crimes contra a mulher:

  1. A não aplicação dos institutos da Lei 9.099/95, a qual criou os Juizados Especiais Criminais, á violência doméstica.

Ocorreu que a Lei 9099/90 regulamentou o dispositivo constitucional e definiu no artigo 61 o conceito de infração de menor potencial ofensivo, preceituando que: “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.”

Sendo assim, o impedimento da aplicação da lei acima aos casos de feminicídio ou até mesmo ás agressões em geral contra mulheres no ambiente doméstico, acaba por proteger a impunidade que reinaria sobre os fatos ocorridos contra o sexo feminino.

  1. Entrou em vigor, em 10/03/215, a Lei 13.104/15, que trata do feminicídio

O Brasil foi o 16° país da América Latina a prever tal figura. As três importantes novidades para o direito penal são as seguintes:

I – Alterou o artigo 121 do Código Penal para incluir como circunstância qualificadora do homicídio o feminicídio, descrevendo seus requisitos típicos;

II – Criou uma causa de aumento de pena (1/3 até a metade) para os casos em que o feminicídio tenha sido praticado:

  • Durante a gestação;
  • Nos 03 meses posteriores ao parto;
  • Contra a pessoa menor de 14 anos;
  • Contra pessoa maior de 60 anos;
  • Contra pessoa deficiente;
  • Na presença de descendente da vítima;
  • Na presença de ascendentes da vítima.

III – Incluiu o feminicídio no rol dos crimes hediondos trazidos pela Lei 8.072/90.

  1. A promulgação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), a qual traz em seu teor princípios para entendimentos de abusos contra a mulher e nos apresenta as medidas protetivas para mitigar a prática do crime de feminicídio.

Nesta lei, no título IV, Capítulo II, desta lei, temos as medidas protetivas citadas:

Seção I - Disposições Gerais

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I – conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

II – determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;

III – comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

§ 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

§ 2º As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.

Seção II - Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Seção III - Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida:

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV – determinar a separação de corpos.

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.

1.9 A subjetividade da qualificadora do feminicídio

É passível de entendimento de que a qualificadora do feminicídio é nitidamente subjetiva. Sabe-se que é possível a coexistência das circunstâncias privilegiadas, (§ 1° do art 121, CP), todas de natureza subjetiva, com qualificadoras de natureza objetiva (§ 2°, III e IV). 

Quando se reconhece (no júri) o privilégio (violenta emoção, por exemplo), não é incomum ficar afastada, automaticamente, a tese do feminicídio. Desta forma, a violência de gênero acaba por não ser uma forma de execução. Seria uma qualificadora objetiva se dissesse respeito ao modo ou ao meio de execução do crime, mas sim, sua razão, seu motivo. Por isso ela acaba por ser subjetiva. (CUNHA, 2014).

1.10 O papel do estado como provedor de auxílios às vítimas

A Lei 11.340/2006 traz inovações processuais como: as medidas protetivas de urgência, a previsão de um defensor público ou advogado para defesa dos direitos da vítima (que ofereça assistência e orientações sobre direitos da mulher), atuação do Ministério Público e da assistência judiciária.

As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, para adotar providências cabíveis a pedido da vítima como a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, afastamento do lar, domicílio ou local de convivência, proibição de aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, entre outros requisitos. Cabe ao Ministério Público requisitar força policial e serviços públicos de saúde, educação, assistência social, segurança, etc. Também fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica ou familiar e adotar imediatamente medidas administrativas ou judiciais cabíveis a qualquer irregularidade constatada.  (ALMEIDA, 2017).

A assistência judiciária é garantida a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar através do acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de assistência judiciária gratuita em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado. (ALMEIDA, 2017).

A Central de Atendimento à Mulher em situação de violência, o “Disque 180”, é um serviço de utilidade pública gratuita e confidencial, oferecido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República com objetivo de receber denúncias e orientar mulheres sobre seus direitos e legislações vigentes.

Independente das medidas protetivas e prevenções que o Estado busca empreender para proteger e diminuir fatalidades como o feminicídio, as mulheres, vitimadas pelo assédio que culmina no crime hediondo de feminicídio necessitam ser conscientizadas do que estão vivendo para que passem a denunciar. (ALMEIDA, 2017).

Entre os aspectos mais importantes, estão as medidas judiciais de proteção às mulheres em situação de violência doméstica as quais preveem ações fundamentais numa situação emergencial, como afastar o agressor da vítima ou suspender o direito de posse de armas do mesmo.

O título IV da Lei de feminicídio informa que o pedido das medidas protetivas pode ser feito pela própria mulher na delegacia, pelo advogado, defensor da vítima ou ainda pelo Ministério Público que visam proteger a integridade física e psicológica da mulher, além de evitar que ela sofra novas violências e seja prontamente atendida e protegida.

Outro ponto importante é a “Ronda Maria da Penha”, especializada no acompanhamento de mulheres que tenham medidas protetivas expedidas pelo Poder Judiciário. Através dela, se deu a iniciativa das patrulhas e rondas em várias cidades brasileiras.

1.11 Fomentando a investigação do crime de femínicídio

O escritório da ONU Mulheres no Brasil, em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, promoveu um processo de adaptação à realidade nacional do protocolo latino-americano para investigação dos assassinatos de mulheres.

Foi deste processo que nasceram as Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres (ONU Mulheres, 2016), documento que visa promover o aprimoramento da investigação policial, do processo judicial e julgamento desses crimes.

As diretrizes apontam com grande ênfase os deveres do poder público e os direitos das vítimas, destacando que o feminicídio é um crime evitável e que o Estado tem a responsabilidade de formular medidas de responsabilização, proteção e prevenção.


2. Metodologia

A metodologia utilizada primariamente para o desenvolvimento do presente artigo foi à consulta de diversas bibliografias apontadas no item referências bibliográficas, bem como a consulta de sites especializados e leitura de artigos e publicações pertinentes. Existe vasto material publicado a respeito do assunto, apesar de as referidas leis que nos propusemos a abordar serem relativamente novas. O que se encontra na realidade é uma disparidade entre aquilo que se lê e o que ocorre efetivamente na prática, pois há muita teoria e pouca aplicabilidade.

Diante disso, encaramos o desafio de sair a campo para buscar mais informações e analisar de forma enfática a aplicação da lei no dia-a-dia das delegacias comuns e delegacias de defesa da mulher.

Com um questionário sucinto abordarmos delegados das delegacias mencionadas nas cidades de Tatuí, Itapetininga e Sorocaba. A recepção nem sempre ocorreu de maneira acessível, foi preciso em alguns casos certa insistência de nossa parte para que fossemos recebidos. Alguns delegados demonstraram maior interesse em responder as questões apresentadas, outros nos responderam de forma genérica. Não nos foi permitido gravar as respostas em nenhuma ocasião.

Aqui vale ressaltar que encontramos hoje em nossas delegacias servidores despreparados no que concerne à aplicabilidade da lei, sobretudo nas delegacias comuns, cujos servidores não receberam nenhum tipo de treinamento específico acerca da aplicação dos dispositivos da lei de feminicídio. Seria esse um ponto falho no atendimento, já que as delegacias de defesa da mulher atendem somente de segunda a sexta-feira em horário comercial e, aos finais de semana e feriados são as delegacias comuns que registram essas ocorrências.

Outro fato importante percebido é que em todas as delegacias visitadas encontramos servidores do sexo masculino, algumas poucas mulheres trabalhando. Em todas elas atendiam somente delegados, entre eles algumas posições consideradas deveras machistas.

Fomos inquiridos acerca de algumas respostas obtidas, no sentido de não publicá-las e relativa a dados estatísticos, nenhuma delegacia quis mencionar a incidência de crimes ocorridos, com exceção da delegacia de defesa da mulher de Itapetininga que relatou que ocorrem cerca de oitenta registros de agressões envolvendo mulheres semanalmente.

Apresentamos ainda um questionário a duas psicólogas clínicas na tentativa de obter respostas sobre o reconhecimento de um possível agressor no ambiente familiar e profissional. Fomos bem recepcionados e obtivemos respostas claras dentro da experiência atingida por cada uma delas.

2.1 Resultados encontrados

Ao visitar as delegacias comuns e de defesa da mulher nas cidades de Tatuí, Itapetininga e Sorocaba, apresentamos o questionário cuja analise expomos nesse momento.

A primeira questão apresentada foi: Em 2016, o IPEA publicou um artigo discutindo os efeitos da Lei do Feminicídio. Uma das questões tematizadas é que essa lei define procedimentos específicos a serem adotados nas delegacias comuns. Houve alguma mudança adotada em virtude dessa determinação?

A resposta obtida nas delegacias de defesa da mulher foi: Não, as queixas para os crimes contra mulheres apenas são recebidas e encaminhadas para a DDM (Delegacia da Defesa da Mulher). As DDMs não atendem nos finais de semana e nem em feriados. Nestes casos, os plantões policiais acolhem a queixa e no primeiro dia útil, encaminham para as DDMs. Quando no município não há delegacia da Mulher, ai sim a delegacia geral assume o assunto. Na verdade, toda e qualquer delegacia poderia recepcionar e tratar da denúncia contra as mulheres. Apenas o encaminhamento para a DDM ocorre quando esta existe no município. Neste caso, recebemos e damos encaminhamento para a solicitação das medidas protetivas quando a reclamante assim solicita.

Já nas delegacias comuns, os delegados abordados responderam o seguinte: Somente recebe a queixa em plantões aos finais de semana, quando as DDMs estão fechadas, encaminhando a elas as queixas imediatamente no primeiro dia útil seguinte. Somente dá continuidade ao “processo” quando não existe no município Delegacia de Defesa da Mulher.

Percebe-se nesse ponto que hoje as delegacias comuns se incumbem somente de registrar as ocorrências, poucas são as medidas efetivamente tomadas, sendo elas somente nos casos mais graves.

A segunda questão levantada foi: Quais foram as mudanças?

Segundo os delegados das delegacias de defesa da mulher, as mudanças são as relacionadas quando da promulgação da Lei, tanto a Maria da Penha como a Lei do Feminicídio, uma vez que passaram a existir as medidas protetivas. Já para as delegacias comuns, basicamente continuaram sendo atendidas as queixas da mesma forma, só que agora dando atenção as leis, quando da falta de Delegacia de Defesa da Mulher no município.

Nesse mesmo aspecto questionamos se os policiais e servidores que atuam na Delegacia tiveram algum tipo de treinamento para se prepararem para esse tipo de caso. Obtivemos como resposta para as delegacias de defesa da mulher que não, eles foram treinados pelos padrões normais da Polícia Militar e/ou Civil e, para as delegacias comuns, não foi realizado nenhum “novo” treinamento.

Assim julgamos pertinente perguntar em que consiste o treinamento obtido pelos agentes. Para as delegacias de defesa da mulher, são os procedimentos padrões da escola de formação de um policial e, para as delegacias comuns permanecem os policiais/investigadores com o treinamento normal de formação.

Relativamente a essas questões pudemos constatar que não houve nenhum tipo de preparo por parte dos agentes que recepcionam essas denuncias nas delegacias, sejam elas comuns ou de defesa da mulher. Há interesse maior nas delegacias de defesa da mulher em oferecer um tratamento diferenciado às vítimas, diferente do que ocorre nas delegacias comuns.

Outra questão levantada foi: Há diferenças claras no atendimento previsto em delegacias comuns (que atendem o feminicídio) e as delegacias de mulheres? As delegacias de defesa da mulher responderam que não. Somos orientados a enquadrar todo crime de morte de mulher que sofreu abuso, assédio, agressões, como femínicídio. Já nas delegacias comuns, sempre quando se trata de homicídio feminino, o mesmo é encaminha a DDM. O atendimento inicial é padrão.

Ainda existe bastante dificuldade de como enquadrar o crime como feminicídio. Não existe, por parte de todas as delegacias métodos aplicados, ainda que de forma subjetiva, sobre como classificar esses crimes. Isso reflete fundamentalmente a falta de treinamento por parte dos agentes que acolhem essas denuncias.

Seguida a essa questão perguntamos se existe algum procedimento específico para os companheiros das vítimas serem reabilitados? Para as delegacias de defesa da mulher a resposta foi de que para os autores do crime não há. Eles são encarcerados. Para as delegacias comuns simplesmente não.

Questionamos ainda sobre quais são os procedimentos adotados? Nas delegacias de defesa da mulher a resposta foi: Nós recebemos a denúncia, a vítima tem até 180 dias para decidir pela instauração do inquérito. Quando a vítima mostra existir perigo eminente e solicita ajuda, solicitamos as medidas protetivas judicialmente. Só o juiz pode deliberá-las, procedimento que ocorre normalmente dentro de 24 horas a partir da solicitação. Já nas delegacias comuns: São as medidas protetivas previstas em lei para a vítima.

Existe aqui certa preocupação nas delegacias de defesa da mulher em se fazer cumprir a lei, de modo que ela se torne eficaz, o mesmo fato não ocorre nas delegacias comuns. O que se vê é que o efetivo dessas delegacias deveria ser treinado para que a lei obtivesse maior eficácia.

Perguntamos se existem medidas preventivas aplicadas sobre os companheiros das vítimas no sentido de evitar que um crime de alta gravidade aconteça. Para as delegacias de defesa da mulher sim, são as medidas protetivas apresentadas pela lei: Afastamento do agressor do lar, encaminhamento da vítima para abrigo, quando há abrigo no município (Sorocaba tem), impedimento do agressor se aproximar da vítima (“x” metros de distância...). Para as delegacias comuns a resposta foi genérica: as mesmas previstas em lei.

No mesmo sentido perguntamos quais são os procedimentos iniciais tomados pela Delegacia para o andamento e instauração de processo? Existe aqui assistência emocional e psicológica à vítima? Nas delegacias de defesa da mulher a resposta foi: Para a vítima sim, há acompanhamento psicológico. Na verdade ela deve agendar estas assistências no departamento específico da prefeitura do município. Dentro da delegacia, não há. Para as delegacias comuns: Existe sim atendimento para a vítima.

Foi constatado que existe atendimento para as vítimas desses crimes, mas que o mesmo não acontece de forma fácil, a vítima deve procurar por esse atendimento.

Questionamos os delegados ainda sobre qual é a incidência de crime de FEMINICÍDIO chega nesta delegacia por mês. Obtivemos resposta do delegado da delegacia de defesa da mulher em Itapetininga, que nos disse que houve pouquíssimos casos. Tiveram muitos casos de agressão e de ameaças. Receberam aproximadamente 80 queixas por semana. Recordou-se de um caso de feminicídio ocorrido há alguns anos, em que o namorado matou a vítima e a mantinha no porta-malas do seu carro. Numa batida policial, o corpo foi encontrado! Acrescentou que no município de São Miguel Arcanjo, não houve crime de feminicídio. Também em Itapetininga, na delegacia comum, foi dito que não houve registro de feminicídio nesse último ano. Em outras delegacias não obtivemos repostas.

Assim, julgamos necessário perguntar se houve um acompanhamento estatístico dos casos tipificados como feminicídio, ano a ano, desde 2015. Em caso positivo, indagamos se seria possível termos acesso a esses dados. Tanto nas delegacias de defesa da mulher quanto nas delegacias comuns, as respostas obtidas foram que devem existir os compilados e divulgados pela Secretária de Segurança do Estado, mas que somente eles podem divulgá-lo. Tentamos acesso a estes dados através do site da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo mas, os mesmos não estão disponíveis pois atualmente o serviço encontra-se  desatualizado.

Voltamos a perguntar quais são os procedimentos técnicos adotados, considerando a proteção e a integridade da vítima. De forma genérica, nas duas delegacias, a resposta foi à mesma: os procedimentos são os previstos em lei!

Por fim perguntamos: Por esta ser uma Delegacia da Mulher, quais diferenciais que esta delegacia oferece em relação às delegacias comuns para o atendimento do feminicídio? A resposta foi: Na verdade as DDMs atendem não só questões da mulher como também de crianças.  Não entendo que existam diferenças no atendimento. Apenas a exclusividades dos casos relacionados a mulheres e crianças. Os modus operandi são os mesmos.

Seria imprescindível existir atendimento diferenciado, face que uma lei própria foi criada para esse fim, como se observa novamente voltamos a questão da falta de treinamento dos agentes.

Continuamos com o trabalho de pesquisa em campo, abordando duas psicólogas clinicas que possuem consultório em Tatuí. Abaixo a análise das respostas alcançadas.

A primeira questão levantada foi: Como podemos identificar um possível agressor de mulheres? A primeira resposta foi: É importante ressaltar que muitas vezes a agressão não é só física, mas, na maioria dos casos, inicialmente ocorre verbalmente e posteriormente passa à agressão física, quando o agressor está dentro de casa, ou seja, marido, namorado, companheiro. Na maioria das vezes, tendem a rebaixar a autoestima da vítima, inferiorizando-a verbalmente, fazendo-a sentir-se culpada por determinados comportamentos e atitudes e tornando-as dependentes e preocupadas com novas brigas ou possível separação e, desta forma, acabam aceitando esse tipo de violência.

Apresentam atitudes como:

-Individualismo, ou seja, só percebem as próprias necessidades e acreditam que as coisas devem ser do seu jeito e, se isso não acontece, ficam irritados.

- Os comportamentos de raiva, brigas e acesso de fúria são justificados como se os outros fossem culpados por tudo que lhe causa descontrole.

- Necessidade de menosprezar a companheira publicamente

- Ciúmes excessivos: necessidade de controlar cada passo da companheira e saber tudo que ela faz e veste.

- Em muitas situações acreditam que as pessoas querem tirar proveito dele de alguma forma.

A segunda resposta obtida foi: Pessoa agressiva geralmente vem de lares agressivos, pais abusivos e machistas muitas vezes criam filhos que dão pouco valor às mulheres. Adolescentes agressivos com histórico de brigas físicas e abuso de substâncias químicas tendem a ser agressivos com suas parceiras.

A segunda questão levantada foi sobre o tratamento: É possível tratar uma pessoa que apresenta propensão a cometer um crime contra a mulher? Tendo como resposta primeira: Acredito que é possível o tratamento. Pensando que o agressor pode carregar diversas questões psicoafetivas como insegurança, baixa autoestima, percepção da realidade distorcida o tratamento seria benéfico. O que é difícil, na maioria dos casos, é estes agressores perceberem a necessidade de tratamento psicológico.  Acreditam que não tem nada de errado com seu jeito de ser e, em alguns casos após a agressão sentem-se arrependidos e “prometem” que não repetirão aquele comportamento o que não é realidade.

Já a segunda resposta: Sim todo individuo pode se reconhecer como agressor e se tratar para lidar melhor com suas frustrações e agressões

A terceira questão foi: Como a mulher pode se livrar dos laços afetivos que a unem ao agressor ou a um possível agressor? A primeira resposta foi de que é importante que as pessoas que estão ao seu redor lhe ofereçam apoio e acolhimento. Neste momento, o que menos a vítima precisa é de julgamento ou crítica. Desta forma, poderá enfrentar seus medos e inseguranças e romper este laço. Ressalto, também, a importância de buscar ajuda profissional para lidar com suas questões afetivas e conseguir enfrentar a situação.

A segunda foi de que as mulheres precisam trabalhar sua autoestima e perceber que apesar do amor ela precisa se valorizar como pessoa e se cuidar mais

O quarto questionamento que se seguiu foi: Na sua visão é possível para a mulher, depois de ter identificado no homem os traços de um possível agressor, continuar a viver com ele? A primeira resposta foi sim, em muitos casos continuam vivendo com o agressor ou possível agressor. O medo, insegurança e a dificuldade em aceitar uma possível separação, fazem com que elas continuem vivendo com eles.

A segunda foi: Sim muitas mulheres continuam vivendo com seus agressores por medo, amor, ou por achar que merecem esse tratamento por parte do parceiro.

E por último perguntamos: Quantos anos de exercício de profissão você possui? Quantos casos de violência à mulher você já recebeu em seu consultório? O resultado sempre é a separação do casal? As respostas obtidas foram: Atuo na área de psicologia há 14 anos. Neste momento não me recordo de realizar atendimentos relacionados a agressão da mulher. Tenho 30 anos de clínica psicológica e já atendi centenas de casos de agressão física, emocional, sexual e moral. Muitos casos acabam em separação, mas não todos infelizmente.

Em todas elas é importante destacar que existe sim a possibilidade de ser reconhecido um possível agressor dentro do ambiente familiar ou mesmo profissional. Oque não existe, ao menos de forma eficaz, são meios de tratá-los, visto que a maioria das mulheres mesmo após essa identificação opta por continuar a viver com eles pelos mais variados motivos.

Todas as questões levantadas nas duas pesquisas realizadas apontam-nos para uma mesma reflexão: Existe eficácia na aplicabilidade da lei? Vê-se que a preocupação por parte dos legisladores na maioria das vezes é nobre, mas a depois da criada a lei poucos são os mecanismos criados para a mesma se torne eficaz. Ouvimos ainda que o efetivo ainda é pequeno, ainda falta pessoal para atendimento. É importante destacar que se faz hoje necessário a criação de plantões policiais para as delegacias de defesa da mulher. Foi confidenciado pelo delegado da delegacia Comum de Tatuí, que aos finais de semana a incidência de crimes contra as mulheres é maior e, justamente nesse período encontramos as delegacias fechadas.

A lei Maria da Penha criou o juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher. Sua finalidade é trazer um atendimento mais célere para a mulher e resolver ações cíveis e criminais em uma mesma vara. Segundo os delegados entrevistados não existe aqui um juizado específico para a mulher, as medidas protetivas quando solicitadas são atendidas na ordem que chegam ao juizado pelas varas criminais existentes. Um deles ainda confidenciou que 80% dessas solicitações de medidas protetivas são hoje recusadas e, que muitos juízes alegam inconstitucionalidade da lei nesse aspecto. O argumento é de que a lei por diversas vezes fere o principio da igualdade contemplado pelo artigo 5º, Inciso I da nossa Constituição, uma vez que não trata ambos de forma igual. Esse argumento é levado em conta quando se trata de denuncia por ameaça sem prova substancial.

Nesse sentido a lei também trouxe medidas protetivas de urgência, que protegem a vítima da violência doméstica. Com essas medidas, por exemplo, pode-se exigir que o agressor não viva mais na mesma casa que a vítima, entre outras possibilidades. Como se observa o lapso temporal para aplicação dessas medidas é um ponto fundamental para que o crime não se concretize. Muitas vezes a demora e a recusa pelo judiciário na aplicação dessas medidas corroboram para o fato aconteça.

Outro importante ponto que a lei veio trazer e que na prática como observamos em nossas visitas não tem ocorrido de maneira eficaz é que diz respeito ao fato de, a mulher agredida ter direito à assistência em múltiplos setores, como psicológico, social, médico e jurídico. Como vimos nem sempre existe nas cidades locais que atendam esse recurso e, sobretudo quando se trata de ameaça a vítima quase sempre é responsável por ir atrás desses atendimentos, ficando muitas vezes a mercê de seus algozes.

As entrevistas com as psicólogas reforçam a nossa impressão de que muitas vezes é possível sim identificar um possível agressor no ambiente familiar ou doméstico, mas tão mais difícil é convencer essa pessoa a buscar tratamento, mais laborioso ainda encontrar tratamento eficaz e, por último de sobremaneira penosa cortar os laços que a unem a esse possível agressor.


3. Considerações finais

Grandes são os desafios para que seja eficaz a aplicação das Leis 11.340/06 – Lei Maria da Penha e 13.104/15 – Lei do Feminicídio.

Ao escrever o artigo sobre o tema feminicídio, foi possível adentrar no mundo das violências de todos os tipos, desde as mais brandas, até as mais graves, cometidas contra as mulheres.

Quando identificamos a origem do problema sob a perspectiva de onde advém a questão de gênero, é notório que tal questão aprofunda-se em tempos remotos de nossa história. Sendo esse um fato tão antigo, criou-se a cultura ao longo dos anos de banalizar o assunto. Durante décadas a mulher foi tratada no seio familiar como “coisa” ou “objeto” e, no pior cenário encontrado, nossa lei sempre a inferiorizou pelo simples fato de ser mulher.

Quando outros países já se encontravam muitos anos à frente do Brasil nas questões que envolvem a defesa da mulher, aqui a discussão se fortaleceu somente após a repercussão de casos de notoriedade nacional, entre eles o mais importante que envolveu a senhora Maria da Penha Maia Fernandes, vítima emblemática da violência doméstica, cuja luta originou a lei que leva seu nome. A lei veio trazer novas diretrizes com institutos e medidas protetivas importante às mulheres no âmbito doméstico (laços de convivência) e no âmbito familiar (laços de parentesco).

Com a criação da lei que qualificou o crime cometido contra a mulher por questão de gênero como feminicídio, avançou-se mais um passo na luta pela defesa de todas as mulheres, embora seu entendimento seja ainda subjetivo.

Um passo importante na conclusão do presente artigo foi sem dúvida a pesquisa realizada em campo. Ao visitarmos delegacias gerais e de defesa das mulheres em diversas cidades, pudemos constatar em primeiro plano o grande número de ocorrências oriundas de violência doméstica ainda diariamente. Embora tenhamos encontrado dificuldade em obter os números dos registros. Apenas a delegacia de defesa da mulher da cidade de Itapetininga nos apontou um número aproximado de ocorrências de forma genérica. Mas dados estatísticos que trouxemos a voga demonstra claramente essa triste constatação.

Em segundo plano tornou-se conhecido por nós a dificuldade encontrada na aplicação da lei, fato que foi nitidamente percebido ao nos depararmos com delegados que lamentam que o crime cometido contra a mulher ainda é difícil de ser combatido, seja pelo lapso temporal que a lei determina para que se aplique as medidas protetivas, pela assistência por parte do Estado ou município concedida às vítimas, ou ainda pela dificuldade da própria vítima em cortar os laços que a une ao agressor. Este último fato ficou demonstrado com clareza pelas psicólogas ás quais dirigimos nosso questionário a respeito da identificação da vítima.

A realidade que permeia hoje nossas delegacias ainda é a de falta de efetivo preparo dos agentes que no dia a dia de suas tarefas lidam com a problemática da violência doméstica. O primeiro ponto que observamos seria a necessidade de criação de um método que identificasse já no primeiro atendimento a ocorrência do crime de feminícidio, ou ainda a possibilidade de que ele venha a ocorrer. Ocorrendo essa identificação, ficaria mais fácil a exigência das medidas protetivas que propõe a lei, uma vez que não faltariam argumentos necessários. Aqui cumpre ressaltar que recentemente foi negado ao delegado a possibilidade de concessão de medidas protetivas de urgência a mulheres na iminência de sofrerem agressões, ainda que em caráter provisório. O delegado substituto da delegacia de defesa da mulher da cidade de Itapetininga apontou o lapso temporal de 24 a 48 horas entre o pedido e a concessão da medida protetiva pelo judiciário como crucial para a proteção da mulher, visto que muitos crimes ocorrem quando a mulher já fez a denuncia da agressão sofrida e, não encontrou eficiência na aplicabilidade da lei. Esse fato se torna ainda mais danoso quando a agressão ocorre aos finais de semana ou feriados, períodos que se encontram fechadas as delegacias de defesa da mulher e as denuncias são recebidas nas delegacias comuns. Nesse sentido se julga necessário a existência de um plantão policial para a mulher.

Outro fato importante seria a existência em todas as cidades de uma casa de acolhimento à vítima impedida de retornar ao seu lar na iminência de sofrer nova agressão, coisa que efetivamente não se cumpre nos municípios de nosso país. Algumas cidades possuem esse acolhimento, sobretudo as maiores como Sorocaba e Itapetininga. Em Tatuí não obtivemos essa informação e nas cidades menores elas não existem, o que implica em um importante fator de risco para todas as mulheres.

De igual importância seria o atendimento psicológico oferecido à vítima. Hoje, como informado, é dever dela buscar esse atendimento, que é oferecido na rede pública de saúde. Como é notório a todos, o acesso a esse atendimento nem sempre ocorre de maneira fácil e eficiente, por diversas vezes é um processo moroso, defeito do nosso sistema de saúde. Além disso, as vítimas nem sempre procuram por esse atendimento por não julgar necessário ou até mesmo por não encontrar forças para buscá-lo. Seria fundamental a existência de um encaminhamento direto por parte das delegacias de defesa da mulher a esse atendimento, bem como encontrar nesse atendimento, profissionais preparados para lidar com os casos de violência doméstica.

Em nossa busca por informações nos deparamos com o fato de nenhuma delegacia possuir dados estáticos relativos os número de ocorrências do crime de feminícidio ou dos outros crimes previstos na lei Maria da Penha. Ao buscar essas informações no site da Secretaria de Segurança Pública o encontramos desatualizados. As informações estatísticas são dados relevantes no processo de evitar a ocorrência desses crimes. Ao analisar esses dados podemos observar onde sua ocorrência é maior, de que forma e maneira ele ocorre e a partir daí, criar métodos de apoio e proteção às mulheres.

Enfim, é perceptível que ainda existe um longo caminho para que seja eficaz a aplicação das leis que protegem o bem mais precioso de uma mulher, ou seja, a vida e sua dignidade. As diretrizes apontadas pela ONU dão ênfase ao dever do poder público de proteger e garantir a vida de todas as mulheres ao afirmar que o feminicídio é um crime evitável e que o Estado tem a responsabilidade de formular medidas de responsabilização, proteção e prevenção.

Assim, o ponto que salta aos nossos olhos é a falta de treinamento de todos os agentes nas propostas trazidas pelas leis. O preparo dos profissionais que trabalham nas delegacias é um ponto primordial na aplicabilidade da lei. O Estado deveria promover treinamento diferenciado a esse profissional baseado naquilo que é proposto pela lei. A necessidade de criação de lei específica para combater a violência doméstica evidenciou o quão grande é o número desses crimes. Se foi necessária a criação dessa lei, é imprescindível que exista treinamento que torne eficaz a sua aplicabilidade.

Tendo um efetivo devidamente preparado, as delegacias de defesa da mulher devem oferecer um plantão policial aos finais de semana e feriados, o que disponibilizaria um atendimento diferenciado às mulheres nesse período, fato que não ocorre nas delegacias comuns. O enquadramento na lei, a detecção do crime de forma objetiva ofereceria imediatamente a vítima a ajuda necessária naquele momento.

Por fim, o Estado deveria colocar à disposição de todas as delegacias, ferramentas eficientes para o registro dessas ocorrências. A sugestão seria a existência de um aplicativo que compilasse as informações necessárias para todas as delegacias, e que essas mesmas informações, fossem periodicamente enviadas á Secretaria de Segurança Pública Estadual, que os remeteria á União, criando assim números absolutos e efetivos desses crimes. Essa ferramenta faria com que fossem detectadas as carências que possuem hoje nossos municípios e a polícia de maneira geral, na aplicabilidade da lei e na prevenção da ocorrência de crimes relacionados à mulher.

Ao apresentar esse artigo á toda comunidade, esperamos suscitar nos municípios, nos estados e nos mais variados meios de convivência social, discussões acaloradas e, sobretudo, contribuições significativas que possam tornar eficaz a aplicação de nossas leis.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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TELES, Maria A. de Almeida. MELO, Mônica. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2002.


Autores

  • Cesar Augustus Mazzoni

    Advogado e parecerista (2002), pós graduado em direito empresarial (2013) e direito administrativo (2018). Professor no Curso de Direito da FAESB - Faculdade Santa Barbara de Tatuí. Professor no Curso de Direito da Faculdade de Cerquilho - FAC. Especializado em Direito Aeronáutico, Administrativo, Contratos e Empresarial.

    Textos publicados pelo autor

  • MARIA CHRISTINA TRIELLI AVILA

    MARIA CHRISTINA TRIELLI AVILA

    aluna do 3º semestre da Faculdade de Direito da FAESB de Tatuí/SP.

    Textos publicados pelo autor

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  • LUÍS FERNANDO DE OLIVEIRA

    LUÍS FERNANDO DE OLIVEIRA

    aluno do 3º semestre da faculdade de direito da FAESB de Tatuí/SP.

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  • Emanuel Santos Françani

    Emanuel Santos Françani

    Graduação em Faculdade de Direito pela Fundação Karnig Bazarian (2004). - Pós-Graduação "Lato Sensu" em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus (2014). Formação Profissional: - Ex- Investigador de Polícia - Polícia Civil de São Paulo (período de novembro/1997 a maio/2007). - Atualmente é Delegado de Polícia - Polícia Civil de São Paulo (desde maio/2007). - Professor na Faculdade de Ensino Superior Santa Barbara (FAESB) - Tatuí/SP

    Textos publicados pelo autor

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  • Vanúzia Almeida Rodrigues

    Vanúzia Almeida Rodrigues

    graduação em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas - USP, graduação em Economia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestrado em Sociologia pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas - USP (2006) e Doutorado em Ciências Humanas pelo Programa de Pós-Graduação de História Social da FFLCH - USP (2017). Atua como professora de ensino superior da Rede Privada. A experiência profissional mais longa foi na Universidade Nove de Julho, onde atuou no ensino presencial e EAD, ministrando diversas disciplinas, entre as quais: Sociologia, C. Sociais, Ciência Política, Antropologia, Ética Profissional e Empresarial, Governança Corporativa e Empreendedorismo Social e Ambiental, Ética e Cidadania e Responsabilidade Social e Ambiental para os cursos de Administração, Direito, Economia, Ciências Contábeis, Recursos Humanos. Atualmente ministra aulas na Faculdade de Ensino Superior Santa Bárbara - FAESB.

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  • TALITA SARTORI

    TALITA SARTORI

    então aluna do 2º semestre da Faculdade de Direito da FAESB de Tatuí/SP.

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